1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:
Queridos amigos,
Esta revista Itinerarium está a revelar-se uma importante fonte de consulta sobre as missões católicas, são olhares que complementam a obra clássica do Padre Henrique Pinto Rema. Este investigador, Padre Manuel Pereira Gonçalves dá-nos um relato sobre a missionação dos franciscanos observantes em pleno século XVII, a partir de 1656. Convém recordar que D. João IV se viu a braços com a hostilidade espanhola na região, que também se manifestava na missionação, daí os esforços para robustecer a capitania de Cacheu e o apoio que deu à obra missionária, esta centrava.se na diocese de Cabo Verde e o autor aproveita para fazer uma síntese histórica que aqui se plasma por se lhe conferir bastante rigor. Ele irá falar sobre a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné, mas antes dá-nos uma apreciável nota do trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade. Daremos seguimento ao trabalho do Padre Manuel Gonçalves fazendo depois uma recensão de um artigo publicado na mesma revista intitulado "Recordações da guerra civil de Bissau (1998/1999)" pelo então vigário geral da diocese, Padre João Dias Vicente.
Um abraço do
Mário
Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (1)
Mário Beja Santos
Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na "Revista Itinerarium" (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.
O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Começa por concordar com a opinião do Padre Henrique Pinto Rema quanto à área da diocese de Cabo Verde, limites traçados pela bula de ereção da diocese com data de 31 de janeiro de 1533: “A nossa diocese abrange o arquipélago de Cabo Verde e a terra firme da costa da Guiné, desde o rio Gâmbia, perto do promontório ou lugar do Cabo das Palmas até ao rio de Santo André. Segundo a Bula Pro Excellenti, os extremos Norte e Sul da nova Diocese distam 350 léguas, ou seja, cerca de 2100 quilómetros. O território para cima do rio Senegal pertencia à arquidiocese do Funchal.” Observa que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula nos séculos XVIII e XIX e que para tal situação contribuiu a presença de países melhor apetrechados, económica e militarmente, e que punham permanentemente em causa a existência da nossa soberania. Os portugueses também se viram condicionados pela guerra de corso. No século XVII, os Rios da Guiné, apesar do sentido indefinido segundo os textos legais, faziam parte da área da jurisdição da capitania de Cabo Verde, cujo governador tinha poder sobre o Capitão-Mor de Cacheu.
Indo mais atrás, o autor fala do período entre 1432 e 1438 quando os Rios da Guiné eram sinónimo de Etiópia Menor. Cadamosto foi o primeiro a demandar esta baixa região da Etiópia e a contatar a população negra. Iniciou a sua primeira viagem em 22 de março de 1453, a segunda decorreu em 1456, terá sido nesta que descobriu quatro ilhas cabo-verdianas: Boavista, Santiago, Maio e Sal. Valentim Fernandes refere duas Etiópias, a primeira corre e estende-se pela costa do rio Senegal até ao Cabo da Boa Esperança. E do dito rio até este cabo são 1340 léguas. O outro nome da baixa Etiópia é Guiné. No seu roteiro, Valentim Fernandes fala das duas Etiópias, dizendo que a segunda, a Etópia Superior começa no rio Indo, além do grande reino da Pérsia, do qual a Índia este nome tomou. Mais tarde, Jerónimo Munzer, viajante e cientista alemão, manifestou interesse pelas navegações portuguesas e enviou por Martinho da Boémia uma carta dirigida a D. João II aconselhando-o a descobrir o caminho marítimo para a Índia pelo Ocidente. No ano seguinte, em 1494, ele próprio veio a Portugal, falou com D. João II, das conversas havidas e das suas impressões de viagens deixou o livro Itinerarium. O Padre Manuel Pereira Gonçalves refere também as viagens e trabalho do Padre Manuel Álvares, Jesuíta, que escreveu uma obra Etiópia Menor, o Padre Baltazar Barreira, que missionou na Guiné e que também deixou um precioso relato. Antes destes autores, também André Donelha deixou uma descrição da região, sabemos que esteve pelo menos três vezes na Guiné ao serviço da armada de António Velho Tinoco, provedor da fazenda real das ilhas de Cabo Verde.
Mais precisa que a descrição de André Donelha é a obra "Duas Descrições Seiscentistas da Guiné deixada por Francisco de Lemos Coelho, no século XVII. Como realça o autor, trata-se de uma obra indispensável para um levantamento geográfico e etnográfico desta Etiópia Menor. A documentação histórica subsequente refere de forma indiferenciada os Rios da Guiné ou os Rios da Guiné e Cabo Verde. Lembra também o autor que as ilhas dos Bijagós aparecessem no trabalho do Padre Manuel Álvares. Outros relatos vão conferir importância ao Rio Nuno, não muito longe do Rio Tombali. A importância do Rio Nuno para os portugueses reside na história do seu nome e ainda na abundância de marfim e tintas. Navegando em direção a Sul chega-se ao Rio Verga, próximo está o cabo que tem o mesmo nome. Por fim, temos a Serra Leoa, há testemunhos desse itinerário através dos escritos do Padre Fernão Guerreiro e do Padre Manuel Álvares. Para o autor é absolutamente certo que a descoberta da Serra Leoa se deve ao navegador Pedro de Sintra que foi um pouco mais além do atual território, chegando mesmo à Libéria. O navegador Luís Cadamosto faz referência em pormenor a esta viagem. Em 1462, Pedro de Sintra iniciou uma nova viagem com apenas duas caravelas e desembarcou numa das ilhas dos Bijagós. E prosseguiu viagem, passou pela montanha da Serra Leoa (está-se em crer que este nome deriva do grande rugido que ali se faz sentir por causa das trovoadas). E chegou ao Cabo das Palmas e Rio de Santo André, limite da diocese de Cabo Verde e Guiné, recorde-se que este cabo foi descoberto no reinado de D. Afonso V, em 1469, a mando de Fernão Gomes.
E o autor começa a sua exposição sobre a Província de Nossa Senhora da Piedade, o apoio dado pelo rei D. João IV à Missão de Cabo Verde. É neste apostolado em Cabo Verde que dois franciscanos vão à Guiné: Frei Paulo do Lordelo e Frei Sebastião de S. Vicente, eram portadores de um projeto muito específico, lançar os alicerces do hospício de Cacheu. Na povoação de Cacheu, no século XVI, viviam 800 cristãos ou assim considerados. Os dois religiosos estiveram alguns meses no ensino da região cristã e depois seguiram para o reino dos Banhuns. Foram muito bem recebidos pelo rei da terra, ali ergueram uma pequena capela. E depois estes dois franciscanos fizeram uma longa viagem, tinham como meta a Serra Leoa, passaram por Bissau e o Rio Nuno. Esta missão franciscana entusiasmou outros religiosos. Surgiu uma segunda leva de missionários, em 1662, 12 religiosos capuchos da Província da Piedade marcam presença. E em 1663, Frei André de Faro e Frei Salvador de Taveiro chegam a Cacheu e daqui partem para o território dos Banhuns. Mas o autor não deixa de nos advertir que por volta de 1670 a evangelização do continente não era nada brilhante. E depois de nos ter falado sobre esta Província de Nossa Senhora da Piedade vai referenciar a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné.
O que será importante reter? A Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíram vocações. Só um iluminado era capaz de partir para locais tão difíceis sem saber o que de bom iria encontrar.
Mapa da Costa da Guiné (adaptado de Nuno da Silva Gonçalves, Os Jesuítas e a missão de Cabo Verde (1604-1642), Lisboa, ed. Brotéria, 1996.)
Peregrinação Mariana em Geba, 2013
(continua)____________
Nota do editor
Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24557: Historiografia da presença portuguesa em África (381): 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão (Mário Beja Santos)