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sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23640: Notas de leitura (1497): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Livro de referência, pela organização cuidada, pelo elevado acervo documental diplomático manuseado, releva aspetos essenciais do que se viveu na Guiné, de 1962 a 1974. Referi em texto anterior que o autor repete erros de apreciação quanto à governação de Schultz, não consultou fontes primordiais; é o primeiro investigador a ignorar o argumentário do PAIGC, muito apreciado na época de que Spínola e a PIDE estavam envolvidos no assassinato de Cabral, não havia coragem para denunciar o segredo de polichinelo de que os guineenses não tolelariam ser governados sob alçada cabo-verdiana, durante anos vendeu-se uma conspiração montada pela PIDE para infetar as consciências em Conacri e chegou-se ao desplante de pôr à frente da intentona Momo Touré, um guerrilheiro libertado em 1969 e que fora criado de mesa no restaurante Pelicano, isto sem questionar como é que este senhor iria mobilizar pelo menos largas dezenas de sediciosos, muitos deles altos quadros do PAIGC. Mas esta mitologia fez voga, era um excelente pretexto para esconder a realidade. Futscher Pereira foi bastante cuidadoso a tratar as relações diplomáticas com o Senegal e revela as diferentes tentativas de Marcello Caetano de chegar às negociações com o PAIGC, a partir de fevereiro de 1974. Obra de leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


A Guiné no importante livro de Bernardo Futscher Pereira, Orgulhosamente Sós (2)

Mário Beja Santos

Orgulhosamente Sós, A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira [foto à direita], Publicações Dom Quixote, 2022, asseguro-vos, é uma obra de referência, muito bem sistematizada, o ponto focal, em diacronia, é uma área que o investigador domina. Trata-se de um trabalho de pesquisa e organização de grande solidez e onde um olhar sobre as relações internacionais correspondentes à guerra que travámos em África regista os dados fundamentais da luta de libertação e a permanente resposta portuguesa. O autor trata este livro como uma crónica, onde se “procura apresentar uma narrativa coerente deste período centrada na história diplomática, mas abarcando os principais aspetos políticos e militares que a enquadram”. Considera que uma visão completa deste período carece ainda de uma história militar pormenorizada das guerras coloniais. Adverte-se o leitor que quer neste texto como no anterior circunscrevemos a análise aos comentários do investigador exclusivamente no teatro da Guiné.

Estamos agora em 1971, as relações com o Senegal deterioram-se com as incursões de forças portuguesas em Casamansa, o PAIGC não abranda a onda de hostilidade. É neste contexto que Rui Patrício, o ministro dos Negócios Estrangeiros recebe uma carta de Spínola propondo um virar de página na politica portuguesa para a Guiné, escrevendo mesmo “a ninguém restam dúvidas de que o problema da Guiné não é passível de solução exclusivamente limitar” e que, “numa guerra deste tipo, as operações militares apenas se destinam a criar as condições à solução de fundo”, e “essas condições estão criadas, pelo que, do ponto de vista militar, se me afigura impossível ir mais além”. Spínola preconizava uma consulta ao povo da Guiné. “Spínola considerava que a sua ação apenas serviria para ganhar o tempo necessário para encontrar uma solução política e diplomática do conflito”. Irá expor essa tese a 7 de maio no Conselho Superior de Defesa Nacional, incomodará muita gente, o Governo não estava disposto a ir tão longe. Lúcido quanto à impossibilidade de uma vitória militar, Spínola empenha-se numa tentativa de negociação com o PAIGC, recorre a um colaborador de confiança, o chefe da PIDE em Bissau, Fragoso Alas, e a um intermediário como Mário Rodrigues Soares, considerado capaz de passar recados. É assim que é aprazado o encontro com Senghor, 18 de maio de 1972. Não há documentação que comprove que Amílcar Cabral desse o beneplácito a tais negociações. Depois das conversações com Senghor Spínola vem a Lisboa, Marcello Caetano contrariou todos os seus propósitos, alegando que a sociedade portuguesa não estava preparada para esse passo. É o início da rotura das relações entre os dois, Spínola irá escrever a Caetano dizendo que só existem duas alternativas, “ou uma viragem de ordem política ou uma prolongada e inútil agonia”.

Spínola irá ainda encontrar um alto dirigente senegalês, escreverá no seu livro de memórias País Sem Rumo que em outubro de 1972 Amílcar Cabral sugeriu um encontro com ele em território português. E o autor refere que a ausência de documentos não permitem esclarecer a consistência desta proposta. É exemplar a correspondência trocada entre Spínola e Marcello Caetano, e ficará para a história o seguinte comentário de Caetano: “para a defesa global do Ultramar, é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, do que por um acordo negociado pelos terroristas, abrindo o caminho a outras negociações”. Caetano supunha que iria haver uma derrota militar na Guiné que manteria intactas todas as possibilidades de defender o resto dos territórios. Falhadas as negociações, também Senghor tirou as suas ilações, passou a dar todo o apoio às atividades do PAIGC no Senegal. Importa referir que entre 2 e 8 de abril, três diplomatas ao serviço da ONU, acompanhados por dois funcionários do secretariado da mesma organização, percorreram a zona de Catió e Quitafine, confraternizado com as populações.

Estamos chegados ao assassinato de Amílcar Cabral e é bom que se diga que Bernardo Futscher Pereira é o primeiro investigador a justificar os acontecimentos fugindo à propaganda do PAIGC pôs a correr, estabelecendo ligações diretas com Spínola e a PIDE, e que teria havido até uma operação tenebrosa envolvendo a Marinha portuguesa. O autor faz avultar o ressentimento secular dos guinéus contra os cabo-verdianos, os cabo-verdianos eram oriundos da pequena burguesia ao passo que os guinéus eram essencialmente camponeses sem instrução. “O PAIGC contava com cerca de 6000 guerrilheiros, quase todos guineenses. Cabo-verdianos seriam talvez uma centena, quase todos dirigentes”. Fala nos indícios de comprometimentos de figuras como de Nino Vieira e Osvaldo Vieira, é sabido que toda a documentação decorrente dos inquéritos desapareceu sem rasto. A liderança do PAIGC preparou a resposta, ela virá, com toda a sua brutalidade, graças ao míssil terra-ar Strella, o ataque a Guileje e a Guidaje. Costa Gomes visita a Guiné no rescaldo destes empates, apresenta como única alternativa “a adoção de uma manobra visando o encurtamento da área efetivamente ocupada, evitando-se, desse modo, a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira”. Como o autor observa, Spínola concordou com o diagnóstico, mas recusou pura e simplesmente aplicá-lo.

Há agora o esforço frenético para encontrar armas compatíveis com a escalada do armamento, pretende-se comprar uma bateria antiaérea para a eventualidade de haver ataques com MiG-17. Para agradecer a cedência das Lajes na guerra do Yom Kippur, Kissinguer, não podendo fornecer diretamente os mísseis Red Eye encontrou um intermediário israelita. “Portugal acabou por encomendar 500 mísseis a Israel que, no 25 de Abril, esteavam na Alemanha Ocidental à espera de serem expedidos para Lisboa. Costa Gomes e Spínola cancelaram a encomenda.”

Futscher Pereira desvela igualmente as negociações tentadas à última hora por Marcello Caetano: negociar com o PAIGC a independência da Guiné. Alude aos acontecimentos de janeiro de 1974, a ofensiva sobre Copá e Canquelifá, a ida do diplomata José Manuel Villas-Boas a Londres, foi o MI6 que serviu de intermediário, o chefe da delegação guineense era o ministro dos Negócios Estrangeiros Vítor Saúde Maria. “Os guineenses exigiam negociações Estado a Estado e o reconhecimento de Portugal do Governo do PAIGC no exílio. Villas-Boas não estava obviamente habilitado a responder. Ficou agendado novo encontro, mas não antes de maio. Marcello Caetano procurava também outros canais. A 5 de abril, Pedro Feytor Pinto foi enviado a Paris, onde se encontrou com Jacques Foccart, o todo-poderoso monsieur Afrique do Eliseu, a quem pediu ajuda para mobilizar Senghor e Houphouët-Boigny para esta tentativa de última hora de negociar com o PAIGC. Iniciaram-se também preparativos para um encontro entre Bethencourt Rodrigues e Senghor.”

Aqui findam todas as considerações sobre a Guiné, insiste-se que se trata de um documento altamente probatório, indiscutivelmente um olhar refrescado sobre o que foi a diplomacia portuguesa que demonstra inequivocamente que não estávamos “orgulhosamente sós”.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23628: Notas de leitura (1496): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23628: Notas de leitura (1496): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Não hesito em considerar esta obra como uma visão inovadora das relações internacionais durante todo o período em que vingou a nossa guerra em África. O diplomata e investigador escalpeliza elementos de grande significado, logo com Angola, o Catanga e o Congo, depois o início da guerra na Guiné, a crescente pressão na ONU, a nova relação de forças na África austral, o conflito interno do Congo, o início das hostilidades em Moçambique, as sucessivas tentativas externas para pôr termo à guerra, a recusa enérgica de Salazar, Cabora Bassa, a chegada de Marcello Caetano; a viragem provocada pelo ano de 1970, não só pelo isolamento diplomático como pela verificação que operações tipo Nó Górdio só serviam para alastrar a guerrilha, e assim iremos até ao 25 de Abril, uma abordagem diacrónica que é merecedora de ser saudada. Nestes 2 textos verificar-se-á que pontualmente o investigador ou expende ideias extravagantes como a de dizer que Amílcar Cabral era oriundo de uma família abastada de funcionários ou a repetição do mantra de que Schultz jogava à defesa e confiava mais nos bombardeamentos aéreos, hoje demonstradamente uma inverdade consumada. Enfim, rica apreciação das relações internacionais e a necessidade de estudar melhor o que aconteceu na Guiné.

Um abraço do
Mário



A Guiné no importante livro de Bernardo Futscher Pereira, Orgulhosamente Sós (1)

Mário Beja Santos

Orgulhosamente Sós, A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira [foto à direita], Publicações Dom Quixote, 2022, asseguro-vos, é uma obra de referência, muito bem sistematizada, o ponto focal, em diacronia, é uma área que o investigador domina. Trata-se de um trabalho de pesquisa e organização de grande solidez e onde um olhar sobre as relações internacionais correspondentes à guerra que travámos em África regista os dados fundamentais da luta de libertação e a permanente resposta portuguesa. O autor trata este livro como uma crónica, onde se “procura apresentar uma narrativa coerente deste período centrada na história diplomática, mas abarcando os principais aspetos políticos e militares que a enquadram”. Considera que uma visão completa deste período carece ainda de uma história militar pormenorizada das guerras coloniais.

Tenha-se em conta o parágrafo final da sua apresentação:
“História de resistência, a história deste período é, também, uma história de oportunidades perdidas. A capacidade de sobrevivência evidenciada pelo regime surpreendeu a comunidade internacional e os próprios países africanos. Em 1963, 1968/69 e até em 1972, houve condições objetivas propícias para tentar uma saída negociada para o conflito, que o regime não quis ou não soube aproveitar. Pela sua obstinação, pagámos todos um preço elevado: os milhares de vidas perdidas na guerra, os traumatismos que causou, os recursos nela desperdiçados, as sequelas de ressentimento que deixou e o atraso que provocou na transição para a democracia em Portugal e na inevitável transformação das ex-colónias em África em novos Estados independentes.”

Era obrigatório tratar a guerra da Guiné, por esta se ter tratado de um teatro decisivo, pelos aspetos mais impressivos, desde a primeira hora. E a primeira hora, como observa o autor, foi a abertura de uma segunda frente que era esperada, a Guiné estava encravada entre dois países recentemente independentes, desde o segundo semestre de 1962 que há documentação oficial e outra, e até livros de memórias, que relatam a constante presença da guerrilha, nomeadamente no Sul, onde desarticulou as comunicações, incendiou armazéns, gerou o abandono de lugares, intimidou populações. E subitamente o autor surpreende-nos com uma frase extravagante, historicamente descabida: “Amílcar Cabral, filho de uma família culta e abastada de funcionários, padres e comerciantes cabo-verdianos, crescera na Guiné, onde o pai ocupou vários cargos…”

Não sei onde Futscher Pereira foi buscar a família abastada, Iva Pinhel Évora trabalhou como uma moura nas tarefas mais humildes, Juvenal Cabral era um modesto professor, quando se separou de Iva, foi para Cabo Verde e levou uma vida remediada, quem cuidou de Amílcar foi Iva, primeiro na Guiné depois em Cabo Verde. O seu itinerário, como o autor descreve, está de acordo com as informações disponíveis, é fidedigno o que se escreve aqui sobre o seu projeto da luta armada, as tentativas de negociar uma solução política para o conflito, as suas preocupações com a dimensão internacional do combate anticolonialista. Comenta a estratégia militar do PAIGC definida por Cabral, a criação do que se passou a chamar “áreas libertadas”, mostra-nos o que separa Senghor de Touré, eram adversários figadais, Senghor bem tentou inicialmente apoiar um plano que levasse a FLING à governação, tudo parecia bem encaminhado, Salazar revela-se irredutível, nada de aberturas.

Futscher Pereira não investigou a guerra da Guiné e comete os mesmos erros de outros pesquisadores que o antecedem. Falando de Schulz, diz o que todos dizem: "Não revelou uma melhor compreensão da guerra subversiva do que o seu antecessor. Durante os anos em que permaneceu no comando da Guiné, antes de ser substituído por Spínola, manteve-se essencialmente na defensiva, recorrendo a bombardeamentos aéreos para atacar os redutos da guerrilha. Tais métodos permitiram ao PAIGC estender a presença no território e ganhar as populações para a sua causa.” Bastaria que tivesse manuseado os diferentes volumes da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, edição do Estado-Maior do Exército, a leitura pode não ser a mais aliciante, mas estão lá as múltiplas operações efetuadas ao longo dos quatro anos do seu mandato, pesaram muitíssimo mais bombardeamentos aéreos, como o próprio autor observa o armamento do PAIGC ia-se progressivamente melhorando e a crítica que muitos fazem que Schulz expressou as unidades por todo o território decorria da necessidade de apoiar as populações ou impedir a circulação dos guerrilheiros das populações que os apoiavam.

Iremos ter o mesmo mantra quando se referir à chegada de Spínola à Guiné, dirá que as tropas portuguesas estavam confinadas nos aquartelamentos, dispersas pelo território e sem mobilidade e que as operações de envergadura era competência das forças especiais. Discreteia sobre a personalidade suis generis deste oficial de Cavalaria, a sua vinda a Lisboa depois da tomada de posse de Marcello Caetano, em 8 de novembro de 1968, fez briefing no Conselho Superior de Defesa Nacional, o novo governador diagnosticou uma situação extremamente crítica, exigiu reforços, previa um “colapso militar a curto prazo”, tendo dito que era necessário insuflar novo ânimo nas tropas portuguesas que precisavam de sentir que lutavam “por um objetivo suscetível de ser atingido”. A reação de Marcello Caetano foi perentória, “estava fora de questão abandonar a Guiné”. Dá-nos conta daquilo que ele designa como o vice-reinado de Spínola na Guiné: a prioridade absoluta ao aspeto político da guerra, conquistar as populações através do progresso económico e social, garantir-lhes segurança através de aldeamentos com amplas facilidades de autodefesa, foi lançado o slogan “Uma Guiné melhor” a que se seguiu outro que tinha objetivos claros “A Guiné para os guinéus”. Esta multiplicidade de medidas proativas exigiram a Amílcar Cabral uma movimentação diplomática para obtenção de apoios, irá consegui-los e conquistará amizades na Escandinávia.

O autor detalha cuidadosamente as sucessivas tentativas de Senghor em deixar uma porta aberta para negociações que pusessem termo à guerra, não deixando, contudo, de apresentar queixas no Conselho de Segurança da ONU por violações do seu território, ficamos igualmente a saber as negociações tentadas por Senghor em França, sem êxito. E assim chegamos à operação Mar Verde, os resultados são bem conhecidos, com destaque para o isolamento diplomático acrescentado. E observa: “Convencido da cumplicidade de Senghor na operação, Touré cobriu de insultos e vitupérios o líder do país vizinho. Para se eximir de responsabilidades, Dakar mostrou-se intransigente na ONU, reclamando uma resolução contra Portugal ao abrigo do capítulo VII da Carta. A 8 de dezembro, Portugal foi condenado no Conselho de Segurança, com as abstenções da França, Reino Unido, Espanha e EUA. Pela primeira vez, o Conselho declarou que o colonialismo português constituía uma ameaça à paz e segurança dos Estados africanos.” 1970 fora um ano para esquecer. Inclusivamente morrera na queda de um helicóptero na Guiné José Pedro Pinto Leite, o seu desaparecimento precipitou o fim do diálogo com a Ala Liberal.

Recorda-se ao leitor que estamos a falar de uma obra que consideramos de referência pelo inovador caráter organizativo. No tocante à Guiné, espera-se que o autor em próximas edições retifique comentários desajustados aos factos documentados.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23621: Notas de leitura (1495): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18011: (In)citações (112): A Tabanca Grande, a Guerra “de libertação”, que tarda em acabar para os bissau-guineenses e a marca dela nos ex-combatentes do continente (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5,30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade ("Os Piratas de Guileje") mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje. Foto: AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por C.V.]


1. Em mensagem datada de 22 de Novembro de 2017, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos este artigo de opinião para publicação:


A Tabanca Grande, a Guerra “de libertação”, que tarda em acabar para os bissau-guineenses e a marca dela nos ex-combatentes do continente

Alegram-me os 10 milhões de visualizações do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, a Tabanca Grande tornou-se numa espécie de país virtual, com população superior à da Catalunha, uma nação sem exército e uma promessa de “libertação”, segundo os métodos de Gandhi ou de Mandela, com a consciente exclusão dos de Lenine, de Mao ou… de Amílcar Cabral.

Louvores ao seu “Homem grande” Luís Graça, ao seu mouro de trabalho Carlos Vinhal, extensivos aos co-editores Virgínio Briote e Magalhães Ribeiro. Um caso especial de sucesso do voluntarismo, de entranhada camaradagem, de pluralismo e do “dever de memória”.

No tocante a ex-combatentes expedicionários nos seus teatros, invoco os testemunhos do Dr. Albuquerque, especialista do setresse pós-traumático, de que a guerra ultramarina ficou colada à vida dos seus combatentes; do escritor Lobo Antunes “Não sei explicar, mas a maior parte do que sou, continua lá”; e do Coronel-Comando José Manuel Belchior, Presidente do Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes, de que, como participante em várias tertúlias, nenhuma outra se mantém tão ligada à terra e à sua gente como as dos ex-combatentes da Guiné.

As emoções que vivemos foram tantas e tais, que se cristalizaram em sentimentos – digo eu.
Em suma: Não há cura para a guerra da Guiné, enquanto maleita nossa; e a “guerra de libertação” da Guiné tarda a acabar, para mal dos bissau-guineenses.
E quanto à sua história, sou recorrente na metáfora da prédica do Padre António Vieira, referida à relação da substância com a forma.

Em rigor histórico, o PAIGC nem conquistou nem ocupou Guileje. Mas no entender do historiador Fernando Rosas, esse acontecimento foi uma derrota militar portuguesa e uma ocupação vitoriosa do PAIGC; para o historiador Rui Ramos, por exemplo, seria fruto de uma desobediência e de uma retirada do Major Coutinho e Lima, aliás bem comandada e sucedida. Algo susceptível de acontecer cá por casa, com o mesmo que entra pelo “orifício” do pensar do António Graça Abreu e do pensar do A. J. Pereira da Costa – aproveito e protesto a ambos a minha mais elevada consideração.

Em rigor histórico, Madina do Boé e Guileje, duas tabancas fronteiriças e as únicas tabancas “libertadas” da Guiné, não o foram nem por conquista nem por ocupação: o PAIGC limitou-se a explorar o sucesso do seu abandono pelos portugueses. Uma oferta do General Spínola, rumo à sua vitória – digo eu.

A guerra de libertação dos bissau-guineenses só terminará quando forem superadas a sua orfandade de Amílcar Cabral e da administração portuguesa.
Amílcar Cabral foi responsável pela quimera do “absolutismo despótico” da Guiné (sob o nome de Socialismo), pela quimera da unidade com Cabo Verde, por recusar, pela violência, o pluralismo político aos seus concidadãos, por ter antecipado a fundação da sua nacionalidade, sem sustentação na nação, mas num exército desproporcional – o mesmo que a independência transformará de simples guerrilheiros em casta de oficiais superiores… sem soldados.

Portugal é responsável por ter enformado a Guiné, por a ter conservado contra ventos e marés, mas, sobretudo, por os seus militares a terem abandonado, consciente de que cediam a uma solução imposta do exterior, extemporânea e não adequada à sua consolidação como nação, tendo apenas como atenuante as tentativas de uma força de guerrilha, com o efectivo de menos de 10% da sua guarnição militar e com o apoio de cerca de 10% da sua população de 600 000 mil almas, porfiada em os correr a tiro.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17765: (In)citações (111): Lembrando Setembro, o mês comemorável da Guiné, a sua Libertação, que intrujou todo o mundo e todo o mundo se deixou intrujar e os seus improváveis heróis (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14873: Notas de leitura (736): “Guerra d’África, 1961-1974, Estava a guerra perdida?”, por Humberto Nuno de Oliveira e João José Brandão Ferreira, Fronteira do Caos, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
O nacionalismo radical trata o fim do Império como um processo de traição, de abandono, o zénite da derrisão dos valores da nação. Neste livreco, feito de um amontoado de considerações sem consistência histórica e de respostas de valor muito desequilibrado, o leitor tem oportunidade de ver como se procura o sensacionalismo publicando textos que vêm em todos os blogues, nunca se consentindo no contraditório, nunca se confrontando o cenário internacional com os ideários do regime deposto.
Há para ali uma enorme saudade do tempo em que Henrique Galvão, a propósito da I Exposição Colonial, se realizou em 1934 no Porto, publicou o mapa "Portugal não é um país pequeno", em que se enchia a Europa com Angola, Moçambique e outros espaços coloniais. Enfim, a "questão fraturante" permanece mas já não se pode esconder o vazio ideológico de quem promove a sustentabilidade da guerra como a suprema nostalgia do império que desapareceu.

Um abraço do
Mário


Mitos e enganos sobre o fim do Império Colonial português (2)

Beja Santos

É preciso ler do princípio ao fim “Guerra d’África, 1961-1974, Estava a guerra perdida?”, com prefácio de Jaime Nogueira Pinto, por Humberto Nuno de Oliveira e João José Brandão Ferreira, Fronteira do Caos, 2015, para se perceber a orfandade ideológica destes expoentes do nacionalismo radical que brandem a argumentação de que a guerra de África estava ali para durar, não havia qualquer inevitabilidade de derrota, o que houve foi um certo desfalecimento de alguns oficiais a que se juntou o envenenamento ideológico trazido pelos oficiais milicianos, daí o desastre do fim do Império e as suas tremendas sequelas.

É um livro mal alinhavado, para dar um ar de seriedade resolveram lançar uma pergunta em mau português a uma série de oficiais e dois civis, nestes termos: “Na sua perspetiva, considera que as operações anti-subversivas e de contraguerrilha desenvolvidas em Angola, Guiné e Moçambique, em defesa da soberania portuguesa sobre aqueles territórios e populações que viviam há seculos debaixo da bandeira das Quinas, estava militarmente perdida?”.

Nas respostas há de tudo, como na botica. Não estava perdida nem estava ganha, o importante era que o poder político encontrasse uma solução política (não se diz qual, aduz-se que servisse para terminar o conflito, sabe-se lá se incorporando todo o corpo de guerrilha nas forças armadas locais…) dizem uns. Há respondentes que não confundiram a nuvem com a floresta, equacionaram a evolução da guerra com o contexto internacional e a mentalidade da sociedade portuguesa. O Coronel Moura Calheiros recorda que também havia um cenário interno e elenca as suas razões: o entusiasmo inicial da população pela defesa do Ultramar foi-se desvanecendo; esta falta de entusiasmo, mesmo de fadiga, teve consequências nos quadros das Forças Armadas; a preparação das tropas que partiam para África era cada vez mais deficiente; o caso mais influente era o que ocorria nas universidades, aqui o ambiente era de intensa e permanente propaganda contra a guerra em África e a favor da “independência para as colónias”. E conclui: “Não vejo como seria possível manter, a partir de 10 a 15 anos da nossa data de referência, a política relativa ao Ultramar seguida pelo governo de então. É que não haveria cidadãos com capacidade para a governação do país que não estivessem afetados e bem doutrinados pelas lutas estudantis. Toda ou, no mínimo, a esmagadora maioria da população portuguesa com formação académica estava doutrinada contra a guerra no Ultramar”.
Nesta mesma linha discorre Adriano Moreira quando diz: “Da minha observação, e não de escutar outros, a guerra, em 74, como tal não estava perdida: mas estava ultrapassado pela população o conhecimento histórico do Ultramar pelo conhecimento adquirido da realidade ultramarina, acrescendo o cansaço da juventude, a fadiga das tropas incluindo a articulação dos estatutos entre profissionais e milicianos; por isso, em relação ao Ultramar, o movimento que assumiu o controlo das forças militares, pôs um ponto final na guerra, porque o ambicionado e prometido tempo para encontrar soluções políticas, que foram desencadeadas e interrompidas, foi por ele dado por esgotado. Não teve programa de descolonização”.

Há respondentes que pretendem trazer originalidades históricas. É o caso do Tenente-General José Vizela Cardoso que nos vem falar das orientações acordadas no Pacto de Paris (subscrito por Álvaro Cunhal e Mário Soares, numa quinta-feira, a 27 de Setembro de 1973, e que não estavam preconizadas no programa do MFA. Fico absolutamente seguro que esta descoberta irá revolucionar toda a investigação sobre as origens do 25 de Abril e o processo de descolonização.
O Coronel Caçorino Dias também traz revelações que poderão levar a estudos edificantes. Por exemplo, quando diz: “A maioria dos cozinheiros das unidades militares eram autóctones, mas nunca se registou um caso de envenenamento; não há memória de um soldado ter sido assassinado, ou de ter ocorrido um rapto de um familiar de um militar. Os militares movimentavam-se por todo o lado, à vontade, mesmo nos bairros tidos por mais problemáticos. Nem lhes passava pela cabeça que se lhes fizessem mal”.
Um outro respondente, o Tenente-General José Francisco Nico, apresenta nas suas conclusões o seguinte: “Não se pode afirmar que a derrota de Portugal, concretizada internamente no 25 de Abril foi uma vitória dos movimentos de libertação como é voz da opinião pouco informada e esclarecida. Os movimentos de libertação sem todo o apoio político, militar, financeiro, de espaço e em material que foram recebendo dos outros subsistemas nunca teriam alcançado o seu objetivo. No entanto, é preciso reconhecer que o sistema adversário necessitava da ação dos movimentos de libertação para conferir dinâmica ao processo e dar-lhe visibilidade na opinião pública”. Branco é, galinha o põe.

O Coronel Raúl Folques, experimentado combatente, e que comandou o Batalhão de Comandos da Guiné, sobretudo na operação “Neve Gelada”, em que se capturou ao PAIGC uma bateria de morteiros 120, afirma o seguinte: “Considero que o PAIGC, em 1973/74, tinha muita dificuldade em recrutar combatentes, sendo certo que muitos dos guerrilheiro capturados ou abatidos eram já veteranos, homens calejados na guerra e muito experientes. Pelas razões apontadas, é minha opinião que a guerra estava longe de se poder considerar, em termos militares, perdida. O fator principal que jogava contra nós e que era significativo era a desmotivação que grassava nalguns quadros e o facto do poder executivo não ter conseguido revitalizar o esforço de guerra”.

Os ultranacionalistas continuam apegados a fórmulas fanatizadas, com especial relevo para a existência de um Império multisecular, para a agressão dos terroristas, etc. Louvam encomiasticamente o comportamento do soldado português como se alguma vez o seu denodo tivesse sido posto em causa. Nunca utilizam o contraditório, citam os seus autores de confiança, promovem a efabulação da sustentabilidade da guerra desviando o olhar de cruéis realidades como a própria crise económica que se instalara em Portugal e que se saldava numa inflação superior a 30% no primeiro trimestre de 1974. É possível que nunca venhamos a saber as motivações de fundo que levaram Caetano à mesa das negociações com o PAIGC e a incitar Santos e Castro e Jorge Jardim a promoverem independências brancas. É dentro desta indigência ideológica que os nacionalistas radicais se comprazem, exultantes, promovendo falsa História com o pretexto de que predomina a historiografia dos vitoriosos do 25 de Abril, o que eles chamam uma historiografia vesga que insiste em glorificar desertores…
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14859: Notas de leitura (735): “Guerra d’África, 1961-1974, Estava a guerra perdida?”, por Humberto Nuno de Oliveira e João José Brandão Ferreira, Fronteira do Caos, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14859: Notas de leitura (735): “Guerra d’África, 1961-1974, Estava a guerra perdida?”, por Humberto Nuno de Oliveira e João José Brandão Ferreira, Fronteira do Caos, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Voltemos à questão dita fraturante da guerra colonial que estaria perdida, ganha ou controlada.
Como se sabe, é um dos arremessos e pontos de honra dos nacionalistas radicais, que alegam ter havido traição, e com a retirada emergiram dramas sem conta a juntar a guerras civis extremamente sanguinárias, caos económico, tratamento iníquo com aqueles que tinham sido fiéis à bandeira portuguesa.
Todas estas tiradas emocionais de vez em quando passam a escrito, estamos diante de autores impreparados, aqui até se diz que Amílcar Cabral era mestiço e que fundou um partido em 1952 (deve ter sido por via digital, antes de chegar à Guiné nessa data, onde procedeu ao recenseamento agrícola com a mulher...).
Antes de vociferarem, leiam o livro de uma ponta à outra, é preciso abonar a idoneidade destes novos fanáticos, que nem à guerra foram.

Um abraço do
Mário


Mitos e enganos sobre o fim do Império Colonial português (1)

Beja Santos

Entre as chamadas questões fraturantes da sociedade portuguesa, o fim do Império Colonial português e a descolonização subsequente têm um peso desmesurado, entrechocam-se fatores emocionais, ideológicos e político-culturais por vezes extremados. Há os que pretendem alegar que o MFA, movido por uma questão corporativa, arrastou, de colaboração com forças da esquerda e esquerdistas, o país para negociações precipitadas e um abandono desalmado do que consideram apelar das nossas províncias ultramarinas. Este grupo, se bem que minoritário, porque constituído por nacionalistas-radicais que até desprezam a direita euro-satisfeita, argumenta que os teatros de operações ainda possuíam sustentabilidade, houve traição no abandono do Império que não era de pura exploração económica, que tratava muito bem os autóctones, esses descolonizadores foram os responsáveis diretos por guerras civis, assassinatos bárbaros e catástrofes económicas que se seguiram à retirada dos portugueses. Há, por seu turno, os que procuram estudar a guerra no contexto da situação internacional do seu tempo, acompanhando a evolução das elites africanas e a formação dos movimentos de libertação, dissecando as peculiaridades de cada um dos teatros de operações, o armamento e sustento, o comportamento da insurreição e da contrainsurreição, procurando descodificar o estado desses teatros de operações nomeadamente a partir de 1973. Foram precisas décadas depois da quebra do regime ditatorial para se conhecer como Marcello Caetano procurou negociar o cessar-fogo e o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau e acirrou vários responsáveis para instaurar independências brancas em Angola e Moçambique. Pelo caminho, desvelou-se que o teatro guineense caminhava para o caos, perdera-se a iniciativa, a guerrilha possuía um armamento incomparável e o reconhecimento do Estado da Guiné-Bissau estava a preparar cenários que anteviam a humilhação das forças portuguesas. E estamos nisto, são pontos de vista irredutíveis.

É na sequência desta escrita dogmática dos nacionalistas radicais que se deve entender o livro “Guerra d’África, 1961-1974, Estava a guerra perdida?”, prefácio de Jaime Nogueira Pinto, por Humberto Nuno de Oliveira e João José Brandão Ferreira, Fronteira do Caos, 2015.

Jaime Nogueira Pinto que já escreveu a dizer que depois de muita reflexão descobrira que uma mais justa solução para a descolonização não andaria muito longe daquela que se viveu entre 1974 e 1975, vem agora exaltar esta iniciativa e até com inocência diz uma bojarda: “Até ao 25 de Abril de 1974, nunca se registou um caso de uma povoação ou um aquartelamento importante que tivesse sido tomado ou ocupado pelo inimigo”.

Trata-se de uma investigação sem contraditório, as duas premissas já trazem a conclusão, e descurando regras elementares da lógica dos textos, o leitor vai ter que suportar uma resposta detalhada, ainda que redigida na maior das indigências argumentativas aos comentários de dois coronéis a propósito de um seminário que ocorreu em Abril de 2012 no Instituto de Estudos Superiores Militares. Os ditos coronéis ter-se-ão insurgido a uma frase que no seu todo era falaciosa: “A situação nos três teatros está controlada pelas Forças Armadas portuguesas e era sustentável em termos militares”. Nunca se viu dar réplica num livro sem publicar o texto original. Um dos autores revela a sua compulsão em se falar de guerra colonial quando na verdade o que houve foi guerra em África, pelo caminho faz comparações terminológicas com guerra do ultramar e guerra de libertação, e tem uma saída para a designação de Guerra de África que ultrapassa o delírio: “A designação apresenta vantagens de caráter historiográfico. Na realidade, não existindo nenhum outro momento na História de Portugal, desde 1415, que designemos por Guerra de África parece, pois evidente que nenhuma outra classificação que lhe assenta de modo tão objetivo, claro e abrangente”.

É pena os autores não terem tido tempo para estudar a fundo a nossa gloriosa presença em África. Caso da Guiné, por exemplo, onde aportámos em meados do século XV e cuja independência, em 1974, irá marcar o fim do Império. Essa presença, até ao século XIX, confinava-se a praças, feitorias e presídios, uma meia-dúzia, pagando tributo de arrendamento. Fomos cedendo a Senegâmbia aos franceses e ingleses, a atual Guiné, que decorre da Convenção Luso-Francesa de 1886 acabou por ser um enclave no protetorado do Futa Djalon. Nas constituições portuguesas do século XIX nunca se fala na Guiné, fala-se me “Bissau e Cacheu”. Em simultâneo com o fim do tráfico dos escravos, móbil comercial dominante da presença portuguesa, assomam conflitos brutais entre Fulas e outros grupos, e como não havia ocupação portuguesa no interior as guarnições militares viram-se confrontadas com sucessivas guerras, não vale a pena enumerá-las, foram muitas. A acalmia só chegou com as campanhas militares do capitão Teixeira Pinto, de 1913-1915. A situação muda radicalmente com a chegada de Sarmento Rodrigues, ele aspirou transformar a Guiné numa colónia-modelo e teve sucesso. A economia da região era dominada por duas grandes empresas, a CUF e a Ultramarina, pertencente ao Banco Nacional Ultramarino. De Teixeira Pinto em diante, formaram-se alianças, conseguiram-se neutralidades. Se os autores se tivessem decidido a estudar a guerra da Guiné a fundo, teriam descoberto que ao longo de 1962 a insurreição abateu-se no Sul e quando em Janeiro de 1963 começou a luta armada, a posição portuguesa tornou-se periclitante, e assim foi até ao fim da guerra. Mas são coisas que os fanáticos pretendem iludir, exploram as emoções daqueles combatentes que viveram noutros cenários de guerra e que se deixam embalar por estas meias-verdades de que havia sustentabilidade para continuar o esforço de guerra, o que se passou foi a tal traição dos oficiais mancomunados com as forças de esquerda e esquerdistas. Como o livro é uma manta de retalhos, aproveitando até textos elaborados com outros propósitos, apanhamos com as acusações à retirada de Guileje. O autor não esconde o seu espírito onzeneiro: “O comandante do COP 5 (major Coutinho e Lima) voltou ao quartel apenas para saber pelos seus subordinados – em quem segundo o jornal da caserna não tinha grande comandamento – que o último ataque sofrido tinha destruído o posto de rádio e parte da artilharia. A retirada fez-se nessa noite, sendo feita em boa ordem de marcha e com todos os cerca e 500 elementos da população” e daí a questão sibilina: “Até que ponto haveria ação subversiva feita por eventuais infiltrados simpatizantes, idos da Metrópole?”.

Segue-se o documento do comando-chefe, reunião dos comandos de 15 de Maio de 1973, não há nenhum blogue que não tenha já reproduzido, mas dá para encher 60 páginas do livro.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14840: Notas de leitura (734): A Guiné Portuguesa em 1928: Segundo o anuário da Escola Superior Colonial de 1929 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 16 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14372: Notas de leitura (692): “As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais”, organização de Maria Paula Menezes e Bruno Sena Martins, Edições Almedina, 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2014:

Queridos Amigos,
Estes ensaios debruçam-se sobre o interdito, o ocultado, o altamente incómodo, no contexto das guerras que travámos em África em tempos de descolonização.
O Exercício Alcora era desconfortável para o regime de Lisboa, mas tornara-se imprescindível, por causa de Angola e Moçambique. A africanização da guerra tinha matizes que importava disfarçar. E veio a descolonização, apareceram novas perplexidades, como a questão da identidade do retornado, o incómodo de associar a violência ditatorial à violência colonial… ocultações de certa historiografia - histórias de sonhos coloniais falhados que continuam a pairar sobre as nossas cabeças .

Um abraço do
Mário


Guerras de libertação, as alianças secretas, um vasto manto de interditos

Beja Santos

“As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais”, organização de Maria Paula Menezes e Bruno Sena Martins, Edições Almedina, 2013, é um repositório de estudos que, como escreve Boaventura de Sousa Santos no prefácio, “consiste em desvelar o que foi ocultado, tanto pelo que foi dito como pelo que foi silenciado, nas histórias celebratórias e nas memórias autocomplacentes”. Enfim, algo que pertence à sociologia das ausências, silenciamentos que persistem de ambos os lados da contenda. O que aqui se expõe são intrincadas alianças, sobretudo no cone Austral de África, onde a África do Sul jogou a fundo para manter o seu governo racial, atraindo o governo de Lisboa para uma aliança secreta, o Exercício Alcora.

Começando exatamente com o Exercício Alcora, os coordenadores comentam o historial da aproximação dos regimes brancos minoritários e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique, na atmosfera que lhes era adversa: as independências da Zâmbia, do Malawi, do Botswana e o Lesoto e a Swazilândia, entre 1964 e 1968. O Exercício Alcora definia como objetivo central combater o comunismo e os movimentos nacionalistas. Para Ian Smith, chefe do governo rodesiano, a aposta era manter os conflitos centrados a norte do Zambeze: “Quanto mais para norte podermos conter a linha de defesa contra os comunistas, melhor”. Mobilizaram-se dezenas e dezenas de milhares de homens, brancos, para a constituição de brigadas mistas, prontas para intervir em qualquer ponto de Angola e Moçambique, o que estava em causa era a sobrevivência da África Austral.

Não deixa de surpreender como a violência desencadeada por aquela guerra também desce como um manto de silêncio em torno da memória da ditadura, observa outro autor. A guerra tem as suas vítimas, homens e mulheres sujeitos à dor, à perda, à morte, ao exílio ou ao terror. Vítimas porque resistiram aos poderes instituídos, foi o que aconteceu aos presos do Tarrafal. Mas também foram vítimas populações atingidas arbitrariamente por massacres, igualmente foram vítimas as pessoas sujeitas à repressão direta, aos tribunais especiais e a todo um campo de arbitrariedades. E aqui se questiona como em Portugal se tem lidado com a memória da ditadura e da depressão, o tratamento dado à memória da resistência e repressão tem sido alvo de sucessivos equívocos e diferimentos, que se alargam para o campo historiográfico. Para o autor a violência do colonialismo e da ditadura transformaram-se em memórias fracas, com preponderância para a memória do passado ditatorial identificado com um chefe paternal, de laivos autoritários mas vontade desinteressada de servir a Nação.

Noutra abordagem, traça-se a dimensão da questão colonial e da África Austral num contexto de Guerra Fria. Como consequência direta da II Guerra Mundial, deu-se a perda da centralidade da Europa no sistema mundo. A partir de 1960, as potências coloniais acederam a independência de muitos países, com sérias incidências no mapa geopolítico global. Esse mundo modificado equilibrava-se no poder global dos EUA e da URSS e como estas superpotências animavam os movimentos nacionalistas. De facto, estas duas superpotências fizeram coro para a emancipação dos movimentos nacionalistas, o que, como reação, gerou a criação do movimento dos não-alinhados, onde a China não tinha papel inocente. Os EUA tiveram extrema dificuldade em encontrar uma forma diplomática de vigorosa denúncia do apartheid, a África do Sul acabou por se tornar num aliado poderoso no contexto da Guerra Fria.

Entre os grandes interditos e as discussões infindáveis que as guerras de libertação suscitaram temos a problemática dos retornados, a incómoda africanização na guerra colonial e a ligação estrutural entre as guerras civis de Angola e Moçambique associadas ao conflito anterior a que o Exercício Alcora procurava dar resposta. Na verdade, continua na área dos interditos a identidade do retornado e até a análise da especificidade das duas colónias de povoamento, Angola e Moçambique, decisiva para compreender as guerras coloniais, a descolonização e as independências.

O autor do estudo sobre a africanização na guerra colonial recorda que existia uma tradição de participação de africanos no exército colonial português desde a segunda metade do século XIX, para apoiar a penetração no interior de África. E esclarece que “Em 1961, ano do início da guerra colonial, o Exército Português dispunha em África de unidades locais organizadas nos mesmos moldes das unidades europeias”. Esta africanização progressiva assentou em unidades regulares do exército, unidades especiais e unidades de milícias. E observa: “Estes três tipos de forças desempenharam papéis muito diferentes na guerra e sofreram tratamento diferente das novas autoridades com as independências. As unidades regulares faziam parte de uma tradição de serviço militar estabelecida desde o início da moderna colonização portuguesa e, apesar do seu incremento durante a guerra colonial, não sofreram um impacto maior do que aquele que é produzido em situações normais de conflito. As unidades de milícia, implantadas nas regiões de origem dos seus elementos, também integravam as estruturas administrativas e não motivaram reações de violência que tivessem excedido as disputas locais”. As grandes tensões sobre a violência focaram-se nas forças especiais africanas, foram elas que sobretudo motivaram a reação brutal dos novos poderes instalados, reação que foi um misto de vingança ou ajuste de contas mas também a procura de um bode expiatório para os fracassos internos, na perspetiva de que essas antigas forças atiçassem movimentos de insubordinação. Lembra-nos também o autor que a partir de 1970 estas tropas especiais conheceram variantes e escreve:  
“Na Guiné, Spínola procurou, a partir das experiências de milícias e explorando extinções étnicas, criar um exército africano nacional à imagem do exército português, estruturado em companhias agrupadas em batalhões.
Em Angola, a africanização teve como objetivo aumentar a capacidade operacional das forças portuguesas e a sua autonomia de forma a criar condições políticas e militares para atrair um dos movimentos – a UNITA – e elementos dos outros. Os Flechas serão o conceito mais específico deste tipo de tropas. A africanização tinha como objetivo político a atração de guerrilheiros e dirigentes nacionalistas, especialmente no Leste e Sudeste do território.
Em Moçambique, apesar da grande percentagem de recrutamento local, a formação de tropas africanas autónomas não só foi mais tardia, como estas foram integradas na manobra convencional de Kaúlza de Arriaga, sem explorar todas as suas especificidades de conhecimento do terreno e de ligação às populações.
No final da guerra, os três teatros de operações apresentavam realidades distintas (…) Em comum, os três teatros de operações apresentavam uma realidade onde o avanço das forças de guerrilheiros dos movimentos de libertação deparava com a oposição de dezenas de milhares de militares locais acionados pelas autoridades coloniais. Em 1974, quando ocorreu o 25 de abril, a tendência da africanização das forças ia no sentido de transformar a guerra colonial em três conflitos internos nos três teatros de operações”.

De leitura obrigatória para quem estuda o fenómeno colonial português.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14359: Notas de leitura (691): “As Mulheres e a Guerra Colonial”, por Sofia Branco, A Esfera dos Livros, 2015 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
“O Império da Visão” é um documento extraordinário, ao longo das suas 500 páginas ficamos a entender como entre 1860 e 1960 a fotografia foi o principal modo de tornar o mundo visível, uma imagem que jaz nos arquivos coloniais do presente e sobre a qual a nova historiografia tem muito a apostar: são momentos preciosos que falam da antropologia e da etnografia, da botânica e da medicina tropicais, de exploradores e de exposições, de denúncias do colonialismo, das revistas, da literatura, dos aparatos imperiais.
Uma obra que desvela a estetização do colonial graças a uma laboriosa investigação em bibliotecas e arquivos públicos. É o princípio da aventura, pois quando estes investigadores descobrirem o nosso blogue irão ficar siderados com o nosso acervo, passe a imodéstia com que invoco o nosso orgulho coletivo.

Um abraço do
Mário


Memória e fotografia no contexto da guerra da Guiné

Beja Santos

“O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014, é um empreendimento científico extraordinário. O que se diz na contracapa é elucidativo: “A fotografia não foi uma mera ilustração das colónias. A fotografia criou experiências coloniais. Os estudos recentes sobre colonialismo reconhecem como, ao lado da documentação escrita, as imagens são determinantes para se compreenderem e estudarem os impérios. Nas histórias entrelaçadas entre o império e a visão que se contam neste livro, destacam-se alguns temas: a fotografia usada como um instrumento inseparável dos vários saberes científicos que usaram as colónias como laboratório, da história natural à antropologia ou à medicina; fotografia como afirmação do poder; a fotografia apropriada pelos sujeitos colonizados, como também pelos europeus anticolonialistas, enquanto forma de resistência, no forjar de identidades nacionais”.

Trata-se de uma empolgante viagem onde a Guiné é largamente necessitada: logo na missão antropológica e etnológica da Guiné (1946-1947), que teve à cabeça o prof. Mendes Corrêa e as suas teses raciais hoje totalmente destituídas de fundamento; viagens dos régulos da Guiné a propósito das idas a Meca, bem como participação de guineenses nas exposições coloniais; e as imagens de guineenses combatentes de um lado e do outro enquanto meio de memória da guerra. É este o último tema que trazemos à consideração do leitor. Autora do artigo, Catarina Laranjeiro, dá-nos conta de que a prática fotográfica era frequente nos rituais associados à vida militar portuguesa (caso dos juramentos de bandeira, provas de recruta, imagens captadas em formaturas em Bolama, etc.) e do lado da guerrilha existe um apreciável acervo fotográfico relacionado com reportagens de jornalistas estrangeiros em bases dos PAIGC ou missões diplomáticas do PAIGC junto de países apoiantes. A autora entrevistou pessoas de um lado e do outro. Constata que um bom número de dirigentes do PAIGC era constituído por pessoas conhecidas por assimilados e cita dois excertos de entrevista: “Eu sou de uma família, parte de pai francês mestiço, parte de mãe negra, mas com meios de fortuna e preparação. Porque o meu avô, pai da minha mãe, negro, mandou educar os filhos todos em Portugal, e tinha fortuna…" e: “Fui estudar primeiro na Faculdade de Ciências e depois no Técnico (em Lisboa) e com os outros jovens cabo-verdianos e guineenses desenvolvemos uma atividade política que veio a desembocar na criação de um comité do PAIGC em Lisboa (…). Eu como tinha problemas de serviço militar, abandonei Portugal. Vou para Paris, e é aí que eu conheço Amílcar Cabral”.

Estes comandantes da luta, diz a autora, tornaram-se parte da nova elite nacional e ocupou lugar dos antigos governantes portugueses, todas as residências de Bissau que pertenciam à administração colonial passaram para as mãos desta elite. Diz a autora: “As fotografias que me mostravam eram fotografias de um mundo que já não existe: um bloco de Leste que apoiava incondicionalmente a libertação das colónias africanas e que espalhava o ideal marxista-leninista”. E mais adiante: “Foi ao fim de algumas entrevistas que me apercebi que este exercício era absolutamente inútil”. Porque tudo era silêncio perante um passado que perdera significado. E há mais: “Estes homens e mulheres são políticos formados em países como a antiga URSS, Cuba ou Checoslováquia. Ao longo das minhas entrevistas, mesmo sem a presença das fotografias, não consegui que tivessem o mínimo de espontaneidade. Cada palavra ou frase já tinha sido dita antes, ensaiada”.

Passando para os combatentes do exército colonial português, a autora também confessa que também aqui as coisas não correram bem. Pediu apoio logístico à embaixada de Portugal e foi-lhe cedido um espaço no Centro Cultural Português. Nesse edifício trabalhava o sargento Viana que era o seu interlocutor privilegiado com a Liga dos Antigos Combatentes. Ela via uma fila enorme de gente de todas as manhãs à porta da embaixada. O sargento Viana pô-la em contacto com a liga dos antigos combatentes. E ficou atónita pois logo na primeira entrevista o seu interlocutor pediu-lhe para pressionar o sargento Viana para lhe assinar a documentação que lhe permitisse ir para Portugal. E não esconde a sua deceção: "todos os antigos combatentes estavam comigo com a esperança que, de alguma forma, a colaboração com a minha investigação lhes trouxesse algum benefício. Eu apenas me propus a ouvir a sua história e eles pediam-me apoio, num discurso impregnado de uma hierarquia colonialista, no qual o branco é que detém o poder. Aproveitar-me da sua situação para recolher dados para a minha investigação seria uma enorme falta de ética". Descobriu que os seus interlocutores tinham feito desparecer as fotografias, a seguir à independência os antigos combatentes guineenses procuraram desembaraçar-se de documentos, fotografias de todo o tipo. Um dos entrevistados não lhe escondeu a sua mágoa e deixou um alerta: “Nem que morramos todos, os nossos filhos ficarão cá a lutar pelos direitos dos seus pais”. E a autora conclui: “A memória das lutas de libertação vive uma parábola análoga à de outros movimentos emancipadores, na medida em que a sua memória pública desapareceu. Hoje o povo guineense não é visto como um povo que conduziu uma luta bem-sucedida contra o regime colonial. Tal como outros movimentos emancipadores africanos contra o imperialismo, este também foi silenciado e recoberto por outras representações africanas do mundo. Hoje, o povo da Guiné-Bissau é outra vez vítima, na medida em que continua a ser objeto de salvamento. Por seu turno, os países europeus, outrora colonizadores, como Portugal, continuam a cumprir a sua ‘missão civilizadora’, agora envolta na capa ideológica do apoio ao desenvolvimento”.

E dei comigo a pensar quando estive na Guiné em 2010 para me despedir dos meus antigos soldados, as precauções com que tiravam do vestuário sacos de plástico de onde saiam, por vezes em retalhos, os seus documentos militares, incluindo a caderneta, as folhas com louvores, e sorriam, era impossível que nosso alfero não viesse de longe sem trazer as boas notícias da pensão digna depois de tanto sofrimento… E como doía ter que explicar, uma, duas, três, muitas vezes, que infelizmente eu não tinha poder para contrariar a indiferença da História.
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 Nota do editor

Último poste da série de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

domingo, 20 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13420: (In)citações (68): Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno (Francisco Baptista)

1. Texto do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviado em mensagem com data de 15 de Julho de 2014:

Na década de 60 éramos uma juventude antiquada como os pais, como os mestres e os governantes que tínhamos. A revolução das ideias, dos costumes, sexual, musical, desfraldava bandeiras empunhadas por uma juventude insatisfeita e eufórica da Europa desenvolvida, mas embatia nos Pirinéus que dificultava a sua entrada na Península Ibérica de Franco e Salazar.

Somente algumas camadas de jovens urbanos e universitários conseguiam decifrar algum do significado dos novos tempos que se anunciavam. Maio de 68, tumultos, greves, a revolução nas escolas e na rua, a adesão dos sindicatos quase o caos na França, com De Gaulle, esse herói e patriota da 2.ª Grande Guerra, amedrontado a convocar as Forças Armadas para suster essa revolta que os velhos do regime não entendiam pois toda essa juventude, filha da sociedade de consumo tinha atingido o melhor nível de bem-estar da terra de todos os tempos.

Juventude que reclama outra ordem de prioridades e valores que as suas necessidades espirituais exigem. Ter tudo, falando de bens materiais cria no homem uma insatisfação maior do que não ter nada, ter tudo é o fim dos desejos. Os ideais não se compram nem se vendem, são um estado de espírito que não é transacionável, estão para lá da sociedade de consumo A sociedade capitalista nada oferece a não ser bens consumíveis e descartáveis, a juventude quer ideais que a galvanizem e por vezes à falta de melhor foi copiá-los ao leste ou ao oriente.

Nesse tempo a juventude portuguesa no geral pobre e pouco instruída, habituada a ler e estudar pelos livros que o regime aprovava era conduzida para três guerras longe de casa, que não compreendia muito bem, mas que estava de acordo com os manuais de história que tinha lido. Em levas sucessivas embarcavam no cais de Alcântara como guerreiros, em defesa do Império Português, o último baluarte da cristandade e dos valores da civilização ocidental. No cais uma multidão de familiares e amigos, chorosos mas conformados que acenavam lenços num último adeus e que a televisão única transmitia como sinal de dor e de patriotismo das nossas gentes.
No Uíge, no Príncipe Perfeito ou outros, seguiam viagem a sulcar o Atlântico somente ou também o Índico, em navios superlotados e com muitos soldados no porão em condições miseráveis para quem ia defender uma causa tão nobre. Foi a segunda cruzada dos pobres, agora liderada não por Pedro o Eremita, mas por Salazar que não a comandou, pois nunca conheceu África. Mal alimentados, mal treinados, mal armados mas com a cruz ao peito e com a fé inabalável éramos os novos cruzados prontos a dar a vida pela reconquista de Jerusalém. Alguém que sempre nos quis humildes, miseráveis e tementes a Deus, exigiu-nos também no final da sua vida o sacrifício supremo da nossa.

Os ingleses na Índia, os franceses na Argélia, os russos no Afeganistão, os americanos no Vietname, grandes potências mundiais, nada comparáveis connosco em poder económico e militar, perderam essas lutas militares e políticas. Nós para infelicidade de muitos compatriotas nossos: militares que por lá ficaram mortos ou mutilados e civis que por acreditarem na propaganda do regime alimentaram esperanças de que a nossa bandeira nunca seria desfraldada nessas áfricas e depois sofreram o choque dessa descolonização abrupta, com as perdas emocionais e materiais que todos conhecemos.

Infelizmente a guerra criou desconfianças e atritos que uma descolonização mais antecipada teria evitado.


Vietnamitas feridos recebem ajuda na rua, após a explosão de uma bomba em frente à embaixada americana em Saigão, Vietname, 30 de março de 1965. (AP Photo / Horst Faas)


Foto e legenda: Com a devida vénia a Escomm Brasil

Aos que dizem que hoje os povos da Guiné, Angola e Moçambique estão com piores condições de vida, tanto alimentar, como de saúde, para falar só das essenciais, eu respondo que têm razão. Também é verdade que há falta de democracia (isso já antes era assim) e a corrupção é muito maior do que em Portugal. Porém a História tem-nos ensinado que as nações se constituem e fortalecem quando os povos que as integram, com o decorrer dos anos e a experiência acumulada aprendem a libertar-se dos corruptos e tiranos internos, depois de se terem libertado dos colonizadores externos.
Esse esforço demora anos, por vezes séculos.

Era importante que os povos soubessem guardar a memória dos males e sofrimentos passados, o que por vezes se torna difícil, ou porque não são instruídos para ter acesso à sua leitura ou porque a História foi escrita a pedido de réis e ditadores.

Depois de voltar da Guiné tive um sonho que se repetiu muitos anos: Sonhava que tinha voltado lá como combatente e eu perguntava sempre aos meus comandantes, porquê eu, se já lá tinha estado. Nunca obtive resposta e nunca consegui decifrar bem este sonho.

O meu gosto pela história e pelo estudo do passado leva-me a sonhar, que sou um velho crente da Idade Média, ou que sou um monge templário do tempo das cruzadas e do tempo das grandes catedrais góticas, Catedrais que parecem autênticas moradas de Deus, onde reina o silêncio ou onde o som do órgão e dos cânticos se difunde com tanta suavidade. Tão imponentes que subjugam pela imensidão, pela altura e pelos contornos e beleza das esculturas dos arcos, colunas e volutas.

Sonho que sou esse velho crente ou que sou esse monge regressado das cruzadas que pede a um sábio, a um filósofo, a um deus que dê resposta às minhas perguntas sobre, a vida, a morte, a paz e a guerra.

Já não há mosteiros com monges em meditação, já não há santos vivos, as catedrais hoje são monumentos vazios à espera da visita dos turistas.
A sociedade civil hoje é cada vez mais laica, a sociedade religiosa é cada vez mais farisaica.

Os filósofos modernos morreram depois de matarem os deuses. Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno.

Grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13407: (In)citações (67): A Exposição Colonial Portuguesa de 1934 versus A literatura sobre os "impérios europeus" (Mário Beja Santos / Carlos Nery / José Brás)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3531: Controvérsias (14): PAIGC/FLING, Tite/São Domingos...(Carlos Silva)

Quando começou a Luta de Libertação?



Início da Guerra Colonial – Guerra do Ultramar [Guiné]
Início da Luta Armada – Início da Luta pela Libertação da Pátria [Guiné]
Início da Luta Armada pela Independência dos Territórios Ultramarinos da Guiné e Cabo Verde


As expressões referidas em epígrafe em minha modesta opinião e salvo o devido respeito, que é muito, por opiniões contrárias, consubstanciam ou podem traduzir vários sentidos ou interpretações, que neste momento, me dispenso de desenvolver.

Não sou Historiador e nem tenho formação académica na área de História e desconheço quais os factos relevantes que os Historiadores lançam ou irão lançar mão, neste caso concreto para qualificar o início da luta armada do povo da Guiné e Cabo Verde que conduziu à Independência destes dois territórios.

Da vasta bibliografia que possuo e li sobre a Guiné, Guerra da Guiné, Guerra Colonial, cerca de 200 livros, jornais, revistas e filmes que tenho visto na TV e em DVDs, sempre ouvi, li e vi referências que o início da luta armada pelo PAIGC que conduziu à independência daqueles dois territórios, iniciou-se com o ataque ao Aquartelamento de TITE, em 23 de Janeiro de 1963, levado a efeito pelos guerrilheiros nacionalistas, data invocada em todos os meios de comunicação referidos, sendo que, alguns fazem breves referências a tais acontecimentos, não desenvolvendo algo sobre os factos que ali se passaram, a não ser a data em que efectivamente teve lugar o início da luta armada levada a efeito pelo PAIGC.

Ataque ao Aquartelamento de Tite – 23-01-1963

Algumas Referências Bibliográficas

Sobre o começo das hostilidades ou início da luta armada pelo PAIGC em 23-01-1963 com o ataque ao Aquartelamento de Tite, situado no Centro-Sul da Guiné, por estranho que pareça, não encontramos qualquer narração escrita de forma desenvolvida sobre os factos que se passaram, quer do lado português, quer do lado do movimento nacionalista.

Da bibliografia aqui indicada, apenas se encontram breves referências alusivas a tão importante facto histórico no seguinte sentido:

1 - "... Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte de Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do Ten Cor Manuel José Morgado, enviada ao Director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades".

Resumo da Actividade do BCaç nº 237/BCaç nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965 [Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM]

2 - A propósito da detenção de alguns dirigentes do PAIGC em Conakry, por alegado contrabando de armas, diz Luís Cabral:

“... O Aristides respondeu em poucas palavras, justificando o nosso acto pelo interesse da luta comum e pedindo-lhe [ao Ministro da Defesa da República da Guiné-Conakry, Keita Fode] que transmitisse o nosso reconhecimento ao presidente pela sua fraterna compreensão. Quanto ao regresso do Amílcar, falando com toda a franqueza, não acreditávamos que ela pudesse ter lugar antes da nossa libertação, mesmo com a mensagem.

"Era lógico que ele fosse aconselhado a reflectir muito sobre a questão pois, se havia razões para estarmos ainda detidos, essas razões seriam certamente mais válidas em relação a ele, como primeiro dirigente do Partido.

"Entretanto, nas diferentes zonas do interior do país, ao tomarem conhecimento da nossa detenção, os combatentes decidiram juntar o pouco material de que dispunham e agir prontamente contra as posições colonialistas, onde isso fosse possível.
A 23 de Janeiro era realizado o primeiro ataque das forças nacionalistas do PAIGC, contra o quartel de Tite, sede administrativa da circunscrição de Fulacunda...”


In, Cabral, Luís – Crónica da Libertação, O jornal, 1ª edição 1984, pág. 144

3 – “…Malogradas as tentativas pacificas, só restaria a luta armada e, após uma declaração de Amilcar Cabral à Imprensa, em Dacar, de 26 de Agosto de 1962, verificou-se o ataque de guerrilheiros ao quartel de Tite, a 23 de Janeiro de 1963…
No caso do Senegal, conquanto inicialmente o seu apoio se evidenciasse mais favorável à FLING, Léopold Sédar Senghor viria a transferi-lo para o PAIGC…”

In, Sambu, Queba, TenCoronel – Dos Fuzilamentos ao caso das Bombas da Embaixada da Guiné, Edições Referendo, 1989, pág 18

4 - "... 23 Janeiro de 1963 - O PAIGC assalta o quartel de Tite e inicia a guerra na Guiné.

"Cabral tentou ainda fazer-se ouvir, com apelos ao diálogo, mas é pelo efeito das armas que a minúscula Guiné se torna a segunda frente de contra-ataque português...."


In Antunes, José Freire, A Guerra de África 1961-1974, volume 1, Temas & Debates, Outubro de 1996, pág. 34.

5 - António E. Duarte Silva, citando Amílcar Cabral "O Desenvolvimento..." Cit. Obras...Vol. II, pág.37, sobre este facto salienta:

"...b) O início da luta armada

"A luta armada de libertação nacional começou efectivamente em 23 de Janeiro de 1963 com o ataque, por uma centena de guerrilheiros ao quartel de Tite, na margem sul do Rio Geba, onde estava instalado o comando de um batalhão português:

"(...) vindos das florestas, das zonas pantanosas e das tabancas distantes surgiam então os combatentes do nosso partido. Não vinham mais com as mãos vazias. Vinham armados com material eficiente, com uma coragem e uma disciplina a toda a prova, assim como do conhecimento das condições concretas e dos objectivos da nossa luta e, como sempre, com o apoio incondicional do nosso povo. (...)

"Em Julho de 1963 a guerra atingiu as florestas de Oio, a norte do Geba, de modo que, ao chegar-se ao final de Agosto de 1963, a situação na enorme região que abrange Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabã e Olassato, não era muito diferente da existente em grande parte do sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e actividade comercial profundamente afectada"...


In Silva, António E. Duarte, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Março de 1997, pág. 47

6 - "... Na Guiné, as acções de guerrilha foram iniciadas pelo PAIGC em Janeiro de 1963, com um ataque ao quartel de Tite, a Sul de Bissau, junto ao rio Corubal [1], embora outras pequenas acções tivessem ocorrido antes. As operações estenderam-se rapidamente a quase todo o território, em contínuo crescendo de intensidade, que exigiu o empenhamento de efectivos portugueses cada vez mais numerosos..."

In Afonso, Aniceto, Gomes, Carlos Matos, Guerra Colonial - Angola, Guiné, Moçambique - Ed. Diário de Notícias, em fascículos.

[1] - Lapso dos Autores, porquanto, Tite situa-se a poucos quilómetros da margem esquerda do rio Geba. Enquanto o rio Corubal é um afluente da margem esquerda do rio Geba e desagua próximo das povoações de Ganjaurá, Ganturé e Ponta do Inglês, situadas a Norte de Fulacunda.


7 - "... O Partido procurou, deste modo, responder às reivindicações destes estratos, que pretendiam ascender a um patamar superior na hierarquia social. A mobilização dos camponeses iniciou-se após os acontecimentos do Pidjiguiti, altura em que foi decidida a preparação para a luta armada.

"O primeiro ataque armado eclodiu a 23 de Janeiro de 1963, contra as instalações de um aquartelamento das Forças Armadas Portuguesas, em Tite..."


In Pinto, Jorge, Paulo, Manuel, Duarte, Paula - Guiné Nô Pintcha! - Para uma análise Socio-económica da Guiné-Bissau, Edições Universitárias Lusófonas, Outubro de 1999, pág. 33

8 - "... Em 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC desencadeia a luta armada na Guiné-Bissau. Três dias depois, o governo de Salazar fixa os vencimentos dos elementos das Forças Armadas em serviço nas Províncias Ultramarinas.....

"23 de Janeiro de 1963 - Início da luta armada, com ataque ao Quartel de Tite, no Sul da Guiné-Bissau. Chegam a Conakry os primeiros recrutas a fim de receberem treino militar..."


In Cabral, Amílcar - Sou um simples africano, Fundação Mário Soares, 2000, págs. 32 e 83.

9 - “ ... A Guiné apresentava características diferentes. De acordo com o censo de 1960, a sua população era de aproximadamente 500.000 habitantes, cerca de dez vezes menos do que a de Angola, estando concentrada no delta costeiro ocidental e dividida em vinte e oito grupos etnolinguísticos distintos. O PAIGC [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde], fundado em Lisboa em 1956, arrancou para a luta armada em 23 de Janeiro de 1963 com um ataque ao Quartel de Tite.

"O seu líder era Amílcar Cabral, engenheiro agrónomo licenciado em Lisboa e aí convertido à doutrina marxista-leninista.

"As condições topográficas da província e o apoio de Conakry aos terroristas do PAIGC fizeram da guerrilha da Guiné a mais dura de todas as que se travaram nas frentes do Ultramar. Afectado por convulsões internas [como as que originaram o assassínio de Cabral em 1973], sem nunca ter conseguido resolver o problema da rivalidade existente entre guinéus e cabo-verdianos, o PAIGC, em 1974 e ao invés do que proclama a versão oficial estava disposto a entender-se com os portugueses e a abandonar o mato...”


In, Santos, Bruno Oliveira – Histórias Secretas da PIDE/DGS, Nova Arrancada, 2ª edi. 2000, pág. 93

10 - "... O primeiro ataque armado eclodiu a 23 de Janeiro de 1963, contra as instalações de um aquartelamento das Forças Armadas Portuguesa, em Tite..."

In Atlas da Lusofonia, 1º Vol. – Guiné-Bissau, Ed. Instituto Português da Conjuntura Estratégica e do Instituto Geográfico do Exército, Maio 2001, pág. 25

11 – "... Instalados nos territórios estrangeiros limítrofes, os atacantes preparados e armados por potências interessadas em expulsar os portugueses de África, à sombra da bandeira da independência, sob o lema da 'África para os africanos', passaram a realizar acções violentas com a continuidade, na Guiné, desde 23Set63, [ataque ao aquartelamento de Tite] {aqui, a data está errada e para a qual já alertei a Comissão…} e na sequência de alguns ataques esporádicos, o primeiro dos quais levado a efeito na noite de 20 para 21 de Julho de 1961, em S. Domingos por iniciativa do Movimento para a Libertação da Guiné [MLG], antecessor do PAIGC na luta pela independência do Território… “

………
"....Bat Caç nº 237 - Síntese da Actividade Operacional

Após o início das primeiras acções contra as NT, com o ataque ao aquartelamento de Tite, em 23 Janeiro de 1963, comandou e coordenou a actividade operacional das suas forças numa série de acções ofensivas nas áreas do Quitifane, Cantanhez, Quinara e Jabadá - Gã Chiquinho."


In Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 7º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002 - p. 6 e 40

Posto isto, relativamente aos Postes nº 3294, 3298 e 3308 relativos ao ataque a Tite em 23-01-1963; Postes 3459 e 3492, CCaç 84 em Defesa de Guidage, Bigene, 1961; Poste 3503, Comentário de Santos Oliveira, e Post 3514, posição do nosso Camarada Mário Dias, publicados no Blogue, em que ressaltam os entendimentos destes Camaradas sobre o [início da guerra na Guiné??..] parece-me de salientar principalmente o seguinte:

Carlos Silva

1 – Parece que é aceite pela opinião pública em geral [portugueses, guineenses e cabo-verdianos] que o início das hostilidades pelo PAIGC que conduziram à independência dos dois territórios, tiveram lugar com o ataque ao Aquartelamento de Tite em 23 de Janeiro de 1963, para findarem apenas após atingido o seu objectivo principal, a independência alcançada após o 25 de Abril de 1974.

S. Domingos

2 – O nosso camarada Mário Dias no Poste 3514 diz que "...é falso. O PAIGC pretende os louros de ter iniciado o que se passou a designar por luta de libertação. Mas não foi assim. Em Julho de 1961, a FLING (Frente de Libertação e Independência da Guiné, liderada por François Mendy e sediada no Senegal) atacou com armas de fogo o quartel de S.Domingos onde se encontrava instalada parte (julgo que apenas um pelotão) da Companhia de Caçadores 5, destacada na Guiné…

(...) "Foi um ataque deliberado a um quartel e a uma unidade militar feito por um movimento que também lutava pela independência mas cuja existência o PAIGC procura ignorar e até negar….

(...) "Falei com alguns dos militares pertencentes a essa unidade destacada em S.Domingos e um furriel…

(...) "Quanto à posterior ocorrência de incidentes em Guidaje, conforme já relatei, não me recordo deles e, por isso, nada posso acrescentar…]"


Carlos Silva

O Mário tem a sua razão, depende da perspectiva de interpretação que cada um de nós dê à referida expressão.

Pois se a mesma significar um sentido global, então a Luta de Libertação não começou em 1961, mas, com certeza, começou após a ocupação do território ou a partir de outras campanhas, como por exemplo foi o caso no tempo de Teixeira Pinto, creio que em 1912 ou 1913 contra os revoltosos do Oio.

Carlos Silva


3 - Contudo, é de salientar o que é referido pela Comissão de História das Campanhas de África 1961-1974 “…e na sequência de alguns ataques esporádicos, o primeiro dos quais levado a efeito na noite de 20 para 21 de Julho de 1961, em S. Domingos por iniciativa do Movimento para a Libertação da Guiné [MLG], antecessor do PAIGC na luta pela independência do Território… “

vd ponto 11 das Referências Bibliográficas.

Daqui resultam informações contraditórias.

A Comissão, refere que o ataque que se verificou em S. Domingos é da iniciativa do MLG, antecessor do PAIGC…, embora eu, de momento, não me recorde de ter lido algo sobre este MLG e que o mesmo tivesse reivindicado tal ataque - o que tenho lido é sobre o MING -Movimento para a Independência da Guiné, fundado por Amilcar Cabral e Rafael Barbosa, e não li em parte alguma a reivindicação por este Movimento relativamente ao citado ataque.

O Mário refere-se à FLING - Frente de Libertação e Independência da Guiné, liderada por François Mendy e sediada no Senegal, como sendo quem efectuou o ataque.

Efectivamente eu não sei quem efectuou o ataque e desconheço, de momento, para além destas duas, outra qualquer referência a tal facto, ficando agora na dúvida. - Quanto às datas do ataque parecem ser coincidentes no que se refere ao mês e ano.

Bigene e Guidaje

4 – […Quanto à posterior ocorrência de incidentes em Guidaje, conforme já relatei, não me recordo deles e, por isso, nada posso acrescentar…], isto dito pelo Mário.

Carlos Silva

Eu também nunca ouvi falar sobre estes incidentes naquela localidade, assim como em Bigene, segundo vem referido no Poste 3459 do Alberto Nascimento [que não presenciou os factos] que diz:

“…Agora era só meter no saco o estritamente necessário para uso pessoal e desandar para Farim porque tinha havido um ataque em Bigene….

"…e toca a correr para Bigene, onde passámos a noite à espera “que o assassino voltasse ao local do crime”, mas como não voltou, de manhã cedo voltámos a Farim…

"…Estávamos a começar a entrar na rotina militar, quando se deu um ataque a Guidaje e lá fomos nós ver os prejuízos…

"É óbvio que nos limitámos a verificar as marcas deixadas pelos tiros que dispararam, a olhar para o armazém de mancarra parcialmente queimado e a conversar com alguns habitantes, após o que o comando da coluna decidiu, ao fim da tarde, regressar a Farim" (...).


Carlos Silva

Enfim, não há notícias de mortos, feridos, se eram muitos ou poucos os guerrilheiros, quais os estragos causados, porque não avançou para lá o mencionado Esq ou Pel de Cavalaria estacionado em Farim, não há registos militares elaborados por essa Unidade, etc, etc…

Poste 3492

“… a ida para Farim e o recebimento da G3 são um dado que está absolutamente correcto, seja qual fôr a data convencionada para o início da história da guerra na Guiné"…

Carlos Silva

Provavelmente serão estes ataques a que a dita Comissão se refere quando menciona “…e na sequência de alguns ataques esporádicos"!...

5 - Do atrás exposto verificámos:

A ausência de outras referências e outros testemunhos, pelo menos, ao nível do Blogue, embora daquilo que li e vi, como já disse, não registei qualquer alusão a estes factos.

Um lapso de tempo de ano e meio que vai de Julho de 1961 a Janeiro de 1963, sem se ouvir contar que houvesse continuidade de escaramuças.

6 – Prosseguindo, continuação do Poste 3459

“ 3. Comentário de L.G.:

"…Em terceiro lugar, os acontecimentos que tu nos relatas, obrigam-nos a rever a história da guerra da Guiné. Afinal, a guerra não começou em Tite, em 23 de Janeiro de 1963. Essa é a lenda que nos contam os camaradas do PAIGC, e que os historiógrafos (guineenses, portugueses e outros) tendem a reproduzir... tal como nós, aqui no blogue.

"Pelo que tu nos contas, já usavas G3 em meados de 1961, em substituição da velhinha Mauser. E devias também usar capacete de aço! Imagino o suplício, com aquela torreira toda... Esta é, de facto, uma história da velhice mais velha! Portanto, em meados de 1961, os camaradas - possivelmente gente da FLING, e não do PAIGC - já andavam aos tiros aos nossos comerciantes e aos seus armazéns de mancarra, lá na região do Cacheu , na fronteira com o Senegal, em Bigene e em Guidaje….”


Carlos Silva

7 – Donde, embora respeite a opinião do nosso Camarada Luís Graça, não comungo da mesma, com o fundamento no relato de apenas dois camaradas, quando afirma “... obrigam-nos a rever a história da guerra da Guiné. Afinal, a guerra não começou em Tite, em 23 de Janeiro de 1963. Essa é a lenda que nos contam os camaradas do PAIGC, e que os historiógrafos (guineenses, portugueses e outros) tendem a reproduzir... tal como nós, aqui no blogue... ”

8 – Porquanto, nesse sentido, tal como atrás referi, se considerarmos esses ataques esporádicos de Julho de 1961, como refere a Comissão e sem qualquer continuação, então poderemos considerar que o início da luta da libertação ou a guerra da Guiné, como lhe queiram chamar, remonta à época da sua ocupação... ou às campanhas de Teixeira Pinto, etc., etc.

9 - Tenho para mim, como facto assente, público e notório que o início da luta armada levada a efeito pelo PAIGC e que conduziu à independência dos dois territórios aqui mencionados, iniciou-se com o ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, efectuado por guerrilheiros nacionalistas pertencentes àquele Partido, sem qualquer interrupção até atingirem o seu objectivo, a independência, que veio a concretizar-se após o 25 de Abril de 1974.

10 – Seria bom que outros Camaradas, presentes na Guiné em 1961 e posteriormente, conhecedores de elementos comprovativos destes factos relevantes para a História Contemporânea dos nossos Países, dessem a conhecer por qualquer meio sobre o que sabem ou presenciaram.

Aqui deixo o repto

Carlos Silva

Ex-Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
Massamá, 26 de Novembro de 2008

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Notas de vb:

1. O nosso muito obrigado por este contributo do Carlos Silva, nosso ilustre camarada e jurista e que mantém um blogue com muita informação pouco conhecida.

2. Em referência ao artigo publicado em

25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3514: Controvérsias (12): A G3, a FLING, o PAIGC, o Pdjiguiti, São Domingos, Tite e outras lendas (Mário Dias)