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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25008: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (23): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Janeiro e Fevereiro de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

23 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

João Moreira



MÊSES DE JANEIRO E FEVEREIRO 1971

Foto/Postal de Natal para a família
Avioneta que danificou uma asa ao aterrar no Olossato.
Avioneta a ser metida dentro do Noratlas, em Fevereiro de 1971.
Avião Noratlas que foi ao Olossato buscar a avioneta.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24984: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (22): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Dezembro de 1970

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Quanto mais se aprofunda o caudal de acontecimentos ocorridos no tempo da governação Arnaldo Schulz mais cresce a convicção da injustiça que a historiografia comete observando infundada e repetidamente que tudo quanto se passou antes da chegada de Spínola foi um encadeado de negligências e decisões mal tomadas. Veja-se neste episódio que hoje ponho à vossa consideração as dificuldades em ter meios aéreos suficientemente capazes para fazer contraponto à intensidade da guerrilha: os nossos esperados aliados recusavam equipamento, era o seu modo de dizer que não contassem com eles para a nossa guerra em África; e a péssima relação estabelecida entre a retaguarda e a frente, nada a tempo e horas; e como os autores relevam, tudo se escrevia de Bissau para Lisboa, ninguém ignorava que tínhamos equipamentos obsoletos e que o PAIGC gradualmente nos ia passando a perna, até chegarmos aos dramas de 1973 e à incapacidade de resposta, basta recordar que não tínhamos arma compatível com o morteiro 120. Mas a historiografia mantém o mantra de que foi necessário chegar Spínola para pôr tudo em ordem...

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando as questões-chave enunciadas pelos autores no início da sua obra, torna-se evidente que tanto o Comandante-Chefe como o Comandante da Zona Aérea tinham a noção exata que nos meios aéreos postos à disposição da frente da Guiné eram poucos e de funcionamento deficiente, eles relevam a questão das peças de substituição que chegavam tardiamente, a despeito de pedidos sucessivos, e o exemplo mais flagrante é dado pelo Dakota, havia três, mas só um em pleno funcionamento. E a questão dos recursos humanos também se revelava crucial.

De 1966 a 1967, a Zona Aérea só podia contar com 40 pilotos para preencher 52 lugares na tripulação, e mesmo assim era uma melhoria significativa relativamente a 1963. “Dada a intensa atividade naquele teatro” informava Schulz o Ministro da Defesa, Manuel Gomes de Araújo, em março de 1967, “a falta de pilotos implica um desmesurado trabalho para os operacionais”. Esta escassez de pessoal devia-se a mau planeamento, cronogramas de rotação inoportunos e uma relutância geral entres os pilotos para se voluntariarem para o serviço na Guiné, tudo conjugado com más remunerações.

A Zona Aérea protestava sistematicamente com a falta de aeronaves adequadas. Os oficiais superiores queixavam-se repetidamente do escasso potencial de transporte de helicópteros, da falta de uma plataforma para ataque rápido, transporte aéreo inadequado para aquele teatro de operações e uma anémica capacidade de bombardeamento. A grave deficiência notada sobre as hélices foi resolvida com a introdução do helicóptero Alouette III, foram atribuídos à Zona Aérea, em março de 1966, em número de nove. No tocante ao transporte aéreo de asa fixa na Guiné, as forças portuguesas enfrentaram uma contradição operacional peculiar. O pequeno tamanho da Guiné, com a prevalência de florestas e pântanos, com fortes chuvas sazonais e inundações de marés, obrigavam as forças portuguesas a confiar nos meios aéreos, tanto para os transportes como para as operações. Na estimativa do Coronel Abecasis, o transporte aéreo era a única opção em 85% do território, a disponibilidade de meios existentes ficava aquém das necessidades, eram elementos que constaram do relatório do comandante militar em outubro de 1966, o que significava que as operações de reabastecimento não podiam ser realizadas com a devida oportunidade devido à falta de capacidade de transporte aéreo, o que exigia ao fretamento de aeronaves civis; na verdade, a Zona Aérea recrutava rotineiramente aviões dos Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa, até se ter encontrado uma solução com a compra de aeronaves de transporte Noratlas, mas só ficaram disponíveis a partir de 1971; por isso, as tropas portuguesas tinham que confiar na variedade de embarcações de carga, para além da imprescindível colaboração dos meios da Marinha.

Igualmente preocupante era o facto do C-47 Dakota ter recebido a tarefa adicional de colaborar em bombardeamentos. De 1965 a 1966, os três Dakotas, equipados com suporte de armas improvisados e uma mira rudimentar foram utilizados como bombardeiros noturnos em operações, como foi o caso da Operação Resgate de 1965. A despeito de todos os esforços, a escassez de opções para usar meios de ataque era notória. E esta deficiência tornou-se mais evidente quando forem retiradas duas aeronaves de patrulha marítima P2V-5 Neptune; estes aviões, também usados como bombardeiros improvisados voltaram para Portugal em 1966 por exigências norte-americanas. Para restaurar esta capacidade, Lisboa procurou adquirir 25 bombardeiros médios English Electric Canberra B.2, que o Governo britânico recusou vender quando Lisboa se recusou a garantir que os bombardeiros não seriam usados nos seus conflitos coloniais. Portugal procurou obter nos EUA 24 bombardeiros B-26 Invader, excedentes da Segunda Guerra Mundial, também Washington recusou devido às suas próprias restrições sobre a venda de armas em Lisboa. Procurou-se através de um fornecedor privado norte-americano comprar aeronaves, 7 D-26 foram entregues a Portugal, mas a operação foi interrompida pelas autoridades dos EUA, só 2 foram usados na Guiné e apenas durante escassos meses.

Em consequência desta incapacidade de adquirir bombardeiros médios, a Zona Aérea ficou dependente de caças táticos e aeronaves de ataque ligeiro no seu esforço ofensivo, a questão mais aguda que se punha no início de 1966 era a falta de uma plataforma de jatos para ataques rápidos. No início da guerra, três anos antes, o Comando Aéreo pôde empregar até 8 caças F-86F Sabre e T-6 Texan, mas em 1964 venceu a pressão norte-americana para retirar os F-86F, o que deixou o lento e antiquado T-6 como o único recurso de ataque rápido ao dispor da Zona Aérea, Schulz tinha a noção da importância do Comando Aéreo na sua estratégia, nomeadamente a capacidade da FAP a fornecer apoio de fogo às forças de superfície, ele concordava com os comandantes aéreos que os T-6, por si só, eram insuficientes para estas missões. O T-6 teve a sua origem na década de 1930, não foram concebidos como aviões de guerra, não tinham a blindagem, tanques de combustível autovedantes e outras características de aeronaves de combate. Em 1964, já se reconhecia que os T-6 se revelavam cada vez mais vulneráveis face à melhoria constante dos dispositivos antiaéreos do inimigo, como Schulz revelou ao Ministro da Defesa, Gomes de Araújo.

Os pilotos portugueses reclamavam quanto às metralhadoras do T-6 que frequentemente ficavam encravadas devido à idade e ao desgaste, isto enquanto o inimigo, conhecedor da velocidade lenta da aeronave barulhenta, sabia como quebrar o contacto com as nossas forças antes dos T-6 chegarem ao local. No outono de 1966 limitava-se a utilização do T-6 em missões de escolta, dando apoio às colunas terrestres e ao tráfego fluvial, faltava uma aeronave adequada para fazer temer o PAIGC nas emboscadas e outros ataques de bate e foge.

Para resolver a lacuna na capacidade ofensiva, procurou-se adquirir variantes de F-86, construídas no Canadá. A Luftwaffe, da Alemanha Ocidental, tinha recentemente retirado a Canadair CL-13 Sabre Mk.6 substituindo-os por F-104. Ciente destas conversações, Washington mostrou-se inflexível e fez de lobby para impedir o seu uso na África portuguesa, e mesmo o Canadá manifestava relutância em satisfazer o pedido português: o Canadá recusou a venda apesar das garantias portuguesas que a aeronave “deveria ser utilizada em território português e estrita e exclusivamente em missões defensivas”. Ainda se pensou em afetar à Base de Bissalanca os F-86 sediados em Monte Real, mas considerou-se que tal medida abriria hostilidades com os EUA. A FAP procurou recorrer novamente à República Federal da Alemanha para remediar o seu défice de caças de ataque. Como parte de um acordo com Bonn, Lisboa negociou o uso da Base Aérea n.º 11 (Beja) à Luftwaffe. Adicionalmente, foi proposta a compra de novos caças leves Fiat G.91-R4 fabricados sob licença na Alemanha Ocidental. Tratava-se de uma aeronave originalmente destinada para a Grécia e a Turquia, fora rejeitada por essas nações que preferiam o design norte-americano, e foram oferecidos a Portugal a um preço vantajoso, acordado em 8 de outubro de 1965. Como parte do esforço de aquisição, denominado Projeto Feierabend, nove pilotos da FAP e um contingente de pessoal de manutenção foram tirar um curso na Alemanha, antes da chegada dos primeiros oito G.91. No final de março de 1966, as primeiras quatro aeronaves mandadas chegaram à Guiné por mar, e o no dia 6 de maio, o Tenente-Coronel Hugo Damásio testou o primeiro Fiat na Base Aérea n.º 12. Em meados do verão, 7 G.91 estavam já montados e um oitavo ficou ao serviço em novembro.

General Venâncio Deslandes, secretário-adjunto do secretário-geral da Defesa Nacional, ao tempo (Arquivo do Ministério da Defesa)
Espaldões da Base Aérea N.º 12 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Vista aérea da Base Aérea N.º 12 em meados da década de 1960 (Coleção de José Nico)
Um Noratlas pertencente à Esquadra 92 “Os Elefantes”, sediada em Angola (Coleção Chris England)
Um Dakota (Coleção Virgílio Teixeira)
Um P2V-5 Neptuno e um F-86 Sabre na Ilha de Sal, Cabo Verde (Coleção Touricas)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 1 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24930: Notas de leitura (1646): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VI: A maioria dos colaboradores eram militares e administradores coloniais, além de escritores

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24774: As nossas geografias emocionais (8): Aldeia Formosa, ao tempo da 3ª C/BCAÇ 4513/72 (1973/74) (José da Mota Vieira, ex-fur mil at inf)


Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > Vista aérea de Aldeia Formosa, no 1º plano; a  seguir, o quartel do comando, CCS e 3ª C/ BCAÇ 4513/72; e ao fundo a pista de aviação.  
 

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1974 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) > Aterragem do avião militar, o Nord Atlas, na pista de Aldeia Formosa. 


Foto nº 3 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1974 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) >   O Nord Atlas na pista de Aldeia Formosa. 


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) >  Capela da povoação 


Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) > O fur mil at inf, José da Mota Veiga, da 3ª Companhia, sentado num bidão da Sacor, na horta e pocilga do batalhão.


Foto nº 6 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973  > BCAÇ 4513/72 (1973/74) > Os fur mil Vicente e Mota Vieira
    

Foto nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) >
O fur mil José da Mota Vieira, "na companhia do Mamadú Djaló, um grande amigo: o que  será feito dele?"

Fotos (e legendas): © José da Mota Vieira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Originalmente estas imagens estavam alojadas no portal Prof2000, que foi decontinuado: tinha uma excelente galeria de fotos, enviadas por antigos combatentes da região de Aveiro ; era "um projecto com serviços de suporte à formação de professores a distância e de apoio às TIC nas escolas", tendo como público-alvo "Escolas, Centros de Formação, Centros Novas Oportunidades, professores, projectos de escola e comunidade educativa em geral". A página estava alojada no Agrupamento de Escolas José Estêvao (AEJE) > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital.(*)

Ficámos a saber que uma decisão tomada em Lisboa, na Av 5 de Outubro (?), teve um efeito sísmica neste portal, como nos conta o coordenador do projeto (email: henriquejcoliveira@gmail.com ).

"Os responsáveis pela manutenção dos servidores do Ministério da Educação e Cultura, ao fim de 18 anos de compilação de documentos, eliminaram todo o espólio cultural do projecto comunitário AVEIRO E CULTURA. Todas as hiperligações tiveram de ser refeitas para o novo alojamento, pelo que, eventualmente, algumas poderão não funcionar. Por isso, agradecemos a informação, para podermos corrigir o erro. Obrigado."

O O ARQUIVO DIGITAL tem "como objectivo a constituição de uma base colectiva de imagens, de livre utilização, abrangendo todas as áreas temáticas. As imagens podem ser obtidas de diferentes suportes: fotografias antigas, postais, diapositivos, etc.".


2. Informação adicional: 

Ver o blogue do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Buba e Nhala, 1973/74). Contactos: E-mail: batcac4513@gmail.com | Editores (ex-fur mil, 3ª companhia): Adalberto Costa Silva (telem: 965 816 315) | Jaime Joaquim dos Santos Ramos (telem: 917 221 437).

O BCAÇ 4513/72  tem igualmente uma página no Facebook, mais dinâmica. Julgo que seja mantida pelo Jaime Ramos (que vive em Avintes, Vila Nova de Gaia). Não há nenhuma referência ao nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) nem à nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça).

Mas já temos vários camaradas do BCAÇ 4513 como membros da Tabanca Grande. Fica aqui mais um poste da série "As nossas geografias emocionais" (**). Fica também aqui o convite ao José da Mota Vieira para integrar a integrar a Tabanca Grande, formalizando o sua resposta através de um dos emails dos editores, por exemplo; luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Eu só espero que o coautor José Augusto Matos esteja a acompanhar criticamente esta adaptação de partes essenciais do seu livro que eu aqui faço um tanto às três pancadas, desconhecedor que sou da terminologia mais fiável e inclusivamente a leitura que eu faço e procuro transcrever de aspetos essenciais não corresponderá ao olhar dos autores, daí o pedido de auxílio a quem sabe da poda. O que aqui se elenca é a escolha, com os recursos possíveis, de aeronaves que melhor se adaptassem à realidade do solo guineense. Quando, em 1961, já não era possível camuflar mais que em breve iria eclodir a luta armada foi necessário apetrechar Bissalanca a diferentes níveis, tinha que ser aeródromo civil , dispôr de hangares, pistas bem mantidas, uma proteção de segurança, instalações compatíveis com as forças dotadas para a permanente intervenção. E os autores vão nos dando explicações quanto à natureza das aeronaves, dando os porquês daquelas que vingaram, caso do DO-27, dos Alouette II e III, do Dakota, do Noratlas e do Fiat G-91, revelaram-se preponderantes, deram uma colaboração extraordinária, até que a supremacia aérea foi posta em causa.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de zona aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte.

Quando os primeiros pilotos da FAP chegaram em julho desse ano, ainda não encontraram em funcionamento qualquer centro de operações ou alojamentos de pessoal, foram preciso mais 6 meses para dar por concluídas as melhorias essenciais e a base aérea de Bissalanca iniciar as suas operações. De acordo com a classificação apresentada pelos autores, temos uma base aérea e aeródromos de manobra e trânsito. Bissalanca não podia apoiar todas as atividades da FAP, daí ter-se criado uma rede de mobilidade, o ponto focal era o aeroporto do Sal, uma plataforma para operações na Guiné ou para a Base Aérea n.º 9 em Luanda. Com os aperfeiçoamentos introduzidos em Bissalanca, aqui puderam aterrar aviões de carga, incluindo o Boeing 707. Procurou-se igualmente estabelecer uma rede de aeródromos e pistas auxiliares para maior apoiar as unidades de superfície. Identificaram-se 28 pistas de aterragem, mas nenhuma foi pavimentada e apenas uma poderia ser usada pelo DC-3 ou aeronave similar. A maior parte destas pistas podia receber aviões utilitários leves e vários aeródromos (Bafatá, Tite e Bubaque) foram melhorados para acomodar caças com motor de pistão e Bubaque passou a dispor de logística como aeródromo suplente de Bissalanca. Apareceram posteriormente aeródromos em Cufar, Nova Lamego e Aldeia Formosa. No aceso da guerra, havia mais de 70 campos de aterragem, uma boa parte deles não passava de clareiras ou trechos abertos de estradas. Ao longo da guerra na Guiné, os aviadores portugueses chegaram a fazer até 7 surtidas por dia para estas pistas rudimentares.

Os planos elaborados em 1960 previam um complemente de 4 aeronaves de observação, transporte médio e apoio de fogo para estarem permanentemente na base aérea de Bissalanca. Este dispositivo foi alterado depois das primeiras flagelações, em 1963 (houve um antecedente, perpetrado por um movimento rival do PAIGC, o Movimento de Libertação da Guiné, que atacou S. Domingos, Susana e Varela em julho de 1961, mas que não passaram de incidentes que levaram a maioria dos residentes europeus a fugir para Bissau. Por essa altura já a FAP tinha começado a transferir aeronaves militares para os territórios africanos envolvidos em conflito. Em fevereiro de 1961, a FAP deslocou 12 F-84 para Luanda, em agosto desse ano chegaram os primeiros helicópteros Alouette II. No verão de 1961, já havia uma expetativa de rebelião na Guiné e Moçambique, a Guiné recebeu dois aviões Dakota e um Auster, mas os ataques do movimento de libertação da Guiné exigiram que se despachasse para ali caças F-84. E havia pedidos para pôr na Guiné F-86, a operação denominou-se “Atlas”. Em agosto de 1961, oito aviões Sabre chegaram à ilha do Sal, este contingente chegou a Bissalanca em 15 de agosto. Os pilotos portugueses do F-86 passaram rotineiramente a permanecer 3 meses na base aérea, com funções de reconhecimento. Chegaram depois dois T-6 desmontados e encaixotados por via marítima. No início de 1962, oito T-6 tinham sido montados e organizados como esquadrilha de apoio de fogo. Na opinião de peritos da FAP, o T-6 representou um bom compromisso entre simplicidade, facilidade de manutenção, durabilidade, carga e flexibilidade para dar apoio de fogo às forças terrestres. Chegaram igualmente Texans e Harvards, que tinham servido na Argélia e foram equipados para fazer fogo e lançar bombas. Mais tarde, a Alemanha Federal forneceu T-6, DO-27 e caças G-91.

Os T-6 eram os aviões considerados menos apropriados para ataques contra bases do PAIGC ou concentrações de guerrilheiros, devido ao ruído dos motores e à sua baixa velocidade, sobretudo. O T-6 precisava de 2 a 3 minutos para metralhar ou lançar uma bomba, ficando exposto a fogo terrestre hostil. Para muitos era considerado um estorvo nas operações. Contudo, tornou-se no avião de ataque a solo da FAP na Guiné e assim permaneceu até ao fim da guerra. A aeronave de patrulha marítima Lockheed P2V-5 Neptune foi introduzido na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné nessa época, quando o F-86 e o T-6 se estrearam em África. Portugal tinha adquirido uma dúzia de aeronaves oriundas da Holanda em 1960 e a sua implantação foi imediatamente reconhecida como uma prioridade operacional, devido ao seu longo alcance e resistência, transporte de carga pesada e capacidade de monitorar a atividade costeira. Chegara a Bissalanca em 1961, mas os dois Neptunes, tripulações e pessoal de manutenção transferiram-se para o Sal no início de 1962. No ano seguinte, os P2V-5 realizaram operações marítimas e de reconhecimento terrestre sobre a Guiné e ilhas adjacentes procurando cartografar as possíveis rotas de infiltração do movimento insurgente. No entanto, as reparações exigiam longos períodos de inatividade enquanto não chegavam as peças ou os especialistas da base aérea do Montijo. Também estas aeronaves eram obrigadas a regressar ao Montijo após 60 horas de voo para inspeção programada e manutenção. Contra as dificuldades, aquele destacamento que fora criado em 1961 teve que ser dissolvido, e a partir de então um par de aviões P2V-5 e suas tripulações permaneciam em permanente estado de alerto no Montijo, prontos para ajudar as forças portuguesas em Cabo Verde e Guiné, sempre que necessário.

Para as missões de transporte em distâncias médias, a FAP contava com o Dakota, desde 1961 que havia um disponível em Bissalanca. Pelo menos em 1967 e 1968 os aviões Dakota foram também usados para lançar paraquedistas em grandes operações terrestres. As tarefas de observação, ligação e transporte mais leve recaíam originalmente em aviões como os Auster e Broussard, que tiveram passagens relativamente curtas na Guiné até serem substituídos pela DO-27, a partir do final de 1963. A FAP realizou testes com o DO-27, de fabrico alemão, a partir da primavera de 1961 e descobriu que a sua capacidade, resistência e versatilidade eram ideais para o serviço em África. O DO-27-A4 tinha uma autonomia de mais de 6 horas, carregava equipamentos da rádio VHF e HF, incluindo um conjunto ARC-44 que permitia a comunicação de voz com as forças terrestres. Entraram ao serviço entre dezembro de 1961 e janeiro de 1962, estava-lhes destinado uma longa permanência na Guiné entregando cargas, fazendo reconhecimentos, evacuando pessoal doente ou ferido, acompanhando equipas de comando, entre outras missões. Nenhuma outra classe de aviões teve um peso tão simbólico na guerra aérea na Guiné.

Como tem vindo a ser observado, os helicópteros revelaram-se insubstituíveis. O primeiro helicóptero foi adquirido em França, era o Alouette II, três deles foram enviados para Bissalanca e prontamente usados em funções de ligação, logística, evacuação médica, até terem sido suplantados, em 1966, pelos Alouette III. Não levantavam problemas de substituição de peças, como era o caso dos F-86 e o P2V-5, que exigiam manutenção depois de 10 a 15 horas de voo, vivia-se uma situação agravada pela falta de técnicos qualificados.

A falta de peças, equipamentos de manutenção e respetivo pessoal foi sempre um tormento para a FAP na Guiné, mesmo quando chegou o Noratlas e o Fiat G.91, foi sempre uma escassez que acompanhou a presença da FAP durante toda a luta de libertação.

Aeródromo de Nova Lamego, que dispunha de T-6 e Alouette III (Coleção Virgílio Teixeira)
Base aérea e aeródromos do ZACVG
Kaúlza de Arriaga cumprimentando pilotos dos F-86 destacados para a “Operação Atlas” no Montijo (Coleção Conceição e Silva)
Capitão Almeida Brito, um dos pilotos do F-86 envolvidos na “Operação Atlas”. Será anos mais tarde vítima de um míssil Strela, na Guiné (Coleção Conceição e Silva)
Um F-86 à noite na ilha do Sal (Coleção Conceição e Silva)
Os F-86 em Bissalanca, ao lado do T-6 e C-47 (Coleção Lobo Fernandes)
Mapa da Operação Atlas (Matthew M. Hurley)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 2 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23852: Notas de leitura (1529): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte IV: Os cafés de estudantes e a crise académica de 1962 em Lisboa (Luís Graça)

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22561: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVI: O regresso de férias e o terceiro murro no estômago


S/l > s/d > Nordatlas – A viagem de uma vida!!!… Foto; cortesia do blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné  




O ex- furriel mil Joaquim Costa, Natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. 
Tem quase pronto o seu livro de memórias, 
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) 

Parte XVI:
O regresso de férias: O terceiro murro no estômago 

 Chegado de férias a Bissau, levo logo com um murro no estômago. Sou informado por camaradas em trânsito que, num ataque ao Cumbijã, com o conhecido canhão sem recuo do IN, manobrado por Cubanos, uma granada atingiu um grupo de soldados da companhia, dentro do destacamento, provocando um morto e vários feridos. Foi mau demais. Ao primeiro passo na Guiné sentir que tudo estava como deixei, ou pior...

Passei o dia arrasado, reconfortado por um conterrâneo, 1.º cabo especialista da Força Aérea, pensando que o melhor era tentar retardar o meu regresso a Cumbijã o mais possível, arranjando todo o tipo expedientes para conseguir tal desiderato. O normal era aguardar a LDG de abastecimento até Buba, esperar pela coluna para Aldeia Formosa e depois apanhar a coluna da água, diária, de Aldeia para o Cumbijã.

O abastecimento de água e outros produto para o Cumbijã continuava a ser feito diariamente com uma coluna da responsabilidade da nossa companhia, onde corríamos riscos permanentes, pois foi numa destas colunas que sofremos a primeira baixa.

Vou dormir ao quartel dos Adidos em Bissau amparado pelo meu conterrâneo que me fez uma visita guiada pelos locais de frequência obrigatória na cidade. Encharcado de ostras, cerveja e whiskym  não me saíam da cabeça as notícias do ataque ao Cumbijá e a perda de mais um amigo. Não dormi um segundo que fosse, sempre com o Cumbijã na mente e com o pensamento na “família adotiva” que estava a viver mais um momento dramático.

Levantei-me cedo, obcecado com a partida urgente para o Cumbijã. Não suportava mais uma noite em Bissau.

Fui saber quando estava prevista a minha partida, ao que fui informado que iria na LDG que partia dentro de 3 dias. Insisti que tinha muita urgência em regressar. Depois de alguns contactosm foi-me sugerido ir no Nordatlas (avião de transporte de carga e passageiros dos anos 50) para Aldeia Formosa, que partia nesse dia.

A viagem de Nordatlas, carregado só com carga, foi surreal. Sentado num banco rebatido, de costas para uma pequena janela, com o cinto bem apertado devido à trepidação, e com os pés em cima de sacos de batatas, transportou-me para imagens da segunda guerra mundial. Para além de batatas, era todo o tipo de produtos, supostamente frescos, alguns já em putrefação dado o cheiro a podre dentro do avião.

Não havia uma peça ou uma chapa do avião que não batesse, dando a sensação que tudo se ia desintegrar. Fiz a viagem em permanente sobressalto, com mais receio da falha do motor, que a cada momento me parecia que ia acontecer, do que dos famosos mísseis terra ar Strela.

 A aterragem, na pista de terra batida em Aldeia Formosa, deslizando no terreno enlameado e saltitando de buraco em buraco até se aninhar definitivamente (acompanhado de um grande suspiro de alívio deste passageiro improvável), foi o pináculo do medo. Situação só comparável à minha primeira visita à Madeira, com os destroços bem visíveis do avião da TAP que tinha caído meses antes (19 de Novembro de 1977 e onde morreram 131 pessoas), aterrando numa pista mais pequena que a de Aldeia Formosa[?], com católicos e ateus a rezarem quando o avião se faz à pista, com aplausos, vivas ao piloto e abraços de gente que não conhecia de lado nenhum...

Não tenho memória de ter caído na Guiné nenhum destes aviões, embora reza a história que, sempre que aterrava, já só levantava com a intervenção dos “milagreiros” dos técnicos.

Toda a minha ânsia de chegar ao Cumbijã não foi, obviamente, nenhum arrebatamento heroico (o medo estava lá), simplesmente concluí que me sentia muito mais seguro e confortável em casa (em Cumbijã, junto da “família”) do que em Bissau. Cidade que mal conheci, da qual guardo uma vaga ideia e uma má memória com a fuga ao “Caifás”, que será revelada no próximo capítulo...

Continua...
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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16937: Memórias de Gabú (José Saúde) (66): Noratlas


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem, desta sua série.

As minhas memórias de Gabu

Noratlas

Os estridentes sons que rompiam no horizonte

O Noratlas é um avião de transporte militar de construção francesa, sendo que o asa delta foi um bimotor construído pela Nord-Aviation na década de 1940. Ao que se sabe o número de exemplares iniciais terão rondado os cerca de 400 exemplares e o concurso público lançado pela Força Aérea Portuguesa para a sua aquisição registou-se em 1947, encomendando-se então dois protótipos os quais foram construídos no ano seguinte.

Conhece-se, porque é real, que a aeronave foi substancialmente utilizada pela Força Aérea na guerra colonial, ou guerra do Ultramar, como muitos dos camaradas preferem chamar-lhe. Não vamos pois entrar pelo campo do pormenor, tão-pouco alimentar opiniões que cada um perfilha e que muito respeitamos.

Em Gabu passei horas infinitas a fazer proteção avançada ao dito cujo. Os estridentes sons dos motores do Noratlas perdiam-se nos azulados céus guineenses e na imensidade de um horizonte sempre infindável.

Se o aterrar e o levantar voo na pista nova de Gabu era por vezes muito rápida, outras ocasiões havia em que todo o processo se protelava no tempo. Logo, a duração da visita, em chão fula, obedecia a desconhecimentos de causa horária que levava o pessoal da proteção avançada nunca consumir informações plausíveis sobre uma previsível inconstância temporária entretanto deparada. Sentíamos, sim, que situações houve em que os ponteiros do relógio, embora rolando de mansinho, atiravam o pessoal para o desespero.

O Noratlas era um aparelho possante e que servia para transportar as tropas e outros bens que as hostes militares sediados no mato muito bem acolhiam. Mantimentos frescos, entre outros, ou ainda correio, proveitos religiosamente sempre esperados com ansiedade.

Voei no Noratlas quando se deu a nossa retirada de Gabu. Creio que no dia 5 de setembro de 1974, se a memória não me falha e após a entrega do aquartelamento ao PAIGC. O seu interior era substancialmente amplo. Os bancos eram colocados nas laterais, sendo o barulho dos motores ensurdecedores.

Mas como a viagem se pautava pela alegria do regresso a Lisboa, sendo que pelo meio ficou uma breve estadia no Cumeré, os sons vindos dos ditos motores era matéria de somenos importância.

Sei que o trajeto entre Gabu e Bissau deixou-me saudades. Foi a primeira vez que experimentei viajar a bordo do Noratlas. Claro que o desconforto da aeronave foi coisa de menor importância.

O meu registo do avião passava pelas muitas horas em que me aprontei com o meu grupo a defender a sua segurança. Ou, noutras ocasiões em vê-lo, por fora, para recolher o material transportado para a região de Gabu, sob o controlo do BART 6523. 

E foi precisamente numa dessas tarefas que morreu o soldado Damásio. Eis um pequeno texto que retirei do meu livro “GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU”, que relata o fatídico fim:

“Em parte incerta da obra “AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU”, tive o cuidado em expressar, com enfâse, que houve mortes que nada tiveram a ver com o conflito. Sou testemunha de uma morte estúpida, e única, de um soldado da CCS do meu Batalhão na pista de aviação, numa situação considerada aparentemente normal e quando nada o fizesse prever. Mas infelizmente aconteceu.

Coube-me a tarefa para tratar o assunto de perto. Chamava-se simplesmente Damásio e era um dos soldados do meu grupo. Numa manhã, perfeitamente vulgar, o soldado Damásio integrou um grupo cujo objetivo único passava por descarregar bens alimentícios originários de Bissau e que vinham a bordo de um avião. Fez-se o habitual cordão para facilitar o serviço, sendo que o Damásio se colocou entre as duas viaturas destinadas ao carregamento.

Num ápice, uma das viaturas tentou a aproximação a outra que se encontrava estacionada por perto e numa manobra arriscada – marcha atrás – embateu na traseira da outra, sendo que o embate ficou marcado, infelizmente, pela morte imediata do Damásio que naquele momento se encontrava entre as duas viaturas. Foi horrível. Morreu esmagado.

Como um dos líderes do grupo, tive a missão de organizar o espólio do infeliz Damásio e enviá-lo depois para a família. Não foi fácil lidar com toda a situação. O Damásio era um moço educado. Fazia amigos, facilmente. E eu fui um deles. Sei que guardei durante vários anos um documento onde tinha descriminado todas as suas pertenças pessoais que na altura mandei para os seus familiares. Nada faltou. Lembro-me do derradeiro adeus. As lágrimas dos camaradas que viram partir para a eternidade – a tal viagem sem regresso – um jovem que vivia, certamente, um mundo de sonhos.  

Senti, na altura, o vazio nas almas que se abateu sobre os seus familiares. Como explicar-lhes tamanha fatalidade! E nós, homens que convivíamos com ele diariamente, lá longe sem nada podermos transmitir aos seus entes queridos. Impunha-se aconchegar o seu profundo desespero, todavia a distância ditava, apenas, o carpir mágoas pelo seu infeliz último adeus. Ficavam as amarras do silêncio. 

O Damásio ficou-me eternamente na memória.  Até sempre, camarada!"


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

7 DE NOVEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16696: Memórias de Gabú (José Saúde) (65): Ramos, Furriel Miliciano/Ranger que desertou para o PAIGC



sexta-feira, 27 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8334: Tabanca Grande (289): António Luiz Figueiredo, ex-Fur Mil TRMS TSF (Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74)

1. Mensagem de António Luiz Figueiredo*, ex-Fur Mil TRMS TSF, Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74, com data de 25 de Maio de 2011:

Olá Carlos Vinhal
Peço desculpa pela demora, mas creio que reuni os requisitos primários para poder integrar a família TABANCA GRANDE.
Espero ter conseguido.

Estarei ao dispor para fornecer outro tipo de dados.
Este blogue é fantástico.

Um abraço
Luiz Figueiredo


GUINÉ - 1972-1974

António Luiz Silva Figueiredo - Fur Mil TSF

Em Abril de 1972 lá fui eu até à Guiné.
Divisas novas e reluzentes de oiro sobre os ombros, transmitiam coragem e jactância suficientes para desvanecerem a ansiedade de quem vai pisar um palco de guerra. Sim, era um mistério que se avolumava.

Como seria “viver” num clima de guerra? Como seria África? Como seria a Guiné? Mas não havia medo. Somente a doutrina do patriotismo alertava a minha mente. Era preciso continuar Portugal.

Embarquei no Figo Maduro num avião militar, que julgo ter sido um DC-6. Barulhento e com muita tremideira. Grandes afundanços nos poços de ar que nos tiravam o fôlego.
Ao fim de algumas horas aterrava na Ilha do Sal em Cabo Verde. Pela primeira vez sorvia o éter africano. Gostei. E para refrescar lá foi uma “bejeca” S. Jorge.
Ao fim de uma horita retomámos a rota para a Guiné. E aí o calor matava. De tal modo que quase não dei pelos “pios” com que os velhos camaradas “residentes” nos brindaram à chegada. A praxe estava instituída. Compreendia-se.

Aí estava Bissalanca ao fim de uma tarde abafada, com um pôr-do-sol magnífico. No momento em que pisei o solo africano pedi a bênção dos Céus. Simplesmente inebriante.

Um autocarro levou-nos até à cidade de Bissau, ao Agrupamento de Transmissões.

No dia seguinte apresentei-me ao Comandante de Companhia. Com um sorriso profundamente arrogante, o capitão disse-me que eu ia substituír o furriel que tinha cessado a comissão de serviço, num local que era uma autêntica colónia de férias: Pirada.

 Localização de Pirada, no Norte da Guiné, junto à fronteira com o Senegal

Aquilo não me dizia nada. Ele ficou a olhar para mim de sorriso cínico até às orelhas. Parecia um cow-boy, de pistola no coldre e cinturão descaído. Estava de oficial-de-dia. Os meus camaradas mais velhos quando souberam, pintaram a manta: Pirada era um potencial alvo do inimigo. Um dos piores locais da Guiné, lá bem juntinho ao marco 69, na fronteira com o Senegal.

Após uma ou duas semanas de estágio, um avião Nordatlas levou-me até Pirada. Não me pareceu tão mau como diziam. Pista de aviação, quartel com instalações recentes, razoável messe e muitas tabancas na periferia. O posto de rádio do STM que eu ia chefiar era um autêntico “bunker”.

A minha especialidade era TSF. Sabia umas “coisas” do código Morse, essa bela linguagem de traços e pontos, mas a trabalhar com a chave era um autêntico “pato-bravo”. Em contrapartida tinha quatro radiotelegrafistas que operavam com saber, destreza e dedicação. Eram fantásticos. Eu zelava pela operacionalidade dos equipamentos, pela manutenção das instalações e pelo bem-estar dos meus subordinados. E tudo correu bem.

Depressa estabeleci amizades no seio do batalhão ali sediado, que era o BCAV 3864, próximo do fim de comissão.

Até que havia de chegar o dia do meu “baptismo” de guerra.

Por vezes, depois do jantar, eu e mais dois camaradas, íamos até às tabancas e conversávamos com a população. Se esta estivesse recolhida, era um sinal de perigo e regressávamos ao quartel. Eram cavaqueiras agradáveis.

Numa noite calma de junho, sem indícios de perigo para nós e para a população, estalou o verniz.

Cerca das 22 horas ouvimos um rebentamento. Em simultâneo, bolas de fogo começaram a passar por cima das nossas cabeças em direcção ao quartel. Perdi de vista os meus camaradas. Também deixei de ver os africanos. Ouvi alguém dizer para me deitar no chão. Estava indeciso: deitar-me no chão ou fugir para o quartel? Alguns nativos rastejavam a meu lado.

O bombardeamento acelerava. Ouvia vozes, masculinas e femininas, a dizerem: “furriel deixa-te estar deitado”. O gado berrava. Algumas tabancas começaram a arder e um clarão iluminava o aldeamento.

Pensava muito nos meus pais e nas minhas irmãs e julgava que não mais os voltaria a ver. Tentei levantar-me mas logo senti mãos que me obrigavam a permanecer deitado. As portas do Inferno estavam escancaradas. Era aterrador.

Pensei: o inimigo entrou no aldeamento e não tarda nada apanha-me à mão. Então, num impulso tresloucado ergui-me e comecei a correr a toda a velocidade para o quartel. Se contasse para os jogos olímpicos, estaria depois no pódio com uma medalha de ouro ao peito. As bolas de fogo sobrevoavam a minha cabeça. Comecei então a ouvir o nosso obus a argumentar. Na porta de armas não ouvi nem vi nenhuma sentinela. Se ela dissesse: quem vem lá, pare. Eu não teria ouvido nada, pois o barulho era ensurdecedor. E poderia ter sido baleado. Atirei-me para a guarita da sentinela em êxtase. A respiração estava descontrolada. Alguém me levou para o posto médico, quase a desfalecer. E comecei a ressuscitar.

Os obuses calaram o inimigo. Eu estava todo arranhado, mas vivo. E assim foi o meu baptismo.

Em agosto levei com a segunda dose, mas mais uma vez os deuses estiveram do nosso lado.

Em novembro vim de férias. Não voltei a Pirada. Fui deslocado para Teixeira Pinto.

Em agosto vim de férias. E fiquei em Bissau até maio de 1974. Sou militar no activo durante o 25 de abril. O meu substituto chegou a Bissau de cabeleira farta e cravo na lapela. Viva Portugal.


2. Comentário de CV:

Caro Luiz Figueiredo, bem aparecido de novo na Tabanca. Já por cá passaste duas vezes, mas à terceira resolveste juntar-te à tertúlia. Fizeste bem, porque tens cá um pequeno grupo de camaradas das TSF, sendo o mais antigo, ou pelo menos um dos mais antigos, o Hélder Sousa. Se mais não for, só por isto já te sentirás em família.

Tinha eu poucos de dias de Guiné, conheci na Messe de Sargentos de Mansoa um camarada que tinha vindo de Pirada. Isto em 1970. Nunca na minha vida voltei a ver alguém tão apanhado do clima como ele. Porque não mais me esqueci desse camarada, quando me falam de Pirada imagino logo o pior.

Terás muito que contar já que estiveste em três locais diferentes. Tendo cada um as suas particularidades quanto a guerra e condições de serviço, ficas desde já convidado a escrever as memórias que retens desses locais. Hás-de ter aí por casa umas fotos guardadas que julgavas não servirem para nada a não ser para tu as veres de vez em quando. É chegada a hora de elas serem famosas. Digitaliza-as e manda-as para nós as publicarmos.

Não quero terminar sem antes te deixar um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores que esperam te sintas bem entre nós.

Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

20 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7968: O Nosso Livro de Visitas (108): Luiz Figueiredo, Fur Mil TSF, Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74
e
10 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8077: O Nosso Livro de Visitas (111): António Luiz Figueiredo procura saber notícias do pessoal que com ele conviveu na sua comissão

Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8328: Tabanca Grande (288): Apresenta-se o José Manuel Carvalho, Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7808: FAP (61): Passageiro, de classe única, do Nordatlas, em viagem inolvidável de Bissau até Bafatá, via Nova Lamego, com lançamento de géneros por pára-quedas ao longo do percurso (Mário Miguéis)



Força Aérea Portuguesa > s/d > s/l > Um Nordatlas estacionado na pista...Segundo o nosso camarada (ex-Fur Mil Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/73), na Guiné, "o Nordatlas e o Dakota prioritariamente transportavam tropas e carga em volume elevado, também evacuações em que se justificava o seu uso e sempre só em meia dúzia de pistas". 



1. Comentário, bem humorado, do nosso camarigo Mário Miguéis (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, BambadincaSaltinho, 1970/72), ao poste P7802 (*)


Caros amigos/camaradas:

Para além de ter assistido, cá de baixo, a alguns reabastecimentos por pára-quedas a partir de Nordatlas, tive a "sorte" de, pelo menos por duas vezes, assistir ao mesmo tipo de lançamentos, mas do interior das ditas aeronaves. 

Aconteceu em viagens de Bissau para Bafatá - uma delas via Nova Lamego - comigo à boleia, tal como os géneros, que que foram lançados em três pontos distintos em cada uma das viagens. Quem lançava as encomendas pelo "alçapão" eram dois páras, devidamente equipados, não fossem, por acidente, sair amarrados à mercadoria. 

Entretanto, os pôdres Nordatlas voavam em círculo sobre os campos de lançamento - normalmente clareiras em plena mata, mas não muito distantes das bases a reabastecer - , proporcionando aos desgraçados passageiros de classe única um barulho ensurdecedor e enjoo generalizado, com toda a gente a vomitar ou perto disso. (Ainda hei-de escrever qualquer coisinha sobre a maior dor de ouvidos da minha vida). 

Nós, os tesos e desenrascados - leia-se inventivos - portugueses, até uma GMC eramos capazes de fazer voar, a tal obrigassem as circunstâncias.

Um abraço,

Mário Migueis



2. Comentário do Artur Soares [, foto à direita,] ao mesmo poste: 


Luís: na época das chuvas, nós, no XITOLE, também eramos reabastecidos pelo NORDATLAS, sobretudo de frescos e correio, porque nessa época das chuvas, a picada ficava intransitável.
Acontecia algumas vezes, os pára-quedas ficarem pendurados nas  árvores, o que era uma chatice.



Abraço
Artur Soares
(ex-Fur Mil Mec Auto,
CART 3492/BART 3873,
Xitole, 1972/74)

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Nota de L.G.: