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terça-feira, 14 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27315: P27259: Notas de leitura (1851): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte III: de Leiria a Coimbra, e da Carregueira a Penafiel, a caminho do CTIG (Luís Graça)



Crachá da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74)


Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)


1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) 
(ISBN 978-989 -33.7982-0) (*).

Oriundo co contingente geral, vamos encontrá-lo na recruta, no RI 7, Leiria, 4º turno de 1971 (out/dez 1971).

Fará depois a especialidade de auxilitar de enfermeiro, em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972)

Irá de seguida  formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5,  Penafiel (jun / set 1972). 

Daí partirá, de autocarro, em 22 de setembro de 1972, de noite, para o aeroporto militar de Figo Maduro,em Lisboa.  Embarcará num Boeing 707 para Bissau, onde chega no dia 26/9/1972 (uma pequena divergència quanto à data de chegada ao CTIG).

O exército levava quase um ano a formar um militar que depois seguia para o ultramar (Angola, Guiné ou Moçambique), em rendição individual, ou integrado num contingente. 

As suas observações críticas  (mesmo que "anedóticas"...) sobre o quotidiano da tropa naquela época merecem, só por si, uma nota de leitura à parte. O livro foi destinado, antes de mais, aos camaradas da sua subunidade,  tendo sido publicado (a 1ª edição) para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74).

Com 11 anos de guerra, em Angola e 9 na Guiné e em Moçambique, o serviço militar obrigatório era vista, pelos jovens portugueses de então, como um tempo completamente perdido das suas vidas, que se podia prolongar por 3 ou mais anos. Muitos desses jovens já tinham saído das suas famílias, trabalhando ou continuando a estudar fora das suas terras.

A qualidade da instrução militar (recruta e especialidade) ressentia-se da necessidade, sobretudo do Exército, em mobilizar e preparar rapidamente dezenas de milhares de jovens para um conflito de longa duração, a milhares de quilómetros de casa e  de baixa popularidade. Técnica, tática, física e culturalmente, os militares portugueses iam mal preparados para  uma guerra dita de contra-guerrilha (ou "contra-subversão"), num terreno difícil, de clima tropical.



Capa do livro 


2.  Luís da Cruz Ferreira é natural da Benedita, Alcobaça. Nasceu em 2 de março de 1950, mas só  foi registado  seis meses depois, em 4 de outubro. 

De alcunha o "Beatle", quando jovem, profissionalmente já estava ligado à restauração, tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais, a começar pelo famoso  Muchaxo (Guincho).

Na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74). O batalhão estava sediado no Pelundo. Também foram dos últimos soldados do Império, tendo regressado a casa já em finais de  agosto de 1974. 

Antes da suas relativamente tranquilas  "peripécias" da Guiné (onde acabará pro ser sobretudo professor do Posto Escolar Militar nº 20, em Có), vamo ver o que ele nos conta sobre o seu tempo de recruta e instrução de especialidade, bem como de formação de batalhão. (Em Bolama, o batalhão haveria ainda de fazer, durante mais de um mês, a sua IAO -  Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, antes de ser colocado na zona oeste,  Sector 07, com sede em Pelundo e abrangendo os subsectores de Có, Jolmete e Pelundo.)

Comecemos pela distribuição do fardamento no RI 7, em Leiria;
 

Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 9.


Num quartel gigantesco (que albergaria, segundo autor,  c. 1500 homens, um regimento), ficou aboletado  numa caserna para 30 recrutas, com camas duplas, em beliche. Tocou-lhe o 1º andar. Tinha direito a um cacifo com o respetivo cadeado. 

Em Leiria, um quarto dos recrutas do contingente geral eram cooptados para o CSM (Curso de Sargentos Milicianos). Com três disciplinas que lhe faltavam para acabar o 5º ano do liceu,  o jovem recruta, com 21 anos e 6 meses de idade (ou só 21 anos, segundo o registo civil), tinha algumas esperanças de ser um dos "eleitos"... Não o foi, alegadamente por não ter nenhuma "cunha",  revoltou-se mas depressa se resignou, a viver naquele espaço "onde tudo quanto mexia, (...) era de cor verde" (pág. 11).

Visto por um "extraterrestre", aquele era um espaço de segregação, destinado apenas a homens,  "onde não havia mulheres" (pág. 11), e onde esses homens,  com postos hierárquicos bem diferenciados, tinham de se saudar uns aos outros, quando se cruzavam:



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 11


Lembra os instrutores (cabos milicianos, furriéis, aspirantes...) que o tratavam com uma inesperada e desnecessária "rudeza". A instrução era dada "em passo de corrida". E havia a ideia de que um homem só era homem depois de ter ido à tropa, e de ter suportado, ci,m sucesso,  muitas privações, contrariedades, humilhações, afinal "demonstrações de coragem, destemor e capacidade  de sofrimento, além de muitas outras coisas inúteis" (pág. 11).



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (ediçáo de autor, 2025), pág. 12


Havia "palestras" ou aulas ao ar livre. Mas o mais importante era o "exercício prático", com a omnipresente companhia da inseparável G3. Recorda a "ida à carreiro de tiro de Marrazes", onde cada recruta fez tiro a 100 metros, em várias posições, gastando cada um carregador de 20 balas... 

Equipara o RI 7 a uma "prisão", onde escasseavam os apoios sociais..Com tanta gente, beber um café na cantina, foi coisa que nunca conseguiu, e que muita falta lhe fazia. Estava habituado, na vida civil, a tomar, depois do almoço e do jantar, o seu "Tofa 404 e, mais tarde, o 505 embalado em vácuo" (pág, 13). Tal como era difícil comprar cigarros. Ir à cidade eram 2 km.  Com o tempo ameno, nesse outono de 1971,  ainda chegou a lá ir e ver nas esplanadas algumas meninas da sua terra, Benedita, Alcobaça, que estavam a tirar o curso do magistério primário. Capital de distrito, Leiria também tinha liceu.

Relembra ainda a semana de campo nas "matas de São Pedro de Moel" e "a tenda de quatro panos" que  ele e mais 3 recrutas montaram.  Passou o tempo doente, de amigdalite, na tenda, e de tal maneira que passou a odiar o campismo para o resto da vida.

Depois do juramento de bandeira, na parada do quartel, ficou a saber que lhe tinha calhado em sorte ir para Coimbra "tirar a especialidade de enfermeiro" (pág, 17).

De Coimbra, onde o colchão já era de espuma (em Leiria era de palha...), não guarda boas recordações da tropa, e muito menos do "rancho": tratavam os futuros enfermeiros "como presidiários com algumas precárias pelo meio para lavarmos a roupa que tínhamos bem suja à custa de nos fazerem ajoelhar, chafurdando nas terras enlameadas" (pág. 21).

Os transportes na época eram um pesadelo. Eram escassos, morosos e caros. Pouca gente ainda tinha carro. Aprendeu a andar à boleia, na estrada nacional nº 1. O célebre restaurante "O Bigodes", aberto 24 horas por dia, era paragem obrigatória, quer de camionistas quer dos militares que andavam à boleia. (Ainda hoje existe, IC2 / N 1 Km 81, 2475-034 Benedita),.

Um dia apanhou boleia até à Figueira da Foz, onde chegou às cinco da manhã. O comboio para Coimbra era só às sete. Com medo de chegar tarde à formatura, teve de ir de táxi, viagem que lhe custou uma pequena fortuna, 150 $00, o equivalente a 10 jantares (ou a 42 euros, a preços de hoje).

Comia-se tão mal no quartel, que era um antigo convento (e depois instalaçpes do RI 12 e, a oartir de 1965, do Regtimento do), que o Luís e um colega decidiram fazer, mesmo sem estarem desarranchados, as suas refeições por conta própria.

Quanto ao que aprendeu em Coimbra, 
entre janeiro e maio de 1972, foi muito pouco. E também ali não se falava do "conflito do ultramar"...



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 25


Passou ainda pelo Hospital Militar Principal (HMP) na Estrela, em Lisboa, e pelo quartel da Carregueira. Ainda conseguiu fazer mais um disciplina do 5º ano, o inglês, faltando-lhe agora duas: fisico-químicas e matemática.

É pena que, passado mais de meio século, sobre o seu tempo de instrução de especialidade, em Coimbre e depois no HMP, à Estrela, haja poucas referências ao que ali aprendeu. Diz-nos apenas que foi pura perda de tempo. Mesmo assim, da sua passagem pelo "serviço de cirurgia plástica" do HMP, diz-nos que "através de observação, aprendi alguma coisa, não muito" (pag. 27).

Sabemos que o curso de especialidade para 1º cabo auxiliar de enfermeiro,   ministrado apenas em Coimbra, no Regimento do Serviço de Saúde (criado em 1965, poara responder às necessidades de pessoal sanitário nos 3 teatros de operaçóes. Os futuros furriéis enfermeiros, esses, tiravam a especialidade em Lisboa, no antigo quartel de Campo de Ourique,  onde  funciona a Escola do Serviço de Saúde Militar, a ESSM). 

O conteúdo era sobretudo prático,  devendo compreer matérias como: (i) noções básicas de anatomia e fisiologia; (ii) higiene e profilaxia de doenças tropicais (paludismo, disenterias, infecções cutâneas); (iiii) técnicas de enfermagem geral (curativos, injeções, soros, etc.); (iv) socorrismo em combate (estancar hemorragias, imobilizações, transporte de feridos, reanimação); (v) administração de medicamentos de rotina (quinino, cloroquina, antibióticos comuns); (vi) evacuação sanitária e triagem.

Portanto, o Luís deve ter recebido uma formação intermédia entre o socorrista civil e o enfermeiro profissional, com forte ênfase na autonomia e na  improvisação em condições adversas (recorde-se  que, na Guiné, tanto o furriel enfermeiro como o alferes médico, ambos milicianos, raramente saíam para o mato, sendo cada vez afetos, no tempo do gen António Spínola, aos serviços de saúde da província, prestando cuidados primários (e secundários) não só aos militares como à população civil.) (Os casos mais graves careciam de evacuação para o HM 241, em Bissau.)




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >  Nova Lamego > 1973 > CCS/ BART 6523 (Nova Lamego, 1973/1974)  > O 1.º cabo aux enf Alfredo Dinis, a "tratar de graves queimaduras do Filipe, resultantes da explosão de um gerador de energia, no quartel".

Foto do álbum de Alfredo Dinis (já falecido) – P6060, com a devida vénia. Ver, também, "Memórias de Gabú (José Saúde): Recordando o saudoso enfermeiro Dinis" – P14106.


E entramos na reta final, que foi o RAL 5, em Penafiel, distrito do Porto, onde se foi juntar ao BART 6521/72, que estava em formação. De Penafiel até tem boas recordações, mas não dos transportes para lá se chegar na época. Eram 3 enfermeiros que sairam da Carregueira com destino  a Penafiel:

(i) "por  volta das 11 horas meteram-nos numa camioneta de carga que era utilizada para fazer a ligação  entre o quartel e a estação do Cacém e lá nos largaram" (pág. 34);

(ii) em Braço de Prata, informaram-nos que tinham um comboio-correio para o Porto às 15h00, mas parava em todas as estações e apeadeiros;

(iii) chegaram ao Porto, Campanhã, seis horas e meia depois, às 21h3o;
 
(iv) foram dar um giro pelos arredores e "comer um bom bife com batas fritas a um preço acessível", mas acabando por perder o comboio da meia-noite;

(v) apanharam o das 2h00, chegaram a Penafiel às 3h00;

(vi) extremamente cansados, pousaram os sacos no chão, a servir de almofada,  e assim se ajeitaram para retemperar as forças, só despertando ao toque do corneteiro a anunciar a alvorada.

A manhã começaria com a azáfama própria de um quartel de mobilização de tropas para o ultramar. Nesse mesmo dia conheceu o seu futuro comandante, um jovem capitão miliciano, bem como o alferes, também miliciano, do seu pelotão.  Ficou então a saber que "pertencia ao 2º pelotão da 2ª companhia do Batalhão de Artilharia nº 6521" (pág. 38) (**).

(Continua)

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domingo, 27 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23821: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte II - Tavira e Leiria


1. Continuação da publicação de um excerto do livro "Um Olhar Retrospectivo", de Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 - Gadamael e Quinhamel, 1970/72), parte que diz respeito à sua vida militar.


II - Tavira…

Depois de uns dias de férias na Figueira da Foz, intervalo da recruta para a especialidade, a sequência natural: Tavira.
Comboio da linha do Oeste, até ao Rossio, passar o Tejo de barco e apanhar outro comboio no Barreiro - aventura!

Cheguei ao Barreiro, final do dia, e disseram-me que só teria comboio para Tavira de manhã cedo.
Como lá estavam mais dois instruendos que também iam para Tavira, fazer a especialidade, trocámos ideias sobre como passar a noite, até à hora do comboio.
Entrámos numa ‘tasca’, jantámos umas coisas e pedimos aos donos que nos deixassem lá dormir, com sucesso, e dormimos apoiados nas mesas.
Isto fez-me lembrar os meus tempos de boleia…

De manhã, bem cedo, acordaram-nos, tomámos o pequeno-almoço e lá fomos apanhar o ‘quim’ para Tavira.
No comboio, cada um procurou o melhor lugar para descansar, até Tavira.
Fui dormitando, dormitando, até que sou acordado por um senhor revisor, dizendo-me que tinha de sair, pois era fim de linha - estava em Vila Real de Santo António!
Ainda perguntei se mais alguém tinha ficado no comboio, mas disse-me que só eu, pelo que concluí que os outros nem repararam que eu tinha ficado dentro do comboio!
Conclusão: espera mais um comboio, para voltar para trás e chegar ao destino, Tavira.

Chegado a Tavira, apresentação no CISMI (centro de instrução de sargentos milicianos de infantaria) e inserção na 1ª Companhia de Atiradores de Infantaria, cujo comandante fiquei a saber que era o célebre ‘muleta negra’, porque andava apoiado numa espécie de pingalim, resultado de ferimentos no ultramar.
Também tive oportunidade de conhecer e conviver com o célebre ex-alferes Robles, agora, capitão, com uma ‘pancada’ de alto nível, fruto de experiências de guerra colonial em Angola e Guiné.
Curioso, termos concluído que tínhamos conhecimentos comuns de Coimbra, de onde era natural.

Entretanto, a minha tia Jú telefona-me a dizer que o primo Jaime Abreu Cardoso estava à minha espera, pois eu fazia parte de uma lista dos instruendos seleccionados nas Caldas da Rainha para seguirem para Lamego.
Claro que eu disse logo à tia Jú que não ia para lá e até já estava em especialidade, em Tavira, e nem sabia que o Jaime era oficial do quadro e estava lá, pensava que tinha feito a tropa normal e mais nada.
Ela, com razão, respondeu-me que era pena, pois teria a protecção do Jaime, já capitão e com medalhas, além de poder ir com ele passar os fins de semana a Vieira do Minho.
Realmente, uma pena, pois poderia ter uma tropa melhor e, quem sabe, até retomar a vida académica, no Norte, com as facilidades, além de considerar-me nos ‘meus domínios’…

Voltando a Tavira, tive a sorte de conseguir autorização de ‘pernoita fora’, pelo que logo arranjei um quarto, do lado de lá do rio, mas bem perto do centro da cidade.
E não esqueci a rua: Dr. Augusto Silva Carvalho, 15. A dona da casa era viúva e tinha uma filha que tocava piano, interessante, naquele tempo, e tinha amigas que se juntavam a nós, nos serões, bem divertidos.

Eu estava habituado a controlar as aplicações e exercícios militares, principalmente, os nocturnos, de forma a safar-me, o mais possível, desta vez, com o sentido no meu quarto, para tirar a farda e vestir a roupa de civil.
Uma das primeiras formaturas, com revista, o capitão ‘muleta negra’ toca-me nas pernas com a bengala, ordenando que passasse pelo gabinete, dentro de uma hora, com o cabelo rapado, para grande aflição do comandante do pelotão, o alferes Soares, um porreiríssimo.
Sim, ninguém acreditava que eu andava na tropa, pelo menos, pelo tamanho do meu cabelinho.
E até evitava pôr bem a boina para não estragar o cabelinho.
E o ‘muleta negra’ ainda hoje está à minha espera para me ver com o cabelo rapado!…

Um dos companheiros de arma que lá conheci, o Pedro, de Santo Tirso, passou a ser o meu parceiro de farras, como Luz de Tavira, Faro, Vila Real de Santo António,…
Em Luz de Tavira, conhecemos umas miúdas bem engraçadas que passaram a ser a nossa companhia, sempre que podíamos, principalmente, alguns finais de dia e fins de semana - uma óptima forma de passarmos o tempo.
No entanto, sempre éramos avisados do risco de termos de casar em plena parada do quartel…
E o Pedro ficou ‘maluquinho’ com uma daquelas miúdas, lamentando-se, pois tinha a namorada em Santo Tirso.
Não posso deixar de lembrar o esquema que montei, sempre que tinha exercício nocturno, normalmente, na serra.
Formávamos na parada do quartel e saíamos pelo portão sul, que dava para a Atalaia, um espaço livre que ficava nas traseiras do quartel, onde fazíamos exercícios, de dia.
Quando chegava ao portão sul, já eu tinha a G3 quase desmanchada e metida dentro da farda, após o que virava à esquerda, enquanto o resto do grupo virava à direita.
Com passo rápido, atravessava a Atalaia e seguia em direcção ao outro lado do rio, onde tinha o quarto!
No dia seguinte, um esquema parecido, com a G3 desmanchada dentro da farda e reentrada no quartel, para mais um dia jeitoso…

Um dia, chegados ao quartel, depois de exercícios no exterior, um cheiro horrível inundava o quartel!
Toca para o almoço e a malta entra no refeitório, onde o ar era irrespirável, tal a intensidade do cheiro, o que nos levou a rejeitar a refeição, logo, levantamento de rancho!
Como era a segunda vez, o quartel seria fechado, pelas informações que nos chegaram.
Acto imediato, a população de Tavira à porta do quartel, suplicando que não avançássemos com o processo.
O oficial de dia, em pânico, pede-nos para ficarmos por ali, sujando os pratos, sinal de que não haveria levantamento de rancho, mas reconhecendo o erro da cozinha.
Afinal, ele também era responsável, pois era obrigado a provar e aprovar a refeição, logo, conivente.
O que tinha acontecido: o almoço era peixe, mas tinha chegado atrasado e sem a quantidade adequada, pelo que foram arranjar dobrada, à pressa, metida nas panelas, sem a operação de lavagem completa - dobrada com feijão branco, com condimento especial…

Tirando este episódio, posso afirmar que foi o meu melhor tempo do serviço militar, sem qualquer dúvida.
Terminada a especialidade, apresento as minhas opções de colocação, para dar instrução, por ordem de preferência, Figueira da Foz, Coimbra, Leiria.

"Pelo menos, Adolfo, aproveitou bem esse tempo no Algarve.
Se tivesse ido para o Norte, mesmo sabendo que lá tinha o seu primo, talvez não tivesse sido tão bom."


Sim, Daniel, aproveitei bem aquele tempinho, no Algarve!
Mas, se eu adivinhasse o que me estava destinado, acredite que nunca teria deixado de fazer a especialidade em Lamego, independente do facto de lá ter o meu primo…


Leiria…

Colocado em Leiria, no RI 7 (regimento de infantaria), apresento-me uns dias depois e sou inserido na 1ª companhia de instrução, cujo capitão era um ‘gajo’ aceitável.
Naturalmente, procuro um quarto na cidade, muito importante, para mim, apesar de ficar distante do quartel, sete quilómetros, mas havia muitos táxis…
E os trabalhos militares começaram, já com tudo organizado, sempre atento a todos os momentos que eu pudesse aproveitar fora do quartel, pois o ambiente era propício a aventuras e distrações…
Entretanto, surge o sinal de uma amizade, não só pelas circunstâncias de estarmos no mesmo barco, mas pelo facto de constatar que era uma pessoa educada e digna de confiança, o Vilas Boas Soares, do Porto.
Como mostrou interesse em ter um quarto na cidade, dei-lhe a indicação da minha casa e lá foi, tendo conseguido.
Passámos a parceiros de aventuras, nomeadamente, frequentando a pastelaria Soraya, no centro, junto ao cinema, local de encontro de malta jovem, principalmente, das meninas do lar que ficava junto ao outro quartel, o RAL 4 (regimento de artilharia ligeira).
Sempre que em dias de folga ou que conseguíamos ‘desenfiar-nos’, o ponto de encontro era na Soraya, de onde partíamos para as festinhas particulares.

Eu continuava sem grande jeito para cumprimento de normas e regras militares, o que se traduzia em algumas inconveniências, principalmente, para o comandante da companhia, um capitão do quadro.
Mas os homens a quem eu dava instrução eram tratados como homens que eram, não como bichos, pois os meus princípios e valores reinavam, sempre atento a uma ligação saudável, respeitadora.
O mesmo não se passava com alguns outros instrutores, com necessidade de afirmação, com recalcamentos ou complexos, que usavam as divisas ou galões para satisfazerem as suas necessidades de afirmação.
Por isso, todos aqueles a quem dei instrução me tratavam com carinho e respeito, o que nos enchia o ego, naturalmente.

Além da instrução militar e dos serviços de escala ao quartel, outras tarefas me eram atribuídas, como comandar um pelotão de piquete, para promoção e defesa da ordem militar, fora do quartel, assim como para a protecção do património nacional, nomeadamente, Mosteiro da Batalha.
Claro que viria o dia em que estas tarefas me seriam confiadas, que remédio…
Para aquele segundo caso, chega a minha vez e toca a formar o pelotão e sair do quartel, pelas oito da manhã, com chegada ao Mosteiro da Batalha e organização imediata da operação, com distribuição dos homens pelos pontos estratégicos.
Era um dia inteiro nestas circunstâncias, o que causava algum mal-estar aos homens, pois não tinham possibilidade de se ausentarem do seu posto, por muito tempo.
A meio da tarde, um dos homens, aflito da barriga, resolve fazer uma necessidade num canto do interior do Mosteiro, supondo-se livre de ser descoberto.
Uma denúncia, talvez de alguém em visita ao Mosteiro, acaba por fazer com que eu seja solicitado pelo presidente da câmara, para registo e responsabilização pelo acto.
Depois de algum tempo de conversa e mais conversa, a coisa ficou por ali, entre nós, pessoas bem-intencionadas, tolerantes e compreensivas.
Não deixei de notar a satisfação do presidente da câmara pela forma como lhe apresentei o pedido de desculpas, reacção que me deixou sensibilizado.
O homem em questão, confrontado por mim, não sabia onde se meter, coitado.
Chegados ao quartel, antes de entrarmos, tive uma conversa com ele, sosseguei-o e recomendei-lhe mais atenção e cuidado, a partir daquele momento, quer na vida militar, quer na etapa seguinte, a vida civil.

Mais um dia de rotina se iniciava, as companhias formadas, na parada, o meu grupo sozinho, pois eu tinha-me atrasado, o que obrigou o capitão como que a apresentá-lo a ele mesmo.
Mas a coisa foi notada pelo major de instrução, um militarista em toda a linha, temido por todos, desde a família até aos seus superiores.
Chamou o capitão e perguntou-lhe por que razão o grupo estava sem o graduado e ele próprio formou o grupo, ao que respondeu que o graduado tinha ido à caserna tratar de qualquer coisa…
Vá ao meu gabinete, após o destroçar das companhias.
E o capitão levou uma ‘piçada’, como dizíamos, um raspanete, uma chamada de atenção, nem sei se registada!
Mandou chamar-me e só me disse que eu pagaria caro o que acabara de acontecer.


Dez dias de detenção…

Alguns dias passaram e eu sou escalado como comandante de piquete, logo, vinte e quatro horas de serviço, retido no quartel, sempre pronto para qualquer emergência.
Tinha uma festa na cidade e saí do quartel, a seguir ao jantar.
Estava muito bem na Soraya, com a malta, preparados para a festinha, cerca das dez da noite, toca o telefone e chamam pelo meu nome.
Eu nem queria acreditar que havia, por ali, alguém com um nome igual ao meu!
Repetem o meu nome, mas referem o RI 7.
Dei um salto e fui ao telefone: era do quartel, realmente, e logo me dizem que tinha tocado a piquete, que não saiu, pois faltava o comandante…
Desculpei-me e lá tive de ir ao quarto mudar de roupa.
Cheguei ao quartel, por volta da meia-noite e, quando me preparava para entrar, sou recebido pelo oficial de dia, que era, nem mais nem menos, o capitão da minha companhia:
- Eu não lhe disse que iria pagar caro?

Limitei-me a pedir desculpa pela infracção, mas não respondeu, claro.

Entrei e fui direitinho às instalações onde estava a equipa de piquete e logo alguém me disse que tinha havia desordem na cidade e, por isso, o piquete tinha sido requisitado, mas não saiu, pois eu não aparecia…
No dia seguinte, sou chamado ao segundo comandante do quartel que me dá conhecimento dos dez dias de detenção, com manobras militares fora do quartel, mas com um processo que daria despromoção e, até, possibilidade de imediata mobilização para o ultramar.
Falei com um sargento-ajudante da secretaria-geral que me aconselhou a falar com o capelão, pois poderia dar uma palavrinha ao primeiro comandante do quartel, a última palavra no veredicto.
Tudo correu bem, pois o primeiro comandante não permitiu a despromoção, limitando-se a confirmar a detenção.
E lá fui fazer os dez dias de manobras, em que executei diversas tarefas, dentro de algumas especialidades, incluindo saltos livres de helicóptero alouette, carregado de material de campanha, parte dos exercícios, na zona do pinhal de Leiria.
E não podia recusar nada!
Último dia, regresso ao quartel, pelas cinco horas da manhã, saturado e cansado, barba de dez dias, farda número três cheia de lama e pó, com o resto do grupo nas mesmas circunstâncias, sou recebido por um 1.º cabo, que estava de serviço, com um papel na mão:
- Desculpe, mas tenho aqui uma nota para si.
- Não estou com cabeça para notas!
- Pois, mas isto é importante…
Sim, ‘importante’: mobilizado para a província da Guiné!...

Dei instruções para que tratassem do espólio, entregassem as viaturas e recolhessem às casernas.
Não quis saber de mais nada, nem tomei banho e saí do quartel, com destino ao meu quarto, na cidade, após o que zarpei para a Figueira.
Lá fiquei duas semanas, alta recriação, sem nada dizer.
E as duas semanas passaram depressa…

Regresso a Leiria e, quando entro no quartel, logo na porta de armas, disseram-me que andavam à minha procura há muito tempo, com avisos constantes pelos altifalantes.
Dirijo-me à secretaria-geral e logo o sargento-ajudante me vem falar:
- Afinal, o que pretende da vida?! Vai continuar com essa postura pelo resto do seu tempo militar?! Acabou de apanhar um castigo, safou-se da despromoção e desaparece de cena?! A sua companhia está à sua espera, há muito tempo, em Abrantes!
- Tem razão, mas fiquei tão decepcionado com aquela nota que me deram: mobilizado para a Guiné.
- Eu vou tentar limpar as ‘nódoas’ que tem registadas, mas tem de me prometer que guardará só para si. E sabe porque o faço? Porque tenho um filho da sua idade e gostaria que fizessem o mesmo por ele! Veja se encontra o seu caminho certo e não se distraia, durante a comissão, na Guiné, pois aquilo é sério… E, quando voltar, não retome a sua vida civil com este comportamento, pois pode sofrer desgostos…’

Manifestei o meu agradecimento e lá fui direito a Abrantes.

"Realmente, Adolfo, vejo uma mistura de desleixo, de ingenuidade, para não dizer imaturidade! Desculpe a minha franqueza…"
- Sim, reconheço um pouco de tudo isso…

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior de 24 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23814: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte I - "e toma lá com o edital!"

sábado, 1 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22162: Consultório militar do José Martins (65): Ao Povo de Moscavide reconhecido à tropa do RI 7 no 28 de Maio de 1926


Desta feita, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem de 8 de Abril de 2021, mandou-nos um trabalho dedicado ao Povo de Moscavide e às tropas do RI 7 do Destacamento das Caldas da Rainha,  que se deslocaram para aquela localidade aquando do Movimento de 28 de Maio de 1926.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22157: Consultório militar do José Martins (64): Análise ao Artigo 19 (Honras Fúnebres) do Estatuto do Antigo Combatente - Anexos

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16458: Patronos e Padroeiros (José Martins) (36): Forças Armadas e Segurança - Nossa Senhora da Encarnação, Padroeira do Batalhão de Infantaria n.º 7 (1917/1918)

1. Em mensagem do dia 4 de Setembro de 2016, dia do seu aniversário, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dá-nos a conhecer mais um Patrono das nossas Forças Armadas, Nossa Senhora da Encarnação.

Boa tarde e continuação de bom Domingo.
Não podia deixar terminar o 69.º ano de vida sem enviar uma colaboração: mais um Patrono ou Padroeiro das nossas FFAA.
Desta feita, reporta-se ao ano de 1917/1918 e a Padroeira do Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 7, de Leiria, que fez parte do Corpo Expedicionário Português, até 6 de Abril de 1918, data em que foi dissolvido, por insubordinação.
Trata-se de Nossa Senhora da Encarnação, que é Padroeira da cidade, cuja festa é celebrada a 15 de Agosto. É de realçar a colaboração do meu sobrinho João Paulo, que foi o autor das fotos, a pedido expresso meu.

Abraço
José Martins


Patronos e Padroeiros XXXVI

Forças Armadas e Segurança

Nossa Senhora da Encarnação

Nossa Senhora da Encarnação, no exterior da Capela
© Foto: João Paulo Martins – Leiria - 2016


Padroeira do Batalhão de
Infantaria n.º 7 (1917/1918)

Nossa Senhora da Encarnação é uma das muitas invocações de Nossa Senhora. Neste caso, refere-se à Encarnação do seu Filho, que veio ao mundo feito Homem, como lhe anunciou o Anjo Gabriel.

No local onde se situa a Capela ou Santuário de Nossa Senhora da Encarnação, em Leiria, num dos montes que circunda a cidade, existia uma ermida em honra de São Gabriel, desconhecendo-se quem a construiu e quem lá colocou uma imagem da Santa. Foi D. Braz de Barros, primeiro Bispo da Diocese de Leiria que, a custas suas, mandou levantar outra, que ficou concluída em 1554.
Na Ermida se rezavam, manhã muito cedo, missas nos nove dias que antecediam a data da Festividade da Anunciação, correspondendo cada dia a cada mês que Nossa Senhora transportou Jesus no seu ventre. Porém, no dia 11 de Julho de 1588, levaram para assistir à missa que era rezada no altar de Nossa Senhora da Encarnação, Susana Dias, uma mulher que habitava na localidade das Cortes, e se encontrava aleijada das pernas havia 28 anos, e que, por milagre da Santa, se levantou e começou a andar. Na Ermida estava, além de muito povo que ali acorria às missas no altar de Nossa Senhora, a esposa do Marquês de Vila Real, Dona Filipa.

O milagre foi logo reconhecido, o Cabido da Catedral foi em procissão até à Ermida, dar graças, tendo a presença de muita gente, os milagres continuaram, afirmando-se que, numa tarde véspera de festa e na noite seguinte, foram vinte e oito.
Começaram a ser recolhidos donativos para ali, na Ermida de invocação a S. Gabriel, se levantar a Ermida de Nossa Senhora da Encarnação, cuja primeira pedra foi colocada no local, com toda a solenidade, com missa cantada e bênção, foi colocada da parte do evangelho, junto da porta principal, sendo D. Pedro Castilho Bispo, o quarto desta diocese.

Ermida de Nossa Senhora da Encarnação, parte sul da Capela
© Foto: João Paulo Martins – Leiria - 2016

O quartel de Infantaria n.º 7 dispôs até 20 de Abril de 1911, data em que foi publicado o decreto que ficou conhecido como Lei de Separação da Igreja do Estado, de Capela Regimental, que era a actual Igreja de Santo Agostinho. É provável que os soldados passassem a frequentar a Ermida de Nossa Senhora da Encarnação.
Talvez por essa razão, ou outra, ao embarcarem para França, integrados no Corpo Expedicionário Português, os militares do Batalhão, levaram consigo uma imagem da Santa, que os acompanhava sempre que iam para a frente, onde tinha o seu nicho e era procurada pelos seus devotos.
Este facto foi noticiado no semanário católico “O Mensageiro”, de Leiria, no ano de 1917, pela pena do seu director, Padre José Ferreira Lacerda, Alferes Capelão do RI7/CEP que, de França, ia enviando crónicas e noticias para o seu jornal.

A Nossa Senhora da Encarnação é a padroeira da cidade de Leiria, pelo que no dia 15 de Agosto é realizada a festa em sua honra, organizando-se, durante as mesmas, uma procissão que, saindo da Igreja de Santo Agostinho vai até à Ermida.

Odivelas, 4 de Setembro de 2016
José Marcelino Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10173: Patronos e Padroeiros (José Martins) (35): São Lourenço de Brindisi, Frade, combatente e Santo

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12956: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (26): Leiria, o pior tempo do meu início de vida militar; Santarém onde a Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente; Tavira, onde ia morrendo; Carregueira do bidonville; Mafra onde a instrução era levada a sério (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 5 de Abril de 2014:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Antes de mais, faço votos sinceros para que esteja tudo bem contigo e família. 
Inserido no tema em epígrafe, junto texto e fotos relacionados com o mesmo, que desde já agradeço revejas para possível publicação.
No caso de algo não estar correcto ou não te facilitar o teu trabalho de editor, solicito / agradeço que me informes para a respectiva correcção.
Como sempre, estás à vontade para editar quando bem entenderes ou alterar o que achares por bem. 

Recebe Um Grande e Forte Abraço com votos de muita saúde.
Augusto Silva Santos


A CIDADE OU VILA QUE EU MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA, ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG


LEIRIA

Bandeira da Cidade de Leiria


Vista parcial da Cidade de Leiria

Assentei praça no RI 7 (Regimento de Infantaria 7) em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, haveria de ser transferido para a EPC mas, no escasso tempo que estive nesta cidade, poderei dizer que foi onde passei o pior tempo do meu início de vida militar.

Logo no primeiro dia roubaram-me o colchão da cama e um cobertor, pelo que tive de dormir vestido em cima de outro cobertor, numa caserna que na altura nem luz tinha. Parte das coisas eram feitas com luz das lanternas ou das velas.

Na primeira semana fui designado para fazer faxina à cozinha / refeitório, onde assisti a coisas para mim absolutamente impensáveis, desde levar os panelões com as vassouras de varrer o chão, e a comida a ser confeccionada nas piores condições de higiene. Até uma aranha eu apanhei na sopa. Escusado será dizer que, a partir daí, poucas mais vezes eu voltei a comer do rancho. Só mesmo quando não tinha outra alternativa.

Ainda me lembro que, muito perto do quartel, havia um talho onde se comprava a carne para ser cozinhada no tasco que ficava ao lado. Era muitas vezes a nossa safa. Foi uma cidade que me marcou pela negativa, mas não ao ponto de a odiar.


Janeiro 1971. 2ª Companhia / 6º Pelotão. Sou o terceiro de pé, da direita para a esquerda.

J
aneiro 1971. Na caserna com o camarada de beliche.


SANTARÉM

Bandeira da Cidade de Santarém


Vista parcial da Cidade de Santarém

Felizmente que, passado pouco tempo, efectivou-se a minha transferência para a EPC (Escola Prática de Cavalaria), onde haveria de concluir a recruta. Aqui tudo era de facto muito diferente, daí é o lema por todos assumido de: “A Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente”.

Desde as condições das instalações, à comida, à disciplina, era tudo um mundo à parte, tendo em conta a minha primeira e traumatizante experiência. Foram 3 meses de intensa e particular actividade, que me haveriam de marcar para o resto da minha vida militar, pela positiva. Foi uma recruta difícil, debaixo de muita chuva e frio, sempre de capacete na cabeça (era uma das partes mais difíceis de aguentar), por vezes passada nas valas de esgoto a céu aberto, e de seguida lavagens à mangueirada em plena parada para limpar a lama agarrada à farda.

Acordar às tantas da madrugada com músicas da Tonicha, e apresentar-se em poucos minutos na parada invariavelmente com umas das fardas, era outra das situações que nos punha em “ponto de rebuçado”. Nunca mais me esqueci da frase, “terreno semeado é terreno minado”, quando colocados a uns bons quilómetros do quartel, e tínhamos de lá chegar sem ser detectados. Pela estrada também não era possível ir por estarem constantemente patrulhadas. Era um grande desafio…

Também não foi fácil assumir que não queria ir para os Comandos, apesar de me ter sido apresentada a possibilidade de ir frequentar o COM (Curso de Oficiais Milicianos), se a resposta fosse sim.

Foi uma cidade de que muito gostei, e tive pena de não ter feito aqui a especialidade. A população era extremamente agradável e compreensiva para com os militares. E Almeirim ficava ali tão perto, com os seus bons “tascos”…


Fevereiro 1971. 5º Esquadrão / 5º Pelotão. Sou o quarto sentado, da direita para a esquerda. O primeiro de pé é o Vicente “Passarinho” (Piu), e o segundo sentado é o Daniel Matos.


Março 1971. Eu em pose no Destacamento da EPC


Abril 1971. Junto à entrada da E.P.C., ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.


TAVIRA

Bandeira da Cidade de Tavira


Vista parcial do Quartel da Atalaia

Sou entretanto colocado no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Também aqui tive bons e maus momentos, mas efectivamente senti um pouco a diferença do ambiente vivido na arma de Cavalaria, embora a adaptação tenha sido feita rapidamente.

A formação trazida da EPC ajudou muito. Foi igualmente fácil, porque muitos dos camaradas que constituíam a Companhia, tinham vindo de Santarém. Foi aqui que voltei a encontrar o Daniel Matos e o Vicente “Passarinho” (Piu), também eles mais tarde mobilizados para a Guiné. Infelizmente ambos já não estão entre nós.

A situação mais traumatizante que aqui passei, relacionou-se com uma questão de saúde, que por pouco não viria a ter consequências graves para mim. Tendo na semana de campo apanhado uma forte gripe com febres altas, apesar de eu ter avisado os enfermeiros de que era alérgico à penicilina, foi-me dado algo relacionado com aquela droga, pelo que por pouco não bati as botas, como se costuma dizer.

Recordo ainda uma ocasião em que toda a Companhia foi formada, para que alguém do sexo feminino passasse “revista” à formatura… Tal só não aconteceu, porque o possível “infractor” ao ver a pessoa em questão, resolveu por antecipação dar o corpo ao manifesto. Mas deu para perceber que havia algum pessoal igualmente muito nervoso.

Gostei da cidade e das suas gentes. Sempre que possível uma ida à praia na Ilha de Tavira, era um bom escape.


Abril 1971. Na Caserna com mais três camaradas. Eu sou o primeiro da esquerda e o Vicente “Passarinho” (Piu) é o terceiro, de garrafa na mão.


Junho 1971. No centro da cidade com outro camarada.


Junho 1971. Na Ilha de Tavira, em pose.


SERRA DA CARREGUEIRA, SINTRA

Bandeira da Vila de Sintra


Vista parcial da Serra da Carregueira

Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (atirador especial de G3 e atirador de 1ª classe em HK 21), sou colocado no CTSC (Campo de Tiro da Serra da Carregueira), como Cabo Miliciano, para dar recrutas e instrução de tiro.

Foi aqui que vivi das situações mais caricatas na tropa, desde ver um Tenente a matar ratazanas a tiro de pistola Walter, a ter de dormir calçado com medo que aqueles roedores nos viessem morder os pés.
Era frequente vê-las passar por cima dos camaradas que estavam a dormir, e não menos frequente aparecerem peças de fardamento roídas.

Tirando esta parte mais ou menos “lúdica”, também assisti à situação mais estúpida.

Era hábito no Bar dos Sargentos (principalmente para assustar os recém chegados), alguém por brincadeira atirar uma granada de instrução para o meio da sala gritando “granada”, obrigando a que todo o pessoal saísse em correria mas, certo dia, alguém por engano ou ignorância atirou uma granada com detonador e descavilhada, que um camarada pensando tratar-se do habitual, agarrou… Pode-se imaginar o que aconteceu a seguir e as graves consequências de tal disparate.

Era um quartel estranho e sem grandes condições, na altura situado no meio da serra sem habitações por perto… Recordo-me que, na época, não existiam quaisquer muros ou vedações para além do pouco que era visível perto da porta de armas. Era uma unidade do tipo “campo aberto”, delimitado apenas por grandes silvados, arvoredo, e moitas. Escusado será dizer que só não entrava ou saía quem não queria, e os “desenfianços” eram o pão nosso de cada dia.

Os Cabos Milicianos dormiam em camaratas tipo “bidonville”. A parte melhor desta passagem pela Carregueira, foi a de poder ir jantar e dormir a casa, sempre que não estava de serviço, pois tínhamos transporte para o efeito.


Novembro 1971. Já como Cabo Miliciano, na instrução do 6º Pelotão da 2ª Companhia. Sou o quinto de pé, da direita para a esquerda.


MAFRA


Bandeira da Vila de Mafra


Entrada do Quartel do CMEFED

Algum tempo depois rumo ao CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), para ficar na EPI (Escola Prática de Infantaria) como instrutor de educação física. Com muita pena minha não viria a concluir este curso, por ter sido entretanto mobilizado para a Guiné.

Em Mafra, como se costuma dizer, nem deu para aquecer, pois só lá estive cerca de 2 meses, mas ainda passei as “passinhas do Algarve” na Tapada de Mafra.

Quem passou pelo CMEFED (mais conhecido pelo se me f….), sabe bem a que me refiro… Para a época, era já uma unidade muito à frente e com óptimas condições sobre todos os aspectos.

Tal como na EPC em Santarém, aqui não havia “baldas”. A instrução era levada muito a sério e com rigor. Curiosamente, na minha vida civil e trabalhando na Marinha Mercante, andando embarcado nos navios Rita Maria, Alfredo da Silva, e Niassa, já havia passado uma boa dezena de vezes pela Guiné, mais propriamente por Bissau. Tinha o destino marcado…


Abril 1970 (faz agora precisamente 44 anos), a bordo do N/M Alfredo da Silva, no porto de Bissau, com o restante “pessoal das máquinas”. Sou o primeiro da direita, ainda de barba.


Dezembro 1971. Pronto a seguir viagem para CTIG. Foto tirada com farda emprestada pelo fotógrafo. Julgo que acontecia com todos os Furriéis Milicianos obrigados a tirar esta foto.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)