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sábado, 16 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25279: Os 50 anos do 25 de Abril (2): O meu primo Luís Sacadura, furriel miliciano, natural de Alcobaça, hoje a viver nos EUA, estava lá, no RI 5, Caldas da Rainha, no 16 de marco de 1974, e mandou-me fotos dos acontecimentos (Juvenal Amado)


Foto nº 1 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Posto com Reforço.


Foto nº 2 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Capitão Virgílio Varela,  um dos comandantes da revolta


Foto nº 3 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Preparados para defender o quartel


Foto nº 4 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Oficiais revoltosos


Foto nº 5 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Junto à porta de armas: tempo de incerteza (i)


Foto nº 6 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Junto à porta de armas: tempo de incerteza (ii)


Foto nº 7 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > 
Junto à porta de armas: tempo de incerteza (iii)


Foto nº 8 >  Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > O quartel já cercado pelas forças governamentais


Foto nº 9 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Jipe com parlamentar governamental, o brigadeiro Pedro Serrano


Foto nº 10 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Pelo aspecto do brigadeiro,  já se estava no capitulo das ameaças. (A imagem original tem um defeito de revelação ou de exposição, que procurámos corrigir.)


Foto nº 11 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Serviço audiovisuais


Foto nº 12 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Furriel mil Luís Sacadura, meu primo  que me enviou as fotos dos EUA.

Fotos (e legendas): © Luís Sacadura / Juvenal Amado (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Reproduzimos aqui a mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º cabo cond auto-rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 28 de maio de 2011, publicada no poste P8359, de 1 de junho de 2011 (*):
 
O 16 DE MARÇO DE 1974 EM FOTOS

O meu Batalhão estava no Cumeré já a aguardar embarque quando se deu o levantamento das Caldas da Rainha.

Foi com natural apreensão que essas notícias chegaram até nós, pois, já com 27 meses de comissão, os nossos receios viram eventuais atrasos no nosso embarque resultante da situação que se vivia na Metrópole.

Ainda foi alvitrado no gozo, por alguém, que quando desembarcássemos nos seria distribuída novamente as G3 e ainda acabávamos na Serra da Estrela.

Quanto a mim juntava a essas preocupações o facto de o meu primo direito Luís Sacadura, que era furriel miliciano, e o Caetano, que era alferes miliciano, os dois de Alcobaça, estarem nessa altura a cumprir serviço militar no referido quartel e que decerto se teriam envolvido nos acontecimentos, de que resultaram à volta de 200 prisioneiros.

O meu primo já estava em liberdade quando desembarquei em 4 de Abril de 1974, mas o Caetano só o vi depois do 25 de Abril quando foi solto.

Hoje quem lê sobre os acontecimentos os nomes de militares ligados à Guiné, são prova de que o facto terem sido lá combatentes, assumiu um peso muito grande tanto neste levantamento como no 25 de Abril, que levaria por diante o derrube do regime.

Por último, as fotos foram-me enviadas dos EUA pelo o meu primo com a devida autorização para as publicar (...)

2. Comentário do editor LG (*):

(i) Recebemos do Juvenal Amado a seguinte mensagem, com data de 27 de maio de 2011:

"Carlos: Recebi fotos do 16 de Março 1974 a quando do levantamento das Caldas da Rainha. As mesmas foram-me enviadas por um primo meu a morar nos USA que participou na referida tentativa.

"Não sendo assunto directamente associado com a Guiné, venho então saber se ao blogue interessa o assunto. Fico a aguardar a tua opinião e se ela for um sim escreverei alguma coisa para acompanhar as fotos." (...)


(ii) A nossa resposta dos editores só podia ser sim, sem quaisquer reservas... Independentemente da "leitura" dos acontecimentos, e da contextualização do 16 de Março de 1974, seria no mínimo uma "pena" que estas fotos, tiradas pelo Luís Sacadura, de grande interesse documental, e até de boa qualidade estética (traduzindo o momento de grande tensão dramática que foi esse dia), fossem um dia parar a um "caixote do lixo" americano...

Obrigado, Luís ("God Save You!"), obrigado, Juvenal... Tudo o que diz respeito à nossa Pátria e à nossa História, nos interessa, embora com particular enfoque na guerra da Guiné (1961/74)... Mas onde começa e acaba a "guerra da Guiné"? Para nós, que ainda estamos vivos, e cultivamos a arte e o prazer da memória, ela ainda não acabou de todo... 
 
(iii) Cinquenta anos depois do 16 de março de 1974, e do 25 de Abril, todas estas fotos são preciosas (**). O 16 de Março não teve um grande fotógrafo à altura como o Alfredo Cunha (que fez na madrugado do 25 de Abril fez a reportagem da sua vida)... 

São fotos, amadoras, que merecem ser republicadas. Aliás, temos escassas referências no blogue ao "16 de Março" e a imprensa da época, devido à censura, não pôde dar informação detalhada sobre o ocorrido...

Três dias depois os leitores do "Diário de Lisboa", como eu (na época), ficaram a saber, por uma pequena notícia da SEIT (antigo SNI) que tinham  sido presos 33 oficiais (e não 200, como dizia alguma imprensa estrangeira) "implicados na insubordinação verificada no Regimento de Infantaria nº 5"... (Repare-se que nem a RTP Arquivos tem imagens do cerco ao RI 5)...

3. O historiador e biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, escreveu: 

"No rescaldo do episódio, cerca de duas centenas de militares são presas, entre ele os membros do MFA mais próximos do general António de Spínoala, como Almeida Bruno, Manuel Monge, Casanova Ferreira, Armando Ramos e Virgílio Varela" (...). 

E mais adianta: 

"O '16 de Março'  tinha sido, por conseguinte, uma tentativa algo atabalhoada da 'ala spinolista' do MFA de fazer despoletar um movimento para o derrube do regime e para a entrega do poder ao general. 

"A acção fora em grande parte motivada pela tomada de posição de algins oficiais do CIOE de Lamego (que acabariam por não sair do quartel), pelas atitudes de dois antigos oficiais de Spínola na Guiné (Leuschner Fernandes e Carlos Azeredo) e pelo impeto dos oficiais oriundos de milicianos do RI5  das Caldas da Rainha". (Fonte: Excertos de "Spínola: biografia",  Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, pág. 236).




Diário  de Lisboa, edição de terça feira, 19 de março de 1974, pág, 1
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Notas do editor:

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24847: Notas de leitura (1633): “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, por Elidérico Viegas; Arandis Editora, Outubro de 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Colaborador desde o n.º 0 do jornal tavirense de nome Postal, li em número recente a publicação de um livro de um camarada nosso que fez comissão entre 1971 e 1973 em Empada e Bissau. Pedi-lhe o livro, foi célere a responder, fiz a recensão para Tavira e considero que esta tem todos os condimentos para chegar aos meus confrades. Elidérico Viegas é uma personalidade algarvia com o nome ligado à vida turística. Entendeu agora passar a escrito as suas memórias, elas seguem o curso que qualquer um de nós seguiu: assentou praça nas Caldas da Rainha, especialidade em Tavira, cabo miliciano colocado no RI3, em Beja, ingressa na Amadora na formação da CCAÇ 3373; viagem no Niassa, instrução de aperfeiçoamento operacional em Bolama, ida para Empada, quartel isolado só com saída para Bolama entre os rios Buba e Tombali. Registou 36 flagelações em Empada, sem consequências maiores. Certamente focado num público de não ex-combatentes, tece considerações sobre a população, descreve o quartel, as dependências administrativas, um quotidiano com lavadeiras, viaturas e mecânicos, a horta, ação psicológica, enfim, todos os serviços próprios de qualquer unidade, dá-nos conta dos patrulhamentos e da vida operacional em geral. Referencia os diferentes oficiais e sargentos, continua a guardar um ódio de estimação ao capitão. E depois a vida mais serena no Comando de Defesa de Bissau. Deplora a indiferença com que o sistema político trata os ex-combatentes. É este, em suma, o testemunho que nos entrega.

Um abraço do
Mário



Os equívocos e os paradoxos em torno da guerra colonial, uma História adventícia

Mário Beja Santos

Colaborador desde o n.º 0 do Postal, um jornal tavirense que tem décadas, fundado pelo meu amigo Henrique Dias Freire, tomei nota da publicação por um antigo combatente da Guiné de um seu livro relativo à sua comissão na Guiné, isto na edição de 3 de novembro passado. Teço agora comentários ao livro que ele amavelmente me enviou. Elidérico Viegas foi furriel-miliciano da CCAÇ 3373, Os Catedráticos, companhia independente, desembarcaram em Bissau em 7 de abril de 1971, foram diretos a Empada, no sul da colónia, entre os rios de Tombali e Buba.

Procede à apresentação do seu livro um artigo publicado no Postal com as suas reflexões. Confesso que não partilho uma boa parte das suas opiniões e explico porquê. Escreve que “O facto de não haver muita coisa escrita sobre esse período difícil da nossa história recente, e das obras conhecidas serem geralmente ficcionadas, incentivou-me a escrever este livro”

O que não corresponde à verdade, há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, abarcando investigação histórica, ensaio, romance, novela, poesia, diários e memórias; os antigos combatentes movimentam-se ainda hoje à volta de reuniões anuais, são encontros por todo o país, aparecem antigos combatentes, filhos e netos; há blogues, entre os dedicado à Guiné, porventura o mais influente de todos os blogues de antigos combatentes, chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde irei informar os leitores desta narrativa do Elidérico Viegas; além disso, a imprensa periódica e não periódica é atraída por depoimentos dos antigos combatentes, há mesmo publicações de delegações da Liga dos Combatentes onde eles conversam entre si, eu colaboro numa delas, O Combatente da Estrela, obviamente gente da Serra e arredores. E lembro que a guerra colonial é objeto de estudos universitários, e não só em Portugal.

Diz mais adiante no seu artigo que “É preciso que aqueles que combateram na guerra colonial escrevam as verdades sobre uma guerra que o poder político teima em ignorar, sobretudo os milicianos, aqueles que verdadeiramente estiveram na linha da frente dos combates na Guiné, Angola e Moçambique. Portugal não pode esquecer nem ver apagados 13 anos da nossa história.”

Nfão estão apagados estes 13 anos, estão profusamente documentados, obviamente que a questão ideológica da colonização/descolonização ainda separa muita gente quanto à profundidade das motivações do fim da guerra, o êxodo que se seguiu e o quadro horrível de execuções praticadas em novos países independentes.

Concordo com Elidérico Viegas que é nossa obrigação contribuir com o dever de memória, e ainda bem que ele se acometeu a escrever numa literatura memorial singela, tocante e afetiva, o que viveu na Guiné entre 1971 e 1973. Oxalá o seu relato “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, Arandis Editora (arandiseditora@gmail.com), outubro de 2023, passe por muitas mãos, seja alvo de muitos encontros com antigos combatentes e até conversas em estabelecimentos de ensino. Porque a sua narrativa possui um chamamento universal, é um registo que qualquer um de nós, antigo combatente, pode gizar e adaptar à experiência vivida. No seu caso: recruta nas Caldas da Rainha, no curso de sargentos-milicianos, a descoberta de novos relacionamentos, a aspereza de tais aprendizagens, o juramento de bandeira, segue-se a instrução em Tavira, intercalam-se muitas lembranças da juventude, a promoção a cabo-miliciano, a colocação no quartel de Beja, a formação da CCAÇ 3373 no Regimento de Infantaria 1 na Amadora, o batismo da Companhia como “Os Catedráticos”, mais tardes Os Catedráticos de Empada, a viagem para a Guiné; ele conta que precedia a viagem a compra dos uniformes (“Comprei, em segunda mão, por pouco mais de 500 escudos, os uniformes que me haviam sido fornecidos aquando da minha incorporação nas Caldas da Rainha”), ala que se faz tarde, já está a bordo do Niassa, seguem-se as surpresas que reservam Bissau, os bafos quentes e tropicais; no dia seguinte, aparece o general Spínola e depois a viagem da Companhia para ir substituir os Leões de Empada. 

Sente-se tudo quanto vai escrever se destina fundamentalmente a um público não combatente, já que a generalidade das observações que faz sobre a Guiné são, de um modo geral, conhecidas pelos antigos combatentes.

Dentro deste contexto que tem um discurso universalizante, vê-se que o autor tem o afã em nos transmitir usos e costumes, um pouco da história da colónia, pretende que o leitor se sinta inserido naquele ambiente e conheça a gente do local onde ele penou, e por isso vai falar das bolanhas que rodeiam Empada, do Rio Grande de Buba, da fauna, das duas estações do ano, a caracterização do quartel de Empada, do posto administrativo e da escola primária, da companhia de Milícia ali existente, ficamos a saber que Empada se encontrava isolada e sem acesso a outros aquartelamentos, podia-se ir até Bolama de barco. 

Entramos na esfera do quotidiano, a importância da lavadeira (“As lavadeiras eram verdadeiros entrepostos comerciais, comercializavam de tudo um pouco – galinhas e ovos, entre outros produtos, que trocavam por conservas e Coca-Cola”), o abastecimento de água, a fonte Frondosa que tinha sido renovada em 1946, exercia esse papel vital; e havia o hastear e o arrear da bandeira, os cães, a horta, a enfermaria, o departamento de ação psicológica, o papel da Força Aérea, quem era quem dentro do quartel de Empada, desde o vague-metre, as transmissões, a secretaria, o capelão.

E para que o leitor não se esqueça que havia guerra, Empada conhecia muitas flagelações, o autor comenta: 

“Parece impossível não ter havido baixas nas mais de três dúzias de ataques que o inimigo levou a cabo durante o ano em que permanecemos em Empada. Pura sorte, digo eu.” 

Descreve a vida operacional e a organização dos pelotões, ficamos a saber dos seus ódios de estimação, sobretudo com o comandante da Companhia, hoje é comportamento raro, no início da literatura da guerra havia uso e costume de proceder a assassinatos de caráter, o tempo ensina-nos a desvalorizar estas nódoas negras do passado, e até se dá a circunstância de que estes homens não estimados têm família.

O grande cometimento militar em que estiveram envolvidos foi a Grande Emboscada, a força de centenas de guerrilheiros foi dizimada, entre os mortos encontrava-se o comissário político Quintino Gomes. Volta-se ao quotidiano, a vida da messe de sargentos, aos petiscos, as madrinhas de guerra. E de Empada vem-se para Bissau para o COMBIS (Comando de Defesa de Bissau), uma vida muito mais amena, com patrulhamentos guarda ao palácio, descreve-se a vida de Bissau e o regresso no Uíge. 

No final da sua narrativa observa que Portugal precisa de reconciliar-se com o passado mais recente da sua História, fala na sorte dos antigos combatentes e no imperativo de os dignificar.

Questiono-me muitas vezes se existe algum propósito deliberado em esquecer a guerra colonial e acabo sempre por concluir que o facto de ela estar associada ao fim do império e à criação de novos Estados independentes, todas as decisões políticas deliberadas em torno do seu reconhecimento, os conflitos violentíssimos que ocorreram em Angola e Moçambique e que levaram ao êxodo das populações, por exemplo, precisam da cura da História, a serenidade da interpretação dos factos. 

Em meio universitário, consegue-se chegar à proeza de se aprovar uma tese de doutoramento, num fenómeno que dá pelo nome de pós-colonialismo, de uma senhora expender apreciações grosseiras sobre o que se passou com a perseguição e execução de Comandos guineenses sem ter tido o mínimo de cuidado em basear-se nos documentos sobre o comportamento dos políticos e dos militares na sequência dos Acordos de Argel. Isto só para sublinhar que ainda há muita manipulação no tratamento dos factos históricos, inevitavelmente envenena as consciências. Procuro assim também responder às preocupações de Elidérico Viegas.
Fonte Frondosa, Empada, a dar água desde 1946
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24507: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (1): CIOE / Rangers - Especialidade em Lamego (Parte 1)

João Moreira, instruendo do 1.º pelotão da 1.ª Companhia, no RI 5.
O Comandante de Pelotão era o Ten Sidónio Ribeiro da Silva e o Comandante de Companhia era o Ten Carvalho.
Foram os dois mobilizados para a Guiné


"A MINHA IDA À GUERRA"

1 - CIOE / RANGERS - ESPECIALIDADE (Parte 1)

João Moreira[1]


Em Abril, após a recruta no RI 5, fui para o CIOE, em Lamego, para tirar a especialidade de operações especiais, mais conhecida por "rangers".

Para quem não passou pelo CIOE não terá a noção da dureza da especialidade. Por isso vou contar algumas situações que "só acontecem lá".
RI 5 - Caldas da Rainha - Da esquerda para a nossa direita: João Moreira, Castro, Seco e Jorge. Os outros três não me lembro o nome deles mas também eram do 1.º Pelotão.

Aproveitávamos o sol, para estudar para os testes e para engraxar as botas, para não haver castigos. Como podem ver,  tive um par de botas novas e um par de botas antigas, que apertavam com fivelas. Os 3 primeiros (eu, Castro e Seco) fomos para Lamego. Eu fui para o hospital militar e perdi a especialidade. Eles completaram a especialidade e depois foram para os "comandos". Seguidamente foram mobilizados para Moçambique, donde regressaram sem problemas.

Quando chegámos a Lamego fomos instalados numa camarata que ficava ao cimo de uma escadaria com cerca de 30 a 40 degraus, que tinha de ser subida e/ou descida sempre que tínhamos que lá ir fazer qualquer coisa. 

 Para além do fardamento que nos estava distribuído, desde que assentamos praça, deram-nos farda camuflada, farda azul, do género da usada pelos especialistas das viaturas de combate usadas em cavalaria.

Como isso fosse pouco, ofereceram-nos 1 G3, 1 Mauser e 1 canhangulo, mais botas de lona como as usadas na Guiné e botas que apertavam com fivelas.

Para nossa distração e sanidade mental a caserna estava equipada com aparelhagem sonora, e para nos "divertir" tocava 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Para facilitar a memorização da letra dessa música, era sempre a mesma que tocava (desde o primeiro ao último dia da especialidade).

Como não queriam aborrecer-nos, de vez em quando paravam a música e proclamavam os "mandamentos do ranger" que eram 10, tal como na religião Católica Apostólica Romana.

Para não cairmos na "monotonia", de vez em quando - no meio da música privada e durante a noite - surgia uma voz que dizia qualquer coisa deste género:

"RANGER TENS 3 MINUTOS PARA FORMAR NA PARADA EXTERIOR COM A FARDA X, A ARMA Y E AS BOTAS Z", etc.

E os rangers, que estavam cansados dos "trabalhos diários", tinham que dormir com um ouvido alerta, para poderem levantar-se e cumprir as ordens enviadas por altifalante.

Depois de nos prepararmos, tínhamos que fechar os armários com os aloquetes, descer a tal escadaria de 30 ou 40 degraus, atravessar a parada exterior em passo de corrida - não se podia andar a passo na parada - e apresentar-se ao comandante do pelotão que estava à nossa espera.
De acordo com o atraso éramos "premiados" com 30, 40 ou mais "completas" - ainda se lembram quais os exercícios que as compunham e quantas eram de cada exercício?

Como os instruendos se queixavam que era pouco tempo, os comandantes diziam que era o tempo mais que suficiente, porque ainda dava para fumar um cigarro.

Deu-nos algumas dicas de como proceder para chegar à parada dentro do tempo previsto e ainda poderem fumar o tal cigarro:

  • Dormir com os armários abertos. O receio do roubo foi esconjurado com a pena que estava destinada a quem tentasse roubar. E realmente nunca ouvi ninguém queixar-se de ter sido roubado.
  • Nos 3 ganchos do armário colocar uma das 3 fardas, exceto a nº 2.
  • Nos cantos dos armários colocar 1 das 3 armas.
  •  Calçar as meias.
  • Vestir as calças e prendê-las com o cinto igual ao que usávamos na Guiné para enfiar os carregadores.
  • Enfiar o quico.
  • Pegar na arma e na camisa.

Durante o trajeto até ao local da formatura vestia e apertava a camisa e as calças. Chegados ao local da formatura,  acendia o cigarro, apertava as botas e esperava que o tempo se esgotasse enquanto acabava de fumar.

Ao fim de 3 ou 4 semanas, fui ao médico, porque já não suportava as dores na coluna e perdia a acção muscular.

Eu queria dizer ao médico o nome da minha anomalia mas não me ocorria o nome, porque naquele tempo dizia-se em latim (spina bífida). O médico do CIOE era ortopedista, e pelos sintomas disse que era uma espinha bífida congénita, e aí já pude confirmar o nome. Pediu-me a radiografia e o relatório, porque com aquele problema eu não tinha condições para ser militar, muito menos "ranger".

Quando viu a radiografia e o relatório, disse que me ia mandar para o hospital militar regional, do Porto, porque ele não podia fazer nada.

Chegado ao Porto, e ao hospital militar na Boavista,  fizeram-me os exames e confirmaram a minha deficiência, mas, em vez de mandarem para o hospital principal em Lisboa,  deram-me alta. Regressei a Lamego, e mandaram-me para casa porque tinha perdido a especialidade por faltas

Em Julho voltei ao CIOE, em Lamego. Fui logo falar com o médico, para tentar resolver a situação sem ter que perder a especialidade.

Em resultado do que se tinha passado no hospital, no Porto, o médico optou por pedir a minha reclassificação por não ter condições físicas para a especialidade.

Mas, como eu não tinha "cunha",  atribuíram-me a especialidade de atirador de cavalaria e lá segui eu para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde se repetiu o meu martírio.


(continua)
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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 20 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24490: Tabanca Grande (550): João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que se vai sentar no lugar 878 do nosso poilão

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24484: Notas de leitura (1598): "Memórias Duma Vivência em Ambiente de Guerra", por José Inácio Sobrinho; Edição de Autor, 2019 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Março de 2022:

Queridos amigos,
O José Inácio Sobrinho partiu no final de 1955 para Macau e até 1975 andou por Cabinda, Bedanda, Bolama e depois teve duas comissões em Angola, no Leste e no Norte. A caminho dos 90 anos, abraçado anda à causa ambiental, como aqui se refere, deixa-nos um punhado de memórias, passou dezasseis meses em Bedanda, não teve dificuldade em perceber que cabo-verdiano não ligava muito bem com guineense, via-se à légua a exploração na compra dos balaios de arroz e guarda silêncio sobre as suas operações. Bem interessante é o que nos diz de Macau e de especificidade de Cabinda. Bom seria se tivéssemos o José Inácio Sobrinho na nossa tabanca, é um papa-léguas que deve ter malhado das boas no Sul da Guiné.

Um abraço do
Mário



Memórias de José Inácio Sobrinho, militar que andou por Macau, Cabinda, Bedanda, Bolama e Angola, é agora um octogenário ambientalista

Mário Beja Santos

É uma edição de autor, com data de 2019, José Inácio Sobrinho começa assim: “Vim ao mundo no dia 14 de dezembro de 1933, na aldeia do Casal da Areia, freguesia de Salir de Matos, concelho de Caldas da Rainha. Aos cinco anos de idade fui para a escola, de onde saí aos nove, para ajudar os meus pais com nas tarefas do campo. Como quase todos os jovens saudáveis do meu tempo, aos vinte anos fui para a tropa. Aí, desejoso de conhecer outras paragens, aceitei um convite para prestar serviço militar em Macau”. Embarca em finais de 1955 a bordo do Quanza, rumo ao Mediterrâneo, o Coronel Nasser fazia finca-pé para nacionalizar o Canal do Suez, numa atmosfera quase de guerra atravessaram o canal, depois o Mar Vermelho, depois Goa, aportam em Mormugão, depois Singapura, chegam a Macau no início de fevereiro. Era monitor nas alas regimentais, os seus instruendos vinham de Moçambique: Landins, Macuas e Macondes; esteve dezoito meses na ilha de Coloane, foi depois transferido para a Fortaleza do Monte, em Macau, matriculou-se no Liceu Infante D. Henrique, concluiu em 1961 o curso geral dos liceus. Faz o seguinte comentário: “A impressão que trouxe sobre os chineses é de que são um povo trabalhador, pacífico e pragmático. Cada um zela pelos seus interesses, faz a sua vidinha, deixa os outros em paz e não vive à custa do alheio. As numerosas comunidades chinesas espalhadas pelo mundo dão disto um testemunho. Têm, no entanto, quanto a mim, um pequeno senão: viciam-se no jogo muito facilmente”.

Na viagem de regresso já se pressentia a invasão indiana, visita o Vale dos Reis no Egito, vem a bordo do navio Índia. A 13 de julho de 1962, oito meses depois de ter regressado de Macau, embarca com destino a Cabinda, colocado no BCaç 248, não resiste em contar ao leitor o Tratado de Simulambuco, a importância que ele tem para os cabindas, ainda hoje, não se cansa de exaltar as belezas da Floresta do Maiombe. Regressa a Lisboa no dia de Natal de 1963, casa e passado pouco tempo é enviado para a Guiné, para Bedanda, onde passou seis meses, não esqueceu as casas comerciais, as trocas em que a moeda era o balaio de arroz. “As casas comerciais recebiam o arroz e em troca forneciam panos e outros bens de primeira necessidade. De vez em quando vinha uma ordem para destruirmos as tabancas daqueles que estavam autorizados a fazer comércio connosco. E de vez em quando, estupidamente, lá iam uns quantos para o galheiro”.

Tece a seguinte observação: “Encontramos numa povoação panfletos em que ele [Amílcar Cabral] recomendava aos seus guerrilheiros que se capturassem algum soldado português não o maltratassem, referindo que também os soldados portugueses eram vítimas da política colonial portuguesa, o que demonstrava ser credor de alguma humanidade. Só quem desconhecia em absoluto a realidade da Guiné é que poderia acreditar que seria possível o estabelecimento de um Estado que englobasse a Guiné e Cabo Verde, visto a animosidade patente que os guineenses nutriam para com os cabo-verdianos, por estes já ocuparem, desde há muito tempo, grande parte dos postos na Administração local e não só. Era como se trocassem um colonizador por outro”.

Permaneceu dezasseis meses em Bedanda, foi transferido para Bolama, e ficou-se por aqui quanto a comentários guineenses. Regressa a Portugal em agosto de 1967, um ano e pouco depois foi de novo mobilizado para a Angola, fazendo parte do BCaç 2878, foram-lhe atribuídas funções que lhe permitiam o acesso a documentação sobre a evolução da guerrilha no Leste de Angola, e deixa cair a seguinte observação: “Se tentarmos fazer uma comparação com a situação que se vivia naquela zona (Huambo) com a da Guiné, era como compararmos o paraíso ao inferno”. Descreve a vida quotidiana no Luso (hoje Huambo), dá conta da importância da linha de caminho de ferro de Benguela e dá-nos um quadro dos movimentos de libertação angolanos em atividade; fará nova comissão no norte de Angola de 1973 a 1975, encontra um Portugal diferente, era 1.º Sargento e foi nomeado para frequentar o curso de promoção oficial, na Escola Central de Sargentos, ali também se viviam as tensões do PREC.
José Inácio Sobrinho na atualidade, imagem retirada do Jornal Gazeta das Caldas, com a devida vénia

É um octogenário sem parança. Agora está ligado à causa ambiental, veja-se a informação que encontrei na internet:

Chamo-me José Inácio Sobrinho, resido em Salir de Matos, concelho de Caldas da Rainha. Tenho a bonita idade de 86 anos, sou militar na situação de reforma e tenho como hobby a pintura.
Fui nado e criado no campo, em contacto com a natureza, o que, desde muito cedo, me despertou o interesse pelo conhecimento da fauna e flora. Já com idade avançada, tive contacto com o amieiro do Patalugo, espécie que desconhecia, por este ser um exemplar único na zona. Soube então da existência de testemunhos orais, passados através de sucessivas gerações, que aquele amieiro tinha ali sido plantado pelos Frades de Alcobaça, ao tempo em que aquelas terras lhes pertenciam. Dei, então, conhecimento destes factos ao Instituto de Conservação da Natureza que classificou esta árvore como sendo de interesse público.

Amieiro

Amieiro do Patalugo

O “Amieiro do Patalugo” é uma árvore centenária classificado como “árvore de utilidade publica a nível nacional”, situada no Patalugo, na freguesia de Salir de Matos. Tem um porte de 16 metros de altura e um diâmetro médio de copa de cerca de 15 metros. No início, o “Amieiro do Patalugo” era único e não dava rebentos, possivelmente pelo seu isolamento a outras árvores da mesma espécie, verificando-se que as suas sementes eram estéreis. Entusiasta com esta árvore, adquiri dois novos e jovens amieiros, e plantei-os junto do grande “Amieiro do Patalugo”. Desde então, as sementes deixaram de ser estéreis, e todos os anos crescem novos amieiros espontâneos.

Tive o primeiro contacto com a Associação Pato em princípios da década de 1990, quando denunciei o extermínio da rola comum e perdiz vermelha, na região, levado a cabo por caçadores.

No 30.º aniversário da Associação PATO, a 21 de outubro de 2018, tive o privilégio de participar nas suas comemorações e de ser convidado a levar um pequeno rebento do “Amieiro do Patalugo”, para ser plantado no Paul de Tornada, como ato simbólico por sócios e amigos que se juntaram neste dia tão especial!

Depois dessa data, com muito gosto, doei um conjunto de quadros da minha autoria, que ilustram a avifauna natural da nossa região. Estes quadros, expostos no Centro Ecológico e Educativo do Paul de Tornada (CEEPT), permitem ser utilizados como ferramenta de educação ambiental. Mantenho uma proximidade com os representantes da Associação PATO, mantendo-me participativo nas diferentes ações de voluntariado propostas pela Associação, como as plantações de árvores e remoção de espécies invasoras.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24476: Notas de leitura (1597): Histórias dos “Boinas Negras”, por Jorge Martins Barbosa; Fronteira do Caos Editores, 2018 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24298: Notas de leitura (1580): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
Sinto-me agradecido à probidade e incisão da narrativa forjada por José Matos e Zélia Oliveira, penso que este ensaio de 200 páginas possui a matéria fundamental dos acontecimentos ocorridos entre fevereiro e abril ao nível do regime, se alguma dúvida subsistisse quanto à força motriz que desencadeou o 25 de Abril, aqui se dá pleno esclarecimento. É evidente que subsistem dúvidas, designadamente quanto ao pensamento de Caetano em ganhar tempo para resolver o problema colonial, a conjuntura mundial alterara-se profundamente em 1973, desapareceu seguramente muita documentação privada de Caetano. Fui condiscípulo do seu secretário pessoal, Alexandre Carvalho Neto, que desde a madrugada de 25 de Abril incinerou na residência de S. Bento documentação, como aliás veio esclarecido nos jornais dos dias seguintes. Nunca se apurou o que ficou reduzido a cinzas. Muitos anos mais tarde, encontrei o Alexandre na Av. da República e pedi-lhe encarecidamente que deixasse um documento sobretudo quanto fora incinerado, estava em seu poder uma revelação histórica seguramente de grande significado. O Alexandre já faleceu e desconheço inteiramente se cumpriu a promessa que me fizera.

Um abraço do
Mário



Os últimos meses do Estado Novo, como a guerra colonial fez baquear um regime (3)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", Guerra e Paz, Editores, 2023, por José Matos e Zélia Oliveira, o primeiro investigador em História Militar, a segunda, jornalista e com uma tese de mestrado sobre a crise final do marcelismo. Estão aqui registados numa narrativa que prende o leitor do princípio ao fim os três últimos meses que antecederam o 25 de Abril. Basta ver a bibliografia para perceber que os autores consultaram centenas de documentos de arquivos nacionais e estrangeiros, temos aqui um olhar sobre aquele que terá sido o período mais tumultuoso do marcelismo, aqui se registam os principais ingredientes que conduziram ao seu colapso.

No dia seguinte à última remodelação ministerial, ocorre a chamada revolta nas Caldas, que teve na sua origem, e num quadro já de grande instabilidade nas Forças Armadas, a organização atabalhoada de uma marcha sobre Lisboa que acabou única e exclusivamente por contar com um contingente do Regimento de Infantaria 5, os oficiais descontentes quiseram mostrar uma posição de força. Como escrevem os autores, “o MFA não estava ainda em condições de apoiar uma revolta militar, dado que não existia ainda uma ordem de operações definitiva nem um programa político”. Nem Spínola e os oficiais que lhe eram afetos consideravam que ainda não era o momento adequado para qualquer ação, o que era correto, a polícia política já fazia vigilância de oficiais considerados revoltosos e tinha telefones sobre escuta. Também no quartel de Lamego se presumia haver movimento militar, o importante é que o ministro do Exército ordenou que todos os quartéis entrassem em prevenção rigorosa. A coluna das Caldas avançou em direção à capital convencidos de outras solidariedades. A três quilómetros de Lisboa serão notificados por gente amiga de que o golpe fracassara, nenhuma outra unidade tinha saído. Sufocada a revolta, o governo teve a ilusão de que tudo iria voltar a uma certa normalidade: “Para Caetano, o facto de ter sido apenas uma unidade militar a revoltar-se, e, para mais, por influência de oficiais externos à unidade, era positivo, assim como o facto de as restantes unidades terem obedecido às ordens do governo e de não ter havido agitação pública.” Mas há uma outra leitura, um reverso que contará para o plano de operações do 25 de Abril, Otelo pôde constatar a resposta improvisada ou a tamancada do governo e ficou com a convicção que “uma ação militar bem planeada e estruturada, com um comando centralizado venceria rapidamente qualquer resistência que o regime conseguisse mobilizar.

Os autores anotam igualmente o ceticismo do lado da oposição política portuguesa, o PCP publica um manifesto onde se lia que “o Governo e o regime não cairão por si próprios nem tão pouco por ação de umas dezenas de oficiais do exército, mesmo que corajosos e patriotas. A sublevação do 16 de março mostra-o mais uma vez”. Em 24 de abril, durante um jantar em Bona com elementos do Partido Social Democrata alemão, o ministro das Finanças disse a Mário Soares que a ditadura portuguesa estava para durar: “O Governo alemão tem informações da nossa embaixada em Lisboa, dos nossos serviços secretos, no âmbito da NATO, e informações fidedigna da CIA e dos ingleses. Todos os nossos informadores nos asseguram que a ditadura portuguesa está de pedra e cal e para durar.” Mário Soares estava convencido do contrário.

Persistem, quanto a atuações desencadeadas neste período, perguntas que ainda não obtiveram uma resposta cabal. É o caso da missão que Rui Patrício delegou no então cônsul em Milão, José Manuel Villas-Boas, para ir a Londres falar com representantes da guerrilha do PAIGC. A iniciativa deste encontro terá partido de diplomatas ingleses da embaixada britânica em Lisboa. Patrício consultou Caetano e este autorizou a ida de um emissário português à capital britânica. “Patrício explicou a Villas-Boas que Portugal estava a perder a guerra na Guiné perante uma guerrilha fortemente armada com mísseis terra-ar, e que era necessário encetar conversações com o PAIGC, que deviam ser mantidas no maior segredo. Villas-Boas levava consigo uma oferta de independência da Guiné-Bissau em troca de um cessar-fogo, mas sem referir datas específicas.” É sabido como tais conversações pressuponham outras posteriores, veio, entretanto, o 25 de Abril. Inclino-me para a tese de que se tratava de uma tentativa de ganhar tempo, creio que Calvet Magalhães, então secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros e envolvido nesta missão secreta, terá razão quando diz que o governo português aguardava receber os mísseis Redeye para usar na Guiné, o regime não entendia que o PAIGC dispunha de trunfos, desde o reconhecimento à sua independência até à chegada de novo equipamento militar que iria introduzir a matriz da guerra convencional.

É nesta atmosfera ensombrada que cresce o receio de um golpe de extrema-Direita em Portugal, Caetano ainda profere uma última conversa em família e será ovacionado no Estádio de Alvalade no dia 31 de março, fora assistir a um jogo entre o Sporting e o Benfica. Os autores elaboram uma exposição bem detalhada sobre os preparativos do 25 de Abril, não conheço algo de tão preciso, conciso e esclarecedor. Dão igualmente notícia de tentativas de conversações em França, os aviões Mirage eram dados como cruciais. A 23 de abril realiza-se o último conselho de ministros. “A 24, desconhecendo a iminência do golpe que tinha lugar nessa noite, Rui Patrício encontra-se com o embaixador francês em Lisboa para tentar desbloquear a venda de 32 caças Mirage-3 que o governo português queria comprar para usar em África, principalmente na Guiné. Na conversa que teve com o embaixador, Patrício alegou que precisava dos caças na Guiné para responder a um eventual ataque aéreo vindo da Guiné-Conacri.”

Há vários jantares de Estado na noite de 24, não há nenhuma informação alarmante que chegue ao Governo, pelas dez da noite Otelo chega à Pontinha, são emitidos os dois códigos que sinalizam o início da operação, seguem-se as movimentações militares, há várias unidades ainda reticentes, prendem-se comandantes, cerca-se o Rádio Clube Português (RCP) e a RTP. Às 4h26 da madrugada, Joaquim Furtado lê o primeiro comunicado do MFA aos microfones do RCP, pouco depois Marcello Caetano é avisado destas movimentações, Silva Pais aconselha Marcello a refugiar-se no quartel do Carmo, telefonema que foi escutado na Pontinha, Otelo sabe para onde vai o chefe do governo. Seguem-se peripécias de todos conhecidas, não deixa de ser saborosa a referência aos protestos de uma mulher da limpeza dos correios no Terreiro do Paço irada com Salgueiro Maia, tinha de ir trabalhar e ele não a deixava passar. “Ó, minha senhora, vá para casa, hoje é feriado. E para o ano também.” Dá-se o cerimonial da entrega do poder, Caetano e outros governantes seguem para a Pontinha, a eles se juntará o almirante Tomás. E, por último, dá-se a tomada da PIDE/DGS, Spínola telefona a Silva Pais e exige a rendição, este coloca-se às ordens do novo poder, pela manhã, uma comitiva de oficiais e jornalistas entrou na sede da polícia política, os ocupantes são desarmados. “Ao contrário do que seria de esperar, os arquivos da polícia política que continham milhões de fichas foram encontrados aparentemente intactos. Nas mesas de alguns agentes também encontraram algumas revistas Playboy e Penthouse, que não se vendiam em Portugal. No gabinete de Silva Pais permaneciam três quadros fixos na parede com as imagens de Américo Tomás, Marcello Caetano e Salazar. São dadas ordens para os retirar e Silva Pais prontifica-se para tal, mas o de Salazar era mais difícil por estar mais alto. Diz-se que alguém foi então buscar um escadote e o retrato de Salazar foi removido. O fim do regime estava consumado.”

De leitura obrigatória.

José Matos
Zélia Oliveira
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24288: Notas de leitura (1579): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24245: In Memoriam (476): João B. Serra (1949 - 2023), historiador, professor, programador cultural, biógrafo do escritor e militar Manuel Ferreira(1917-1992) (que esteve com os pais de alguns de nós, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial)



João B. Serra > s/l > s/d >  "Almoço dos primos"... Era primo do nosso camarada Manuel Resende pelo lado da esposa deste, a nossa amiga Isaura Serra Resende... Os primos Serra reuniam-se anualmente. O João B. Serra, nascido nas Caldas da Rainha em 22 de abril de 1949,  morreu no passado dia 19, de cancro, doença que lhe fora diagnosticada há 10 anos.



Caldas da Rainha > 9 de maio de 2019 > Última aula do Professor João B. Serra, aqui na foto com Jorge Sampaio (1939-2012).



Lisboa > Centro Cultural de Belém (CCB) > 16 de dezembro de 2017 > O João B. Serra discursando no encerramento das comemorações do centenário de Manuel Ferreira.


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2023). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Faleceu passado dia 19, aos 73 anos, o historiador, programador cultural e professor do ensino superior João Bonifácio Serra, natural das Caldas da Rainha. Tem no nosso blogue cerca de uma dezena de referências.

O funeral realizou-se no sábado, dia 22, no Centro Funerário de Cascais, em Alcabideche, onde o corpo foi cremado. justamente no dia em que completaria 74 anos. (*)

A notícia foi-nos dada, logo na quarta feira,  pelo João Rodrigues Lobo , membro da nossa Tabanca Grande, também ele, como o falecido, antigo aluno do ERO (Externato Ramalho Ortigão), das Caldas da Rainha. Sendo uma figura pública, de projeção não apenas regional como também nacional, a notícia do seu falecimento teve ampla cobertura pela comunicação social, nomeadamente na imprensa de referência como o Expresso e o Público. Foi também notícia no jornal Região de Leiria e Gazeta das Caldas, e ainda na imprensa de Guimarães.

Era professor coordenador jubilado do Politécnico de Leiria, Foi também investigador e docente no ISCTE e na Universidade NOVA de Lisboa. Para além do percu
rso académico,  foi programador e presidente da Fundação Cidade de Guimarães, responsável pelo projecto Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Foi igualmente presidente do Conselho Estratégico Rede Cultura 2027, entidade responsável pela candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027.

Mas já antes, de 1996 e 2006, trabalharia com o Presidente da República Jorge Sampaio,desde o primeiro até ao último dia nos seus dois mandatos, na qualidade de consultor, assessor e depois chefe da Casa Civil.

Licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, iniciaria a atividade profissional como professor do ensino secundário em 1970. Ajudou a criar a Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha, tendo sido ainda titular, nessa Escola, da cátedra Unesco em Gestão das Artes da Cultura, Cidades e Criatividade.

Autor de diversos estudos sobre temas de história política e social portuguesa dos séculos XIX e XX, e  designadamente sobre a História da República e o republicanismo, integrou ainda a equipa de investigadores encarregada de elaborar uma História do Parlamento Português. Teve um especial carinho pela sua terra natal, Caldas da Rainha. 

Tinha página no Facebook. Era primo do Manuel Resende, pelo da esposa deste. AS fotos que publoicamos são deste nosso amigo e camarada, régulo da ;Magnífica Tabanca da Linha.



2. A sua ligação com o nosso blogue remonta a 3 de abril de 2017, quando nos escreveu o seguinte mail:

Professor Luís Graça,

Através do seu blogue, onde tem publicado informação muito relevante e inédita sobre campanhas africanas efectuadas pelas forças armadas portuguesas, colhi indicações úteis para um trabalho de investigação que estou a realizar.Trata-se de uma biografia do escritor capitão Manuel Ferreira, nascido em 1917, com o propósito de participar nas comemorações do seu centenário que passa em Julho próximo.

O meu pedido de ajuda respeita a imagens que tem publicado no seu blogue sobre a presença militar em Cabo Verde dos expedicionários de 1941. Essas imagens abarcam a cidade do Mindelo, as instalações militares em São Vicente e Sal, dispositivos e operações militares.

Gostaria de poder utilizar algumas delas na exposição que estou a organizar e no respectivo catálogo. Para tal pretendia aceder aos originais, de modo a tentar obter a melhor qualidade de reprodução possível. Se me autorizar, farei a digitalização dos positivos ou negativos que me puder disponibilizar, devolvendo de imediato os originais.

Poderá ajudar-me neste meu projecto?
Fico-lhe muito grato.

João Serra
Prof. Coordenador do Insitituto Politécnico de Leiria



Caldas da Rainha > Museu José Malhoa > 22 de julho de 2017 > Exposição temporária "Manuel Ferreira: capitão de longo curso" > Imagem do RI 5,  cuja secretaria Manuel Ferreira (1917-1992) chefiou, entre 1954 e 1958, e por onde muitos de nós passámos, antes de ir parar à Guiné, durante a guerra colonial (1961/74)...Escritor e investigador, e mais tarde capitão SGE Manuel Ferreira (Leiria, 1917 - Oeiras, 1983) passou por aqui, já depois de ter estado no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (e 1941-1946), e na Índia Portuguesa (1948-1954).

Foi neste quartel, em 1957, quando chefiava a secretaria regimental, e nesta cidade onde viveu 4 anos, que ele escreveu o seu livro de contos, "Morabeza" (publicado no ano seguinte, em 1958).  Será depois  ser transferido para Lisboa. Em 1962, sai o seu primeiro romance de temática cabo-verdiana, o "Hora di Bai". E em 1965 é mobilizado para Angola. como tenente SGE, tendo feito parte até então da direção da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores.




T/T Vera Cruz > A caminho de Angola > Em primeiro plano, o ten SGE Manuel Ferreira (Gândra dos Olivais, Leiria, 1917- Oeiras, 1992) a bordo do paquete Vera Cruz em agosto de 1965 a caminho de Luanda. Cortesia de João B. Serra.

Foto (e legenda): © João B. Serra (2017). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. À volta da figura do escritor Manuel Ferreira (1917-1992) e dos militares expedicionários em Cabo Verde, e nomeadamente no Mindelo, Ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial, trocámos umas dezenas de emails.  Uns meses depois ele agradeceu, publicamente, no seu blogue a colaboração
que lhe prestámos (nomeadamente, cedência de fotografias mas também contactos, na Gândara dos Olivais, Leiria, terra natal do militar  e escritor).(**)

18 de Dezembro de 2017 ·

(...) Um ano depois. Chegou anteontem ao fim, no CCB, o programa de comemoração do centenário de Manuel Ferreira. Tudo começou há um ano, quando, ocasionalmente, me encontrei com a primeira edição de uma uma obra sua, que desconhecia. (...)

Foi uma sessão de homenagem digna a que anteontem se efectivou. Amigos, antigos alunos, admiradores e familiares encheram a sala "Almada Negreiros" para lembrar as múltiplas dimensões daquele que perfaria este ano o seu centenário. Ouvimos os testemunhos de historiadores, escritores, professores de hoje sobre o percurso de vida e a obra imensa, generosa e pioneira de um militar que José Saramago equiparou a um Pêro Vaz de Caminha. Alguém que se aplicou em dar a conhecer a descoberta de novos países - através das suas criações literárias -, num processo em que ele próprio se descobriu como outro.

Não me cruzei no passado com Manuel Ferreira. A biografia que dele fui traçando ao longo deste ano não teve outro antecedente que o da curiosidade em preencher lacunas sobre a produção do livro com o qual me deparei em Dezembro de 2016. O empenho colocado nesta investigação não resultou de nenhum apelo ou solicitação externa. Repito: não me foi pedido nem encomendado.
 
O livro foi “A Casa dos Motas”, publicado em 1956. Esta edição, a primeira, de autor, foi impressa no Bombarral e tem ilustrações de Ferreira da Silva, um ceramista cuja obra tenho estudado e sobre o qual estava a preparar um ensaio (aliás, inserido num volume coordenado por Isabel Xavier, que viria a ser editado em princípios de 2017). A relação entre Ferreira da Silva e Manuel Ferreira, intrigante para mim, constituiu o ponto de partida da investigação.

Falei com pessoas que o tinham conhecido e coloquei a possibilidade de Manuel Ferreira ter sido professor na Escola Comercial e Industrial das Caldas da Rainha. Nenhuma destas diligências foi frutuosa. Manuel Ferreira militar? Essa passou a ser a melhor hipótese. Tentei o Arquivo Histórico Militar. Existia um processo, sim, mas estava ainda no Arquivo Geral do Exército, e para o consultar eu teria de me munir de uma autorização de um herdeiro legalmente habilitado. Fui à procura de um descendente, o Eng. Hernâni Ferreira, e foi assim, e aí, que tudo principiou.

Os elementos que a consulta do Arquivo Geral do Exército me facultou eram fascinantes. Excediam tudo o que entretanto tinha apurado sobre a trajectória de Manuel Ferreira, constante quer das notas biográficas divulgadas nas suas publicações, quer das memórias que o próprio filho e amigos retiveram. Pareceu-me justificado que a celebração do centenário de Manuel Ferreira, em Julho de 2017, pudesse ir além de uma cerimónia protocolar e constituísse uma oportunidade para conhecer a sua biografia. Propus a diversas instituições nacionais que o assumissem e elaborei, com vista a fundamentar essa proposta, um texto com informação relevante inédita sobre Manuel Ferreira, que fiz chegar aos seus responsáveis. (...)

O que me motiva hoje é referir e agradecer a todos aqueles que se entusiasmaram com o projecto de aprofundar o conhecimento sobre Manuel Ferreira e a sua acção, que acompanharam o desenvolvimento da pesquisa, que colaboraram no esclarecimento de alguns dos respectivos passos, que acolheram ou participaram na sua divulgação, que, enfim, manifestaram solidariedade com os meus propósitos e corresponderam com empenho ao que lhes foi solicitado.

Agradeço em primeiro lugar às direcções do Instituto Politécnico de Leiria e da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha a liberdade de, em sobreposição aos meus deveres profissionais de professor e investigador, desenvolver este projecto de cariz cívico. Senti a presença reconfortante de Rui Pedrosa e de João Santos.

 (...) Agradeço (...) a Adriano Miranda Lima que me dispensou elementos da sua própria investigação.  (...)

 Agradeço a Luis Graça (...), Augusto Silva Santos e Helder Sousa que me proporcionaram elementos dos seus arquivos pessoais. (...)

Num mail de 26 de junho de 2017, 12:35, escreveu-me:

(...) Fui ontem a Gândara dos Olivais. Tive uma cicerone excelente, no trato e no conhecimento, a tua prima Glória Gordalina. O encontro e a conversa com a Dra. Piedade, sobrinha de Manuel Ferreira, foi muito proveitoso. Esclareci melhor ambientes, referências e circunstâncias familiares e fundamentei algumas pistas pelo que ouvi e pelos silêncios que também escutei. Obrigado, Luis. (...)

As fotos do João B. Serra que publicamos acima,  são da autoria do Manuel Resende, nosso camarada e amigo, primo do falecido, pelo lado da esposa do Manuel, a nossa querida amiga Isaura Serra Resende.

Guardo dele a imagem de um homem de trato agradável e afável. E enquanto meu vizinho da Estremadura, sinto que é uma perda difícil de reparar na área da educação, da cultura, e da preservação da nossa memória coletiva. 

 família e aos amigos mais próximos do falecido, bem como ao Instituto Politécnico de Leiria, apresentamos as condolências da Tabanca Grande.

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Notas do editor:

(`) Último poste da série > 10 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24216: In Memoriam (475): Coronel de Infantaria Reformado, Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro (1926-2023), ex-Major Inf, 2.º Comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)