Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel > Foto 32 A > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.
Foto (e legenda) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.
I. Três comentários do nosso amigo e camarada António Rosinha, ao poste P17920 (*):
1. No início da Guerra do Ultramar houve sempre uma enorme falta de diálogo entre quem chegava ("tropa") e quem residia ("brancos").
Nunca houve diálogo entre os "brancos" e "tropa", antes pelo contrário. A mentalidade de quem chegava para combater os "turras", diziam os oficiais milicianos, e não só, que estavam ali por culpa dos "brancos" que trataram mal os "pretos" e estes revoltaram-se.
Testemunhei isto em Angola, ao vivo e a cores.
E insistia-se, e ainda hoje se ilude muita gente, que os comerciantes ("brancos") roubavam os "pretos", quando na realidade, para quem viu por dentro,os comerciantes eram os únicos brancos que se entendiam em várias línguas com o povo.
O comerciante que não tivesse uma afinidade e confiança total com o povo, (várias etnias) podia fazer as malas e mudar de vida, pois falia muito rapidamente
Nem os missionários nem chefes de posto, (metropolitanos, indianos ou cabo-verdianos) tinham o conhecimento e o relacionamento com os povos, igual ao dos comerciantes.
Foi esta gente o grosso dos "brancos", colonialistas, exploradores e futuros retornados, que nem Spínola, nem Lobo Antunes, nem os alferes-de-coimbra, chegaram a compreender.
E gente como os estudantes do império, Pedro Pires, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, etc. souberam explorar maravilhosamente esse desentendimento, "tropa" versus "brancos".
Se em Angola, não na Guiné, a "vitória era certa" contra os "turras", u ma das razões que ninguém menciona, era um entendimento mútuo dos comerciantes, e mesmo capatazes de fazendas, poliglotas, e sua prole, com os povos, que formavam uma barreira onde o adversário era naturalmente repelido.
Claro que muitos comerciantes ficaram reféns, como este Rendeiro, pois tinham família para cuidar.
O comerciante que não tivesse uma afinidade e confiança total com o povo, (várias etnias) podia fazer as malas e mudar de vida, pois falia muito rapidamente
Nem os missionários nem chefes de posto, (metropolitanos, indianos ou cabo-verdianos) tinham o conhecimento e o relacionamento com os povos, igual ao dos comerciantes.
Foi esta gente o grosso dos "brancos", colonialistas, exploradores e futuros retornados, que nem Spínola, nem Lobo Antunes, nem os alferes-de-coimbra, chegaram a compreender.
E gente como os estudantes do império, Pedro Pires, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, etc. souberam explorar maravilhosamente esse desentendimento, "tropa" versus "brancos".
Se em Angola, não na Guiné, a "vitória era certa" contra os "turras", u ma das razões que ninguém menciona, era um entendimento mútuo dos comerciantes, e mesmo capatazes de fazendas, poliglotas, e sua prole, com os povos, que formavam uma barreira onde o adversário era naturalmente repelido.
Claro que muitos comerciantes ficaram reféns, como este Rendeiro, pois tinham família para cuidar.
Só falo do que vi.
2. A maioria dos comerciantes oriundos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho e gradualmente por aí abaixo, com dezenas de anos de trópicos, com famílias constituidas lá, brancas ou mestiças, tinham opinião bem mais formada do que qualquer Governador, com comissões de 4 anos, ou Generais e Intendentes de passagem como cão por vinha vindimada ?
E que «antiguidade" devia ser um posto?
É que aquela gente sabia bem mais que qualquer PIDE, que mais que evidente, tiveram pouco sucesso, deviam ser aproveitados inteligentemente, como em muitos casos aconteceu em Angola, para na língua materna dos povos se fazer em directo, a tal luta da psico-social.
Falar os idiomas nativos era sucesso garantido para aquela guerra, comprovadíssimo em Angola.
Só eles mesmo é que tinham esse trunfo nas colónias africanas, a tropa nunca entendeu completamente esse pormenor, e em Angola, só a partir de certa altura (1966 mais ou menos)é que aproveitou os imensos poliglotas que eram esses comerciantes e sua prole.
Atenção que, se olharmos para o PAIGC, MPLA e FRELIMO, tinham na sua direcção, filhos ou netos dessa estirpe de gente, (brancos ou mestiços)e vejam quem ficou no "poleiro" em todas as colónias.
No entanto, havia muitos movimentos que ficaram todos a ver navios, eram os tribais.
O "pau de dois bicos" dos comerciantes não era propriamente dar informações militares aos "turras", até porque a maioria pouco saberiam do que se passava nos quarteis mais do que qualquer garoto que vivia à volta dos quarteis.
O pau de dois bicos constava em simplesmente em fazer aviados de mantimentos aos "turras" sem os denunciar, caso não pudessem evitar. Eram casos conhecidos publicamente, caso de madeireiros em Angola.
E pelo que se deduzia na Guiné em conversas entre velhos comerciantes, após a luta, com Luís Cabral a mandar, aconteceria esse "fenómeno", era o desenrascanço.
Os únicos que já não eram periquitos, eram esses velhos comerciantes do mato, porque até os da cidade nunca chegaram a saber bem o que se passava no cabeça dos indígenas e dos brancos.
Ao fim de 30 anos nos trópicos, sou um periquito, porque nunca falei com um indígena na sua língua.
3. É natural que da maioria dos militares que passaram pelas colónias, mesmo aqueles que tinham papéis de comando, a nível quer de pelotão ou companhia ou quer a nível de batalhão, só poucos se teriam debruçado sobre o que era o "comércio de permuta", que se praticava no interior, não nas cidades, no caso da Guiné, Bissau apenas.
Mesmo em Gabu e Bafatá, quer comerciantes fulas ou caboverdeanos que ficaram com as lojas dos europeus, retornados, alugadas ou usurpadas a estes, ainda praticavam em alguns casos , o comércio de permuta.
Isto em 1987, residi um ano em Gabu onde fui inquilino numa casa de um desses antigos portugueses.
Por exemplo uma simples bola de cera de mel de Canjadude, para ser negociada entre a família vendedora e o comerciante, requeria um diálogo em que se discutia o que podia valer de coisas das prateleiras que podiam interessar aos elementos da família.
Desde óleo, sal, panos, chinelos chineses, arroz...e isto tudo usando argumentos em que na colheita anterior bola de cera idêntica ainda estava na memória de todos, o que tinha rendido.
Quem diz uma bola de cera, diz um carneiro, uma vaca, ou o mesmo saco ou bacia ou balaio de arroz ou mancarra após cada safra.
Quando se diz que o comerciante "roubava na balança", ou no rol, isso era conversa de merceeiro das nossas velhas aldeias, ali essa da balança podia contar para o controle do próprio comerciante, mas não contava nada para o cliente, aliás, na permuta, eram clientes quem estava do lado de dentro ou de fora do balcão.
Quero com isto dizer que para ganhar dinheiro naquele tipo de negócio, era preciso uma especialização para quem saía das nossas terrinhas, algumas destas que arderam agora, nem com coimbra-e-tarimba se chegava lá.
Nem com comissões de dois ou quatro anos de função pública, e canudo universitário se chegava a entender o que era aquele trabalho.
Quando se fala em «periquitos», esta gente seriam aqueles que na realidade não eram periquitos.
E alguns desses comerciantes tinham uma particularidade. é que chegavam a dominar dois e mais idiomas tribais, porque era-lhes necessário, o que lhe granjeava o respeito muito particular entre os populares.
No caso da Guiné, todos os comerciantes que quiseram ficar, continuavam, após o 25 de Abril, e até com protecção mais ou menos garantida, embora fossem sapos que alguns dirigentes tiveram que engolir.
Só que com o regime comunista/cabralista instalado, já nada compensava insistir em tanta incongruência e desordem económica e a maioria foi saindo de vez.
Além de Spínola, eram os comerciantes aquilo que os guinenses tinham mais lembranças nos primórdios da libertação.
A independência tinha que ser, e o que tem que ser...!
Mas tenhamos mais respeito pela inteligência daqueles povos, já que os vencedores, alguns "Estudantes do Império", se esqueceram tanto desse mesmo povo. (**)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 31 de outubro de 017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...
(**) Último poste da série > 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17862: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (52): Das pequenas recordações dos vários quartéis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium