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terça-feira, 11 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25630: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte IV: um 1º cabo trms, José Maria Martins da Costa (Guileje e Cufar, 1968/70), que sabia latim e grego




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 2316 (1967/68) > Foto aérea do aquartelamento e tabanca


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento José Neto (que exercia as funções de 1º sargento da companhia) junto a um abrigo e a uma viatura do Pel Rec Fox 1165, que era comandado pelo alf mil cav Michael Winston Schnitzer da Silva.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 > 1968> Aspectos da construção de uma abrigo-caserna...
 


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613  (1967/68) >  1968 > Bajuda... Fotos do álbum do cap SGE, reformado, o saudoso José Neto (1929-2007), durante os primeiros anos do blogue "o nosso mais velho".


Fotos (e legendas): © José Neto   (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro, "O Silva
da Granada", de José Maria
Martins Costa, Lisboa,
Chiado Books, 2021. Gostaríamos
de ver o autor, nosso antigo
camarada de armas, a integrar 
 a Tabanca Grande.



"É mesmo uma surpresa, um cultor do classicismo andou por Guileje e paragens limítrofes, entre 1968 e 1970, creio que se disfarça no primeiro-cabo Martins, das Transmissões, são memórias onde não faltam referências a Horácio, Virgílio, Dante, Camões, há a preocupação de resistir à tentação de passar ao crivo a história da Guiné ou martelar as vias sinuosas da luta pela independência, é um livro cheiro de olhares, alguém que reza o terço, que se comove com a inocência das crianças, vê partir colunas de abastecimento e sente um remorso por nelas não participar. Já chegou a hora da primeira flagelação, muito mais se seguirá, o tomo memorial ultrapassa as quinhentas páginas, foi editado pela Chiado Books recentemente, faz hoje parte do Grupo Atlântico Editorial."


1. É assim que o nosso crítico literário, Mário Beja Santos, saudou o aparecimento deste livro, publicado ainda em 2021, em tempo de pandemia. Referimo-nos a "O Silvo da Granada", do José Maria Martins da Costa, ex-1º cabo trms, do Pel Caç Nat 51 
(Guileje e Cufar, maio de 1968/ julho de70).

Sobre o autor sabemos que:

(i) é natural do concelho de Santo Tirso; 

(ii) depois da escola, entrou num seminário beneditino; 

(iii) foi até ao sétimo ano (que não deve ter completado); 

 (iv) foi chamado para a tropa, passou por Tavira e Lisboa, e foi mobilizado para a Guiné; 

(v) no regresso à "peluda",  tirou "o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra";



(vii) fixou residência no Porto, casou, foi jornalista e professor.

A referência ao classicismo greco-latino tem a ver com 
a sua formação seminarística. O autor frequentou o CSM (Curso de Sargentos Milicianos), em Tavira, por qualquer razão que não quer esclarecer, no  livro, chumbou ou apanhou uma "porrada", indo parar ao contingente geral.

E na qualidade de 1º cabo de transmissões de infantaria, de rendição individual, que o vemos integrar o Pel Caç Nat 51, passando por Guileje e Cufar, de maio de 1968 a julho de 1970.

2. Não tendo (ainda)  lido o livro, vamo-nos limitar aqui à recolha de alguns apontamentos que podem ajudar a conhecer um pouco melhor a história desta subunidade e também as "andanças", pelo sul da Guiné,  deste nosso camarada que gostaríamos de passar a ver ao nosso lado, sentado sob o poilão da Tabanca Grande.  

Vamos, naturalmente, socorrer-nos de algumas das notas, mais factuais, do nosso crítico literário (**): 

(i) chegado a Bissau, o 1º cabo trms Martins ruma a sul, em comboio fluvial, seguindo de
"batelão", numa primeira etapa até Bolama, depois Cacine e finalmente Gadamael (o comboio traz mantimentos para Cacine e Cameconde);

(ii) segue em coluna auto para Guileje: provavelmente ainda aqui apanhou a CART 1613, do nosso saudoso Zé Neto, (cuja comissão em Guileje foi de junho de 1967 a maio de 1968), sendo depois rendida pela CCAÇ 2316 (mai 1968/jun 1969);

(iii) aqui dá-se conta do drama dos vizinhos de Gandembel (a 10 km mais a nordeste, e ainda mais perto da fronteira), mas também do ponto fraco do aquartelamento de Guileje, aparentremente inexpugnável: todos os dias é preciso garantir o abastecimento de água na fonte que fica a 2/3 km;

(iv) trabalha por turnos no abrigo das transmissões e cedo começa a habituar-se aos ataques e flagelações;

(v) Spínola visita Guileje e Gandembel ainda nesse mês de maio de 1968;

(vi) o Martins diz que os primeiros-cabos do Pelotão são todos nortenhos, de Entre Douro e Minho;

(vii) os brancos do Pelotão têm um abrigo próprio;

(viii) que o Martins ajuda um soldado da companhia local (CCAÇ 2316, presume-se) a escrever cartas à madrinha de guerra;


(ix) Ganbembel e Mejo são abandonados em 28 de janeiro de 1969; Guileje passa a ser reforçada por mais uma subunidade, o Pel Caç Nat 67;

(x) refere a morte de um alferes e um furriel, do pelotão de artilharia , que são ceifados por uma canhonada vinda da Guiné Conacri;

(xi) "o novo comandante de Companhia parece não gostar do Martins e das suas estadias na tabanca" (onde faz amizades entre a população civil e por cujos usos e costumes se interessa como estudioso);

(xii) Cecília Supico Pinto visita Guileje;

(xiii) o Martins vai a Bissau a uma consulta de oftalmologia; após 3 semanas, regressa via Gadamael cujos abrigos lhe parecem toscos e precários, comparados com Guileje;

(xiv) o abrigo do pelotão em Guileje é atingido em cheio por uma canhoada; tem de ser reparado e reforçado;

(xv) "de março para abril (de 1969), deram-se mudanças de vulto de Pel Caç Nat 51", é referido quem sai e quem chega (e um dos que chegam é o Armindo Batata: não sabemos se no livro há referências explícitas ao novo comandante do Pelotão) ;

(xvi) Spínola volta a Guileje em meados de 1969;

(xvi) em junho de 1969, a CCAÇ 2316 é rendida pela CART 2410,  "Os Dráculas";

(xvii) "em novembro e chega a notícia da transferência do Pel Caç Nat 51, tal como o Pel Caç Nat 67, vão para Cufar, no termo de Catió";

(xix) "não irão por estrada, a única forma de lá chegar é alcançar Gadamael, descer o rio Cacine até à sua foz, percorrer um estreito canal, rio chamado Cagopere, aproar ao rio Cumbijã e subir boa parte do seu curso inferior, meter talvez ainda por um afluente deste e depois por terra fazer os últimos quilómetros até Cufar" 

(xx) "despedida,  com enorme saudade dos seus amigos da tabanca";

(xxi) coluna apeada até Gadamael, sem novidade; e breve viagem de Gadamael a Cacine;

(xxii) o Martins ffca "surpreendido de aqui encontrar laranjeiras e tangerinas, observa que Cacine é menos sacrificada que Guileje ou Gadamael";

(xxiii) "o comboio de navios passa pelo Canal do Melo, ali perto é Cabedu, Cufar não é longe, temos ainda o Cumbijã e as suas duas alongadas curvas, estão já na aldeia Cantone, 3 km à frente espera-os Cufar, no meio Mato Farroba, área sossegada";

(xxiv) "o Martins lá vai para o posto de rádio";

(xxv)  regista dois acidentes mortais no Pel Caç Nat 51;

(xxvi) chega-se ao Natal e depois ao Ano Novo;

(xxvii) "pega-se com um furriel, deita umas palavras desabridas, apanha como castigo sete noites seguidas, na trincheira, em Mato Farroba";

(xxviii) "vai ao médico a Catió, apraz-lhe a limpeza e o asseio das ruas, o muito arvoredo que as sobreia e ornamenta, acha-la muito limpa a agradável para viver";

(xxix) chega a Páscoa, e depois já "estamos em julho de 1970, chove a cântaros, os amigos vêem-no partir num Dakota";

(xxx) ... e fim da comissão do Martins.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Um aspeto parcial do quartel. Foto do ábum  do Victor Condeço (1943/2010)

Foto (e legenda); © Victor Condeço (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de;


8 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23152: Notas de leitura (1435): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (4) (Mário Beja Santos)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/04/guine-6174-p23152-notas-de-leitura-1435.html

(**)  Vd. poste de 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25624: Elementos para a História do Pel Caç Nat 51 (1966/74) - Parte III: População civil: da cerimónia do fanado ao funeral muçulmano (Armindo Batata)

Vd. também postes de:

 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25622: Humor de caserna (64): O anedotário da Spinolândia (XII): o "caco" que foi parar ao caldeirão da cozinha de Guileje...

domingo, 9 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25622: Humor de caserna (64): O anedotário da Spinolândia (XII): o "caco" que foi parar ao caldeirão da cozinha de Guileje...



1. Esta história deliciosa, a do "caco", o monóculo  (que não era graduado, mas sim um simples "ronco")  do "homem grande" de Bissau, caído no caldeirão da cozinha de Guileje, já a conhecia do meu tempo, circulava na 5ª Rep, o Café Bento, quando passei por Bissau,  "periquito"  desembarcado do "Niassa" em 29 de maio de 1969 e logo metido em LDG até ao Xime em 2 de junho...

Anedota ou não, é contada no livro de memórias "O Silvo da Granada", do José Maria Martins da Costa, ex-1º cabo trms, do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, maio de 1968/ julho de 1970). A edição da edição da Chiado Books, 2021, meio milhar de páginas (!).

Sobre o livro o nosso crítico literário, Mário Beja Santos, chamou-lhe "uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné" , nas quatro notas de leitura que entusiástica e generosamente lhe dedicou (Postes P23121, p23131, p23139 e p23156).

Sabemos pouco sobre o autor, a não ser o que ele nos diz, na sua apresentação:

(i) natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, frequentou a escola primária, finda a qual entrou num seminário beneditino;

(ii) saiu no sétimo ano, provavelmente incompleto; 

(iii) foi chamado para a tropa, passou por Tavira e Lisboa,  e  foi mobilizado para a Guiné;

 (iv) no regresso à vida civil,  deve ter tirado "o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra" (Beja Santos interpretou mal; se ele tuvesse o 7º ano ou equivalente, ou fosse licenciado, teria ido frequentar o COM - Curso de Oficiais Milicianos);


Capa do livro, "O Silva
da Granada", de José Maria
Martins Costa, Lisboa,
Chiado Books, 2021. Gostaríamos
de ver o autor, nosso antigo
camarada de armas, a integrar 
 a Tabanca Grande.



(v) entretanto, fixara-se no Porto, onde casou, foi professor e jornalista...
 
Muito poucas são as referèncias existentes na Net a este homem e nosso camarada de arnas. De acordo com as notas do Beja Santos, nunca se chega  
a esclarecer, no livro, as razões por que o autor, tendo frequentado o CSM (Curso de Sargentos Milicianos), em Tavira, acabou por ir para a Guiné como 1º cabo  de transmissões, especialidade que tirou em Lisboa (certamente no quartel da Graça).   

Terá havido aqui, pelo meio, no CISMI, problemas disciplinares,  que explicam a  sua passagem compulsiva ao contingente geral.

Sabemos, isso, sim, é que chegou à Guiné em maio de 1968 ( tendo regressou à metrópole em julho de 1970), ou seja,  na mesma altura em que o brigadeiro António Spínola toma posse como governador e comandante-chefe. 

Foi colocado, em rendição individual, no Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1968/70).

No livro há apontamentos que são relevantes para a história do Pel Caç Nat 51, do tempo do alf mil Armindo Batata (ligeiramente mais novo, 1969/70),  e que iremos
  resumir, mais tarde. 

Para já, retivemos duas referências a Spínola, a partir dos excertos selecionados pelo Beja Santos (e que vão em negrito e itálico):

(...) Primeiro-cabo Martins já viajou para Guileje, está na fase adaptação, somos levados a supor que este homem que está profundamente impregnado pela cultura clássica, que domina o Latim e alguns dos mais cultores da língua portuguesa,  trabalha nas Transmissões. 

De supetão, arribaram três helicópteros, de um deles saiu Spínola, já percorreu o quartel, conversou com os oficiais e decidiu visitar a cozinha:

“Spínola em corpo e alma e rompeu pela cozinha sem aviso, deixando atónitos, presos aos seus lugares, cozinheiros e forneiro; e, depois das saudações e palavra de circunstância e de circunvagar um olhar indagador como a inspecionar as condições de trabalho e de higiene, avança para os fogões, mete o nariz em tachos e panelas. Eis senão quando – caso nunca visto – cai-lhe o monóculo ao panelão, onde, vaporando fortemente, fervia a cachão o feijão frade. Valeu que à ilharga, atento e venerador, estava o cabo-cozinheiro, que, ato contínuo, introduzindo por entre densos vapores a desembaraçada manápula acostumada a queimaduras e escaldões, retira incólume a luneta”.

Esta cena deve-se ter passado em meados de 1968 (talvez mesmo  logo em 26 de maio de 1968, data da primeira visita a Gandembel), porque, após a rápida passagem por  Guileje,  Spínola partiu  para aquela  aquartelamento que estava em construção há mês e meio.

Uma segunda "cena", que merece registo na nossa série "Humor de caserna", é a de uma outra visita de Spínola a Guileje, um ano depois, em meados de 1969, ao tempo da CART 2410, "Os Dráculas":

(...) E assim se chegou a abril e depois a maio 
[de 1969] , sucedem-se as flagelações, a população continua tranquilamente a sua vida monótona, não deixando de ir cultivas o seu arroz de subsistência, ao amanhecer as viaturas carregadas de bidões vão direito ao poço aberto na brenha, a uns 2 km, operação que requer severa vigilância. Spínola volta a Guileje, assim se descreve o seu regresso:

“Negros como abutres, descrevendo círculos por largo, bem à vista o cano
 saliente do canhão de bordo, os três passarões assenhoreiam-se destes ares; metem respeito e não admira que os guerrilheiros mais que tudo os temam. E, enquanto dois deles vão dando voltas, agora mais fechadas, sobre Guileje, o outro ensaia a operação delicada de vir a terra; um instante imobilizado, roda agora a ganhar posição, inclina um tudo-nada o focinho, cautamente sondando o espaço em baixo onde pousar. E já vai descendo, em volto grossos rolos de pó que revoluteiam furiosamente no ar agitado do voltear estonteante da hélice. O monstro impõe a sua presença aparatosa. Ei-lo em repouso no chão espanado pela ventaneira”.

 

O comandante de Companhia não gostou da discriminação, Spínola passou por meio da pequena multidão e deu de caras com um furriel do  [Pel Caç Nat] 67, cumprimentos efusivos.

“O nome, de todo incomum, ou talvez sobrenome, é o mesmo de uma família da alta roda lisboeta ligada à banca. Coincidência ou não, o certo é que ainda não passaram quinze dias e já o furriel foi de abalada, transferido para zona menos descoberta aos golpes da implacável guerrilha.” (...)

2. Há quem, acrítico e sisudo, não goste de ver as figuras da nossa História (e o marechal Spínola já lá está, na História com H Grande, independentemente dos nossos juízos pessoais, efémeros e transitóriso) serem objeto de anedotas ou caricaturas...  

Achamos, pelo contrário, que é quase sempre um sinal de apreço e até de homenagem: no caso de Spínola, por exemplo, enquanto governador e comandante -chefe do CTIG (1968-1973) não conhecemos anedotas sobre o seu antecessor (gen Armaldo Schulz) ou o seu sucessor (gen Bettencourt Rodrigues). E para mais andeotas que persistem na memória dos antigos combatntes,  mesmo meio século depois.

Fica aqui a nossa declaração de interesses.

(Seleção, revisão / fixação o de texto, negritos e itálicos: LG) (Com a devida vénia ao autor e ao seu crítico literário)

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Nota do editor:

Último poste da sérier > 7 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25613: Humor de caserna (63): Em 1971, por uns bons 250 contos (equivalente, a preços de hoje, a mais 75 mil euros), um 1º cabo miliciano arranjava um subsituto para ir para o ultramar

Vd. também poste de 20 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25584: Humor de caserna (60): O anedotário da Spinolândia (XI): "Continua, meu rapaz, salvas-te tu para que este batalhão não seja a merda mais completa" (Um anedota contada pelo saudoso Rui A. Ferreira,1943-2022)