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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26255: Fotos à procura de... uma legenda (191): a 4ª e última foto por identificar não pode ser o reordenamento e a pista da "minha" Gadamael, em finais de 1971 (Morais da Silva, cor art ref)

 

Guiné > Região de Tombali >  s/l > finais de 1971  > Foto nº 20 (reordenamento por identificar)


Guiné > Região de Tombali >  s/l > finais de 1971  > 
Foto nº 20A (detalhe)  (reordenamento por identificar)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1971 > Vista aérea do reordenamento de Gadamel e da pista de aviação   > Foto s/n (1)


 Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1971 > Vista aérea do reordenamento de Gadamel e da pista de aviação  (detalhe)  > Foto s/n (2)


Guiné > Região de Tombali >  s/l > finais de 1971 > 
Foto nº 20B (detalhe) (reordenamento por identificar)


Guiné > Região de Tombali >  s/l > finais de 1971  > 
Foto nº 20C (detalhe) (reordenamento por identificar)


Fotos (e legendas): © Morais da Silva (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Bedanda, rio Cumbijã e, a sudoeste, Cufar, Mato Farroba, Ilhéu de Infandre e Príame (Catió).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Cor art ref
Morais da Silva

(i) cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar (e depois, mais tarde, professor de investigação operacional na AM, durante cerca de 2 décadas); 

(ii) no CTIG, foi comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre jan 1971 e fev 1972; instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga;  adjunto do COP 6, em Mansabá; 

 (iii) fez parte do Grupo L34, na Op Viragem Histórica, no 25 de Abril de 1974; 

(iv) é membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 150 referências no blogue.


1. A foto nº 20 é mesmo a última das 4 fotos aéreas do álbum do cor art ref Morais Silva (*) de que falta identificar a localização (**).
 
O fotógrafo diz que a foto nº 20 pode ter sido tirada a um reordenamento dos arredores de Catió.  

Recorde-se, mais uma vez,  que o cor art ref Morais Silva andava a "rearrumar" fotos do seu álbum da Guiné. Mas tinha umas tantas, sem legendas... E pediu-nos "ajuda"...

São vistas aéreas, tiradas de avioneta quando um dia, em finais de 1971, foi fazer uma visita de cortesia, camaradagem e amizade ao Augusto José Monteiro Valente (1944-2012), cmdt da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedu, 1970/72) (precocemente falecido, com o posto de maj gen ref).

Na altura, ele comandava, desde janeiro de 1971, a CCAÇ 2796, os "Gaviões", em Gafamael. A caminho de Catió tirou umas tantas fotos ("slides"), incluindo umas quatro ou cinco do quartel e reordenamento de Gadamael.

Reconstituindo o seu percurso de avioneta (DO 27 da FAP ou Cessna dos TAGP), já vimos que:

  • ele seguiu para sul, ao longo do rio Cacine;
  • sobrevoou Cacine (foto nº 30);
  • atravessou a península de Cubucaré (que é delimitada pelos rios Cacine e Cumbijã);
  •  tirou uma foto ao destacamento de Cabedu (nº 29);
  • e chegou finalmente a Catió (fotos nºs 23 e 25). (*)

Recorde-se que, na altura, em finais de 1971, o PAIGC ainda estava fortemente implantado no Cantanhez. A reocupação da península de Cubucaré começa só em 12 de deembro de 1972 (Op Grande Empresa), não havendo aqui, até então, reordenamentos feitos pela NT.

Onde terá sido, pois, tirada esta última foto (nº 20) ? Catió, Príame, ilhéu de Infandre, Mato Farroba, Cufar, na margem direita do rio Cumbijã ?

2. O Valdemar Queiroz, o Manuel Reis e o Virgílio Teixeria dizem que é Gadamael. O Luís Mourato Oliveira e o António Graça de Abreu dizem que não é Mato Farro (contrariando o palpite de Luís Graça) (*).

Comentário do cor art ref Morais Silva ao poste P26189 :


Comparem-se as fotos aéreas de Gadamael e a que não sei identificar (nº 20). Conclua-se que esta não é de Gadamael, porque:

Reordenamento de Gadamael (pista na direcção Norte-Sul)
  •  parte Norte do Reordenamento PARALELA à pista e APENAS a Oeste dest
  • quadriculado da construção na totalidade do reordenamento

  • inexistência de vegetação expressiva no interior da área construída

  •  inexistência de profusão de traçados de “pé posto” no interior

Foto ainda não Identificada

  • não há PARALELISMO COM A PISTA
  • há construção nas duas áreas laterais da pista
  • vegetação expressiva no interior
  •  profusão de traçados de pé posto

2024 M11 26, Tue 22:00:01 GMT (***)


________________

Notas do editor:



(***) Último poste da série > 4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26229: Foto à procura de... uma legenda (190): O Portugal do Minho a Timor... O passatempo teve pouca participação, afinal não dava... "patacão".

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26210: Lembrete (49): Tabanqueiros/as do Centro, que não vos falte o fôlego para apagar amanhã as 100 velas do bolo!



Logo da Tabanca do Centro, que vai fazer amanhã o seu 100º encontro, como de resto já tínhamos anunciado no poste P26132 (*)...  



1. Na Ortigosa, concelho de Leiria, na nossa já conhecida Quinta do Paul (fizemos lá dois Encontros Nacionais da Tanca Grande, o III e o IV, em 2008 e 2009, respetivamente), amanhã há festa.  

As inscrições já fecharam, mas o nosso lembrete vem a propósito, porque amanhã é dia de "ronco" para os tabanqueiros do Centro. E  Tabanca Grande, que é, a bem dizer, ... "a mãe de todas as tabancas", vem regozijar-se e desejar, a todos e a todas, bom almoço e bom convívio. Que não lhes falte o fôlego para apagar as 100 velas do bolo... 

Hoje, no Centro Comercial Alegro, em Alfragide, encontrei o meu vizinho, e bom amigo,  Juvenal Amado e ouvi-o combinar com o Miguel Pessoa, que mora em Benfica, a hora e o local para apanhar a boleia do costume até à Ortigosa... 

Recorde-se que foi, em dezembro de 2009, que  o Juvenal Amado (na altura a viver em Alcobaça, e hoje na Reboleira, Amadora) , o Vasco da Gama (Figueira da Foz) e o Manuel Reis (Aveiro) tiveram a ideia de criar a Tabanca do Centro. 

Aos pais-fundadores juntaram-se o Joaquim Mexia Alves (Marinha Grande e Monte Real) e o Miguel Pessoa (Lisboa). E tudo começou regularmente à volta da mesa e do famoso "cozida à Portuguesa", servido às 4ªs feiras na Pensão Montanha, em Monte Real. E tão famoso que chegou a vir gente da Suécia para provar a iguaria da "chef" Dona Preciosa...

Depois o mundo deu muitas voltas, mas a Tabanca do Centro nunca perdeu o seu lugar de equidistância "geodésica" entre todas as tabancas da Tabanca Grande... Pois ela fica, rigorosamente, ao Centro, entre o Norte e o Sul, o Oeste e o Leste... Quem não acreditar, que vá lá medir...

100 encontros é mais do que uma "marca", é um "marco"... E no dia 27 de janeiro de 2025 haverá outro bolo, com 15 velas para soprar, comemorativo do 15º aniversário do primeiro (e histórico) encontro. 

Tenho pena de lá não poder estar amanhã. Mas daqui vão os meus xicorações, alfabravos, quebra-costelas, mantenhas e beijinhos para todos/as os/as tabanqueiros/as do Centro (que esse é do género...neutro). 

A Tabanca Grande também está bem representada na lista dos inscritos para o 100º convívio da Tabana do Centro (contámos pelo menos 15 grãos-tabanqueiros, que vão com links com as suas referências no nosso blogue).

A Tabanca Grande sente-se também  orgulhosa por estar na génese de todas as congéneres espalhadas pelo País, a começar, historicamente, pela Tabanca de Matosinhos, a Tabanca do Centro e, mais tarde, a Tabanca da Linha, dos Melros (Fânzeres, Gondomar), etc.
 
Estas, e outras Tabancas mais pequenas (da Maia, do Algarve, da Diáspora Lusófona, etc.), são um caso de estudo, surgidas quase espontaneamente, com o fim de manter o convívio entre velhos camaradas da Guerra do Ultramar / Guerra Colonial, que agora têm mais tempo disponível e perderam todo o tipo de complexos, por ventura imputados ao seu passado como combatentes nos territórios africanos de então.

Desejamos à Tabanca do Centro uma vida longa e activa, salientando o fundamental papel que têm mantido os  seus mentores, com destaque para o Joaquim Mexia Alves e o  Miguel Pessoa, sem esquecer os outros pais-fundadores. (LG)



29Nov2024 | Inscritos: 45
(Revisão / fixação de texto, links: LG)
____________


terça-feira, 14 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25519: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (26): Um símbolo, não de guerra, mas de ecumenismo, reconciliação, paz, cooperação e tolerância ? (António J. Pereira da Costa / Luís Graça / Carlos Afeitos / José Teixeira)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 5 de maio de 2013 > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Aspeto exterior


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 5 de maio de 2013 > Núcleo Museológico Memória de Guileje > A capela, do tempo da CART 1613 (1967/68), restaurada.

Fotos: © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guileje > 2011 > Placa indicativa do antigo heliporto


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guileje > 2011 > Placa indicativa do local onde existiu um dos espaldões de artilharia


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guileje > 2011 > O trajeto do quartel para o heliporto, feito com garrafas de cerveja


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guileje > 2011 > Sinalização, com garrafas de cerveja, da entrada do posto de socorros

Fotos (e legendas); © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > 5 de maio de 2013 > Recordações guardadas em vitrina: objetos do quotidiano recuperados, provenientes das escavações do antigo quartel das NT, foto aérea do quartel, pista e tabanca, pratos de alumínio, emblemas, resto de vestuário...

Foto: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 2 de Março de 2008 > Três camaradas nossos com um ar de felicidade... Ei-los aqui fotografados com um tesouro, a estatueta, em metal, da santa protectora dos Gringos de Guileje, encontrada nas escavações arqueológicas do antigo aquartelamento de Guileje... Da esquerda para a direita os valorosos representantes da penúltima subunidade quadrícula de Guileje, a CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972): José Carioca, Abílio Delgado e Sérgio Sousa... O Zé Carioca foi actor de teatro (amador ), vive em Cascais e é membro também da Tabanca da Linha.


Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados [ Edição : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje ou a caminho de Guileje > 2010 > "A Nossa Senhora de Fátima de Guileje"... A última doação à Capela de Guileje, uma imagem de N. Sra. de Fátima, trazida de Portugal por António Camilo e Luís Branquinho Crespo. 

Recordamos aqui uma mensagem do nosso saudoso amigo Pepito (1947-2014), com data de 16/3/2010:

"Luís: Mais uma importante contribuição dos nossos amigos da Capela de Guiledje, o António Camilo e o Dr. Luis Branquinho Crespo (na foto), que fizeram questão de se deslocarem a Guiledje para doarem a imagem da Nossa Senhora de Fátima à Capela. Este gesto tão bonito, foi acompanhado pelos votos de que esta oferta ajude a Guiné-Bissau a encontrar rapidamente os caminhos da Paz. Abraço. Pepito."

Foto: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados [ Edião e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Cópia da factura, emitida pela Impar Lda, discriminando as despesas da reconstrução do oratório e a capela, num total de  387 mil CFA, o que corresponde a 589,98 €. (Para converter o CFA em euros, carrega aqui). 

Para se ter uma ideia dos preços de bens e serviços rtelacionados com a construção civil,  na Guiné Bissau, tomem como referência estes indicadores: 

(i) o transporte do material de Bissau a Guileje representou 26,5% do total;

 (ii) a mão de obra, 43,9%; 

(iii) os materiais custaram o resto (29,5%), com destaque para a tinta  branca (14,1%) e o cimento (4,8)...



Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Numa "contabilidade criativa" a reconstrução da capela de Guileje (e do oratório  construído pelos Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, que esteve lá entre nov 1971 e dezembro de 1972, comandada  cap mil e nosso tabanqueiro Abílio Delgado) custou 589,98 euros, totalmente cobertos pelos fundos recolhidos, em espécie (dinheiro), pelo Manuel Reis (590,00 euros) e entregues à ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, na pessoa do Pepito, na Tabanca de  São Martinho do Porto, em 21 de agosto de 2010. (O Manuel Reis  foi alf mil, da CCAV 8350, a última unidade de quadrícula de Guileje, 1972/73.)

Outros camaradas e amigos  contribuiram (e muito),  não em espécie mas em géneros (incluindo horas de trabalho), para estas obras:


Há ainda que fazer justiça a dois homens, nossos amigos, membros da nossa Tabanca Grande, e grandes guineenses, como o Pepito e o Domingos Fonseca, da AD- Acção para o Desenvolvimento, que estiveram de alma e coração neste projecto.



"N. Sra. de Fátima de Guileje".
Foto do António
Camilo (2010)
1. A criação do Núcleo Museológico Memória de Guiledje, no antigo 
 aquartelamento de Guileje, inaugurado em 20 de janeiro de 2010 (e que o nosso blogue acompanhou  pormenorizadamente), não terá sido totalmente consensual para todos os membros da Tabanca Grande, independentemente de conhecerem ou não aquele espaço (que não se resume às instalações do museu, p.d., ou melhor, do pequeno núcleo museológico; inclui também parte do antigo aquartelamento de Guileje,  objeto de escavações arqueológicas, inventariação, limpeza, desminagem, recuperação de armas e munições, objetos do quotidiano, documentos, etc.,  restauro  e reconstrução, como o foi o caso da capelinha erigida no tempo da CART  1613 (1967/68 e do oratório dos "Gringos de Guileje"). 

Eis aqui quatro pontos de vista:

(i) António J. Pereira da Costa (*):

(...) Um das coisas que mais me irrita é o facto de os portugueses andarem sempre a celebrar derrotas militares. Há mais de 400 anos que Portugal não ganha uma guerra, mas celebrações é mato.

Era evidente que a celebração de uma derrota em Guileje era mais uma espécie de paisagem em miniatura (diaporama) reconstituindo o sucedido. Também era de esperar que a Guiné não se preocupasse muito com uma vitória de há mais de 50 anos e à qual não dá hoje muita importância. Terá motivos para celebrar? Quais? Porquê?

Eu sou estrangeiro e nada tenho a ver com o "museu" de Guileje. Mas não gosto de ver o meu país aviltado desta maneira. Mandar uma equipa de militares e ex-militares
 construir um museu em que se celebra uma derrota (nossa) e uma vitória do inimigo e depois deixá-lo cair por falta de 
manutenção é gozar e apoucar o inimigo e ele prestar-se a isso. (...)

11 de maio de 2024 às 16:57 

(ii) Luís Graça (*):

Tó Zé, permito-me discordar de ti. Esse Núcleo Museológico, tal como foi pensado e montado, não celebra a derrota de ninguém nem é uma glorificação de uma das partes do conflito. Simboliza, isso, sim, a paz, a reconciliação, o ecumenismo.

O espaço museológico vale pelo seu conjunto, e preserva elementos importantes da nossa presença naqule local ao longo de toda a guerra, como por exemplo a capela de Guileje ou o oratório dos Gringos de Guileje...

Houve uma recolha de fundos no blogue, para esse efeito. Diversos camaradas participaram com entusiasmo, mesmo nunca  tendo posto os pés em Guileje. Outros sofreram duramente quando por lá passsaram. Em suma, é uma obra de paz, não é um monumento bélico.
 
11 de maio de 2024 às 23:28

(iii) Luís Graça (*):

No tempo do cap Eurico Corvacho e do 2º srgt Zé Neto (que exercia as funções de 1º srgt), da CART 1613 (1967/68), já se rezava, em Guileje, num espírito de ecumenismo e de tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos.

Daí ter-se erigido uma capela que, quarenta anos depois, será reconstuída de acordo com as fotos da época, capela essa que faz parte integrante do Núcleo Museológico Memória de Guiledje. A viúva do Zé Neto, a nossa tabanqueira Júlia Neto, esteve na inauguração e benção da capela, em 20 de janeiro de 2010.

Recorde-se que foi criado um grupo "adhoc", o Grupo dos Amigos da Capela de Guileje, que angariaram fundos, em dinheiro e em géneros, para este projeto, em parceria com a ONG AD - Acção para o Desenvolvimento.

O Pepito pôs todo o seu entusiasmo neste projeto, sabia que ele era um traço de união entre portugueses e guineenses, incluindo os "inimigos de ontem" que se haviam combatido de armas na mão"...

(iv) Carlos Afeitos (**):

 [professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com nº.  606, que nos mandou mais de uma meia centenas de fotos recentes de Guileje. ]


 (...)  Durante o tempo que estive na Guiné passei por Guilege duas vezes. A primeira vez foi a caminho de Cantanhez, região lindíssima e que vale a pena visitar. A segunda vez foi quando convidei a minha irmã para ir conhecer a Guiné em 2 semanas. Fiz questão de levá-la um bocado ao sul e ficar a conhecer um bocado mais da história que une os dois países.

Pelas conversas que tive com um homem a viver e a recuperar o antigo aquartelamento, está previsto edificar um complexo que irá servir de escola profissional no sítio da pista de aterragem de helicópteros, relembro que isto segundo as informações.

O senhor serviu de guia e explicou-nos como estava ordenado o quartel e como viviam os militares que estavam destacados para lá. O museu relembra muito bem da vida e da luta de ambas as partes envolvidas no conflito. À entrada podemos ver uma antiaérea e um Unimog, lado a lado. Fizemos uma visita à pista de aterragem exactamente pelo caminho feito de garrafas e depois mais umas voltas pelos pontos assinalados. 

Na minha segunda visita também tive uma conversa muito amigável com uma pessoa que estava a viver na tabanca no interior do quartel aquando da retirada. Ele contou-me alguns dos momentos complicados que passou e recordou com alguma angústia e nostalgia. As memórias ainda fazem chorar...

Uma das coisas curiosas que eu reparei é do carinho que a população tinha por alguns militares portugueses, pois é uma das coisas que todos falam é nos nomes deles. Depois de tantos anos ainda os recordam e sabem exactamente quem são, a graduação que tinham e de onde eram. (**)

(v) José Teixeira (***):

[O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, foram de Iemberém, onde estavama hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partinso  depois para o Xitole, convidados para um casamento ] 


(...) O dia nasceu suavemente, com um mango a acordar-me ao cair encima do telhado de capim e rolar até ao chão. Talvez um dos macaquitos que estava a tomar o seu matabicho se tenha descuidado. Estes macacos, de pelo cinzento, não armam aquela gritaria a que nos habituamos em tempos idos com o macaco cão. Habituaram-se a viver com o homem e passeiam-se nas árvores por cima de nós, pacifica e calmamente. Certo é que neste dia 5 de Maio, o sol já ia alto quando me sentei para tomar o pequeno-almoço, que começou por um mango madurinho e saboroso.

(...) Partimos (de Iemberém) com destino a Bissau. Duas horas depois estávamos a admirar o Museu Memórias de Guiledje (****), inaugurado em 2010 e que pretende documentar todo um passado de luta pela independência da Guiné-Bissau. À nossa espera estava o diretor, Domingos Gomes, como tinha prometido, para uma visita guiada. Foi um regresso ao passado para mim e para o Francisco Silva no reencontro com as armas e canhões, com as viaturas, com as imagens da guerra que ambos vivemos em locais e tempos diferentes.

Em cada visita que faço, noto com alegria que o museu vai crescendo. Há outras partes do antigo quartel levantadas. No pavilhão principal estão os instrumentos de guerra portugueses, bem como as armas que o PAIGC usava, as fotografias da guerra e outros memoriais. Livros, poucos, sobre a guerra, são o princípio de uma biblioteca que se pretende seja enriquecida com todos os livros e documentos possíveis para enriquecer a história do conflito que existiu para separar e afastar os portugueses da Guiné e de facto separou-nos com muito sangue derramado, dor e pranto, mas creio que estranhamente nunca os guineenses estimaram tanto os portugueses como agora que estão livres da sua tutela política.

Um Unimog bem conservado transportou-nos ao tempo das colunas por aquelas picadas inóspitas atapetadas de perigosas minas. Transportou-nos até ao grupo de picadores que, à sua frente e com todo o cuidado, picavam a terra, centímetro a centímetro, na esperança de as detetar e assim salvar possivelmente algumas vidas. Transportou-nos a um tempo que já passou, mas as suas marcas continuam bem presas na nossa mente e só desaparecerão com o pó da terra que nos há-de tragar.

A capela com a imagem de Nª Senhora de Fátima no seu altar, tal como no tempo da guerra, e o oratório do Santo Cristo dos Milagres construída pelos devotos Gringos açorianos. Locais, onde os mais devotos se ajoelhavam a pedir por seu intermédio a bênção de Deus para os momentos difíceis que a guerra e agradecer os perigos passados dos quais se livraram com vida.

O Museu foi enriquecido com um novo auditório onde está patente, onde foi instalado o Museu de Cultura e Ambiente onde se pretende espelhar o ecossistema da mata do Cantanhez e as culturas dos diferentes grupos étnicos que habitam a região.

O tempo não tem paciência para esperar e os ponteiros do relógio vão marcando as horas. Tínhamos encontro marcado na tabanca do Xitole para participarmos na festa do casamento da filha do nosso amigo Mamadu Aliu que há três dias atrás atuou de cicerone na visita/peregrinação que o Francisco Silva ali fez em busca do seu passado.

Com pesar para o Domingos Gomes, que bem insistiu para ficarmos mais um pouco e havia muito para ver e refletir, mas não queríamos ficar mal com a família da noiva que tão amavelmente nos tinha convidado. (...)

Excertos de: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte VI (***)

(Excertos, revisão e fixação de texto: LG)



(***) Vd.  poste de 22 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11745: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (6):De Iemberém a Guileje, a caminho de um casamento no Xitole

(****) Um "visita virtual" ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje pode ser feita através dos  postes a seguir.  (Este descritor tem 40 referências no blogue.)


Vd. também poste de 4 de fevereiro de 2010 > Guiné  63/74 - P5761: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (13): Iintervenção da Presidente da AD , Osabel ;Miranda, no dia 20 de janeiro de 2010  

(...) "O  'Museu 'Memória de Guiledje' é, antes de tudo, uma homenagem à geração de Cabral, a todos os que com o seu exemplo escreveram uma das mais belas páginas da nossa História. Mas é também um lugar de confluência de rios anteriormente desencontrados que hoje procuram um caminho comum.

"Encontro com os militares portugueses, aqueles que, embora em campo oposto, aprendemos a respeitar pela sua coragem e capacidade militar numa luta de longa duração e que, afinal, partilham os mesmos sentimentos de amor pela Guiné-Bissau e pelo seu povo, pela sua humildade, dignidade, valentia e determinação, os quais sempre souberam distinguir o povo português do regime colonial que a ambos oprimia .

"Hoje, em liberdade, reencontramo-nos com emoção, com vontade de juntar memórias, recordações, encontros e desencontros, voltar a caminhar juntos num caminho de respeito e progresso.

"Saudamos a presença da Srª Julia Neto, esposa do capitão José Neto que tanto amou este canto e que tanto contribuiu para que o Museu 'Memória de Guiledje' fosse um êxito. Poucos dias antes de falecer, deixou-nos o seu desejo mais profundo: 'hei-de voltar a Guiledje', disse. A sua esposa, Srª Julia Neto, está hoje entre nós para realizar esta sua última vontade. Através dela saudamos todos os militares portugueses das 12 companhias que passaram por Guiledje e que quiseram deixar um pouco das suas recordações (aerogramas, fotografias, filmes, contos e narrativas). (...).

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23901: In Memoriam (465): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022) - Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Augusto Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74) com data de hoje, 20 de Dezembro de 2022:

Caro amigo e camarada Coutinho e Lima
Partiste.


Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si. Destaco a sua coragem em situações de guerra muito difíceis, mas cuja perceção não esteve ao alcance de todos os seus camaradas. Foi a vítima escolhida, para outros exibirem os seus troféus de glória e se vangloriarem. Os homens que comandou da CCAV 8350, fazem aqui eco de tudo o que de bom fez por eles.
E foi muito. Eles não esquecem.

Recordo aqui um dos momentos mais difíceis da sua vida e da vida de todos nós. Guileje encontrava-se numa encruzilhada de vida ou de morte. Ataques contínuos de armamento, avançado para a época, iam destruindo todas as instalações que se encontravam ao nível do solo. Permaneciam intactos os abrigos, de betão, onde se abrigavam 200 militares e 317 elementos da população. Muita gente para pouco espaço o que, com o avançar do tempo, transportou problemas de saúde.

Tudo começou com uma emboscada, preparada com minúcia, onde as NT tiveram 2 mortos e 11 feridos, a 18 de Maio de 1973. Uma semana antes, o Comandante Chefe preparou-nos para a situação que se avizinhava e garantiu-nos que nenhum ferido deixava de ser evacuado.

Recusadas as evacuações, o Major Coutinho e Lima procurou uma saída. A picada para Gadamael estava bloqueada e a única escapatória era um pequeno riacho, a 5 km de distância, onde a Companhia se abastecia de água e que, naquele momento, estava desimpedido, o que não aconteceu no dia seguinte. Os mortos e feridos, acompanhados pelo Major Coutinho e Lima, dirigiram-se a Cacine, em botes, e posteriormente para Bissau.

Coutinho e Lima relata a situação que se vivia em Guileje, numa reunião pedida para o efeito e solicita o apoio de uma companhia de Comandos ou Paraquedistas. É recusado o apoio e humilhado... Siga para Guileje e será substituído!
Entra no aquartelamento no dia 21, debaixo de fogo, recusando permanecer na mata sob a proteção de um grupo de combate de Gadamael.

Faz o ponto da situação:
- Substituto não aparece. Encontrava-se perto, em Gadamael.
- Instalações destruídas
- Falta de qualquer apoio, apenas a Força Aérea sinalizava a nossa presença. A sua incapacidade era notória, a presença de mísseis Terra-ar era limitadora da sua atividade.
- A artilharia estava desarticulada com a troca inoportuna dos obuses, apenas um obus 14 funcionava, sem estar regulado.
- O acesso à água estava cortado.
- O moral dos militares era diminuto, agravado pela insalubridade dos abrigos, onde permaneciam bastante crianças.

Guileje está perdido. Ficar ou retirar?
Ficar significava um massacre, com mortos, feridos e prisioneiros, com elevada probabilidade. A mata em Guileje era impenetrável na maior parte das zonas e qualquer saída do aquartelamento estava condicionada ao insucesso.
Retirar de modo ordenado, antes do nascer do sol, por um trilho que só a população conhecia era a hipótese menos arriscada.

O Major Coutinho e Lima depara-se com este problema: Durante a noite a decisão de retirar ou não, altera-se. Só às 3 da manhã, decide definitivamente retirar, perante a presença de um representante da população. Desabafa que a sua vida militar terminou ali!
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73) > O Alf Mil Manuel Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf  Mil Victor Lourenço, dos "Piratas de Guileje", morto em 5 de março de 1973, na explosão de uma armadilha.

Descansa em Paz camarada e amigo.
Os meus pêsames à família.
Manuel Reis

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Nota do editor

Poste anterior de 20 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23900: In Memoriam (464): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022), ex-Cap Art, CMDT da CART 494, Gadamael (1963/65), ex-Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné (1968/1970) e ex-Major Art, CMDT do COP 5, Guileje (1972/73)

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23487: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (10): o massacre do alf mil Artur José de Sousa Branco e do seu pequeno grupo, nas imediações de Gadamael, em 4/6/1973 (J. Casimiro Carvalho / Manuel Reis / Carmo Vicente / Manuel Peredo / Jorge Araújo)

Calendário português: junho de 1973. Cortesia de: www.calendario-365.pt. O dia 4 foi uma segunda feira. Infografia: Blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Uma das dezenas de vitimas, em Gadamael, na altura da "batalha dos três G", foi o  alf mil art Artur José de Sousa Branco, da CCAV 8350 (1972/74): morreu, em combate, nas imediações do quartel e  tabanca de Gadamael Porto, em 4/6/73.  Era uma segunda feira.

Era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Recorde-se que na tarde de 4 de junho de 1973, em Gadamael, o alf mil Branco sai com um reduzido grupo de combate (12 homens. pouco mais do que uma secção) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. 

O pequeno grupo cai de imediato numa emboscada das tropas do PAIGC espalhadas pelas redondezas, e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCP 122/BCP 12), acabadas de chegar a Gadamael, na manhã de 3 de junho, domingo,  sob o comando do cap paraquedista Terras Marques.

Um pelotão, sob o comando do alf paraquedista Francisco Santos, da CCP 122, vai em socorro do grupo do alf mil Branco, da CCAV 8350,  e ainda consegue resgatar os corpos e socorrer os sobreviventes. 

"Os cadáveres tinham sido selvaticamente baleados, ainda estavam quentes e os fatos empapados de sangue" (José Moura Calheiros - A última missão, 1.ª ed. Caminhos Romanos: Lisboa, 2010, pp. 527/528).

Além do alf mil Artur José de Sousa Branco, natural de Lisboa, morreram nesta ação os seguintes camaradas, todos eles sold cav da CCAV 8350, "Piratas de Guileje" (entre parênteses, o concelho da sua naturalidade): 
  • António Mendonça Carvalho Serafim (Cartaxo); 
  • Fernando Alberto Reis Anselmo (Macedo de Cavaleiros); 
  • Joaquim Travessa Martins Faustino (Santarém); 
  • José Inácio Neves (Alcobaça).
O infortunado Artur José de Susa Branco, jogador de futebol antes da tropa (tendo  chegado a jogar nos escalões juvenis do S.L. Benfica), foi amigo e colega de liceu do nosso coeditor Jorge Araújo (andaram juntos no Liceu Camões, em Lisboa) (*****).


2. Sobre este sangrento episódio, há várias versões publicadas no nosso blogue, que merecem ser aqui recuperadas, na véspera dos 50 anos da efeméride (*), a primeira das quais a do J. Casimiro Carvalho, que integrou a pequena força comandada pelo infortunado alf mil Branco, e foi um dos sobreviventes.

2.1. Gadamael, 4 de junho de 1973: "A Patrulha Fantasma” (**)

por J. Casimiro Carvalho (ex-fur mil, op esp, CCAV 8350, 
"Piratas de Guileje",  Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, 
Cumbijã e Colibuia, 1972/74; vive na Maia]

(...) Em Gadamael, a mortandade era tanta, a cadeia de comando rompeu-se e houve fugas para o mato e para o Rio Cacine.

De salientar a bravura do capitão Ferreira da Silva (Comando/Ranger), que avocou a si o comando desse pequeno contingente [, que restava em Gadamael,] e debaixo de fogo coordenou os cerca de 30 ou quarenta, verdadeiros heróis, que até à chegada dos abnegados Paraquedistas [do BCP 12], aguentaram aquele apocalipse!

Não havia condutores, o pessoal andava atarantado... aterrorizado e sem chefias que chegassem. Era assim em Gadamael em 1973.

A enfermaria estava pejada de cadáveres, um cheiro nauseabundo, os mesmos eram constantemente regados com creolina, não haviam urnas, os bombardeamentos eram constantes, as granadas caíam com precisão dentro do quartel, se fugíamos para o rio, elas caíam no rio, se fugíamos para o parque auto, caíam aí, havia coordenação de tiro por parte do IN.

Cheguei a conduzir uma Berliet, dos paióis para as bocas de fogo, de tal forma que, quando havia saídas de fogo, nós já não as ouvíamos. Comigo andava um açoriano [, o 1.º cabo Raposo], dois autênticos loucos varridos, saltávamos em andamento e, quando acabava o fogachal, voltávamos ao camião e seguíamos com o serviço.

Nessa altura, mais valia estar no mato, estávamos sitiados, e por isso, quando formaram uma patrulha "ad hoc" onde me incluíram, até fiquei contente. Nessa patrulha ia o alferes Artur [José de Sousa] Branco, que antes tinha dito que o mandaram para ali, e que ia morrer; iam dois putos que tinham vindo voluntários para a tropa (, dois meninos!), aos quais ordenei que ficassem no quartel, ao mesmo tempo que disse: "Sois muito novos para morrer" (ainda se lembram disso e sempre o repetem aos filhos, dizendo que me devem a vida); ia um negro (o "pica"), o cabo José Neves e os soldados F. Anselmo [Fernando Alberto Reis Anselmo, natural de Macedo de Cavaleiros]; e o A. Serafim [António Mendonça Carvalho Serafim, natural do Cartaxo] (um destes soldados nunca saíra para o mato), e outros que desconheço. Era uma “patrulha fantasma”.

Saímos para a zona da pista abandonada de Gadamael, as ordens era para emboscar nessa zona, para prevenir aproximações do IN. Fomos em fila indiana ao longo do rio Cacine junto ao tarrafo. Passámos por um sítio, onde se vislumbrava uma pequena clareira, de capim médio, e o pica disse: "Alfero, melhor ficar por aqui, boa zona para montar emboscada"... O alferes Branco retorquiu que as ordens eram ir para a pista velha, pelo que continuámos. Uns 200 metros à frente, o negro disse que a pista estava minada e armadilhada pela tropa anterior. Posto isto, o alferes reuniu comigo e chegámos a um consenso: que o melhor era recuarmos.

Recuámos em silêncio e ordeiramente, até chegarmos à tal zona da clareira, e começámos a entrar na mesma, agachados para passarmos por baixo do tarrafo. Normalmente eu ia em 2.º ou 3.º lugar nas patrulhas, e, ao entrarmos nessa clareira, um dos militares deu-me passagem, e eu disse que não: "Ide entrando que 'eles' podem estar aí", num tom bonacheirão e em sussurro, e assim foi.

Uns seis já tinham passado, quando ouvi uns estalidos e, com gestos e murmúrios, dei a entender que estava ali algo. Todos pararam,  espaçados e em silêncio. Como mais nada se ouviu, eu disse: “Deve ser passarada, avancemos” .... Logo a seguir, outra vez o estalar de ramos e mexer de vegetação. Imediatamente gritei: “Emboscada!”.  Coloquei a arma em modo de rajada, e atirei-me para o chão, não sem antes ver a cara do alferes desfeita por uma rajada, com sangue e ossos (?), a saltar.

Já no chão e com um fogachal tremendo, próprio de armas russas, com a cara de lado bem rente ao mato, passou-me a vida pelo cérebro, e a mente a pensar na “minha mãe”. Estou neste estertor, pensando se abria fogo ou não, pois iria denunciar a minha posição, imaginando um turra a disparar nas minhas costas, deitado.

Nestas fracções de segundos, ouço uma G-3 a disparar ao meu lado, o som era mesmo nosso, então comecei a dar rajadas de 3 ou 4 tiros, enquanto outro militar dava tiro a tiro, compassadamente. Freneticamente, tirei o carregador vazio e coloquei outro, disparando pequenas rajadas por cima da cabeça, que continuava “colada ao solo”. 

Ao pegar no 3.º carregador, o tiroteio IN parou abruptamente, quando vislumbro um turra no meio da vegetação que se levantou, e assim mesmo levou uma rajada minha que o “tombou” logo ali, depois uma gritaria infernal, por parte deles, e eu, sozinho com um militar ao meu lado, berrei para o mesmo: "Vamos, ou morremos aqui".

Ele gatinhou à minha frente, passámos pelo cadáver do cabo Neves [José Inácio Neves, natural de Alcobaça] e seguimos para o rio, em direcção ao quartel, sempre a olhar para trás a ver se algum IN nos mirava para nos abater. Larguei o cinturão, com a ração de combate e os restantes carregadores, para melhor correr, fugindo da morte certa, levando apenas a G-3 sem carregador nem munições.

Chegado ao quartel, sozinho, o meu corpo colapsou, e todos pensaram que eu morrera ali mesmo. Fui recolhido por camaradas daquele inferno, tão aterrorizados como eu, e descansei um pouco, bebi água sofregamente, sem saber ao certo quantos morreram.

De seguida, saíram paraquedistas [da CCP 122, um Gr Comb, comandado pelo alf paraquedista Francisco Santos] e foram ao local (a 1200 metros) da emboscada, onde encontraram aquela cena traumatizante, derivado ao que os turras fizeram aos meus camaradas, que me dispenso de pormenorizar aqui, tal o horror.

Quando regressaram, eu quis ver os meus camaradas, que estavam numa Berliet, e não me deixaram. Peguei numa G-3, meti bala na câmara e berrei: “Ou vejo, ou varro esta merda toda”!... Claro que vi, e essa imagem persegue-me ainda hoje, como fantasmas do passado!

Passados uns dias, noutro bombardeamento, fui ferido, e evacuado pelos fuzos até à [LFG] Orion, para Cacine. No entanto, quando fiquei bom, ofereci-me para ir outra vez para o holocausto, onde os meus camaradas morriam.

(...) Décadas se passaram, e numa simples conversa, descobri quem era o herói que ao meu lado disparou até ao último segundo (o tal da decisão de viver... ou morrer): era o soldado Borges, da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", o qual abracei chorando e soluçando, revivendo aquele tormento. (...)


 2.2. Apeteceu-me gritar ao alferes Branco: "Não vás!" (**)

por  Manuel Augusto Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", 
Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; 
vive em Aveiro]

(...) Fui testemunha "in loco" de tudo o que relata o José Casimiro. Foi de uma violência tremenda essa emboscada e foram bravos esses homens que foram obrigados a efectuar esse patrulhamento. Eram 11 homens, mal equipados e mal armados, que partiram do aquartelamento sob os berros e ameaças do comandante de companhia.

Não calei a minha revolta e indignação pelo sucedido, o que me valeu uma despromoção de 2.º comandante, o que para mim constituiu um prémio. Acabei por ser massacrado com tentativas de aliciamento para depor num determinado sentido, caso fosse aberto um inquérito.

Permanece viva a imagem do alf Branco, chegado há dois dias à companhia e, na hora da partida, olhou para mim, incrédulo, como que a perguntar o que devia fazer. Nada disse, mas apeteceu-me gritar: "Não vás!"

Coube-me a mim partilhar este sofrimento e dor imensa com a pobre mãe. Não gosto de recordar esta situação, mas o José Carvalho merece uma palavra amiga pela sua abnegação e doação ao próximo. Sem a sua bravura ninguém regressaria do mato. Bem hajas.


2.3. Quatro mortos do exército, três soldados e um alferes, terrivelmente desfigurados

por Carmo Vicente (ex-1º sargento, cmdt do 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74; DFA, escritor, natural de Arganil, vive em Almada)

(...) No dia  seguinte[, 4 de junho de 1960], sentado na vala, como de costume, preparava-me para comer mais uma vez as habituais sardinhas em lata, quando ouvi, vindo da mata, o forte crepitar de varias espingardas metralhadoras e o rebentar de granadas. Achei estranho, porque não tinha conhecimento de haver qualquer força a patrulhar a zona. Estava a comentar o facto com um dos meus camaradas que se encontrava perto de mim, quando chegou o comandante de companhia  [, Terras Marques,] que me disse para preparar rapidamente o meu grupo e ir socorrer um pelotão do exército que tinha sido atacado e sofridos vários mortos.

[...] Saímos rapidamente das valas e correndo dirigimo-nos para o local (guiados por um dos fugitivos), que ficava a pouco mais de um quilómetro do quartel.

O espectáculo que se nos deparou era deveras terrificante. No solo três soldados e um alferes jaziam mortos e irreconhecíveis com os rostos parcialmente desfeitos por rajadas disparadas à queima-roupa. Havia ossos e tecidos sangrentos espalhados pelo chão. Um dos soldados enrolara-se nos seus próprios intestinos estando os restantes parcialmente queimados pelo fogo que, acidentalmente, por acção das balas incendiárias, ou deliberadamente fora ateado ao capim.

Eu conhecia o alferes. Chegara a Gadamael três ou quatro dias antes, ido directamente da Metrópole e eu encontrara-o por acaso e estivera a falar com ele. Com os olhos dilatados pelo medo,  havia-me dito que abominava a guerra, que estava aterrorizado e iria fugir para longe da guerra o mais depressa possível, fosse para onde fosse, pois não podia aguentar por mais tempo aquele inferno. Agora, ao vê-lo morto, pensei: "Afinal conseguiste o que querias, alferes.... Vais sair daqui... da única maneira que o recusarias fazer, se te tivesse sido dado escolher, enquanto vivo".

Carregámos com os mortos às costas e regressámos ao quartel. Ao chegarmos,  começou novo bombardeamento e toda a gente se atirou para o chão tentando encontrar abrigo. O soldado C [...] que carregava o cadáver do alferes, seguindo o exemplo dos outros ou obedecendo ao seu instinto de conservação, também se atirou para o chão ficando com o morto em cima, que, por ter caído a capa impermeável onde o tínhamos embrulhado, o cobriu de sangue. Levantou-se como se tivesse sido picado por uma cobra e ficou a olhar-me de olhos esgazeados. O seu aspecto era terrível. O sangue do morto cobria-o da cabeça aos pés: tinha sangue na boca e nos olhos. Pastas de sangue coagulado caiam do camuflado. Olhou as mãos e vendo-as ensanguentadas entrou em pânico. [...]

Havia que evacuar os mortos e um ferido muito grave com um estilhaço num pulmão, que apanhara dentro do quartel. E o meu pelotão foi encarregado desse trabalho. Atirámos com os mortos para cima de uma Berliet, única viatura que ainda funcionava em toda a unidade e arrumámos o ferido o melhor que pudemos junto dos mortos. A altura era má para nos prendermos com ninharias e não podíamos transportá-lo de outra maneira. Imaginem o que terá sentido aquele homem ferido gravemente, mas consciente, ao ver-se no meio de quatro mortos horrivelmente desfigurados. (...)


2.4. Eu próprio carreguei os mortos para a Berliet...

por Manuel Peredo (ex-fur mil pára, 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74;  emigrante,  em Fança)

(...) Alguns dizem que desembarcámos em botes, mas eu quase afirmava que foi de LDM e era capaz de jurar que só a minha companhia, a 122, é que desembarcou nesse dia e não me lembro de estarem lá duas companhias de páras ao mesmo tempo. Penso que a 123 nos foi render para a 122 poder descansar uns dias em Cacine.

Mal chegámos a Gadamael, dois pelotões foram logo para a mata, onde passaram a noite. Em Gadamael apenas se encontravam lá uns quinze ou vinte homens, o resto tinha fugido. Recordo-me que veio logo uma Berliet conduzida por um açoriano muito destemido para evacuar os mortos e feridos. 

Soube pelo blogue que o José Casimiro Carvalho também fazia parte dos que não fugiram. O meu pelotão, o quarto, fazia parte do bigrupo que passou a primeira noite no mato e, quando estávamos a regressar ao quartel, este foi fortemente bombardeado, originando a morte de alguns soldados do exército que tentaram fazer fogo com o obus 14, salvo erro. Estivemos à espera que os rebentamentos acabassem para poder entrar no quartel.

Um dia ou dois mais tarde  [, em 4 de junho de 1970,]  morreram mais três soldados e um alferes miliciano, vítimas duma emboscada, muito próximo do quartel. Alguém devia ter um grande peso na consciência por ter mandado para o mato um grupo de apenas duas dezenas de militares, se tanto. Este ataque já foi contado pelo José Casimiro e pelo Carmo Vicente.

Aqui o Vicente deve estar enganado. Quem foi primeiro recuperar os corpos foi outro pelotão  [, o do allferes Fernandes, também da CCP 122 / BCP 12], o nosso pelotão foi enviado em reforço porque tínhamos acabado de chegar do mato. Encontrámo-nos a meio caminho e demos uma ajuda a transportar os corpos que estavam muito mal tratados : tinham o corpo queimado e ferimentos causados pelas balas. O alferes [rranco]  tinha um grande buraco na cara derivado a uma rajada e um soldado nem calças trazia vendo-se bem o efeito das chamas.

Quando chegámos ao quartel, os colegas dos militares mortos estavam no cais à espera e houve um pormenor que me deixou surpreendido e até chocado. Nenhum deles teve a coragem de nos ajudar a carregar os mortos para a Berliet. Os corpos eram postos no chão e o pessoal ia para as valas. Eu próprio os carreguei com a ajuda de colegas. Quando estávamos com este trabalho, o IN lançou novo ataque e eu só tive tempo de saltar do paredão do cais para me proteger. Foi a minha salvação pois uma granada caiu no local que tinha deixado. Escapei a uma morte certa por décimos de segundo.

Outro pormenor que me surpreendeu: quando íamos resgatar os corpos, um dos soldados que tinha fugido da emboscada,  dirigiu-se a mim, suplicando-me por tudo quanto me era sagrado, que tentasse recuperar uma medalha ou um fio que a mãe lhe tinha dado. Essa medalha ou fio devia estar no casaco que ele largou durante a fuga. 

Os ataques iam-se sucedendo e talvez mais espaçados e a tropa que tinha fugido ia regressando ao quartel talvez por se sentirem mais seguros com a nossa presença. (...)
___________


(**) Vd. poste de 30 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (100): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973

(***) Vd. poste de 5 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

(****) Vd. poste de 12 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

(*****) Vd. Blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné > 21 de março de 2016 > P256 - Os problemas no Comando Territoria. Independente da Guiné (CTIG): Em 1963. "Memórias de cá e de lá" Por: Jorge Araújo

(...) Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). 

Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica.  Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar, representou (creio) o Club Atlético de Valdevez, na época de 1970/71 (...)

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.

Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão”, através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf  Art como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325-LG, narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento (...)