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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26387: História de vida (53): Mário Gaspar ex-fur mil art, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado... mas começou por ser um "rapaz de Alhandra"



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > ... "É preciso ser doido para vir para aqui a 4 mil quilómetros da minha Alhandra", parece dizer o nosso Mário Gaspar, em 1968, "apanhado do clima".



Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Gadael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  "Uma foto importante para os tempos de hoje. Sempre no mato na Guiné. De vez em quando, ou me vestia à civil ou então era um Militar vestido a rigor. À direita nota-se movimentação de naturais. Abandonado o aquartelamento de Sangonhá, sucede a distribuição da população. É a instalação da população e o princípio de muitas asneiras militares, (...) Foi em 1968. Outra curiosidade, essa bem mais forte:  Estou sobre um paiol construído pela CART 1659, Gadamael Porto, com cimento e ferro, material que sobrou da construção do cais, Na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, onde frequentei o XX Curso de Minas e Armadilhas, os Paióis eram - e de certeza que ainda são - em tijolo. É obrigatório que um paiol seja um cofre forte."



Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Gadamael, 1968


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Gadamael, s/d, sem legenda...



 
Foto nº 5 > Guiné > Bissau > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > "Eu com alguns Bravos Militares que comandei na Guiné, no regresso a Bissau no fim da comissão... Estou em cima, ao centro, de pé".


Foto nº 6 > Guiné > Bissau > 1968 > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Despedida: foto do Mário Gaspar tirada junto á estátua do cap Teixeira Pinto (ou "capitão-diabo", para os guineenses)

Fotos do álbum foto gráfico do Mário Gaspar, disponíveis no seu Facebook.

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Mário Vitorino Gaspar, ex-fur mil art,  minas e armadilhas, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), está connosco desde  8/12/2013 (*). Tem mais de 140 referências no blogue.


(i) nasceu na freguesia de Santa Maria, em Sintra, e foi no antigo edifício dos Bombeiros Voluntários de Sintra que foi à Inspecção, embora desde os três anos morasse em Alhandra: 

(ii) Alhandra; "vila industrial, foi aí que aprendi a ser Homem, embora tenha estudado no então famoso Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira";

(iii) "desde os meus treze anos namorei com uma sueca, linda boneca, Ingrid Margaretha Gustavsom: Alhandra foi a minha Universidade, tive como Professores Sábios Avieiros e os Operários";

(iv) à vila de Alhandra, no concelho de Vila Franca de Xira, estão ligados os nomes de grandes portugueses como Afonso de Albuquerque (Alhandra, 1452 -Goa, 1515), o médico Sousa Martins (Alhandra, 1843- Alhandra, 1897) (que o povo transformou em santo) ou o escritor Soeiro Pereira Gomes (Baião, 1909 - Lisboa, 1949), autor de "Esteiros" (1941) (obra ilustrada por Álvaro Cunhal, e dedicada aos "filhos dos homens que nunca foram meninos");

(iv) durante a pandemia de Covid-19, o Mário foi  também um dos nossos bons e fiéis companheiros, mandando-nos quase todos os dias emails, alimentando o nosso blogue com imenso material, desde poemas a vídeos, mesmo que muito desse material  não fosse publicável, por razões editoriais (por exemplo, tudo o que era referente à atualidade política, social e cultural);

(v) é também um exemplo, corajoso, de um camarada nosso que, apesar dos seus diversos problemas de saúde nos últimos anos, tem sabido remar contra a maré da infelicidade, e ensinar-nos a maneira como podemos envelhecer, ativa, proativa, produtiva e saudável:  escrita, no nosso blogue ou em boletins como  "O Olhar do Mocho", é apenas um dos muitos meios que ele aponta; 

(vi) é DFA.



Foto nº 7 > Vila Franca de Xira > Alhandra > O Mário, na escola primária


Foto nº 8 > Vila Franca de Xira > Alhandra >  A sua querida mãe



Foto nº 9 > Lisboa > Sede da Dialap– Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA (posteriormente foi edifício da Expo 98 e atualmente da RTP). Peça emblemática da arquitetura fabril de Lisboa na década de 60 (arquitectos: Carlos Manuel Ramos e António Teixeira Guerra) (LG).


 "Trabalhei lá perto de 30 anos. Éramos, nós Portugueses, os Melhores Lapidadores de Diamantes do Mundo, e a Dialap talvez a maior Empresa de Portugal. 

"Alterámos e criámos novas ferramentas e ultrapassámos tudo e todos. Após o 25 de Abril houve uma troca de galhardetes entre os dois Estados. Portugal nacionaliza o capital angolano na Dialap e Angola nacionaliza o capital Português da Diamang. Nada se fez para se encontrar uma solução. A Empresa de quase 700 trabalhadores, a pouco e pouco sumiu-se. Os trabalhadores foram simplesmente títeres, robertos e palhaços. A Administração deixou de administrar e passou a ter quotas em tudo que era da Dialap. Abrem uma Empresa em Viseu (Porcut) ficando o Estado com 49% e eram nossos adversários e concorrentes. A Dialap é feita de pedaços. Qual a razão de não terem ficado com 51%? 

"E trabalhámos pedras que ninguém queria lapidar. Foram as administrações e o Estado que mataram a Dialap. Fui dos últimos a ser despedido. Falou-se sempre em reestruturar. Existiam hipóteses da Dialap ser maior. Verdade que houve trabalhadores que tiveram culpas no desmanchar da Empresa. A Dialap pagou tudo para a Expo 98 se instalar e a Secção de Pessoal desta chegou a abrir a minha correspondência. Queixei-me ao senhor administrador Sá Pires que nada fez. Fui à Judiciária queixar-me e responderam-me que a Expo 98 era forte e com poder e perdia tempo. Acrescentou que a Empresa era para acabar. Este um muito pequeno resumo da extinção de uma Grande Empresa."






Foto nº 10 > Lisboa > Dialap– Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA > Cartão profissional do Mário Gaspar, lapidador qualificado, secção de facetagem.

Fotos do álbum fotográfico do Mário Gaspar, disponíveis no seu Facebook.,,, (Com a devida vénia.)

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Mensagem do Mário Gaspar, que fomos recuperar, e onde podemos saber algo mais sobre a sua singular história de vida (**), em complemento de outros postes dele já aqui publicados (***):

Data: 29 de janeiro de 2017 às 04:16
Assunto: Dois Poemas de José Gomes Ferreira

Conheci muita boa gente. Além dos meus Pais, fixo a minha "padeira de Aljubarrota", a Mãe. E a "Tia Quitéria".

Que tal a figura de Soeiro Pereira Gomes, o "Gineto" ? Esse rapaz, de Alhandra e que nasceu numa bateira no rio que amo – o meu Tejo – "meninos que nunca foram meninos" e tinham de suportar o calor do tijolo e telha queimada sobre as costas. Os telhais existiram mesmo.

Estive lá. Pois o "Gineto", do livro "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes, tornou-se no maior atleta da época, o nadador que venceu as ondas do Canal da Mancha, Joaquim Baptista Pereira foi meu amigo. Ainda é um grande Amigo.

E os avieiros? Aprendi com homens e mulheres muito pobres que vieram de Vieira de Leiria para o Tejo.

E os operários das fábricas de Alhandra, onde cresci?

Tanto que aprendi... Conheci um Senhor da Nossa Literatura, Alves Redol. Reunia com ele, nem sequer inicialmente pensei estar com aquele Homem que também me ensinou a crescer. Sonhava. Nunca ser rico, milionário, antes operário. 

A primeira profissão depois de deixar de estudar, foi de "Ajudante de Padeiro", com Carteira Profissional. Portanto Operário, trabalhava todos os 7 dias – visto ter de suportar de sexta para sábado o dobro de horas. Tinha uma pequena Venda de Pão, deslocava-me à casa do cliente. 

Fui Operário e continuo a ser um mero Operário. Lapidador, palavra nem sequer é reconhecida. Sou Lapidador de Diamantes na situação de Reformado. Fui Sindicalista. Cooperativista (fiz parte de um Grupo que fundou uma estrutura – pensou-se ser Nacional), existem uns restos em algumas terras – a"COOP Lisboa".

Na Dialap – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA, foi onde passei toda a minha vida de trabalho, após cumprir o Serviço Militar – nem fui voluntário, e obrigaram-me a passar por Comandos, essa tropa de elites. Também passei pelos Rangers, em Lamego. 

Acabei por novamente ser obrigado a tirar um Curso de Minas e Armadilhas, após julgar estar a terminar essa vida militar. 

Fui para a Guiné, como Furriel Miliciano, Atirador e de Minas e Armadilhas. Sou Deficiente das Forças Armadas. 

Na Dialap fui eleito e fiz parte da Comissão Negociadora após Greve, antes do 25 de Abril, nos princípios de 1974. Se não acontecesse o Abril,  bem arranjados estávamos. Fui eleito para o Grupo de Reestruturação da Empresa, era um dos três executivos. Colocaram a hipótese de representarmos os Trabalhadores como Administradores. 

Conheci muito escritor da nossa praça. Fui fundador de Comissões de Moradores e fui Autarca. Mais tarde, em 1996 fui fundador da Associação Apoiar – Associação de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra. Onze anos Dirigente, os últimos seis como Presidente. Fundador e Director do Jornal Apoiar.

Conseguimos vencer todos os objetivos que se pretendia. Percorri o país. Reuni com Ministros, Deputados, Presidentes e de tudo um pouco. Após muitos dias sem dormir – por tal venci – caí como um passarinho que voa alto.

Operado ao coração e em coma. Acordei, voltei e assinei Protocolos. Fui para uma Academia Sénior e ainda fui fundador e primeiro diretor do jornal "Olhar do Mocho"

A vida ofereceu-me tudo. Recusei. Sonhava, um sonho que se evaporou. Foi uma onda que molhou areias e se afundou nelas. Se ainda sonho? Espero sonhar sempre – até acordado – vejo-me pequeno, tão minúsculo no meio de uma multidão.

Estive num debate e o tema era o "Dia da Liberdade", ou o "Dia Mundial da Liberdade". Desconhecia essa homenagem a esse "dia de liberdade", anunciada.

Liberdade,  onde estás tu ?!... Encontrei-me com o Jornalista José Luís Fernandes que foi director do "Diário de Notícias". Conheci-o, nunca mais nos vimos. Foi ele que me reconheceu.

Neste momento, o meu computador também teve uma síncope, não tem cura e ficou em coma.

Reconheceram que não temos essa Liberdade, tal como a Liberdade de Imprensa. Quem domina é o dinheiro. Os portugueses andam nas penumbras do medo.

Mas dá gosto termos estes poemas. Portugal é pobre, mas rico na Literatura. Grandes Senhores e Esquecidos. Cada dia mais um. José Gomes Ferreira foi outro que conheci.

Mário Vitorino Gaspar

PS -  O Mário mandou-nos em anexo dois poemas do José Gomes Ferreira ("Viver Sempre Também Cansa!"  e "Devia Morrer-se de Outra Maneira"): um deles talvez venha a ser escolhido para figurar oportunamente na série "A Nossa Poemateca". Obrigado, Mário. E força para ti!

_________________
 
Notas do editor:

(*) Vd. poste de;


10 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12426: Tabanca Grande (414): Ainda o "zorba" Mário Gaspar (ex-fur mil, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), natural de Sintra, residente em Lisboa, e lapidador de diamantes reformado

 (***) Vd. postes de:



13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14356: A minha mãe, Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar, a minha Padeira de Aljubarrota (Mário Vitorino Gaspar)

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21172: Memória dos lugares (411): Sintra, Colares, Praia das Maçãs (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/68)



Praia das Maçãs | José Malhoa (Caldas da Rainha, 1855- Figueiró dos Vinhos, 1933) | 1918 | Óleo sobre madeira, 69 cm x  87  cm | Cortesia de Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNACC), Lisboa | Imagem do domínio público

(...) "Numa ambiência pretensamente elegante, nesta esplanada da 'Varanda do Grego', Malhoa cria específicas situações cromáticas e luminosas. A sensação transmitida expressa uma certa leveza, delicadeza e finura. Registe-se a marcação impressiva da pincelada que, curiosamente, se alia a um sublinhar de contorno das figuras, pouco frequente na sua pintura, diluída em jogos de luz. Rodelas de sol mancham o chão, provocando uma sensação de jovialidade e frescura acentuada pelo contraste que com o forte azul marinho se estabelece." (...) (Maria Aires Silveira)


Mário Gaspar
1. Mensagem com data de 15 do corrente, às 00h28, de Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68):


Camarada Luís

Como dirigente da APOIAR, e quando o meu Grande Amigo Jorge Manuel Alves dos Santos era o Presidente, e tínhamos uma Advogada ao nosso serviço, fui confrontado pela mesma que me disse cabalmente:
– O senhor Mário não deve assinar os Artigos no Jornal com o seu nome. É perigoso para si e também para a APOIAR!

Assinava todos os Artigos por Mário Gaspar. Considerei tão caricato a sua opinião que lhe respondi:
– A partir de agora assinarei tudo com o meu nome completo.

Assim tenho feito. Discordei sempre de publicar artigos copiados de qualquer jornal, muito menos da Internet. O meu filho mais velho é dos poucos Portugueses, podem-se contar pelos dedos, que tem uma Pós-Graduação, em Portugal, em Direitos de Autor. Em 1962 fiz uma crítica, publicada no Jornal "Eco Académico" – fui um dos 9 fundadores, em 1961 – e escrevi: "A cópia é e será sempre a mais rendida homenagem ao original".

Hoje não mudo aquilo que escrevi. Portanto Luís, era escusado perguntares se sou o autor daquele artigo [, de que reproduzimos excertosm a seguir, sobre as praias de antigamente]. Se fosse tinha assinado.


Nasci no centro da Vila de Sintra e fui inúmeras vezes à Praia das Macãs, de eléctrico. Sou das primeiras pessoas a frequentar a Praia Grande. Até possuo fotos (uma publicada no meu livro "O Corredor da Morte"). Só lá vivia um casal de Pescadores.

Interessa-me tudo aquilo que diga respeito à minha terra. O único trabalho que tive foi procurar e depois sacar aquilo que diz respeito à Praia. Por vezes dou muitas voltas e perco noites quando verifico ser possível encontrar o que procuro, tenho conseguido sempre.

Sabes que sou Lapidador de Diamantes! Sou um bom técnico, fui dos últimos despedidos da DIALAP. Perguntaram-me diversas vezes qual o segredo de não ter "acidentes", nunca ter dado cabo de milhares de contos. A resposta é simples:
– Tratava os diamantes sempre do mesmo modo, quer valessem milhões, milhares… ou tostões! Eram diamantes.

Gostaria que as pessoas fossem iguais, tivessem os mesmos direitos. Nunca gostei da pobreza. As pessoas não são iguais. Conheci um Médico – não é anedota – que respondeu a um doente:
– Os comprimidos engolem-se, pela boca, os supositórios metem-se no cu!

Infelizmente existem seres que deviam engolir supositórios, tanta é a merda que acumulam diariamente na boca.

A Guerra que levei ao Blogue foi uma mentira, sou um mentiroso, por ter omitido. A omissão é uma mentira. Se tiver tempo – tenho 77 anos e tenho sido muito maltratado por este SNS – voltarei a publicar "O Corredor da Morte", mas revisto. Muitas, mas muitas histórias, estão mal contadas.

O Blogue foi importante, mas nunca teve em conta a diferença entre os anos de 62 a 67 e 67 ao fim. Em 1967 quase que não existia Guerra na Guiné e é a partir dos fins deste ano que tudo se complica. Já é tarde e tenho uma Consulta às 8 horas.

No texto qie te enviei em anexo,  podes ver como cheguei ao artigo que referes. A montagem é da minha autoria, de resto tudo copiei e na íntegra. Não deixa de ser uma justa homenagem ao original.

Um Abraço

Mário Vitorino Gaspar

Nota: Só tens de clicar aqui


2. Excerto de "As praias de antigamente", de Manuela Goucha Soares, Expresso Multimédia,  2019 (com a devida vénia... não se reproduzindo as fotos)




(...) O banho de mar acalmava os nervos. Homens, mulheres e crianças, mergulhavam vestidos, sob o olhar atento do banheiro. O banho de sol entorpecia o corpo, vulgarizava a tez, e não era recomendado. 

No princípio do século XX a praia era um local de encontros, lazer e descanso. Ricos e pobres iam a banhos nas mesmas praias, mas não se cruzavam. 

O Expresso desafia os leitores a recuarem cem anos e viajarem de Norte a Sul do país por nove estâncias balneares mencionadas pelo guia “As Nossas Praias - Indicações gerais para uso de banhistas e turistas”, publicado pela Sociedade Propaganda de Portugal em 1918. (...)


PRAIA DAS MAÇÃS: A Praia do Elétrico e do Atentado



Nesta nossa ‘viagem’ de Norte para Sul pelas estâncias balneares dos nossos antepassados, a Praia das Maçãs é a primeira que Ramalho Ortigão não referiu em 1876, mas mereceu menção no guia que a Sociedade Propaganda de Portugal publicou 38 anos depois
A inauguração do elétrico que ligava Sintra à praia em 1905 [em 1904 foi inaugurado o troço Sintra-Colares], a construção do Hotel Royal Belle-Vue em 1908, do premiado arquiteto Miguel Ventura Terra, e um atentado abortado contra o primeiro-ministro Afonso Costa em outubro de 1913, deram visibilidade ao local escolhido pelo autor da música do Hino Nacional para construir uma residência de verão para a sua família.

(...) A casa que Alfredo Keil mandou construir ainda existe, e foi uma das primeiras a abrilhantar a Vila Nova da Praia das Maçãs, complementando assim os planos do empresário Eugénio Levy para esta estância balnear, que já tinha uma ligação rápida e quase direta a Lisboa.

(...) Uma das funções do elétrico era assegurar a viagem das pipas e tonéis do vinho produzido nas areias de Colares – com o seu inconfundível e apreciado travo acre – das adegas Visconde Salreu e regional de Colares até à sede de concelho. 

O guia de 1918 explica-nos que a praia deve o seu nome ao facto de “ter ali a sua foz o ribeiro das Maçãs”, e lembra que “já existiu, em lugar sobremodo pitoresco, sobre um rochedo enorme, mesmo à beira mar, um magnífico hotel. Era, porém, cedo demais para se manter, e teve de fechar a breve trecho, visto que a concorrência de hospedes não era a suficiente para cobrir as respectivas despesas de exploração” [do Hotel Belle-Vue]. 

Nesse ano em que os portugueses contavam os mortos e perdas da participação nacional na Grande Guerra, os banhistas “estacionavam pelos hotéis de Cintra e Colares, fazendo todos os dias o seu passeio matutino [de elétrico] para irem tomar o seu banho e virem depois almoçar com redobrado apetite”.

(...) A praia tinha “dois agrupamentos de barracas para banhos, o de Afonso Lopes e o de João Cláudio; na freguezia há médico permanente e nada menos de três farmacias”, informa o guia de 1918 (...).

 O edifício onde funcionou o hotel Hotel Royal Belle-Vue sofreu um incêndio em 1921. A bomba de picota que os bombeiros possuíam foi transportada numa vagoneta atrelada ao elétrico, que também levou os homens, “num tempo considerado recorde – 25 minutos” [cf. obras completas de José Alfredo da Costa Azevedo], mas só se salvaram as paredes.

Texto e pesquisa Manuela Goucha Soares 

Ⓒ Expresso - Impresa Publishing S.A. 2019



Para ler na íntegra o dossiê, clicar aqui : "As praias de antigamente".

[Revisão / fixação de texto para efettos de reprodução neste blogue: MG / LG]

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segunda-feira, 4 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20939: Notas de leitura (1282): “Corações Irritáveis”, por João Paulo Guerra, Clube de Autor, 2016 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2017:

Queridos amigos,
João Paulo Guerra centra a ação do seu romance num fenómeno que ainda hoje nos inquieta e sobre o qual procuramos passar ao lado: a perturbação pós-stresse traumático de guerra. Embora se duvide dos resultados do romance, em termos de qualidade literária, reconhece-se o mérito de voltar a pôr em cima da mesa as vidas escalavradas de muitos stressados de guerra, denunciar que a rede nacional de apoio aos militares e ex-militares vítimas desta doença funciona deficientemente.
Li este livro sempre a pensar no que o Mário Vitorino Gaspar aqui escreveu, o seu trabalho na APOIAR e no sofrimento anónimo destas vítimas que aguardam tratamento para lhes suavizar o sofrimento.

Um abraço do
Mário


Vidas escalavradas de gente que continua em guerra

Beja Santos

João Paulo Guerra
“Corações Irritáveis”, por João Paulo Guerra, Clube de Autor, 2016, é o segundo romance deste jornalista profissional que se tem distinguido como autor de livros centrados na pesquisa histórica, caso de "Memórias das Guerras Coloniais", "O Regresso das Caravelas", "Savimbi Vida e Morte". Coração irritável era o nome dado a uma doença no século XIX que hoje é conhecida por perturbação pós-stresse traumático de guerra. Esta doença foi reconhecida em Portugal 20 após o fim da guerra. Em 1995, lançou-se a base para a criação de uma rede de apoio a esses doentes, estimados na ordem de algumas dezenas de milhares. Existe hoje uma rede nacional de apoio aos traumatizados da guerra, o seu funcionamento é muito controverso.

A perturbação pós-stresse traumático é o eixo central deste romance de cariz policial, investigativo e confessional. Linguagem onde paira um certo sentido poético, um percurso fluido onde se irão acumular vários mortos, com desfechos perturbadores. Tudo começa quando se encontrou o corpo de Henrique Moreira no rio Jamor, houve dúvidas se se tratava de suicídio ou homicídio. A inspetora Diamantina Jesus procura mais informações junto da viúva de Henrique, Adélia. Tudo isto se passa algures na década de 1990. Henrique mostrava sinais de asfixia por submersão, calçava botas militares, o corpo não apresentava sinais de violência. A inspetora cedo se apercebe que Henrique Moreira, que fora alferes miliciano na guerra de Moçambique, transportara um drama, uma inquietação que não o largava, aquele casamento tivera anos felizes, ultimamente Henrique consumia-se e consumia a sua mulher.

A polícia investiga indivíduos que compareceram ao funeral, tem todos em comum terem frequentado as consultas de psicoterapia comportamental do Hospital Júlio de Matos, gente cheia de problemas, desempregados, com vidas familiares infernais ou expulsos do convívio familiar. Todos aqueles homens trazem o inferno dentro deles, mataram, viram matar, perderam-se no mato, assistiram à crueldade e à violência. Diamantina conversa com a psiquiatra e apura que a tal perturbação pós-stresse traumático é o elo entre todos aqueles doentes e estima o número deles em cerca de 50 mil doentes crónicos. Os amigos de Adélia procuram ajudar e até investigam. Entretanto, há mais mortes, constata-se que aqueles doentes são coniventes uns com os outros, têm formas muito singulares de entreajuda. E descobre-se que o Henrique fora punido porque não aceitara um relatório acerca de uma povoação destruída e população barbaramente assassinada. As histórias seguem-se umas às outras, enquanto Adélia encontra num quarto a estranha documentação de Henrique envolvendo os acontecimentos de Moçambique. Vão se contando histórias truculentas, caso do cabo Felisberto fizera operações com os Flechas, cortadores de cabeças da PIDE no Sudoeste de Angola, gente que decapitava velhos, mulheres e crianças. Diamantina junta documentação enquanto prosseguem mais mortes suspeitas: homicídios ou suicídios assistidos?

A todo o momento, durante as inquirições, vai surgindo gente estranhíssima, têm todos em comum estarem marcados pela guerra colonial. De pista em pista, encontra-se um elo de ligação entre todas estas mortes e o papel desempenhado pela morte de Henrique. Por vezes, João Paulo Guerra cria atmosferas inverosímeis para essas mortes, caso do antigo Cabo Valentim Brotas que se suicida no dia 10 de Junho em pleno Terreiro do Paço, cortara os pulsos e deixara extinguir-se a vida, irá ouvir-se no velório o Adágio para Cordas, de Samuel Barber, o lancinante tema da banda sonora do filme Platoon. E há os dramas familiares, mulheres ansiosas e deprimidas de homens incertos e inesperados nas explosões emocionais: “Os filhos nasceram, ou pelo menos cresceram e foram criados neste ambiente familiar doentio. E se a separação entre os pais e as mães tinha afastado para longe o foco mais primitivo do contágio, do mal-estar e de perigo, agora eram as mães quem transmitia aos filhos a ansiedade e o pânico que os pais tinham vivido, agravados pela situação dolorosa do pai ausente e da mãe que também ia saindo da sua vida ao mergulhar nos abismos da memória de guerras que não tinha vivido”.

Investigação chega ao fim, percebe-se finalmente o que há de comum em todos estes doentes crónicos com quem Henrique convivera. Adélia parte, à procura de si própria e quando volta encontra cartas de um dos seus amigos que é pintor e fora trabalhar a Paris. Depois da guerra, a ternura inundou a vida destes dois seres humanos que tiveram de conviver com um turbilhão de corações irritáveis.

É um romance bem-intencionado mas fruste, é um trabalho de secretária de quem vê a guerra através do estudo de uma doença. Melhor seria que João Paulo Guerra tivesse enveredado pela reportagem, os resultados teriam sido seguramente mais convincentes e socialmente mais impactantes. Não obstante, é uma trama narrativa meticulosamente organizada com fina simplicidade e trabalho sério na pesquisa de atalhos profundos onde se desfizeram vidas nessa guerra colonial em que ainda há muito para contar.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20911: Notas de leitura (1281): Conversa entre homólogos na Guiné-Bissau: uma história hilariante (Mário Beja Santos)

terça-feira, 21 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20886: 16 anos a blogar (1): O helicóptero, poema de Jorge Cabral, comentário de Torcato Mendonça




1. A APOIAR - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra.  celebra este ano 26 anos de existência. E a sua revista, "Apoiar", começou a publicar-se em 1996, vai já em 121 números (janeiro-fevereiro de 2020). 

O nosso camarada Mário Vitorino Gaspar era então chefe de redação da revista quando foi publicado este poema do nosso Jorge Cabral, "O helicóptero" (Apoiar, nº 23, jan-mar 2002, p.2).

O "alfero" Cabral (Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969 /71)
Embora ao poema já tenha sido reproduzido em tempos (*), voltamos a publicá-lo até para perguntar  ao seu autor, o que é feito dele, nestes tempos de "quarentena"... Não devem ser fáceis para ele, não são fáceis para minguém... Mas não sei nada dele, desde o seu último aniversário natalício (6/11/20019), dia em que falámos ao telefone.

Ex-alf mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71), é advogado e especialista em direito penal. Foi irector do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Vive em Lisboa. 

Está aposentado.  Continua a figurar na nossa lista dos "colaboradores permanentes" (neste caso, para as questões jurídicas).



O helicóptero

Pelo ar lento que aquece,
Um pássaro de ferro e aço
Leva o morto que apodrece,
Na boca mais um abraço.

A gente fica a pensar,
Mas mais um morto que interessa,
Já vêm mais pelo mar,
Vêm muitos e depressa.

A gente pensa,
Mas fica com o dedo no gatilho,
Na garganta um nó que pica,
Na preta o ventre com o filho.

Jorge Cabral, Missirá, Guiné, 1970
In Jornal “Apoiar”. 23 (Jan/Mar 2002)

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no nosso blogue: LG]

2. Por outro lado, acrescenta-se um comentário, publicado na altura (2014), pelo Torcato Mendonça, que,  também ele,  deixou de dar notícias há anos, deixou de aparecer, de comentar, de publicar coisas novas...Infelizmente, mais por razões de saúde e de disposição... 

Gostei de falar com ele, há dias, por telemóvel, e de saber que a sua Ana está restabelecida. Vai repartindo o seu tempo entre o Algarve e o Fundão, a cidade onde casou e onde criou os seus filhos. 

Com dupla costela alentejana e algarvia, escolheu, e bem,  o Fundão para viver, trabalhar e constituir família: x- alf mil art, pertenceu aos Viriatos, a CART 2339 (1968/69) que construiu de raíz, a pá e pica, e defendeu com unhas e dentes o aquartelamento de Mansambo, no sector L1 (Bambadinca). Comtinua a figura na lista dos nossos "colaboradores permanentes (neste caso, para as "questões operacionais). 

Tanto o Jorge como o Torcato são dois "tertulianos" da primeira hora, duas figuras de referência que já merecem a honra de ser considerados "senadores" da república da Tabanca Grande. Fporma colaboradores muito ativos: o Jorge Cabral tem 210 referências no blogue; o Torcato Mendonça tem 250.

Comentário do Torcato Mendonça (*):

Olá,  Luís Graça, estive a ler "O helicóptero", reproduzido da revista "Apoiar" que, como sabes, recebo pelo mail. 

Parei. Fui ao blogue reler o de ontem, belas fotos, e fui ler os “anexos” do poema do Jorge. Tinha vindo de uma sesta, o que não é hábito pois fico apardalado, e, lendo tudo aquilo fiquei a pensar, a pensar a sentir-me em Fá [Mandinga] a sentir a necessidade de algo que não explico. 

Reli e reli. Os escritos eram do tempo em que o blogue era de cem ou menos de cem, de um tempo que de pressa passou…e parei a olhar, fui até à marquise e, mesmo com o calor,  fiquei a ver a [serra da] Gardunha, a pensar, a regredir…até do meu “Mini artilhado” me lembrei..

Ah!,  que tempos, em que  ia dar agora uma aceleradela a sentir o roncar, o asfalto a passar, as ideias a limparem, tempos que também depressa passaram, tempos com PVT  sem radares. Mas é uma merda e estou velho para tudo isso…passará com Nespresso? 

Venho ao portátil,  vou passando para o facebook e, raios me partam ,volto ao blogue, passo ao gmail e releio…Aquilo está de antologia, aquilo tem que ser guardado para ler e reler…Os dois completos e as fotos. Agora teclei, penso que cabe e paro. 

Mando um abraço, boas férias no Marco [de Canaveses]. O barulho do heli é chato…a evacuação rápida era Zulu, eu ganhava mais de meia hora, e uma mina 1/6, kalash 1/12…
Ab, T.

3. Estamos a clebrar, por estes dias, os 16 anos do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,  do nosso blogue,  feito a muitas mãos... Por essa razão, vamos fazer um esforço para publicar rapaidamente  alguns postes, pendentes, que nos têm vindo a chegar,  nestas últimas semanas, vividas em plena pandemia de COVID-19... Com ou sem referência explícita a esta efeméride, outros serão bem vindos. Como sabem, o blogue é glutão, precisa pelo menos de 4 postes por dia...

Mais exatamente,  no próximo dia 23/4/2020, o nosso blogue celebra 16 anos de existência (, ou sejam, 192 meses)... São muitos mais anos, meses e dias, do que o tempo que durou a guerra colonial, em particular no TO da Guiné (1961/74).

Mas, nos dias que correm, estamos numa situação para a qual poucos de nós estávamos preparados para enfrentar e viver... Estamos confinados, mas isso nãoquer dizer que estejamos  "arrumados"... Podemos é lerpar, se formos contagiados, por isso temos que nos proteger e proteger os outros,

Decididamente, queremos continuar a celebrar a amizade e a camaradagem, ainda que  à distância, enquanto as nossas Tabancas não reabram...Este ano, como já foi anunciado,  não se realizará o XV Encontro Nacional da Tabanca Grande, que chegou a estar marcado para o dia 2 de maio próximo, me Monte Real. Enfim, teremos que ficar em casa, pro enquanto, e celebrar efemérie, de outra maneira. E a melhor maneira é mandar novos "materiais" para o blogue: histórias, fotos, comentários...

4. Nesse espaço de tempo (16 anos, 192 meses...), que equivale no mínimo a oito (!) comissões de serviço militar, criámos  um espaço de partilha de memórias que pode ser resumido em alguns números, falando por si:

(i) a nossa "tertúlia", a nossa Tabanca Grande, a nossa "comunidade virtual" de amigos e camaradas da Guiné atingiu a cifra de 806 membros (, isto é, registados formalmente, e listados na coluna esquerda da página pirncipal do blogue, por ordem alfabética, de A a Z: o primeiro é o camarada A. Marques Lopes e o último é a nossa amiga Zélia Neno);

(ii) destes 806 grã-tabanqueiros, 78 já estão, fisicamente entre nós, mas honramos a sua memória: pro ordem alfabética, o primeiro é o Agostinho Jesus (1950-2016) (*) e o último o Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014);

(iii) temos membros da Tabanca Grande espalhados por todo o mundo, de Portugal ao Brasil, dos EUA à Suécia, de Cabo Verde a Macau;

(iv) já publicámos quase 21 mil  postes (, mais precisamente 20885), o que dá, em números redondos, uma média mensal de 110 postes;

(v) o total de visualizações de página deverá atingir  os 12 milhões, e meados deste ano, o que dá uma média mensal de 61500;

(vi)  desde junho de 2006, os nossos visitantes vêm sobretudo de Portugal (4, 1 milhões), Estados Unidos (2, 5 milhões); Brasil (580 mil), França (503 mil), Alemanha (450 mil), Reino Unido (140 mil) e Rússia (117 mil);

(vii) temos 713 seguidores;

(viii) foram produzidos, desde junho de 2006, 81 700 comentários (, de um total de 150 800 mensagens, das quais 69 mil foram consideradas como "SPAM" ou "lixo", pelo nosso servidor, o Blogger, ou foram eliminadas, em número muito reduzido,  pelos nossos editores): grosso modo, temos uma média de 4 comentários por poste;

(ix) é difícil de quantificar o nº total de material iconográfico que reunimnos ao fim destes  16 anos, mas entre fotografias, vídeos e outras imagens (aerogramas,cartas, mapas, infografias...) devemos etr mais de 100 mil documentos.

(x) estamos também presentes no Facebook, com a página Tabanca Grande Luís Graça, que contém já mais de 3 milhares de "amigos", dos quais não sabemos exatamente quantos foram combatentes, e muito menos combatentes no TO da Guiné; mas "amigo do Facebook" não significa automaticamente ser "membro de facto et de jure" da nossa Tabanca Grande: para este efeito, é preciso que o candidato faça o pedido expresso, e se apresenta, aos editores, com as 2 fotos da praxe e um pequeno texto sobre as suas andanças na Guiné.
____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de agosto de  2014 > Guiné 63/74 - P13548: Blogpoesia (388): O helicóptero (Jorge Cabral)

domingo, 19 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20574: Recortes de imprensa (111): Homenagem ao psiquiatra Afonso Albuquerque, "pai do stress de guerra e da APOIAR" (Mário Vitorino Gaspar, "O Notícias de Almeirim", 23/8/2019)


Lisboa > No dia 15 de Dezembro de 2000,  a APOIAR organizou um Colóquio, com o tema “A Rede Nacional de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra",  no Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD).  Na foto, da esquerda para a direita, o Presidente da ADFA, Patuleia Mendes, a dra. Trindade Colarejo (SNRIPD), o doutor Afonso de Albuquerque e o Mário Vitorino Gaspar, Presidente da APOIAR.  (Foto: cortesia do Mário Gaspar, 2019)




Doutor Afonso de Albuquerque, 
Pai do Stress de Guerra e da APOIAR

O Notícias de Almeirim, 23-08-2019


[ex-fur mil art, minas e armadilhas,  CART 1659,
  Gadamael e Ganturé, 1967/68; 
tem mais de 110 referências no blogue]



1. Neste artigo, reproduzido por "O Notícias de Almeirim",  com a devida autorixação do autor,  o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar [, foto à esquerda], presta-se uma homenagem ao "Doutor Afonso de Albuquerque:

Presidente e fundador da Associação Portuguesa de Terapia do Comportamento e da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Ex- Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, Presidente, Fundador, Presidente, em vários mandatos,  da Mesa da Assembleia Geral da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra, Sócio Honorário.

Afonso de Albuquerque fez 83 anos em 2018 e completou 50 anos de carreira. Em entrevista à Sábado, 28/10/2018, falo do seu passado, pessoal e profissional. Ficamos a saber que, depous de regressar a Portugal com o título de especialista em Psiquiatria, atribuído pela Royal College of Psychiatrists, fez o seu serviço militar obrigtório, em Moçambique, de 1961 a 1964, antes do início da guerra colonial. Teve problemas com a PIDE e a justiça militar. Voltaria a ser preso pelo PIDE, antes do 25 de Abril. Foi simpatizante do MRPP., mas nunca militante.


2. Mas regressemos ao artigo do Mário Vitorino Gaspar:

[...] Entre outros cargos, [Afonso Albuquerque] é membro do “Royal College of Psychiatrists”  (England), autor de variadas publicações e artigos na área do PTSD [, Post-Traumatic Stress Disorder,]  e da Sexologia, pesquisador do trauma dos Ex-Combatentes, nesse sentido o Serviço que presidia, colaborou com a ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas, no Palácio da Independência, no apoio aos Ex-Combatentes da Guerra Colonial, em Janeiro de 1987. Em Setembro de 1989, os Serviços saem da ADFA.

Como sócio, fundador e dirigente da AOPIAR, doente e conhecedor de um pouco do trabalho desenvolvido pelo doutor Afonso Albuquerque, habilito-me a prestar-lhe a minha homenagem. Após o registo da APOIAR, fiz de parte de diversas listas, o dutor presidiu sempre à Mesa da Assembleia Geral, desde Dezembro de 1994 até Dezembro de 2004.


A APOIAR iniciou o percurso, sempre acompanhada pelo Doutor, investigador da doença, que apresentara o resultado de uma pesquisa científica, em conjunto com a Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes. Neste pode-se ler:

“… o conceito actual de Perturbação Pós Traumática do Stress (PTSD) – posttraumatic stress disorder, no DSM – III em 1980, também já incluído no ICD – 10, da Organização Mundial de Saúde, em 1992”. 

Diz ainda:

 “Não havendo estudos epidemiológicos sobre a distribuição da desordem de stress pós-traumático entre a população portuguesa, apontaram para a «existência em Portugal de 140.000 ex-combatentes vítimas de PTSD, por extrapolação das estatísticas americanas». (…) 

Este trabalho foi feito tendo por base números propostos por estudos epidemiológicos realizados junto da população americana. Tais estudos teriam sido promovidos pelos “ Centres for Disease Control” [CDC].


A APOIAR dava os primeiros passos na Sede, num vão de escadas, gentilmente por ele cedido nos Serviços de Psicoterapia Comportamental, existido uma mesa, duas ou três cadeiras, um armário e uma máquina de escrever. O Dr. Afonso de Albuquerque permitia que a APOIAR se servisse do seu gabinete, no 1.º andar, para receber principalmente a comunicação social, ou qualquer individualidade.


Em Outubro de 1995, o Doutor foi o principal impulsionador do “1.º Encontro sobre o Stress Traumático” na Fundação Calouste Gulbenkian.

Em parceria com a Biblioteca Museu República e Resistência, a APOIAR colaborou neste evento também com uma Exposição com o título «Guerra Colonial», e um Ciclo de Conferências: “Guerra Colonial. Um Diferente Olhar”, de 8 a 18 de Abril de 1996. Num painel intitulado “Mesa Redonda com Ex-Combatentes”, o Dr. Afonso de Albuquerque dirigiu um longo debate.

No dia 4 de Abril de 96, a APOIAR foi convidada a participar num Colóquio, organizado pela ADFA, com o tema «A Realidade do DPTS – Suas Causas e Consequências». Presidiu ao debate o General Ramalho Eanes, e entre outros, o Dr. Afonso de Albuquerque referiu: “A guerra, principalmente a de guerrilha, é a situação mais traumática”.


APOIAR denunciou, e inclusive no seu Jornal: 

(…)  Nas situações de juntas para a reforma, ou de revisão de baixas começou-se a ouvir: “É a doença nova”; “É a doença do Dr. Afonso de Albuquerque” ou: “Desconhecemos essa nova doença”.

A APOIAR participou no Colóquio da ADFA no Porto, no dia 29 de Novembro de 96, com o tema “A Realidade do PTSD – Suas causas e Consequências”. O Dr. Afonso de Albuquerque afirmou: “O PTSD é a única doença de Psiquiatria que pode surgir muito à posteriori”. 

Continuando:  “…uma das causas que provocam o PTSD é a exposição ao combate, e existe muito de comum entre a Guerra Colonial e a do Vietname, o serem ambas guerras de guerrilha, e as diferenças, favoráveis às das tropas americanas: melhor armamento, melhores serviços e campanhas inferiores a 12 meses, 3 deles fora das zonas de combate. Gozavam licença,  enquanto o soldado português não. Os americanos não possuem a tradição de confraternizar, ser a sua idade média inferior à do português, alguns casados, noivos ou com namoradas”.

No dia 28 de Fevereiro de 1998 a APOIAR organizou em Cuba [, Alentejo,] com a colaboração da Comissão de Ex-Combatentes e Residentes de Cuba,  um Colóquio, com uma Exposição Fotográfica com o tema «Guerra Colonial – Memória Silenciada».

O Doutor Afonso de Albuquerque afirmou: 

 (i) “… o trabalho de acompanhamento aos ex-combatentes é um trabalho pesado, o mais pesado da minha vida como médico”;

(ii) “A juventude que era de alegria foi marcada pela tristeza”;

(iii) " (...) 30% de combatentes, incluindo oficiais e sargentos – principalmente os milicianos – devido à responsabilidade de comando, sofrem de PTSD. Metade, portanto 15%, estão em estado crónico”;

(iv) (...) Quer dizer, dos 140.000 – número calculado por extrapolação dos dados americanos – 50.000 podem estar incapacitados totalmente para o trabalho”;

(v) “… a doença é perversa, retardada e rebenta mais tarde”;

(vi) “Existem doenças associadas ao PTSD: o alcoolismo surge com frequência, sendo o suicídio maior nos ex-combatentes e menor a longevidade – morre-se mais cedo”.

Interessa antes de tudo que o ex-combatente seja acompanhado por psicólogos e psiquiatras, e que o mesmo acompanhamento seja extensivo à família. Sucede existir pouca sensibilidade de certos médicos, que dizem ignorar a PTSD, embora esta seja aceite pela Organização Mundial de Saúde. 

É bom que a APOIAR e a ADFA colaborem ambas de molde a permitir que a doença seja reconhecida, a doença existe, foi causada pela guerra. Nos Estados Unidos motivado pela Guerra do Vietname, a partir de 1980 surgiram diversos movimentos: Médicos no Congresso e o Movimento dos Combatentes entre outros, conseguindo que fosse publicada legislação.

Em 14 de Julho de 1998,  foi apresentado pelo Deputado Carlos Encarnação,  do PSD,  um Projecto para o reconhecimento em Portugal do Stress de Guerra, e Criada uma Rede Nacional de Apoio às Vítimas de PTSD.

No dia 19 de Setembro de 1998,  a APOIAR reuniu com o Dr. Álvaro de Carvalho, Director dos Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental, que solicitou à APOIAR um parecer técnico para ser enviado por ele mesmo, como responsável máximo da Psiquiatria e Saúde Mental, a todos os Hospitais, Centros de Saúde Mental e Escolas de Enfermagem para que os técnicos conheçam mais pormenores sobre a doença. A APOIAR considerou ser o Doutor Afonso de Albuquerque a pessoa mais indicada para fazer o “parecer técnico”, parecer esse que deu origem à legislação, e o reconhecimento do trabalho da APOIAR. Esse parecer,  elaborado pelo Doutor Afonso de Albuquerque,  foi-lhe entregue posteriormente.

No dia 25 de Setembro de 1998 houve um ciclo com o tema “Amor em Tempo de Guerra”, conjuntamente com uma Exposição denominada “O Erotismo na Arte”. 

O Doutor Afonso de Albuquerque, que cumpriu a Comissão em Moçambique [, enter 1961 e 1964], como médico, disse: 

“A sexualidade em tempo de guerra tem a ver com a experiência havida em tempo de paz. (...) Chegados os soldados à zona de guerra as prostitutas surgiram logo, existindo uma mulher europeia, por cada dez europeus. O perigo das relações sexuais com as nativas eram as doenças venéreas. Não havia preservativo, mas bisnagas de sulfamida. Os soldados afirmavam que aquilo tirava a potência, sucedendo existirem experiências sexuais com animais".

A APOIAR convocou uma Conferência de Imprensa no dia 19 de Maio de 1999. Na Mesa: Doutor Afonso de Albuquerque; Mário Vitorino Gaspar, Presidente e Carmo Vicente, Vice-presidente da Direcção Nacional. Foi entregue à Comunicação Social um documento, que foi lido. Muitas questões levantadas pelos bastantes jornalistas. 

A SIC fez uma entrevista em directo para o Telejornal das 13H00, entre outras questões, e prometendo-nos que nos acompanhava ao Parlamento:  “Qual a posição que a APOIAR tomará caso seja chumbado o Projecto de Lei?" Após consulta rápida decidiu a DN. Foi dito pelo Presidente Mário Vitorino Gaspar:  “… caso o projecto de lei chumbe,  não votaremos nas próximas eleições, que se aproximam, e iremos recomendar a mesma medida aos ex-combatentes e ao país”.

 O Dr. Afonso de Albuquerque afirmou:  “… É extremamente importante a publicação e regulamentação da Lei e a formação de técnicos, temendo que a mesma seja feita de modo a não apoiar devidamente os ex combatentes e família”.

O Stress de Guerra já tem lei, aprovado o Projecto de Lei, por unanimidade na Assembleia da República e fez nascer a Lei de Apoio às Vítimas de Stress Pós Traumático de Guerra e passou a existir uma Rede Nacional de Apoio. A Lei foi promulgada em 27 de Maio. {Lei nºn46/99, de 16 de Junho].

No dia 15 de Dezembro de 2000, a APOIAR organizou um Colóquio, com o tema “A Rede Nacional de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra",  no Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Além do Secretariado, presente o Presidente da ADFA, Patuleia Mendes, Mário Vitorino Gaspar, Presidente da APOIAR e Doutor Afonso de Albuquerque. [Vd. foto acima].


[...] Este, após resumidamente focar a história da doença referiu:   “A terapia de grupo é o melhor dos tratamentos para a doença”, continuando:  “Quanto à criação de Centros da Rede Nacional de Apoio, têm de ser diferentes de um posto dos serviços de saúde, embora necessitando sempre uma ligação com o SNS”. Mário Vitorino Gaspar afirmou: “O apoio só deve ser prestado depois de um ambiente de confiança mútua”.

No dia 4 de Fevereiro de 2002 a APOIAR na pessoa do seu Presidente da Direcção Nacional, Mário Vitorino Gaspar, assinou o Protocolo, no Salão Nobre do Ministério da Defesa Nacional .

A APOIAR, a convite de Sua Excelência o Ministro da Saúde, participou em Lisboa num Workshop, com o tema “Perturbações de Pós Stress Traumático em Ex. Combatentes” no dia 4 de Novembro de 2002. Está agendado outro Workshop no dia 5 de Novembro de 2002 em Coimbra, em 12 de Novembro, no Porto. A APOIAR e a ADFA foram convidados para a Mesa nos três Workshops.

Na sessão de abertura não estiveram presentes os Ministros da Saúde, Estado e da Defesa Nacional, Segurança Social e do Trabalho e Suas Excelências o Secretário de Estado da Saúde, e o do Estado da Defesa Nacional e dos Antigos Combatentes, tal como estava agendado.

Referiu o Doutor Afonso de Albuquerque: 

“… o conceito PTSD é recente, mas as reacções do ser humano são de sempre. Todos aprendemos a lidar com o perigo e já Shakespeare descreve na sua obra as reacções horrores agudas, mas foi principalmente a guerra,  que permitiu que estas reacções fossem estudadas. Na Guerra Civil Americana {surgou] a expressão «Irritable Heart Syndrome». Foram estudados casos, após a II Guerra Mundial, sucedendo a Guerra da Coreia, só existindo 6% de evacuações de origem psiquiátrica. 

"Os portugueses quando regressaram da guerra encontraram um clima anti-guerra, tinham partido como heróis e regressado como assassinos. PTSD de Guerra está considerada como «uma doença ansiosa".

Findou:  “… em 1992 entre 15 a 50% dos militares desenvolvem PTSD com origem na Guerra Colonial. No estudo da população em geral e em Portugal foram encontrados 7,8%”.

No dia 27 de Novembro de 2002,  a APOIAR, esteve representada pelo Presidente e Vice-presidente, respectivamente Mário Vitorino Gaspar e António Pinheiro e Técnicos, a convite dos Laboratórios Pfizer, Lda.,  surge:

Doutor Afonso de Albuquerque e da Professora Doutora Catarina Soares, esteve presente na “Apresentação dos Resultados do 1º. Estudo de Prevalência de Perturbação do Stress Pós Traumático, em Portugal”, estando presentes igualmente outras Associações e Técnicos de Saúde.

O Doutor Afonso de Albuquerque fez uma breve resenha histórica, e referindo o impacto na Psiquiatria das Guerras Mundiais e das Guerras da Coreia e do Vietname, e por tal a publicação em 1980 do DSM-II, em Portugal, o impacto da Guerra Colonial Portuguesa e posterior luta em defesa dos ex combatentes que deu origem à publicação da Lei nº. 46/99”. 

Frisou ainda: 

“Neste trabalho, quanto aos acontecimentos traumáticos que causaram PTSD, [surge] 

(i) o combate com 10,9%;  

(ii) abuso sexual antes dos 18 anos com 21,7%; 

(iii) violação com 23,1%; 

(iv) catástrofe natural com 1,4%; 

(v) morte violenta de familiar ou amigo com 12,3%; 

(vi) testemunha de acidente grave ou morte com 3,8%; 

(vii) acidente grave de viação com 5,6%;

(vii)  incêndio com 0,5%; 

(viii) ameaça com arma com 5,5%; 

(ix) ataque físico com 9,3%;

(x)  roubado ou assaltado com 2,4%”. 

"… PTSD na população exposta ao combate foi de 0,8% da amostra total é de 10,9%, relativamente aos indivíduos expostos."

Considerando a totalidade de acontecimentos traumáticos que foram causa de PTSD, verifica-se que a situação que mais contribuiu para o total de casos foi «morte violenta de familiar ou amigo».

No conjunto, os resultados deste estudo assemelham-se aos encontrados em estudos epidemiológicos realizados noutros países”. (...) Limitações do estudo: (...) em 1º. lugar a existência de potencial «enviesamento» da amostra; entrevistas realizadas por pessoas sem formação clínica e necessidade de confirmação destes resultados com mais estudos (população geral e/ou populações específicas).

Em 14 de Dezembro de 2002, na 16ª Assembleia Geral da APOIAR, no Salão Nobre do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, por proposta da Direcção Nacional foi atribuída a qualidade de Socio Honorário ao Doutor Afonso Abrantes Cardoso de Albuquerque.

Atrevo-me a afirmar: Doutor Afonso de Albuquerque, Pai do Stress de Guerra e da APOIAR. (...)

O Notícias de Almeirim, Edição online semanal, 23/8/2019

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]
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Nota do editor:

Último poste da série >17 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20464: Recortes de imprensa (110): Pinto Leite, Leonardo Coimbra, José Vicente de Abreu e Pinto Bull, os parlamentares que pereceram no acidente aéreo de 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 27 de julho de 1970)

domingo, 15 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18525: Efemérides (273): No 24º aniversário da Apoiar - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra: "Ter que matar para sobreviver", texto de Mário Gaspar, originalmente publicado no jornal Apoiar, nº 2, jul / set 1996


 Cartaz com o convite  para a sessão de comemoração do 24º Aniversário da APOIAR, Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra. O evento realizar-se-á na sede da APOIAR, sito na Rua C, Lote 10, Lj. 1.10, Piso 1 – Bairro Liberdade 1070-023 Lisboa, na quarta-feira, dia 18 de abril de 2017, pelas 15:00.Aderir através do Facebook. Vd página da associação aqui.



1. Mensagem,  com data 12 de abril de 2018, do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar:

[foto atual à esquerda; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR; tem mais de. 100 referências no nosso blogue]




Caros Camaradas

Logo no início da fundação da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra, registada no dia 18 de Abril de 1994, sendo fundador, também do Jornal APOIAR  (fui primeiro Director), vi-me na necessidade de escrever muitos textos sobre o tema. Lembrar que deixara de escrever desde que terminara Comissão na Guiné.

Este foi talvez o texto que teve mais impacto no Jornal fundado em Janeiro de 1996.

Já que dentro de dias a APOIAR comemora o aniversário [, o 24º], talvez fosse bom recordar o tema escolhido para falar de um tema que temos de afirmar era tabu. Lembrar que foi escrito dirigido a Combatentes que sentiam na pele o trauma da guerra.

Cumprimentos

Mário Vitorino Gaspar


Cabeçalho do jornal Apoiar, nº 2, jul / set 1966

2. Ter que Matar para Sobreviver 

[adaptação de texto publicado no Jornal Apoiar, nº 2, julho / setembro de 1996, pp. 10/11, "Ele teve que matar para sobreviver", da autoria de Mário Gaspar]

por Mário Vitorino Gaspar


“Nos nossos livros de escola glorificam a guerra
 escondem seus horrores.
Eles incutem ódio nas veias das crianças.
Eu preferia ensinar a paz do que a guerra.
Eu preferia incutir amor do que ódio.”


Albert Einstein


(...) O assistir a mortes e ter que matar para sobreviver; estar presente em acções de violência; passar fome e sede; assistir e/ ou participar na morte de crianças e mulheres; estar presente em acções de bombardeamentos, tiroteios intensivos; rebentamentos de minas e armadilhas, fornilhos e o tão famigerado napalm e as dificuldades de ambientação ao clima e o estar longe da família, tornou aqueles jovens sorridentes, ávidos de vida, em homens precocemente envelhecidos. Farrapos humanos, remendados.

Uns já haviam constituído família, outros fizeram-no logo de imediato, os restantes ficaram solteiros. Marcham para a vida, mas diferentes. As mulheres e os filhos paridos muitas vezes de atos sexuais de violência, mulheres violadas pelo guerreiro, e não pelo amor do marido. De imediato, ou posteriormente, o ex-combatente isola-se como se a aldeia, a vila ou a cidade fosse um aquartelamento. Não fala da guerra nem aos pais, à mulher, aos filhos, a familiares e amigos, como não o fizera quando combatia. Ao fazê-lo com alguém só narra as bebedeiras. E sorria.

Na generalidade, e num período curto ou mais lasso, volta a vestir a farda, embora civil, agride, esbofeteando a mulher, os filhos, ou ambos. Não tem paciência para o diálogo e, por vezes, a família embrião é destruída como por acção de um rebentamento. Os filhos ficam a cargo da mãe violada pela guerra colonial. Ele teve que matar para sobreviver na guerra. É o funeral da família. Foi uma mina, uma armadilha ou um fornilho?

Pais, irmãos, mulheres e os filhos daqueles que haviam contraído matrimónio antes da partida, num porão ou num avião, assim como as namoradas ou noivas, familiares e amigos, traumatizados pelo seu ente querido e amigos, choraram à partida para a guerra. Os pais, em muitos casos, morrem precocemente. O Estado português ignora e deixa viúvas, por vezes mães, na miséria. Um ex-combatente suicida-se. Perguntam: porque se suicidou? E não entendem. E os vivos, os ex-combatentes, vivem (se isso é viver!) com medo do futuro. Aqueles que ainda possuem o amor das esposas, dos filhos, por vezes partem portas, armários e outros utensílios domésticos, talvez por não quererem agredi-los.

No quotidiano, aqueles dóceis seres humanos que partiram para a guerra, são despedidos no trabalho. Na rua são presos por criarem conflitos e são desconfiados. São possuidores de um forte espírito de justiça.

E isto por existir um desdobramento em duas personagens distintas: a boa, porque era um jovem alegre, e a má porque partira para a guerra, onde ele teve que matar para sobreviver.

E é por tal razão que, na maioria dos casos odeiam fardas, qualquer tipo de fardas, inclusive a dos bombeiros, embora os adorem. E porque a farda alimenta o ódio, nas suas mentes amputadas, parecendo paradoxo, andam fardados, diariamente, andam em guerra consigo e com os outros, armados, imaginariamente, de arma na mão, como se os pavimentos fossem matas, atentos aos ruídos, passos e chorando como quando uma criança chora, lembrando, nalguns casos a criança que viram matar ou mataram.

Pela noite dentro, já depois de ingerirem doses excessivas de medicamentos, sonhos, pesadelos angustiantes, sufocantes, com gritos, choros, sangue em corpos retalhados, rebentamentos, tudo numa amálgama. Restando do sono três ou quatro horas de descanso, se é descanso, isto após inúmeras dificuldades em adormecer. Ao levantarem-se pretendem iniciar um novo dia, mas tudo se repete.

Na guerra bebia-se ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar. E também nos intervalos. E a bebida normalmente não faltava. Uma das principais razões de se ingerir álcool em demasia era, talvez terem que sofrer a sede nas operações, outra razão era para esquecer. Bebia-se, mas menos, nas matas quando acabava a água no cantil, o líquido dos charcos, onde por vezes se urinava. Aqueles que fumam fazem-no em excesso. Há ainda os que se tornaram toxicodependentes.

Ex-combatentes com PTSD [, sigla inglesa, Post-Traumatic Stress Disorder, em português Perturbação de Stress Pós-Traumático] de Guerra têm dificuldades de concentração, esquecem, quer se alaguem em álcool quer se droguem ou não. Têm, por vezes, tremuras, ranger de dentes e gaguejam, por vezes. A família não entende o medo que vai dentro deles, quando se deslocam a hipermercados, supermercados e outros locais de forte concentração de pessoas. Medo dos grandes espaços, não estando bem em local algum, nem no lar, se o possuem, no café, no restaurante ou noutro local público. Querem abandonar os locais onde se encontram. Não querem estar fechados. Quanto aos transportes, alguns nem sequer tiraram a carta de condução, porque sabiam que o carro na estrada podia ser um foco de conflitos com os outros; não andam, em muitos casos, de metro, não querem servir-se de elevadores e outros transportes públicos, principalmente os superlotados. Estar metido em bichas é uma afronta, uma agressão. Detestam.

São estes ex-combatentes, que no dia-a-dia estão em guerra consigo – a guerra continua, dentro deles. Na grande maioria não estão amputados de membros, não estão cegos, sem cicatrizes visíveis e não possuem próteses. Foram eles que transportaram – sim porque foram eles que o fizeram – os tais amputados, os cegos e inúmeras vezes foram eles que lhes salvaram as vidas. Apanharam das bolanhas, das matas, os pedaços dos mortos, escorrendo o sangue pelos seus corpos, colocando esses restos de corpos, bocado, a bocado em sacos de plástico e outros recipientes. Transportaram os feridos e choraram de dor os mortos.

Hoje os ex-combatentes com perturbações de stress pós traumático de guerra são autênticos despojos humanos, com as vísceras sangrando-lhes os corpos, dos camaradas abatidos pelo inimigo.

Os ex-combatentes com stress de guerra são portadores de outras doenças associadas: problemas musculares, cardíacos, ósseos, de pele, sexuais, etc.. Possuem uma vida curta. Vivem com problemas que a nossa sociedade desconhece. E por culpa de quem? (...)

Contem a história da Guerra Colonial nos manuais escolares, não a façam prisioneira.

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18494: Efemérides (272): No Centenário da Batalha de La Lys, homenagem aos Combatentes do Concelho de Barcelos (Manuel Luís Lomba)