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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25773: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (6): Et maintenant que vais-je faire / De tout ce temps que sera ma vie... ?!

A. Marques Lopes, s/l
(EPI, Mafra ?)
 s/d (c. 1966 ?)
1. Os seminários da Igreja Católica forneceram às forças armadas portuguesas, e sobretudo ao exército (mas também à FAP e aos paraquedistas), importantes contingentes de graduados, milicianos, durante a guerra colonial. Furriéis, alferes, capitães. Mas também cabos e soldados, que não quiseram dar as habilitações literárias (ou que não chegaram a completar o 5º ano). (*)

Em quantidade e qualidade. Em geral, eram jovens com boa formação humana, moral e intelectual, com hábitos de disciplina, sacrifício, resiliência e abnegação, mas também de treino físico e prática desportiva... E em princípio estariam mais protegidos contra as "ideias subversivas" (ou "dissolventes") que grassavam nos liceus e universidades, sobretudo a partir da crise estudantil de 1962…
 
Tinham, além disso, competências relacionais (liderança, trabalho em equipa, 
comunicação, gestão de conflitos,  do tempo e do stress) que eram relevantes para a condução de grupos de combate, em difíceis teatros de operação como o da Guiné.  Tinham também uma boa cultura geral (com bons conhecimentos de latim e  do grego, e da literatura da antiguidade clássica), a par do gosto pela música.   Alguns animaram os "jornais de caserna" no mato e escreveram a histórias das unidades…

Muitos eram oriundos do meio rural, ou de pequenas cidades e vilas do interior, mais conservador do que o meio citadino. Vinham de famílias pobres ou remediadas, um ou outro excecionalmente da elite ou da classe média alta.  Em geral, eram cooptados por toda uma vasta rede informal de professoras do ensino primário, catequistas e párocos, angariadores de potenciais vocações sacerdotais de entre os melhores alunos do ensino primário obrigatório.

Os seminários menores e maiores, tanto diocesanos como das ordens religiosas (salesianos, franciscanos, dominicanos, jesuitas...) , ofereciam a estes jovens oportunidades de educação e mobilidade social ascendente que, à partida, lhes eram vedadas pela sua origem sociofamiliar e a tacanhez da terra onde viviam. O acesso, nomeadamente ao ensino liceal, era limitado a certas camadas da população urbana. A barreira começava na preparação e nos exames de admissão ao liceu. As provas, escritas e orais, eram feitas em geral nas capitais de distrito, bem longe das pacatas vilas e aldeias do interior do país…

Está por estudar o papel dos ex-seminaristas na nossa longa guerra colonial (1961/74)… Muitos deles, depois da saída do seminário (em geral, na sequência de uma dupla crise, vocacional e de fé), eram rapidamente chamados para a tropa… 

Recorde-se que, por força da Concordata de 1940 (assinada entre Portugal e o Vaticano), os sacerdotes católicos estavam dispensados do serviço militar obrigatório, podendo depois servir a Pátria como capelães castrenses, dependendo da vontade do seu bispo e das necessidades das Forças Armadas. Os seminaristas gozavam do mesmo privilégio no período da sua formação.

Sobretudo os que deixavam de frequentar o seminário maior (curso de teologia, que se iniciava no 7º ano, de um total de 12 anos letivos) eram rapidamente chamados às fileiras do exército. Recorde-se que as suas habilitações literárias não eram automaticamente reconhecidas pelo sistema de ensino oficial. Davam equiparação apenas para efeitos de emprego público e para a tropa. 

Os ex-seminaristas, com o 7º ano ou mais, não podiam inscrever-se automaticamente (e prosseguir os seus estudos) na escola pública e muito menos na universidade. Ou seja, o 7º ano do seminário (equivalente a 11 anos de escolaridade) não tinha os mesmos efeitos legais do 7º ano do liceu, para efeitos académicos.

Não tinham, por isso, direito ao famoso "adiamento", de que beneficiavam  os estudantes universitários que não reprovassem (e que se "portassem bem", não se metendo em "encrencas")… Não admira, por isso, que em quase todas as unidades ou subunidades houvesse um ou mais alferes miliciano, furriel miliciano, ou 1º cabo, ex-seminarista.  

Faltam-nos histórias de vida, relatos autobiográficos, diários, depoimentos, entrevistas, trabalhos de investigação, estatísticas… Temos mais de meia centena de referências com o descritor "seminário", no nosso blogue. 

Há já alguns romances ou livros de cariz autobiográfico sobre este tema (o seminário e a guerra colonial): recorde-se aqui, entre outros, a talhe de foice (todos eles com referências no nosso blogue): 

(i) "Construção e Desconstrução de um padre", de Horácio Neto Fernandes  (Porto, Papiro Editora, 2009) 

(ii) "O Seminarista e o Guerrilheiro”, de Cândido Matos Gago (Grândola, edição de autor, 2015); 

(iii) "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015);

(iv) "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", de José Maria Martins da Costa (Lisboa, Chiado Books, 2021);


2. Retomamos o livro do A. Marques Lopes, "Cabra Cega", que tem no subtítulo, de maneira explícita, a figura do seminário: "do seminário à guerra colonial" (**). 

Este excerto do seu livro de memórias, é retirado das pp. 219/223 , seguindo a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 27 de setembro de 2022, às 16:32 (aqui a narrativa era já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro era o seu "alter ego"...). Mantemos a versão do livro de 2015 ("Cabra Cega", Lisboa, Chiado Books).

Aiveca e os outros alferes da companhia, acabados de serem promovidos (Zé Pedro, Aprígio, Castro) falam da "missa de despedida", a que o primeiro se furtou de ir, argumentando que estava farto de missas, e que era bem melhor que o capelão pegasse no tema do Gilbert Bécaud, que se cantava na instrução em Lamego, no curso de operações especiais: "Et maintenant que vais-je faire / De tout ce temps que sera ma vie..." (E, agora, o que é que eu vou fazer / De todo este tempo que vai ser a minha vida...)


Et maintenant que vais-je faire, de tout ce temps que sera ma vie... ?!

por A. Marques Lopes (1944-2024)


Fomos promovidos a alferes antes do embarque. Ia haver também aquilo a que chamaram cerimónia de despedida, a que se seguiria uma missa na parada.

Aiveca não tinha vontade nenhuma de assistir à missa quando soube que ia haver. Com muito menos ficou quando o capitão, que os tinha reunido para falar do que havia, acrescentou que era o major-capelão Euclides que ia celebrar a missa.

– Que filho da puta  sussurrou entre dentes.

Os outros alferes olharam para ele.

 Disse alguma coisa, Aiveca ?  
– perguntou o capitão.

Ainda bem que não o ouvira.

 Meu capitão, estava a dizer que não vou à missa – r
espondeu.

Agora eram todos espantados, inclusive o capitão. Viu que tinha de dar uma explicação, mas não ia dar a verdadeira.

 É que eu não sou católico  
– foi a razão mais rápida que encontrou.

Admiração geral. O capitão ficou hesitante, parecia embuchado, sem palavras.

 Tá bem, se é assim…   
– lá acabou por dizer, mas pareceu contrariado por não ter argumentos.

Ainda se lembrava da conversa parva do padre Euclides quando o encontrara no Cais do Sodré, estava ele a trabalhar no porto de Lisboa. Quando soube disso abriu os olhos horrorizado: "Cuidado com os comunistas!"... 

Era uma besta, não gostava nada dele. Já sabia que ele e o padre Gama tinham ido para capelães-militares, o Gonçalves dissera-lhe quando estava no RI1, mas estava longe de ver aquele gajo ali. Se fosse o Gama,  era diferente. Ele fora o seu professor da instrução primária no colégio dos padres, dera-lhe uma ou outra palmatoada, é verdade, mas fora sempre um bom amigo dos miúdos. Se fosse ele até iria à missa e gostaria de falar com ele no final.

Meteu-se no bar de oficiais durante a missa mas não se livrou de a ouvir e ao sermão do Euclides, porque os altifalantes gritavam para todo o lado. Nada de novidade, já sabia que daquele não sairia outra coisa. Fez uma bela dissertação sobre o amor à pátria, a defesa do património nacional, etc. Esqueceu-se é de falar contra os comunistas.

Passado algum tempo depois de tudo terminar, apareceram os outros alferes. O Zé Pedro olhou para o meu copo e disse ao barista para lhe trazer também um whisky.

 Então, gostaram da missa?
 perguntocau o Aiveca.

O Castro e o Zé Pedro disseram que sim, mas sem grande ênfase. "Estão com receio de ferir as minhas crenças", pensou com um sorriso irónico. Ficaram silenciosos depois.

 
– Olha lá – decidiu-se o Aprígio, que não dissera que sim nem que não  , afinal qual é a tua religião?”

 
– Estava a ver que não me perguntavam – riu-se.  – Eu vou dizer. Mas não vão bufar nada ao capitão, tá bem?

Todos abanaram a cabeça e disseram seriamente que nem pensar, pá.

 Ó meus amigos, eu tenho de ser católico, apostólico, romano. Batizaram-me quando era bebé, ainda não sabia dizer nem que sim nem que não, só me deu para chorar, é o que dizem os meus pais. Depois, quando era puto e andava num colégio de padres, fiz a comunhão solene e fui crismado. Se dissesse que não queria corriam comigo, mas nem pensar pois estava lá de borla e os meus pais não me podiam pôr noutra escola. Mas, olhem, na altura até achei piada àquilo, foi giro. É isto. Como vêem sou oficialmente católico desde a nascença, como a maioria em Portugal.

Ficaram perplexos. Aiveca percebeu-se que esperavam uma novidade, algo que desse para fazerem mais perguntas. O Aprígio, sobretudo, pareceu desiludido. Só o Zé Pedro reagiu.

 Ó Aiveca, mas, então, porque não quiseste ir à missa?

– Não quis porque já estou farto de missas, é isso.

Não quis dizer que não gostava do major-capelão para não ter que explicar porquê. Nem porque estava farto. Fizera contas e chegara à conclusão que assistira a mais de 4.200 missas, contando as do seminário e as do colégio dos padres. Nunca lhes dissera que tinha estado no seminário e não era agora que ia dizer.

 
– É a tua maneira de ver  – continuou o Zé Pedro.   – Mas eu acho que esta missa foi importante para malta que vai para a guerra. Deu-nos mais calma e confiança na ajuda de Deus.

 
– Talvez, no geral, uma missa tenha esse objetivo, tá bem, pode ser que sim. Mas o desta não foi este. Foi antes um apelo à guerra, bem patente no sermão do major-capelão, nada diferente do que disse o comandante do Regimento na cerimónia da despedida nem do que dizem os membros do Governo.

– Isso é verdade, é todos o mesmo  – disse o Aprígio.  – E olhem, se eu não fosse para a guerra é que era uma grande ajuda de Deus. Podem ter a certeza que assim é que ficaria bestialmente calmo.

– Ó Aprígio, estou a ver que tu e o Aiveca não estão a entender.

–  Diga lá, doutor Castro.

O Aiveca sorriu sem o hostilizar, embora imaginasse que ia sair dali palermice.

 Não gozes. Os discursos de Salazar visam mentalizar o povo para a necessidade de fazer a guerra e o que disse o comandante do Regimento e o sermão do padre tiveram como objectivo motivar os soldados para se empenharem nela. Acho importante isso.

 O coronel e o Salazar percebo, é o papel deles. O padre é que não tinha nada que se meter nisso, fazer pandã com eles, não é esse o papel dele. Era melhor que glosasse aquela do Gilbert Bécaud que tu conheces lá de Lamego.

Quis ser mau e cantou: “Et maintenant que vais-je faire, De tout ce temps que sera ma vie, De tous ces gens qui m’indiffèrent.”

O Aprígio e o Zé Pedro riam-se, o Castro estava sério.

– Disto é que ele devia falar
 disse Aiveca acabando de cantar. – Mas estou a ver que não percebem nada de francês, nem tu, Castro. Ouvias sem saber o que o Bécaud dizia. Só fazia que saltasses da cama.


António Marques Lopes

Página do Facebook do A. Marques Lopes | 27 de setembro de 2022, às 16:32 e livro "Cabra Cega" (2015, pp. 219/223)


(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos, itálicos, parênteses retos: LG)

_________





Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) 
(Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, 
Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Capa do livro "Cabra-cega", de A. Marques Lopes, lançado no Brasil (Paperblur, São Paulo, 2019). Não está à venda nas livrarias, é impresso sob encomenda, é um novo conceito de edição.
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)

(**) Postes anteriores da série:

sábado, 13 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25740: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte VIII: Cufar, no tempo do Manuel Luís Lomba (1965), do Armindo Batata (1970) e do Luís Mourato Oliveira (1973)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > Pel Caç Nat 51 > s/d (c.1970) > A pista de Cufar

Fotos (e legenda): © Armindo Batata (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Foto nº 2> A antiga pista de Cufar, usada pela Força Aérea Portuguesa durante a guerra colonial (1961/74). Posto de sentinela do tempo da CART 2477 (Cufar, 1969/71). (**)

Fotos (e legenda): © Martin Evison  (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > 1973 > Fonte com bomba manual de volante com roda de balanço... Vinho empo do colono cabo-verdiano, grande produtor e comerciante de arroz, Álvaro Boaventura Camacho que terá cedido estas instalações (incluindo o aeródromo) à administração do território, com o início da guerra. Ainda se vêm em Portugal em muitas terras da província. Era uma tecnologia que se vulgarizou no séc- XIX:
Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. Mensagem enviada,  ao Armindo Batata, pelo editor LG, com data de 18/06/2024, 17:09

Armindo: Aqui tens mais um poste sobre o teu Pel Caç Nat (ou só Pel Caç 51, como vem nos livros da CECA sobre a atividade operacional) e sobre Cufar com algumas das tuas fotos de Cufar "reeditadas" e legendadas. (***)

Toda esta zona (Catió / Cufar ) era o grande celeiro da Guiné, com as melhores e maiores bolanhas... Os balantas de Mansoa começaram a emigrar para aqui, nos anos 20/30, expulsando para as florestas-galeria do Cantanhez "os donos do chão", os nalus, hoje minoritários... Mas também vieram chineses de Macau,  deportados da metrópole, colonos de Cabo Verde... (O contributo dos chineses de Macau, no início do séc. XX, foi decisivo para  o desenolcimento e o sucesso da cultura do arroz, no sul da Guiné, segundo o António Estácio,1947-2022)

O dono de Cufar era o "ponteiro, cabo-verdiano, Álvaro Boaventura Camacho, que nos anos 30 conseguiu uma importante concessão de terras...Era um grande produtor e comerciante de arroz. A fábrica de descasque era dele... 

Tinha uma pista de aviação, ao que parece. Terá cedido ou alugado tudo à tropa no início da guerra... Sabes algo mais sobre ele ? 

Cufar, como sabes, era a "Bissalanca do Sul", com uma pista de aviação, alcatroada com 2,2 km de comprimento... O António Graça de Abreu escreveu bastante sobre Cufar, esteve lá de meados de 1973 até abril de 1974, no CAOP1 (que já não é do teu tempo)...

"Mantenhas". Vamos estando em contacto... e recuperando memórias destas nossas subunidades africanas... de que, infelizmente, "não reza a história"! (Não têm "fichas de unidade", nos livros da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África)

PS1- Tens alguma ideia do alferes que foste render ? Provavelmente nem o conheceste... O primeiro comandante, como te disse, era o João Perneco (Guileje, 1966/68), que será alentejano...Já publicámos há dias uma foto de grupo dele..

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25654-elementos-para.html

E do teu 1º cabo trms, que sabia latim e grego, o José Maria Martins da Costa, autor do "Silvo da Granada" ? Tens alguma notícia dele ? Deve viver no Porto...

PS2 - O teu Pel Caç Nat 51 continuava em Cufar (em 1 de julho de 1971 e 1 de julho de 1973).



2. Resposta do do Armindo Batata 

Data - 1/7/2024, 17:08

Caro Luís Graça


Puxando pela memória, surge de facto o tal Camacho. Passou por Cufar quando eu lá estive, i.e., em 1970, tendo viajado em avião civil. 

Na altura perguntei de quem se tratava e a resposta que obtive foi a de que era o dono de Cufar, das instalações que ocupávamos e defendíamos, a quem o exército pagava renda. Recordo-me que foi resposta mais do que suficiente para voltar as costas e continuar com o que estava a fazer.

O alferes que me rendeu, nos últimos dias de dezembro de 1970, foi o Manuel Rosa. Creio não estar enganado no nome, até porque conheci-o na metrópole onde estive de férias,  no final da minha comissão, tendo regressado quando me faltava cerca de um mês para completar os 24 meses. 

O pai dele tinha uma loja de pneus na Rua São Filipe Neri, em Lisboa,  e almocei com ele e a família numa casa que eles tinham em Dona Maria / Belas. Imagina o quanto constrangedor foi aquele almoço, em que todos queriam saber "coisas" sobre o local para onde ele ia.

Quanto ao 1º cabo de transmissões José Maria Martins da Costa, sabia que ele tinha sido seminarista mas pouco mais soube. 

O cabo de transmissões, assim como o maqueiro, eram incorporados na escala de serviços da companhia para as saídas, o que limitava bastante os contactos e relacionamento, que em Guileje eram mais frequentes precisamente por sairmos menos do que em Cufar. 

O que retenho sobre ele não tem interesse algum para esta recuperação de memórias que em boa hora iniciaram. Quanto ao livro (o "Silvo da Granada"), de que nunca tinha ouvido falar, vou tentar encontrá-lo.

Abraço, 
Armindo Batata

Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, 
Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu” 
 (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, 
Barcelos, 2012). Uma batalha 
de meses, que começou 
em 20/21 de dezembro de 1964
 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  
 


3. Comentário do Manuel Luís Lomba ao poste P18074 (**)
[ O Manuel Luís Lomba foi fur mil cav, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor de "Guerra da Guiné: a batalha de Cufar Nalu", 2012; membro da Tabanca Grande desde 17 set 2012].
 
Olá, Luís  (Oliveira):
Antes da guerra, Cufar seria o principal centro da produção arrozeira do chamado celeiro da Guiné - Catió e Cacine. O edifício da vossa "intendência" era o que restava da moderna fábrica de descasque de arroz, que pertencera ao cabo-verdiano de origem madeirense Álvaro Boaventura Camacho

O abrigo subterrâneo parece dos escavados por nós (em 1965). A bomba de picota também é desse tempo. 

A pista de Cufar era a segunda maior da Guiné, inaugurada em 1958 pelo PR  General Craveiro Lopes, na ocasião da inauguração do aeroporto/aeródromo da base de Bissalanca, transitado de Brá (futuro aquartelamento da Engenharia, dos Comandos, dos Adidos e futuro Ministério das Obras Públicas da República da Guiné-Bissau).

A nossa subunidade (CCav 703) ocupou Cufar: a fábrica e a povoação estavam totalmente destruídas, por acções de guerra, entre Janeiro e Março de 1965, em operação de "intervenção às ordens do Comando-chefe"; em Dezembro de 64 participara na operação à mata de Cufar-Nalu e em Maio de 65 foi recorrente na operação que limpou essa mata, pelo desempenho decisivo da CCaç 763, do camarada Mário Fitas, que nos havia rendido na ocupação de Cufar. 

Nessa altura, a base de Cufar Nalu do PAIGC era comandada por Manuel Saturnino Costa, que virei a conhecer pessoalmente como ministro das Obras Públicas de consulado de 'Nino' Vieira e que chegará a seu Primeiro-ministro, ainda vivo, creio eu, - os meus votos da melhor saúde. [ Nascido em 1942, em Bolama, morreu em Bissau, em 2021, aos  78 anos: era irmão do Vitorino Costa].

Falei há dias com o ex-alferes Ramos Sequeira, julgo que foi o último comandante do pelotão de canhões s/r de Cufar 
[Pel Canh s/r 3079 ?] , recentemente regressado da visita a Cufar, que me disse: "Cufar encontra-se destruída e abandonada, os seu campos de arroz não foram recuperados, o capim vai até à pista de aviação que, do seu contributo à guerra da Guiné, passou a contribuir para a sua desgraça".

E como o blogue me permite, informo-te que sou autor de um livro centrado em Cufar e na mata de Cufar Nalu.

Ab. Manuel Luís Lomba
_________________

Notas do editor:


terça-feira, 11 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25630: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte IV: um 1º cabo trms, José Maria Martins da Costa (Guileje e Cufar, 1968/70), que sabia latim e grego




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 2316 (1967/68) > Foto aérea do aquartelamento e tabanca


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento José Neto (que exercia as funções de 1º sargento da companhia) junto a um abrigo e a uma viatura do Pel Rec Fox 1165, que era comandado pelo alf mil cav Michael Winston Schnitzer da Silva.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 > 1968> Aspectos da construção de uma abrigo-caserna...
 


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613  (1967/68) >  1968 > Bajuda... Fotos do álbum do cap SGE, reformado, o saudoso José Neto (1929-2007), durante os primeiros anos do blogue "o nosso mais velho".


Fotos (e legendas): © José Neto   (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro, "O Silva
da Granada", de José Maria
Martins Costa, Lisboa,
Chiado Books, 2021. Gostaríamos
de ver o autor, nosso antigo
camarada de armas, a integrar 
 a Tabanca Grande.



"É mesmo uma surpresa, um cultor do classicismo andou por Guileje e paragens limítrofes, entre 1968 e 1970, creio que se disfarça no primeiro-cabo Martins, das Transmissões, são memórias onde não faltam referências a Horácio, Virgílio, Dante, Camões, há a preocupação de resistir à tentação de passar ao crivo a história da Guiné ou martelar as vias sinuosas da luta pela independência, é um livro cheiro de olhares, alguém que reza o terço, que se comove com a inocência das crianças, vê partir colunas de abastecimento e sente um remorso por nelas não participar. Já chegou a hora da primeira flagelação, muito mais se seguirá, o tomo memorial ultrapassa as quinhentas páginas, foi editado pela Chiado Books recentemente, faz hoje parte do Grupo Atlântico Editorial."


1. É assim que o nosso crítico literário, Mário Beja Santos, saudou o aparecimento deste livro, publicado ainda em 2021, em tempo de pandemia. Referimo-nos a "O Silvo da Granada", do José Maria Martins da Costa, ex-1º cabo trms, do Pel Caç Nat 51 
(Guileje e Cufar, maio de 1968/ julho de70).

Sobre o autor sabemos que:

(i) é natural do concelho de Santo Tirso; 

(ii) depois da escola, entrou num seminário beneditino; 

(iii) foi até ao sétimo ano (que não deve ter completado); 

 (iv) foi chamado para a tropa, passou por Tavira e Lisboa, e foi mobilizado para a Guiné; 

(v) no regresso à "peluda",  tirou "o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra";



(vii) fixou residência no Porto, casou, foi jornalista e professor.

A referência ao classicismo greco-latino tem a ver com 
a sua formação seminarística. O autor frequentou o CSM (Curso de Sargentos Milicianos), em Tavira, por qualquer razão que não quer esclarecer, no  livro, chumbou ou apanhou uma "porrada", indo parar ao contingente geral.

E na qualidade de 1º cabo de transmissões de infantaria, de rendição individual, que o vemos integrar o Pel Caç Nat 51, passando por Guileje e Cufar, de maio de 1968 a julho de 1970.

2. Não tendo (ainda)  lido o livro, vamo-nos limitar aqui à recolha de alguns apontamentos que podem ajudar a conhecer um pouco melhor a história desta subunidade e também as "andanças", pelo sul da Guiné,  deste nosso camarada que gostaríamos de passar a ver ao nosso lado, sentado sob o poilão da Tabanca Grande.  

Vamos, naturalmente, socorrer-nos de algumas das notas, mais factuais, do nosso crítico literário (**): 

(i) chegado a Bissau, o 1º cabo trms Martins ruma a sul, em comboio fluvial, seguindo de
"batelão", numa primeira etapa até Bolama, depois Cacine e finalmente Gadamael (o comboio traz mantimentos para Cacine e Cameconde);

(ii) segue em coluna auto para Guileje: provavelmente ainda aqui apanhou a CART 1613, do nosso saudoso Zé Neto, (cuja comissão em Guileje foi de junho de 1967 a maio de 1968), sendo depois rendida pela CCAÇ 2316 (mai 1968/jun 1969);

(iii) aqui dá-se conta do drama dos vizinhos de Gandembel (a 10 km mais a nordeste, e ainda mais perto da fronteira), mas também do ponto fraco do aquartelamento de Guileje, aparentremente inexpugnável: todos os dias é preciso garantir o abastecimento de água na fonte que fica a 2/3 km;

(iv) trabalha por turnos no abrigo das transmissões e cedo começa a habituar-se aos ataques e flagelações;

(v) Spínola visita Guileje e Gandembel ainda nesse mês de maio de 1968;

(vi) o Martins diz que os primeiros-cabos do Pelotão são todos nortenhos, de Entre Douro e Minho;

(vii) os brancos do Pelotão têm um abrigo próprio;

(viii) que o Martins ajuda um soldado da companhia local (CCAÇ 2316, presume-se) a escrever cartas à madrinha de guerra;


(ix) Ganbembel e Mejo são abandonados em 28 de janeiro de 1969; Guileje passa a ser reforçada por mais uma subunidade, o Pel Caç Nat 67;

(x) refere a morte de um alferes e um furriel, do pelotão de artilharia , que são ceifados por uma canhonada vinda da Guiné Conacri;

(xi) "o novo comandante de Companhia parece não gostar do Martins e das suas estadias na tabanca" (onde faz amizades entre a população civil e por cujos usos e costumes se interessa como estudioso);

(xii) Cecília Supico Pinto visita Guileje;

(xiii) o Martins vai a Bissau a uma consulta de oftalmologia; após 3 semanas, regressa via Gadamael cujos abrigos lhe parecem toscos e precários, comparados com Guileje;

(xiv) o abrigo do pelotão em Guileje é atingido em cheio por uma canhoada; tem de ser reparado e reforçado;

(xv) "de março para abril (de 1969), deram-se mudanças de vulto de Pel Caç Nat 51", é referido quem sai e quem chega (e um dos que chegam é o Armindo Batata: não sabemos se no livro há referências explícitas ao novo comandante do Pelotão) ;

(xvi) Spínola volta a Guileje em meados de 1969;

(xvi) em junho de 1969, a CCAÇ 2316 é rendida pela CART 2410,  "Os Dráculas";

(xvii) "em novembro e chega a notícia da transferência do Pel Caç Nat 51, tal como o Pel Caç Nat 67, vão para Cufar, no termo de Catió";

(xix) "não irão por estrada, a única forma de lá chegar é alcançar Gadamael, descer o rio Cacine até à sua foz, percorrer um estreito canal, rio chamado Cagopere, aproar ao rio Cumbijã e subir boa parte do seu curso inferior, meter talvez ainda por um afluente deste e depois por terra fazer os últimos quilómetros até Cufar" 

(xx) "despedida,  com enorme saudade dos seus amigos da tabanca";

(xxi) coluna apeada até Gadamael, sem novidade; e breve viagem de Gadamael a Cacine;

(xxii) o Martins ffca "surpreendido de aqui encontrar laranjeiras e tangerinas, observa que Cacine é menos sacrificada que Guileje ou Gadamael";

(xxiii) "o comboio de navios passa pelo Canal do Melo, ali perto é Cabedu, Cufar não é longe, temos ainda o Cumbijã e as suas duas alongadas curvas, estão já na aldeia Cantone, 3 km à frente espera-os Cufar, no meio Mato Farroba, área sossegada";

(xxiv) "o Martins lá vai para o posto de rádio";

(xxv)  regista dois acidentes mortais no Pel Caç Nat 51;

(xxvi) chega-se ao Natal e depois ao Ano Novo;

(xxvii) "pega-se com um furriel, deita umas palavras desabridas, apanha como castigo sete noites seguidas, na trincheira, em Mato Farroba";

(xxviii) "vai ao médico a Catió, apraz-lhe a limpeza e o asseio das ruas, o muito arvoredo que as sobreia e ornamenta, acha-la muito limpa a agradável para viver";

(xxix) chega a Páscoa, e depois já "estamos em julho de 1970, chove a cântaros, os amigos vêem-no partir num Dakota";

(xxx) ... e fim da comissão do Martins.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Um aspeto parcial do quartel. Foto do ábum  do Victor Condeço (1943/2010)

Foto (e legenda); © Victor Condeço (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de;


8 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23152: Notas de leitura (1435): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (4) (Mário Beja Santos)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/04/guine-6174-p23152-notas-de-leitura-1435.html

(**)  Vd. poste de 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25624: Elementos para a História do Pel Caç Nat 51 (1966/74) - Parte III: População civil: da cerimónia do fanado ao funeral muçulmano (Armindo Batata)

Vd. também postes de:

 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25622: Humor de caserna (64): O anedotário da Spinolândia (XII): o "caco" que foi parar ao caldeirão da cozinha de Guileje...

domingo, 9 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25622: Humor de caserna (64): O anedotário da Spinolândia (XII): o "caco" que foi parar ao caldeirão da cozinha de Guileje...



1. Esta história deliciosa, a do "caco", o monóculo  (que não era graduado, mas sim um simples "ronco")  do "homem grande" de Bissau, caído no caldeirão da cozinha de Guileje, já a conhecia do meu tempo, circulava na 5ª Rep, o Café Bento, quando passei por Bissau,  "periquito"  desembarcado do "Niassa" em 29 de maio de 1969 e logo metido em LDG até ao Xime em 2 de junho...

Anedota ou não, é contada no livro de memórias "O Silvo da Granada", do José Maria Martins da Costa, ex-1º cabo trms, do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, maio de 1968/ julho de 1970). A edição da edição da Chiado Books, 2021, meio milhar de páginas (!).

Sobre o livro o nosso crítico literário, Mário Beja Santos, chamou-lhe "uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné" , nas quatro notas de leitura que entusiástica e generosamente lhe dedicou (Postes P23121, p23131, p23139 e p23156).

Sabemos pouco sobre o autor, a não ser o que ele nos diz, na sua apresentação:

(i) natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, frequentou a escola primária, finda a qual entrou num seminário beneditino;

(ii) saiu no sétimo ano, provavelmente incompleto; 

(iii) foi chamado para a tropa, passou por Tavira e Lisboa,  e  foi mobilizado para a Guiné;

 (iv) no regresso à vida civil,  deve ter tirado "o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra" (Beja Santos interpretou mal; se ele tuvesse o 7º ano ou equivalente, ou fosse licenciado, teria ido frequentar o COM - Curso de Oficiais Milicianos);


Capa do livro, "O Silva
da Granada", de José Maria
Martins Costa, Lisboa,
Chiado Books, 2021. Gostaríamos
de ver o autor, nosso antigo
camarada de armas, a integrar 
 a Tabanca Grande.



(v) entretanto, fixara-se no Porto, onde casou, foi professor e jornalista...
 
Muito poucas são as referèncias existentes na Net a este homem e nosso camarada de arnas. De acordo com as notas do Beja Santos, nunca se chega  
a esclarecer, no livro, as razões por que o autor, tendo frequentado o CSM (Curso de Sargentos Milicianos), em Tavira, acabou por ir para a Guiné como 1º cabo  de transmissões, especialidade que tirou em Lisboa (certamente no quartel da Graça).   

Terá havido aqui, pelo meio, no CISMI, problemas disciplinares,  que explicam a  sua passagem compulsiva ao contingente geral.

Sabemos, isso, sim, é que chegou à Guiné em maio de 1968 ( tendo regressou à metrópole em julho de 1970), ou seja,  na mesma altura em que o brigadeiro António Spínola toma posse como governador e comandante-chefe. 

Foi colocado, em rendição individual, no Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1968/70).

No livro há apontamentos que são relevantes para a história do Pel Caç Nat 51, do tempo do alf mil Armindo Batata (ligeiramente mais novo, 1969/70),  e que iremos
  resumir, mais tarde. 

Para já, retivemos duas referências a Spínola, a partir dos excertos selecionados pelo Beja Santos (e que vão em negrito e itálico):

(...) Primeiro-cabo Martins já viajou para Guileje, está na fase adaptação, somos levados a supor que este homem que está profundamente impregnado pela cultura clássica, que domina o Latim e alguns dos mais cultores da língua portuguesa,  trabalha nas Transmissões. 

De supetão, arribaram três helicópteros, de um deles saiu Spínola, já percorreu o quartel, conversou com os oficiais e decidiu visitar a cozinha:

“Spínola em corpo e alma e rompeu pela cozinha sem aviso, deixando atónitos, presos aos seus lugares, cozinheiros e forneiro; e, depois das saudações e palavra de circunstância e de circunvagar um olhar indagador como a inspecionar as condições de trabalho e de higiene, avança para os fogões, mete o nariz em tachos e panelas. Eis senão quando – caso nunca visto – cai-lhe o monóculo ao panelão, onde, vaporando fortemente, fervia a cachão o feijão frade. Valeu que à ilharga, atento e venerador, estava o cabo-cozinheiro, que, ato contínuo, introduzindo por entre densos vapores a desembaraçada manápula acostumada a queimaduras e escaldões, retira incólume a luneta”.

Esta cena deve-se ter passado em meados de 1968 (talvez mesmo  logo em 26 de maio de 1968, data da primeira visita a Gandembel), porque, após a rápida passagem por  Guileje,  Spínola partiu  para aquela  aquartelamento que estava em construção há mês e meio.

Uma segunda "cena", que merece registo na nossa série "Humor de caserna", é a de uma outra visita de Spínola a Guileje, um ano depois, em meados de 1969, ao tempo da CART 2410, "Os Dráculas":

(...) E assim se chegou a abril e depois a maio 
[de 1969] , sucedem-se as flagelações, a população continua tranquilamente a sua vida monótona, não deixando de ir cultivas o seu arroz de subsistência, ao amanhecer as viaturas carregadas de bidões vão direito ao poço aberto na brenha, a uns 2 km, operação que requer severa vigilância. Spínola volta a Guileje, assim se descreve o seu regresso:

“Negros como abutres, descrevendo círculos por largo, bem à vista o cano
 saliente do canhão de bordo, os três passarões assenhoreiam-se destes ares; metem respeito e não admira que os guerrilheiros mais que tudo os temam. E, enquanto dois deles vão dando voltas, agora mais fechadas, sobre Guileje, o outro ensaia a operação delicada de vir a terra; um instante imobilizado, roda agora a ganhar posição, inclina um tudo-nada o focinho, cautamente sondando o espaço em baixo onde pousar. E já vai descendo, em volto grossos rolos de pó que revoluteiam furiosamente no ar agitado do voltear estonteante da hélice. O monstro impõe a sua presença aparatosa. Ei-lo em repouso no chão espanado pela ventaneira”.

 

O comandante de Companhia não gostou da discriminação, Spínola passou por meio da pequena multidão e deu de caras com um furriel do  [Pel Caç Nat] 67, cumprimentos efusivos.

“O nome, de todo incomum, ou talvez sobrenome, é o mesmo de uma família da alta roda lisboeta ligada à banca. Coincidência ou não, o certo é que ainda não passaram quinze dias e já o furriel foi de abalada, transferido para zona menos descoberta aos golpes da implacável guerrilha.” (...)

2. Há quem, acrítico e sisudo, não goste de ver as figuras da nossa História (e o marechal Spínola já lá está, na História com H Grande, independentemente dos nossos juízos pessoais, efémeros e transitóriso) serem objeto de anedotas ou caricaturas...  

Achamos, pelo contrário, que é quase sempre um sinal de apreço e até de homenagem: no caso de Spínola, por exemplo, enquanto governador e comandante -chefe do CTIG (1968-1973) não conhecemos anedotas sobre o seu antecessor (gen Armaldo Schulz) ou o seu sucessor (gen Bettencourt Rodrigues). E para mais andeotas que persistem na memória dos antigos combatntes,  mesmo meio século depois.

Fica aqui a nossa declaração de interesses.

(Seleção, revisão / fixação o de texto, negritos e itálicos: LG) (Com a devida vénia ao autor e ao seu crítico literário)

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Nota do editor:

Último poste da sérier > 7 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25613: Humor de caserna (63): Em 1971, por uns bons 250 contos (equivalente, a preços de hoje, a mais 75 mil euros), um 1º cabo miliciano arranjava um subsituto para ir para o ultramar

Vd. também poste de 20 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25584: Humor de caserna (60): O anedotário da Spinolândia (XI): "Continua, meu rapaz, salvas-te tu para que este batalhão não seja a merda mais completa" (Um anedota contada pelo saudoso Rui A. Ferreira,1943-2022)