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sábado, 9 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21749: Álbum fotográfico de António Marreiros, ex-alf mil, CCaç 3544, "Os Roncos", Burumtuma, 1972, e CCaç 3, Bigene e Guidage, 1973/74 - Parte I


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 5 


Foto nº 2


Foto nº 1

Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 3 (1973/74) 

Fotos (e legendas): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do nosso  camarada António Marreiros [ a viver há quase meio século  no Canadá (Victoria, BC, British  Columbia), ex- alferes miliciano em rendição individual na Companhia CCaç 3544, "Os Roncos", Burumtuma, 1972, e, meses depois, transferido para Bigene, CCaç 3, até Agosto 1974], enviando-nos cinco fotos do seu álbum, com as respetivas legendas:



António Marreiros, 1973,
 rio Cacheu


Data - quinta, 7/01, 19:45 (há 23 horas
Assunto - Álbum fotográfico 


Foto nº 1 > Sou eu, A Marreiros, no quarto que partilhava
 com outro alferes.

Foto nº 2  >  Não me lembro quem chegou no avião [, o "Bafatá", da TAGP], mas no grupo temos o Alf Guimarães e no meio o [tenente] coronel de cavalaria [António Valadares] Correia de Campos [, comandante do COP 3 e um dos bravcos de Guidaje] e o Capitão que mais tarde foi ferido...

Foto nº 3 > Natal de 73, lembro-me das caras mas só dois nomes ficaram: os alferes Guimarães e Pacheco, este  de  camuflado. (Foi ele que andou perdido no mato durante o cerco de Guidage... Por onde andará hoje?)

Foto nº 4 > Cais fluvial de Ganturé, no rio Cacheu,  a uns escassos quilómetros  kms de Bigene´

Foto nº 5 > Uma missão na lancha [LDM] que nos desembarcou numa bolanha do Cacheu

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domingo, 17 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20984: 16 anos a blogar (12): Excursão à revolta do 25 de Abril: cosmopolita e elitista, em Lisboa; de oficiais e cavalheiros, no Porto; e a do dia 26, em Bissau, ou a pressa do MFA em se libertar da Guiné - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 13 de Maio de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto alusivo ao 25 de Abril em Lisboa e ao dia 26 em Bissau, de que se publica hoje a primeira parte.


Excursão à revolta do 25 de Abril: 
Cosmopolita e elitista, em Lisboa; de oficiais e cavalheiros, no Porto; e a do dia 26, em Bissau, ou a pressa do MFA em se libertar da Guiné. 


Parte I

Abril legou a Maio a Primavera, o seu esplendor e a pandemia do Covid-19, esse sinistro vírus rotundo e cornudo.

Os poetas cantam que “a primavera vai e volta sempre,/A mocidade vai e não volta mais”, as zaragatoas neofaríngeas ajudam a confirmar que esse malvado pode ir e voltar, os epidemiologistas consideram-no democrático, mas, do seu regime, nós apenas vamos conhecendo, hora a hora, dia a dia, o número de infectados, dos seus condenados à morte, e experimentado o confinamento e a distanciação social - a praxis das ditaduras (ou ele não seja made in China).

O confinamento encurta o prazo de validade do nosso grupo etário, provoca o esvaziamento das garrafeiras, cuida da alteração dos valores da nossa composição química, com erupções de ácido úrico, diabetes, colesterol, a escalada da tensão arterial, e, no relativo à distanciação social, cuida de enfraquecer a nossa resistência mecânica, com o reumático e pela rarefacção daqueles movimentos mecânicos de corpo a corpo, para os quais os irracionais têm época própria, mas que a espécie humana exercita todo o ano. Que a Ciência, essa divina componente da espécie humana, o sepulte rapidamente no inferno.

Panorâmica da Avenida dos Aliados, no Porto, a 1 de maio de 1974. O primeiro 1º de Maio em liberdade
Foto e legenda com a devida vénia a Expresso

Como os ecos das celebrações “nacionais” do 25 de Abril e do 1.º de Maio ainda não se esvaíram, começo a servir esta prosa memorialista, confeccionada nessa ditadura temporal do Covid-19, pondo o avental de contestatário: não perdi nem a devoção ao 25 de Abril nem a estima pelos “capitães de Abril”, sou crítico da impreparação política e derivas do MFA, sou contrário aos feriados nacionais do 25 de Abril e do 5 de Outubro, porque celebram as mudanças de regime, pela sua lógica triunfalista, divisionista, o oposto da união, e, em desafio à gramática, sou crítico de se grafar República Portuguesa e não República de Portugal.

A celebração do 1.º de Maio, pela sua dimensão mundial, abrangente pelo seu sentido de exaltação da dignidade do trabalhador e do emprego, como criadores de toda a riqueza da espécie humana, da sua distribuição, equitativa como direito natural, é merecedora do decreto de feriado nacional.

Invocando o princípio de equidade e considerando a nossa maioridade cívica um dado adquirido, preconizo a substituição de alguns feriados nacionais, celebrativos das mudanças de regime e religiosos (dias santos) por outros, celebrativos da nossa história e identidade, por exemplo da fundação da nacionalidade, da independência nacional, da Batalha Real (de Aljubarrota), do nosso primeiro Descobrimento marítimo, etc.

A celebração do primeiro 1.º de Maio de 1974 do após 25 de Abril foi de toda a gente, abrangente, à dimensão nacional, ainda a CGTP nem era ideológica nem havida cometido o seu pecado original de complementar um partido político, um milhão de pessoas celebrou-o em Lisboa, um pouco menos celebrou-o no Porto, o país um mar de unidade nacional, de maturidade cívica e a primeira evidência da pureza e sinceridade do ideal dos “capitães de Abril”, cujas projecções matemáticas davam 95% de adesão à sua revolta. Foi um massivo aval do Povo ao MFA.

No referido neste blogue à celebração pelo PAIGC do 28 de Maio de 1965 com a CArt 676, em Pirada, a efeméride da gestação do regime do Estado Novo não era feriado nacional, mas o PAIGC sinalizava-a com bombardeamentos nocturnos e a fogachar as tabancas fronteiriças; desgastar o moral e matar a tropa era o seu intento, mas as granadas são cegas e geralmente matavam e estropiavam crianças, mulheres e velhos, seus compatriotas.

O PAIGC celebrou o 28 de Maio de 1965 não só em Pirada, mas também noutras quadrículas; chamou a minha CCav 703 à colação da sua celebração, sobre a população fula e mandinga da tabanca de Buruntuma, no extremo Leste, com tiro tenso e curvo, de armas ligeiras em proximidade e de armas pesadas em território estrangeiro, o seu gozo e o nosso mau bocado duraram menos de 5 minutos – arriscamos o envolvimento à sua retaguarda, no estrangeiro - e o resultado da sua celebração foi: PAIGC, 2 (mortos) – Tropa e população, 0 (mortos).

As suas flagelações sobre a CCav 703 e a populosa tabanca de Buruntuma tornaram-se rotineiras – pela alvorada, pela hora do almoço e pela hora de recolher. Nesse mesmo ano, obrigou-nos a participar na sua comemoração nocturna do 19 de Setembro, aniversário do seu líder Amílcar Cabral, e, também, na celebração nocturna de 24 de Setembro, aniversário da sua fundação, paternidade que ele nunca usurpou, mas que “historiadores” do politicamente correcto teimam em lhe imputar, expropriando-a ao pedreiro comunista Rafael Barbosa. Porquê? Por a PIDE não o ter liquidado, hospedado no Tarrafal e por ele ter regressado a Bissau “reeducado”, adversário do PAIGC e entusiasta do spinolismo.

O engenheiro agrónomo Amílcar Cabral só não foi hóspede do Tarrafal, quando estudava os solos e subvertia o “proletariado rural” do sul e do leste da Guiné, porque o Governador Comandante Melo e Alvim, bom conhecedor do povo e da realidade guineense, o estimava e não deixou. Liderou a guerra de libertação da Guiné, é o pai da Nacionalidade bissau-guineense, não foi o pai fundador do PAIGC, mas seu padrasto.

Para não deixar os meus parcos créditos de veterano e de cronista da Guerra da Guiné arrastar-se pelas ruas da amargura, não resisto em abordar os acontecimentos do mês de Maio de 1973 – as celebrações bélicas do PAIGC sobre Guileje, Gadamael e Guidaje -, ou “crise dos 3 G´s”, cuja extensão e profundidade provocaram a gestação do 25 de Abril e serviram de rampa de lançamento à sua declaração unilateral de independência.

O impensável aconteceu na guarnição de Guileje, nesse mês de Maio de 1973. A guerra contava 12 anos, muito aguerrida e dura no sul, e, pela primeira vez, um oficial superior do Exército Português baixou a espada, de renúncia ao combate e à soberania de Portugal sobre o sector militar que comandava, concedendo às FARP a sua primeira libertação territorial - o seu aquartelamento fortificado, deserto de tropa, e a sua tabanca, deserta de gente.

A “Operação Amílcar Cabral” havia sido idealizada por ele, e, em sua memória póstuma, o PAIGC confiou o planeamento e o seu comando no terreno a oficiais cubanos, seus cooperantes. Nesse mês de Maio de 1973, as suas FARP (Forças Armadas Revolucionárias Populares) de Nino Vieira (comandante) e Pedro Pires (comissário político) fizeram da tabanca, das suas acessibilidades e do aquartelamento de Guileje, no sul, o seu campo de tiro tenso e curvo, montaram emboscadas sangrentas nas suas acessibilidades, a privá-la de água e reabastecimentos, orientaram e acertaram-lhe com mais de 900 obuses.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5,30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade ("Os Piratas de Guileje") mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje. 
Foto: AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por C.V.]

Por sua análise da situação, o comandante do sector Major Coutinho e Lima reagiu a esse dilúvio de metralha inimiga pelo descarte ao combate, optou pela economia de sofrimento, sangue e na prevenção a aprisionamentos. Contrariando as ordens presenciais do Comandante-Chefe, manobrou a retirada ordenada da guarnição para Gadamael Porto, secundada pelo êxodo da totalidade população, na sua aversão à sua “libertação” pelo PAIGC. Terá negligenciado que transferia a problemática de Guileje para essa tabanca e subavaliado a elevada remuneração que concederá à avidez territorial do PAIGC e da sua propaganda internacional: abandonou a principal base fortificada de soberania portuguesa, na extensa fronteira entre Buruntuma e Aldeia Formosa (Quebo), e, pela sua incompatibilidade com a táctica furtiva dessa retirada, teve de deixar para trás 2 obuses de 140, autometralhadoras Fox, granadeiros Whaite, camiões Mercedes e Berliet, morteiros de 82, de 107, bazucas de 89, algumas G3, bens de aquartelamento e provisões da intendência, incluindo os whisquies do seu bar de oficiais, mapas do Estado-Maior, etc., etc.

Então, a partir de 28 de Maio de 1973, o PAIGC passou a içar a sua bandeira no pau da bandeira, na parada desse aquartelamento fortificado, que pertencera à bandeira nacional, e o mundo viu-se invadido pela sua propaganda gráfica e audiovisual, com enfoque nos cenários do abandono pelo Exército Português das instalações, do içar da sua bandeira e daquele volumoso espólio de guerra, acreditamos que deixado inoperativo. E foi a crise de Guileje que credibilizará junto da OUA, da ONU e das chancelarias de países ocidentais a futura manobra do PAIGC da declaração unilateral da independência, no Boé, em 24 de Setembro seguinte, que encravilhou mais a diplomacia de Portugal.

Como Guileje era uma base bem armada e com abrigos de betão armado, construídos pela Engenharia militar, os planeadores dessa operação não previam a sua autoderrota, o seu principal objectivo seria a captura de alguns prisioneiros, para trunfo e trofeu, (a “Operação Mar Verde” tornara a sua cadeia em Conacri devoluta de militares portugueses). Este sucesso artilhou-lhes o etos belicista, as FARP avançaram do estrangeiro o seu armamento pesado cerca de 15 km no interior da Guiné e sacrificaram a tabanca de Gadamael-Porto com o seu dilúvio de metralha, apenas protegida com valas a céu aberto, ora pejada de gente em pavor, de tropa desmoralizada e à beira de um ataque de nervos.

Ouvi o comandante Pedro Pires dizer na RTP que as coordenadas e a precisão do tiro curvo sobre Gadamael lhes foram facultadas por um desses mapas de Estado-Maior, deixado para trás em Guileje. Depois de terem gasto mais de 1000 obuses a destruir instalações e a revolver o espaço de Gadamael Porto, investimento alto mas de parcos os resultados, as FARP foram forçados à retirada acelerada para os seus refúgios no estrangeiro, ameaçadas pelo general “época das chuvas” e já a confrontar-se com os reforços de tropas especiais, vindas de Cufar, de Bissau e até de Guidaje, em reforço da sua defesa, sua missão extensiva ao assalto e destruição das suas bases de retaguarda, em Kandiafara, Simbel e Tarsaia, na Rep. da G-Conacri, manobra idêntica à que havia destruído e pilhado a base de retaguarda em Cubam-Hori no Senegal, que alimentava a operação sobre Guidaje.

Major Correia de Campos
Nesse mesmo mês de Maio de 1973 e quase em sintonia com os desenvolvimentos em Guileje, as FARP de Chico Té (comandante) e Manuel dos Santos (comissário político), cumprindo e sintonizados com o planeamento e o comando operacional e oficiais cubanos, também cercaram a tabanca de Guidaje por todos os lados, na fronteira com o Senegal, despejaram mais de 1000 obuses sobre ela, mas nem conseguiram o seu isolamento e nem puderam lançar-se ao seu assalto, planeado para o dia de 23 Maio. Os Fuzileiros, a Companhia de Paraquedistas 121, comandada pelo Capitão Moura Calheiros e a CCav 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, furavam o seu isolamento, o Tenente Coronel Correia de Campos, comandante do sector, embargava a repetição de Guileje. Quando os seus subordinados lhe abordaram a retirada para Bigene, plantou-se na frente do cavalo de frisa, impecavelmente fardado, a agitar o pingalim, de pistola em punho e a dizer-lhes:
- Só por cima do meu cadáver!

As valas de Guidaje  
Com a devida vénia a SPM 0018 - CCAÇ 3

E as FARP tiveram de desmontar o cerco a Guidaje e manobrar a retirada para os seus abrigos no estrangeiro, já a contas com uma manobra de envolvimento montada pelo Batalhão dos Comandos Africanos à sua base de retaguarda de Cumbam-Hori, no Senegal, comandado pelo Tenente-Coronel Almeida Bruno, as suas subunidades comandadas pelos Capitães Raul Folques, Matos Gomes e António Ramos, que eliminaram o seu coordenador, tenente cubano Raul Abade, lhes causaram elevadas baixas, entre nativos e cooperantes estrangeiros, e a perda de 100 armas automáticas, 100 morteiros de 60, 81 e 120, 14 canhões e de 100 toneladas de munições.

Os dois oficiais Correia de Campos e Salgueiro Maia, que em Maio de 1973 se notabilizaram no contexto bélico de Guidaje, virão a ser essenciais ao sucesso da revolta do dia 25 de Abril, em Lisboa, com os seus desempenhos no Terreiro do Paço, no Largo do Carmo, etc. Se muitos foram os chamados, estes foram dos decisivos.

Se o 25 de Abril é contentamento e cantado como um “dia inteiro e limpo” (poesia de Sophia), pela sua bondade intrínseca e virtude profissional dos seus actores, a estragação ou pecados do MFA são susceptíveis de reparos, por se ter contraído o esquerdismo, a doença infantil das revoluções e pelas derivas ao seu ideal.

O Major Otelo Saraiva de Carvalho ter-se-á inspirado no pensamento (formado e estruturado na Casa dos Estudantes do Império) e na acção (tirocinada na China e como comandante supremo da Guerra da Guiné) de Amílcar Cabral, para planear e comandar a operação “Viragem Histórica” vulgo “25 de Abril”.

Amílcar Cabral planeou o dispositivo subversivo e militar da sua guerra sobre um mapa escolar da Guiné, o leste contrariou-o, os fulas ciosos de poderem fazer a sua própria libertação e ganhou-a sem Marinha nem Força Aérea; o Major Otelo planeou essa operação sobre um mapa do ACP das estradas de Portugal, mas o Norte dos “portugueses dos mais antigos” quis fazer o próprio golpe – e o MFA ganhou e sem precisar da Marinha e da Força Aérea.

Em Lisboa, o Major Otelo e o estado-maior da conspiração precisaram das tropas do Centro, Lisboa e Sul, de meter muita gente na prisão, sob o pretexto da sua importância e gastaram 20 horas até à vitória da revolta, e ficou a dever a sua materialização sem combate, incruenta, ao “espírito da Guiné” do Coronel Romeiras Júnior, comandante do RC7, ao desempenho e espírito de missão do Capitão Salgueiro Maia, da sua malta, da malta das guarnições de Tomar e de Estremoz, e, sobremaneira, à consciência do Comandante António Louçã, que desobedeceu à ordem recebida pelos canais hierárquicos e não disparou sobre a sua manobra no Terreiro do Paço as granadas de urânio empobrecido que municiavam dos canhões da sua fragata Gago Coutinho – Salgueiro Maia e a sua malta teriam sido dizimados.
(O MFA do PREC cometeu a insanidade de sinalizar ambos de “reaccionários”)…

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20971: 16 anos a blogar (11): Poema de João Afonso Bento Soares, maj gen ref, sobre a sua terra natal: "Meimoa, Princesa da Cova da Beira"

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18880: Notas de leitura (1087): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

É um romance invulgar, inegavelmente com suporte histórico. Assistimos ao evoluir de mentalidades de homens formados para o dever e para o cumprimento estrito na fidelidade militar. Eles vão evoluindo num cenário de guerra, móvel, caprichoso, cobrindo-se de glória e ruminando a dor de perdas, assistiremos ao fragor das operações e aos gritos dos sinistrados. E da fé inabalável chegaremos à compreensão de que aqueles combates tinham chegado a um beco sem saída e que depois do fim da guerra houvera dispersão, desistência e silêncios, muitos silêncios.

Oxalá que Nuno Mira Vaz não perca este filão do romance com paraquedistas, esta operação ganhou-a bem.

Um abraço do
Mário


Um romance sobre os paraquedistas no declínio do Império (2)

Beja Santos

“Máscaras de Marte”, de Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2018, é um romance histórico, com uma arquitetura bem escudada numa memória que vem do Colégio Militar, grandes amigos de armas encontram-se na Guiné no período de 1972 a 1974, a narrativa percorre as lides e andanças desses Oficiais Paraquedistas e suas tropas, há a crueza das operações, a brutalidade dos sinistros, a farronca daqueles que querem ser heróis à força, a mudança de mentalidades daqueles que acreditaram piamente no dever e na fidelidade aos princípios e que se apercebem que está ali um mundo vulcânico, um parturejar de país, que nenhum espírito combatente já pode obstar.

A roda da fortuna deu uma guinada para os acontecimentos que ocorreram a partir de 25 de março de 1973, um míssil terra-ar Strela marca a sua presença no teatro de operações, de forma sucinta o autor relata tais factos e descreve o que está a mudar, em tal onda de perplexidade, o PAIGC concentra efetivos nas fronteiras Norte e Sul, vai começar o inferno em Guidage, Guilege e Gadamael.
Escreve Nuno Mira Vaz:

“O deslocamento do esforço militar português para Sul acabou por ser aproveitado pelo PAIGC junto à fronteira Norte. Sem que tivesse transpirado pitada para os Serviços de Informações Militares ou para a DGS, o PAIGC concentrou seis centenas de guerrilheiros em redor de Guidage, mantendo como ponto de apoio principal para a manobra de cerco a base de Cumbamory, em território senegalês. Aqui, à ordem do Comandante Francisco Mendes (Chico Té) e tendo como comissário político Manuel dos Santos (Manecas), permaneciam o Grupo de Foguetões do Norte, um grupo de artilharia e um grupo de reconhecimento. Na zona de Cufeu, barrando a estrada entre Binta e Guidage, instalou-se o Corpo de Exército 199/B/70; na região de Facar, a Oeste, posicionou-se o Corpo de Exército 199/A/70; e o Corpo de Exército 199/E/70 dividiu-se em dois segmentos: um em reforço do Corpo de Exército 199/B/70 na zona de Cufeu e outro na defesa da base de Cumbamory”.

Em Guidage estão a CCAÇ 19 e um pelotão de artilharia, são 200 elementos. A partir de 8 de maio, irá apertar-se o cerco com minas anticarro, colunas de reabastecimento que são obrigadas a regressar, emboscadas inclementes, bombardeamentos sobre o destacamento, impede-se o abandono com enérgica intervenção de um destacamento de fuzileiros e graças à energia indómita do Tenente-Coronel Correia de Campos. A 17 de maio, vai uma Companhia de Paraquedistas que sai de Binta e que se desloca a corta-mato, mas o inimigo está à espreita, é dia de luto para a Companhia, mas entram em Guidage.

Há igualmente a retirada de Guilege e os tempos de provação que se irão viver em Gadamael, no meio de um fogo infernal desembarca ali, vinda expressamente de Caboxanque, outra Companhia de Paraquedistas. Neste ínterim, a artimanha montada pelo Capitão Rosado, que acumulara armas do PAIGC que seriam depois referenciadas em sucessivos relatórios eivados dos seus autoproclamados feitos heróicos e com apreensão de armamento do PAIGC é descoberta pelo Major Alves, o aldrabão de feira e pesporrente Rosado pretende vingar-se do Cabo Quarteleiro Azinheirinha, o autor deixa-nos aqui páginas expressivas, assim:

“Percebeu então que Azinheirinha, produto das planícies e amante da quietude e do silêncio, era um falso lento: ao mesmo tempo que recuava um passo, fazia voar a mão esquerda ao encontro do braço do capitão. Só quem teve o pulso agarrado por uma manápula de cavador é que pode compreender a sensação de estar aprisionado numa tenaz de aço. Com a incredulidade estampada no rosto, Rosado demorou menos de um segundo a reagir com o outro punho, mas não obteve melhor resultado, porque a mão livre do Azinheirinha procedeu exatamente como a sua irmã. Durante um espaço de tempo que pareceu desmesurado a ambos, ficaram frente a frente, separados por centímetros, o capitão com as feições desfiguradas e vermelhas de raiva e o soldado sem pinga de sangue, lívido de inquietação”.

Sucedem-se episódios que fazem parte da História dos últimos atos da guerra colonial, caso do Congresso dos Combatentes, que mereceu um vigoroso abaixo-assinado de protesto, militares altamente condecorados diziam não reconhecer aos organizadores a necessária representatividade e não admitiam que pela sua não participação fossem definidas posições ou atitudes que pudessem ser imputadas à generalidade dos combatentes.

Spínola regressa à Metrópole, começa a contestação da legislação que permitia oficiais milicianos a ingressar num quadro especial de oficiais, foi enorme a reação, aqui germina a formação do MFA. A guerra prossegue, Mira Vaz descreve uma operação destinada a destruir um quartel do PAIGC nas imediações de Bedanda, são páginas muito sentidas.

E assim se chegou ao fim da guerra, aqueles militares briosos, as máscaras de Marte, entram num ocaso:

“Um deles desligou-se rapidamente do serviço ativo e regressou à terra natal para colaborar na gestão do património familiar. Não foi uma única vez a Tancos para festejar o Dia dos Paraquedistas. Aquele que fora um dos mais genuínos apoiantes do MFA foi preso no 11 de março. Reabilitado no 25 de novembro, foi promovido paulatinamente até ao posto de tenente-coronel, tendo então passado à reserva. No dia 23 de maio de cada ano vai em peregrinação a Tancos, para um convívio sempre estimulante com os seus antigos camaradas. Lê cada vez menos e tem-se aproximado de Deus, na mesma medida em que se tem afastado dos homens.

O capitão que não assinou o documento esteve quase a ser saneado na sequência do golpe militar. Subiu sem entusiasmo todos os degraus da hierarquia até coronel. Vai com frequência a Tancos, mas a alegria que sente na companhia dos antigos camaradas é sempre ensombrada por certas lembranças infaustas. Há dias em que se arrepende de não se ter oposto pelas armas ao abandono do património português de além-mar.

Aquele em relação ao qual nunca se conseguiu apurar, sem margem para dúvida, se assinara ou não os documentos mais importantes do MFA, esteve quase a chegar a general. Quando a promoção parecia iminente, alguém foi aos arquivos desenterrar um certo documento, foi decidido que ele não tinha condições para a promoção. Quando passou à reforma, fez questão de comparecer aos festejos do dia 23 de maio. Mas, fosse por causa do seco acolhimento dos camaradas, ou porque não aguentava ser figura secundária, passado dois anos deixou de ir a Tancos”.

Um imprevisto romance envolvendo capitães paraquedistas na Guiné, importa saudá-lo pelo conteúdo e a forma. E pedir ao seu autor que prossiga na senda da ficção.
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Notas do editor

Poste anterior de 16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18872: Notas de leitura (1086): "Heróis limianos da Guerra do Ultramar", de Mário Leitão, ed. autor, Ponte de Lima, 2018, 272 pp. Um ato de pedagogia cívica e patriótica, que devia ser replicado em todas as nossas terras

terça-feira, 18 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17255: Agenda cultural (554): "A Voz e os Ouvidos do MFA", documentário realziado por António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira, a ser emitido no próximo 25 de abril, às 21h00 na RTP1

1. Mensagem de Teresa Sousa, "assistant executive producer", da Just Up, produtora de audiovisuais (*)
Data_: 13 de abril de 2017
Assunto - Documentário: A Voz e os Ouvidos do MFA

Bom Dia


Informo que o documentário "A Voz e os Ouvidos do MFA" vai ser emitido no próximo dia 25 de Abril, às 21h na RTP1. (**)


A si e a todos os camaradas da Guiné que nos ajudaram com informações o meu muito obrigado!

Bem Hajam!

Teresa Sousa


2. RTP > Programas > "A Voz e os Ouvidos do MFA"

Sinopse >

Docudrama histórico de António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira sobre a forma como foi feita a comunicação no 25 de abril de 1974

Docudrama sobre a aquisição de telefones para o Posto de Comando do MFA, assim como a montagem de um cabo de transmissões que teria de ser prolongado do Colégio Militar até ao Posto de Comando (PC), instalado na Pontinha. Normalmente, o Movimento dos Capitães, que culminou com o golpe militar do dia 25 de Abril, é comemorado a partir do momento em que os tanques do capitão Salgueiro Maia entram no Terreiro do Paço, deixando na sombra toda a conspiração que, ao longo de muitos meses, tornou possível o sucesso da operação.

Emissões:

25 Abr 2017 > 21:00 > RTP1

25 Abr 2017 > 22:30 > RTP África

26 Abr 2017 > 01:30 > RTP Internacional


sábado, 18 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17154: O Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (3): Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72, nosso coeditor


Guine > Região do Óio> Mansabá > CART 2732 (1970/72> 28 de novembro de 1971 > Interior do quartel: O Carlos Vinhal (à direita) com o o Dias, Fur Mil Mec Auto.

Foto (e legenda): © Carlos Vinhal  (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954) >  Escala 1/50 mil > Detalhe: Posição relativa de Mansabá e Manhau... A norte fica Farim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


1. Texto, recebido a  3 de novembro de 2006, há mais de 10 anos, da autoria de Carlos Vinhal,  ex-fur mil art, Minas e Armadilhas,  CART 2732, Mansabá (1970/72), nosso coeditor, e publicado sob o poste P1325 (*)

(...) Sobre nosso Coronel de Cavalaria António Valadares Correia de Campos (**), vou contar um episódio onde eu e ele fomos intervenientes.

Em 10 de Agosto de 1971 chegou a Mansabá a CART 3417, companhia independente como a nossa, para fazer o seu IAO connosco. Faziam alguma instrução no quartel e acções de patrulhamento e emboscadas no mato. A princípio integrados em pelotões da CART2732, em fase mais adiantada, sozinhos.


O Major Cav Correia de Campos, 
Comandante do COP 6

O Comandante desta Companhia [CART 3417] era um capitão muito jovem, daqueles que a determinada altura começaram a proliferar pela Guiné em virtude do desgaste dos capitães mais velhos e com algumas comissões de serviço em teatro de guerra.

No dia 28 de Agosto de 1971, pela manhã, saíram para o mato acompanhados por alguns elementos do Pelotão de Milícias 253, para uma zona não muito distante, mais propriamente para a zona da Bolanha de Manhau, a leste de Mansabá.

Por volta das 13 horas dirigia-me eu à messe para almoçar, quando o então Comandante1 do COP 6, Major Correia de Campos, encontrando-me na parada, me ordenou para eu avisar o oficial de piquete de que era preciso organizar imediatamente uma coluna auto para ir a Manhau e que o furriel de Minas e Armadilhas deveria ir também.


O Comandante da CART 3417, vítima de uma mina A/P 

na bolanha de Manhau, em 28 de Agosto de 1971

O Major Correia de Campos acrescentou que o comandante da CART 3417 tinha pisado uma mina antipessoal, precisando de evacuação urgente e que havia mais minas detectadas, pelo que era preciso neutralizá-las. Informei-o que era o meu pelotão que estava de piquete e que eu mesmo era o furriel de Minas e Armadilhas. Disse-lhe também que iria providenciar no sentido de que as suas ordens fossem cumpridas imediatamente.

Organizada a coluna, prontamente ele subiu para a viatura da frente. De pé, ao lado do condutor, com uniforme não camuflado e com os galões nos ombros, viajou até ao local para recolhermos o ferido e para eu me inteirar da quantidade de minas a neutralizar. O dia estava cinzento, caía uma chuva miudinha incessante e o percurso foi feito em picada por zonas de alto risco de contacto com o IN e de alta probabilidade de aparecimento de minas anticarro. Nem mesmo assim ele se protegeu da intempérie e das possíveis vistas do IN.

Chegados, deparámos com o capitão já assistido pelos enfermeiros da sua companhia. Tinha já a perna garrotada e estava a soro. Vociferava contra a sua falta de sorte e estava visivelmente nervoso. O caso não era para menos. Era muito novo e tinha sido ferido logo na sua primeira comissão de serviço no Ultramar.

Como se pode depreender, o moral das tropas estava muito em baixo. Foram sujeitos à mais dura provação. O seu comandante tinha sido, cedo de mais, vítima da guerra. Não estavam em condições de continuar a instrução daquele dia pelo que iriam regressar connosco.

Organizou-se a coluna de regresso ao quartel. O nosso Major e o sinistrado vieram na minha viatura. O percurso foi feito devagar para evitar solavancos exagerados.

O capitão recolheu à enfermaria para ser devidamente tratado e esperar por um heli para o evacuar para o HM 241. Eu fui aprontar o meu equipamento para voltar a Manhau, a  fim de rebentar as minas detectadas e trazer de volta os militares da CART 3417. A chuva continuava e a fome apertava, mas o dever obrigava.

Em Manhau rebentei três minas antipessoais e regressámos trazendo connosco o pessoal da 3417. Cerca das 15h00 pude comer qualquer coisa, requentada, só para não ficar em branco.


Uma coluna auto até ao HM241, em Bissau e, regresso a Mansabá: um pesadelo de 200 quilómetros

Cerca das 17h00 veio a ordem do nosso Major Correia de Campos para evacuar o comandante da CART 3417, em coluna auto, uma vez que a chuva não abrandava e os helicópteros não tinham condições para levantar.

O melhor que puderam, os enfermeiros acondicionaram o capitão numa das viaturas, para que a viagem de quase cem quilómetros até Bissau (!), debaixo de chuva intensa, se tornasse para o ferido o menos penosa possível. Só pedíamos a Deus que não tivéssemos nenhum contacto com o IN até Mansoa, porque então seria o bom e o bonito. Já bastava a chuva para complicar. O estado geral do sinistrado não era o melhor, porque já tinha passado bastante tempo desde a triste ocorrência. As horas de sofrimento físico e psicológico somavam-se.

Lá nos pusemos a caminho em marcha moderada, convencidos de que só iríamos até Mansoa. O normal seria as tropas dali continuarem até Bissau, mas não. Constatámos que não estava prevista nenhuma coluna, pelo que com muita resignação, espírito de sacrifício e altruísmo, continuámos nós a viagem até ao HM 241 onde chegámos cerca das 18h30. A viagem não se pôde fazer em velocidade elevada para não fazer sofrer ainda mais o ferido.

Voltámos tão rápido quanto possível, porque a noite já ia alta. A chuva que nos tinha acompanhado até Bissau, continuou até Mansabá.

Voltando ao senhor Coronel Correia de Campos, quem sou eu para enaltecer a sua figura? Sei apenas que era chamado para as situações mais complicadas no CTIG. A determinada altura deixou o comando do COP 6 [, em Mansabá,]  para assumir o comando noutra zona complicada da Guiné onde a sua presença era mais necessária.

Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
CART 2732
Mansabá, 1970/72
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1325: Memórias de Mansabá (7): O Comandante do COP6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

Guiné 61/74 - P17153: O ten cor cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (2): A. Marques Lopes, cor DAF ref, ex-alf mil, CCAç 3 (Barro, 1968)


Título de caixa alta do jornal Público, "O inferno de Guidje", 5 de Novembro de 1995. Texto de Francisco de Vasconcelos; fotos da  Lusa. (Acima, à esquerda, o cor cav ref António Valadares Correia de Campos, um dos bravos de Guidaje).


Coronel de cavalaria reformado António Valadares Correia de Campos, em 1995. Foto da Lusa. Aos 50 anos, era o comandante do COP 3 e foi um dos bravos de Guidage (maio/junho de 1973. Natural de Viseu (n. cerca 1923),  faleceu em Lisboa em 2006. Vai-lhe ser prestada homenagem, em documentário televisivo, assinado pelo realizador António Pedro de Vasconcelos, pelo seu papel no 25 de Abril.

O A. Marques Lopes, com um dos seus "jagudis", da CCAÇ 3.
Foto de arquivo.
Texto enviado em 22 de outubro de 2006, por A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alf mil, CART 1690, Geba,  e CCAÇ 3, Barro (1967/68), na altura  membro da direcção da delegação Norte da A25A - Associação 25 de Abril, e já publicado, no nosso blogue, há mais de 10 anos (*)

A propósito de Guidaje (...),  deixem-me aqui recordar um homem por quem fiquei com muita admiração desde a primeira vez que o conheci.

Eu conheci o tenente-coronel António Correia de Campos num dia de 1968, quando eu estava com a CCAÇ3,  de Barro, durante uma operação realizada no corredor de Sambuiá e por ele comandada (foi nessa altura também o comandante do COP 3).

No meio do fogachal de uma emboscada,  vi a sua figura insólita, para as circunstâncias, de pingalim de cavaleiro, pistola e coldre à cowboy, seguros com um fio à volta da coxa direita, sempre em pé e gritando: 
− O morteiro está à direita, uma bazucada para lá!... Fogo intenso para o lado esquerdo, é lá que está o RPG!...

Disseram-me, depois, que o Correia de Campos era mesmo assim, uma coragem e calma impressionantes. Numa outra operação na mesma zona [vd. carta de Bigene], já nos finais de 1968, também comandada por ele, o meu grupo, quando foi dada ordem de retirar, atrasou-se, porque levava um morto com o pescoço aberto por um estilhaço de rocket, e um guerrilheiro, ferido com uma rajada na barriga e deixado pelo IN, ia apoiado nos ombros de dois soldados meus (**)

Quando tivemos que atravessar uma bolanha com água muito alta (foi em plena época das chuvas) disse aos meus [soldados guineenses] para fazerem uma maca de ramos para o deitar e levá-la pela bolanha. Fizeram a maca, sim senhor, mas não quizeram pegar nela:
− É turra, deixa ficar, vem jagudi e come ele...

Pegámos nela, eu e um furriel branco. O nosso morto foi às costas de um do grupo. Só quando íamos a meio da bolanha, com água pelo peito, é que apareceram dois, muito enfiados, a oferecerem-se para levar a maca. Chegámos depois à base de operações, onde estava já o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira paraquedista. Mandei formar o grupo, mesmo em frente do tenente-coronel, e dei-lhes uma piçada, chamei-lhes todos os nomes... e que nem eram bons para os gajos da raça deles... e coisas que me vieram à cabeça por estar muito lixado. Diz-me o tenente-coronel Correia de Campos, que me ouvira serenamente: −EH, pá, não te chateies, as coisas são mesmo assim... manda-os pó caralho e paga-lhes umas cervejas... Mas,  olha, a enfermeira diz que o homem já morreu, não aguentou.

Era também comandante do COP 3 [, com sede em Bigene, ] durante o cerco de Guidaje, para onde foi assim que o cerco começou (esteve lá desde 10 de Maio). No Público Magazine, de 5 de Novembro de 1995, escreveu o jornalista Francisco de Vasconcelos:

(...) “Sobre a acção de Correia de Campos no cerco (que é também destacada por Ayala Boto), um dos oficiais das forças especiais ali enviadas foi peremptório: Guidage, no fundo, não há dúvida, aguentou-se devido a ele. Foi um esforço brutal pedido a um homem de 50 anos. Uma vez terminado o cerco, Correia de Campos  − hoje reformado em coronel − esteve alguns dias preso em Bissau, devido a uma infracção cometida em época anterior por um oficial sob o seu comando...

“No meio do inferno de Guidage, o governador Spínola foi ali de helicóptero para visitar a guarnição, dirigir um apelo à coragem e patriotismo dos oficiais e anunciar-lhes que iria enviar para a região o Batalhão de Comandos Africanos. Recorda Ayala Boto, que acompanhava Spínola como ajudante de campo: À chegada, a primeira imagem que surgiu foi a de uma povoação abandonada e com um único habitante que se dirigia para o heli como se estivesse a passear na Baixa de Lisboa. Era Correia de Campos.

"Após a partida do governador, gerou-se um movimento de abandono do quartel por parte de muitos militares, que queriam ir-se embora, tendo sido impedidos de o fazer por Correia de Campos, que, lembra o próprio, se postou de sentinela, à saída do aquartelamento" (...).


Lembro que ele foi um homem do 25 de Abril: às 10 horas do dia 25 foi ele que foi enviado pelo Comando da Pontinha para ali coordenar as operações. Foi ele, mais o Jaime Neves, que entrou, a seguir, no Ministério do Exército e aí prendeu diversos oficiais superiores, incluindo o coronel Álvaro Fontoura, chefe do gabinete do ministro do Exército (este já tinha fugido).

Após o 25 de Abril foi comandante do Regimento de Lanceiros 2 até ao 25 de Novembro de 1975.

Foi um bravo e nobre militar, injustiçado depois como muitos militares de Abril. (**)

A. Marques Lopes
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1235: Coronel Correia de Campos: um homem de grande coragem em Sambuiá e Guidaje (A. Marques Lopes)

quinta-feira, 16 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17145: O ten cor cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (1): José Manuel Pechorro (ex-1.º cabo cripto, CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73); Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, Bafatá, 1972/74)


Coronel de cavalaria reformado António Valadares Correia de Campos, que faleceu em 2006, foi um dos bravos de Guidaje e vai-lhe ser prestada homenagem, em documentário televisivo, assinado pelo realizador António Pedro de Vasconcelos, pelo seu papel no 25 de Abril. Imagem, de origem desconhecida, enviada pelo nosso camarada José Manuel Pechorro, um dos bravos de Guidaje (ex-1.º
cabo cripto,  CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73).


Estandarte do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74). Cortesia de Manuel Oliveira Pereira: Este batalhão ("Velozes e agressivos", era o seu lema), esteve na Guiné entre Março de 1972 e Julho de 1974, e dele faziam parte, além da Companhia de Comando e Serviços (CCS), sediada em Bafatá, as companhias de quadrícula estacionadas em Contuboel (CCAÇ 3547), Geba (3548)  e Fajonquito (CCAÇ 3549).

O batalhão teve 6 comandantes: (i)  ten cor inf Mário da Cunha Torres; (ii) ten cor inf Artur Baptista Beirão; (iii) ten cor cav António Valadares Correia de Campos; (iv) ten cor cav  Henrique Augusto Teixeira  de Sousa Sanches; (v) maj art Óscar José Castelo da Silva; e (vi) maj inf Mário José Vargas Cardoso.


1. Mensagem do José Pechorro [, foto à esquerda], com data de hoje, às 00:46

Olá , Luís Graça,

Sobre a solicitação de fotos do Ex. Cmdt do Cop 3 – Bigene – Guiné Bissau, Sr. Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos, “Águia”, posso acrescentar, para já, que faleceu em Lisboa em 3-6-2006, com o posto de Coronel.

Entrou em Guidage em 10 de Maio de 1973 e deixou esta povoação e quartel em 13 de Junho de 1973, Terça-feira.

Infelizmente não disponho de fotografia do nosso ex Cmdt Sr. Ten Cor Correira de Campos, o que disponho é uma foto que anexo, e que extraí de um artigo, numa revista sobre este militar e o seu papel na defesa de Guidage. Não recordo o nome da revista, nem a data (terão passados 15 a 20 anos...). Poderá ter sido um anexo do jornal o Século...

O ex. 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, ficou de verificar, mas em princípio não tem.

Um abraço,
José Pechorro


2. Comentário de Manuel Pereira (*):

Caros amigos/camaradas, S
ó agora vi o "nosso" blogue que procura "ajudar" na obtenção de fotografias do Ten Cor Correia de Campos. Este militar, de quem guardo as melhoras lembranças e amizade, foi meu comandante de batalhão (BCaç 3884 - Bafatá).

Vou procurar nos meus arquivos se tenho alguma fotografia - ele era avesso a este tipo de registo - ou se eventualmente alguém do conjunto do Batalhão. Logo que tenha informação, voltarei a este espaço.

Saudações,
Manuel Oliveira Pereira,
ex-Fur Mil da CCaç 3547 (72-74) 
__________________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 15 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17140: Em busca de... (274): uma foto do tenente-coronel de cavalaria António Valadares Correia de Campos, comandante do COP 3 e um dos bravos de Guidaje... Precisa-se, com urgência,  para documentário sobre o 25 de Abrilm, a realizar pelo cineasta António Pedro Vasconcelos

(..) A Just Up, produtora de audiovisuais, encontra-se na fase final de produção do documentário sobre o 25 de Abril, "A Vox e os Ouvidos do MFA". O documentário será exibido na RTP1 e é realizado por António Pedro Vasconcelos

Retrata as duas noites anteriores ao 25 de Abril, quando um grupo de 20 soldados fizeram a instalação de um cabo telefónico desde Benfica até à Pontinha, que veio permitir ao Posto de Comando do MFA ter acesso às escutas dos telefones do governo.

Para além de entrevistas aos militares envolvidos nesta operação, necessitamos também de algumas
imagens de arquivo. Durante a pesquisa para o documentário, chegamos até ao vosso blogue sobre as campanhas na Guiné onde fazem referência ao tenente coronel Correia de Campos. Neste contexto venho saber se têm na vossa posse algumas fotos com o sr. tenente coronel Correia de Campos que possamos usar no nosso documentário. (...)

(...) Tem sido uma aventura encontrar uma foto do tenente coronel Correia de Campos! Nem Centro de Documentação 25 de Abril nem Associação 25 de Abril... só uma, do Arquivo do Exército, mas péssima. Estou a tentar encontrar alguém que tenha convivido com o senhor e que talvez possa ter 1 foto da época. (...)

quarta-feira, 15 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17140: Em busca de... (274): uma foto do tenente-coronel de cavalaria António Valadares Correia de Campos, comandante do COP 3 e um dos bravos de Guidaje... Precisa-se, com urgência, para documentário sobre o 25 de Abrilm, a realizar pelo cineasta António Pedro Vasconcelos

1. Mensagem da Teresa Sousa, "assistant executive producer" da Just Up:

Data: 14 de março de 2017 às 15:56

Assunto: Documentário sobre o 25 de Abril

Boa Tarde

A Just Up, produtora de audiovisuais, encontra-se na fase final de produção do documentário sobre o 25 de Abril, "A Vox e os Ouvidos do MFA". O documentário será exibido na RTP1 e é realizado por António Pedro Vasconcelos.

Retrata as duas noites anteriores ao 25 de Abril, quando um grupo de 20 soldados fizeram a instalação de um cabo telefónico desde Benfica até à Pontinha, que veio permitir ao Posto de Comando do MFA ter acesso às escutas dos telefones do governo.

Para além de entrevistas aos militares envolvidos nesta operação, necessitamos também de algumas
imagens de arquivo. Durante a pesquisa para o documentário, chegamos até ao vosso blogue sobre as campanhas na Guiné onde fazem referência ao tenente coronel Correia de Campos. Neste contexto venho saber se têm na vossa posse algumas fotos com  o sr. tenente coronel Correia de Campos que possamos usar no nosso documentário.

Desde já os meus agradecimentos.

Melhores Cumprimentos,
Teresa Sousa



2. Resposta do editor LG:

Olá, obrigado pelo contacto.. Temos poucas referências, uma meia dúzia, ao então tenente coronel António [Valadares]  Correia de Campos,  comandante do COP 3 e um do bravos de Guidaje.

Os oficiais superiores não se deixavam facilmente fotografar... pela "tropa macaca"... Talvez o nosso camarada José Manuel Pechorro a possa ajudar...Ele foi também um dos bravos de Guidaje e foi entrevistado pelo Joaquim Furtado para série "A Guerra"... Junto segue 9 contacto de email do Pechorro, membro da nossa Tabanca Grande. Outrso camaradas nossos também o conheceream e sercviram sob as suas ordens. Creio que era de Viseu e já faleceu.

Boa sorte,
Luís Graça


3. Resposta da Teresa Sousa:

Boa tarde

Muito obrigada pela sua resposta.

Tem sido uma aventura encontrar uma foto do tenente coronel Correia de Campos! Nem Centro de Documentação 25 de Abril nem Associação 25 de Abril... só uma,  do Arquivo do Exército,  mas péssima. Estou a tentar encontrar alguém que tenha convivido com o senhor e que talvez possa ter 1 foto da época.

Muito obrigada pelas informações
Se precisar de alguma coisa, disponha. (**)

Teresa Sousa
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


29 de novembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1325: Memórias de Mansabá (7): O Comandante do COP 6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

16 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

2 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6090: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (6): Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973


12 de agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8663: (Ex)citações (147): Guidaje – 1973. Esclarecimentos (José Manuel Pechorro)

(**) Último poste da série > 25 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16988: Em busca de.. (273): Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943), avô de Albertina Gomes (médica, Noruega)... Diligências do nosso blogue e colaboradores, Augusto Silva Santos e José Martins

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14705: Tabanca Grande (466): Joaquim Fernando Monteiro Martins, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74) - 690.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano Joaquim Fernando Monteiro Martins, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4142, Ganjauará, 1972/74, com data de 1 de Junho de 2015:

Bom dia camarada Carlos Vinhal,
Grato pela resposta ao meu contacto.

Apresentação:

Joaquim Fernando Monteiro Martins, ex-Furriel Miliciano com a especialidade de Atirador de Infantaria, nascido a 19-05-1950, natural de Gondomar, com residência em Águas Santas, Maia.

Frequentei a Escola Industrial Infante D. Henrique e trabalhei no Gabinete de Planeamento da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto.

O Major Correia de Campos esteve em Gampará, assim como o Cap. Carlos Abreu, no COP 7, que viria a ser extinto.

Em Junho de 1972, no RI 1, na Amadora, tomei parte ativa na formação da CCAÇ 4142 e instrução da especialidade de atirador de infantaria.

A 16Set72, finda a instrução, a Companhia parte para a Guiné, onde no Cumeré, a CCAÇ 4142 iria ter a sua IAO.

A 18Out72, a CCAÇ 4142 é colocada em Gampará, onde iria render a CART 3417, os Magalas de Gampará, tendo como missão a defesa e segurança das populações da área, assim como a construção da 2.ª fase do reordenamento. Dias difíceis se seguiriam, adaptação a tão duro ambiente, as más condições sanitárias, fraca alimentação, condições estas já descritas no Blogue pelo nosso camarada Amílcar Mendes da 38.ª C.C. aquando da sua passagem por este chão.

Abraço J. Martins
Ex-Furriel da CCAÇ 4142
Gampará/Guiné/1972-1974

 Ex-Fur Mil Joaquim Fernando Monteiro Martins

O 3.º grupo de combate, em baixo, a contar da esquerda sou o terceiro, á minha direita está Fur Mil Rodrigues e, à minha esquerda o Mouzinho.

 Tabancas, algumas já construídas pela CCAÇ 4142

 Tabancas

 Eu, à esquerda, com o Alf Mil Dias, junto das minhas instalações


Localização de Ganjauará, na Penísula de Gampará.


2. Comentário do editor

Caro camarada Joaquim Martins, bem-vindo à Tabanca Grande.
Tenho que ressalvar que na tua apresentação falas do TCor Cav Correia de Campos e do então Capitão, agora Coronel Art, Carlos Abreu, porque fui eu que te perguntei se eras contemporâneo destes dois militares, que tive a honra de conhecer em Mansabá, quando cada um por sua vez comandou o COP 6 ali estacionado.

Desconheço o percurso militar do Coronel Carlos Abreu, que tive o prazer de rever em 2009 em Arruda dos Vinhos, como também te disse, além de saber que comandou o COP 6 e o COP 7.

O percurso do TCor Correia de Campos é mais conhecido, principalmente pelo seu desempenho no COP 7, na Península de Gampará, que tão bem conheces, uma zona muito problemática na altura. Correia de Campos ficou ainda na história da guerra na Guiné pelo seu exemplar desempenho aquando do assédio do PAIGC a Guidaje, em Maio de 1973.

Quanto à CART 3417, que a CCAÇ 4142 substituiu em Ganjauará, passou por Mansabá em Agosto de 1971 para fazer o seu Treino Operacional. Infelizmente o seu jovem Comandante pisou uma mina AP num dos patrulhamentos na zona de Manhau. Coincidência das coincidências, fui eu em coluna auto, comandada pelo então Major Correia de Campos, buscar o Comandante da 3417, que acabou por ao fim do dia ter de ser levado por terra até ao HM 241 de Bissau porque o mau tempo não permitia a circulação de meios aéreos. Foi um dia terrível para nós e para os periquitos da 3417.

Já sabes que estamos receptivos às tuas memórias escritas e fotográficas, ao mesmo tempo que nos disponibilizamos para qualquer dúvida que tenhas.

A título informativo, chamo a tua atenção para algumas entradas no nosso Blogue referentes à CCAÇ 4142 e pelo menos para três camaradas teus, a saber: Sarg Chefe Victor Gonçalves, Alf Mil Virgílio Valente e Sold Cozinheiro Joviano Teixeira.

Se clicares nas palavras de cor diferente abres os respectivos links.

Em nome da tertúlia e dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães Ribeiro e eu próprio, deixo-te um abraço de boas-vindas.

Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14673: Tabanca Grande (465): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) - 689.º Grã-Tabanqueiro

terça-feira, 5 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012:

Respostas às perguntas formuladas pelo Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960* (1)

Comentário de Luís Graça

Camarada: 

Talvez nos possas ajudar a compreender melhor certas coisas que por aí aparecem escritas... 
Naturalmente que respondes só ao que quiseres (e puderes..., se bem que a guerra, dizem, já tenha acabado há 38 anos).

Pergunta: Por exemplo, quantos mortos teve a CCAÇ 19? E quantas dessas baixas mortais ocorreram no período de 8 de maio a 8 de junho em que costumamos (alguns...) balizar a batalha de Guidaje?

Resposta: Ficaram enterrados em Guidage 23 corpos, 8 brancos metropolitanos e 15 negros naturais da Guiné. Alguns foram mortos ou ficaram feridos: no quartel, na estrada, ou no ataque a Kumbamory, acabando por morrer no aquartelamento alguns dos feridos.

Os mortos da CCaç 19, foram sete:

Os 5 que ficaram no Cufeu e 2 no quartel, feridos graves do abrigo na madrugada do dia 25 de Maio 73:

- ANTÓNIO DOS SANTOS JERÓNIMO FERNANDES, Fur Mil AP, NM 0948627, CCaç 19
- ANTÓNIO TALIBÓ BAIO, Soldado At NM 82081071, CCaç 19, Morcunda – N. Sra da Graça – Farim.

Pergunta: Porquê só dois mortos no quartel ?

Resposta: Ocupavam as 4 casernas abrigo e os cerca de 5 abrigos que existiam. - Ser uma companhia amadurecida na guerra e habituada a flagelações e ataques ao quartel.

Pergunta: Havia malta da CCAÇ 19, nomeadamente camaradas nossos guineenses, entre os cadáveres espalhados nas imediações da bolanha do Cufeu, quando por lá passaram a 38.ª CCmds e depois a CCP 121/BCP12?

Resposta:

10 de Maio de 1973, Quinta-feira 

01,15 h da manhã, acordados com morteiro 82. Sem consequências.

É organizada uma nova coluna auto com 15 viaturas (a segunda), traz granadas de obus, morteiros, munições, e géneros alimentares. Transporta água para ceder aos soldados que dela precisem, o que não é fácil devido à posição estratégica e rigorosa que cada um ocupa no terreno e que pode ser distante… Este movimento saiu de Binta, ao amanhecer pelas 5,30 h.

Escolta:

2.º Gomb/1.ª CCaç/BCaç 4512 de Nema,
1 GComb da 2.ª CCaç/BCaç 4512 de Jumbémbem,
2 GComb da CCaç 14 de Farim,
1 GComb da CCaç Africana “Eventual” (milícia especial) de Cuntima,
2 GComb da 38.ª de Comandos (2.º e 4.º)
e 1 Sec/Pel Mort 4274.

Foi comandada pelo Cmdt do BCaç 4512,  de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, acompanhados pelo Sr Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos (“Águia”),  comandante do COP 3 e o seu adjunto Sr Fur Mil Infor e Op Inf do Cop3 Carlos Jorge Lopes Marques Pereira (“Lobo”). Bigene ficou sob o comando do Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj Mariz).

Ao encontro da acção logística e para manter segurança, ao longo da via,  saem de Guidage 4 GCOMB: 1 bi grupo da CCaç 3 e outro da CCaç 19 (Os pelotões dos Alf Mil Leitão e Luciano Diniz). O da CCaç 3 marcha nas bermas, seguindo atrás e executando a picagem da estrada, o da 19 até ao Cufeu. O bigrupo da CCaç 3 progredindo proponha-se fazer a picagem até ao contacto com a coluna!...

Estas colunas (apeadas e auto) avançam ao compasso da lentidão dos “picadores”, podem ser alvo fácil da guerrilha que por vezes está emboscada muito perto, podendo o confronto armado acontecer repentinamente. Os condutores esforçam-se por pisar o rasto do carro da frente. Acontecendo o mesmo com os soldados, pisam onde o da frente pisou… A tensão é grande! As minas no terreno podem não ser detectadas…

Entre o UJEQUE e o CUFEU accionam uma mina anti-pessoal, cerca das 9h40, causando 1 ferido grave e 1 ligeiro.

Pouco depois, na vanguarda a CCç 3, passada a ponte no Cufeu, avista o IN contra o qual investe, encurralando-o na bolanha que corta a estrada; causando baixas prováveis ao adversário. Foi por pouco tempo… São atacados por grupo estimado em 100 turras que passa ao assalto, mostrando boa preparação e fazendo bom uso dos RPG, morteiro 60 e armas ligeiras  (armamento russo).  Elementos das NT afirmam que foram alvejados com canhão sem recuo, o que é provável. Já com escassez de munições não resistem e debandam as nossas forças. Os 2 Cmdts brancos, os Alf Mil At Inf José Soeiro e o José Pacheco, bem tentaram desesperadamente deter o avanço adversário: Notou-se na conversação via-rádio…

Esfarrapados, cansados e abatidos, os militares foram chegando ao quartel de Guidage e a Binta.

Mais atrás, a CCaç 19 não vai em auxílio da 3. Separados em consequência do accionamento da mina. Aguarda emboscada e montando segurança que a coluna chegue até eles.

Acaba por receber ordem de retirada, a marcha forçada, para Guidage, mas foi tarde… Emboscados na beira da estrada, avistam o IN e hesitam se seriam os da CCaç 3… Deu-se um contacto muito forte, com grupo de cerca de 70 a 100 elementos (?).  Sofreu 3 embates. Separados pela estrada. O último foi o mais violento, tendo os guerrilheiros avançando a descoberto, em terreno não favorável, procurando envolver-se com as NT para fugir ao bombardeamento da FAP, que procurava oportunidade para actuar, dificultada pela dispersão dos militares da CCAÇ 3, fugidos e perdidos na mata. Os nossos,  executando tiros de precisão,  alguns (principalmente os que morreram, pois acabaram envolvidos…) não aguentam o forte potencial de fogo adverso (morteiro 60, RPG e armas ligeiras) e dispersam, com baixas: 5 baixas africanos, que ficaram no terreno; 7 feridos graves e 16 ligeiros.

Os 5 mortos:

- Abdulai Mané, de Barro/ Bigene/ Farim,  1.º Cabo At, NM 820863/71, CCaç19/Cart 3521, enterrado em Guidaje;
- Jacom Turé, de Samba Condé/N.Sra. da Graça/Farim, Sold At, NM 82084271;
- Mamudu Lamine Sanhá, de Perim/ N.Sra. Fátima/ Catió, Sold Aux Enf, NM 82120372;
- Sadjó Sadjó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, Sold At, NM 82080371;
- Suleimane Dabó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, 1.º Cabo At, NM 82080471.

Obs: - Segundo o Braima Djaura, Soldado Condutor Auto, escondido, observou com o Soldado Mecânico Auto Ridel, após ter sido morto, o Mamudu Lamine Sanhá foi degolado e a cabeça colocada em cima de um tronco de árvore…

13 de Junho de 1973, terça-feira

A pedido dos Soldados da CCAç 19 e considerando não haver perigo o Maj Inf Carlos A.W. C. Campos ordenou o levantamento dos corpos dos 5 camaradas deixados para trás no Cufeu, foi um momento de grande emoção e foram dignamente enterrados junto das campas dos outros soldados anteriormente sepultados...

O 1.º Cabo Comando Amílcar Mendes,  da 38.ª CCmds, numa postagem no sítio da Internet do Luís Graça,  afirma que os 2 GComb da 38.ª C.Cmds enterraram 2 corpos que alegam pertencer à 19. Poderá tratar-se de 2 baixas do IN...

O PAIGC não se apercebeu da entrada em Guidage, ontem, vindos via corta mato, da zona de Samoge onde montavam patrulhamento e segurança, dos 2 GComb da CCaç 3 e pagou caro este facto, pensou estar a enfrentar apenas os 2 GComb da CCaç 19…

O IN retirou também, fortemente combalido: 10 a 12 a mortos que sofreu, e nove feridos. Segundo várias fontes de informação LERPOU o seu comandante (Solo Danfá?). Ao abandonarem a zona terão levado alguns dos seus mortos. Sentindo o aproximar da coluna fugiram também.

Viveram os contactos o 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Janeiro e o Soldado Trms Inf Carlos Alberto Valentão, este chegou esgotado ao aquartelamento. A aviação não acorreu rapidamente. Temos que ser compreensivos, a distância… Mas a nossa impaciência, leva-nos provavelmente a sair da realidade operacional… Foi requisitada para ajudar a CCaç 3 e acabou a tentar intervir, nos confrontos com a CCaç 19…


Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha. 

Foto ©: Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando/38.ª CComandos. Com a devida vénia


Soldado atingido numa perna amparado

Foto ©: http://tantasvidas.blog.pt/2006/4/ do ex-Alf Mil Comando V.Briote) Com a devida vénia.

Entretanto a coluna de auxílio progrediu com andamento acelerado, sempre que possível. Pelas 14h05, entre o GENICÓ e CUFEU accionou mina anti-pessoal de que resultou 1 ferido grave e 3 ligeiros. Contornou abatizes, ao longo do percurso. Num fornilho, situado perto da ponte no CUFEU, sofreu um morto: o Soldado At NM 06471572 Manuel Maria Rodrigues Geraldes, da 2.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, de Vale Algoso, Vimioso …

Chegados os militares, do bi-grupo da CCaç 19 que sofreu os confrontos na estrada, a guarnição ficou abalada, alguns chegaram em estado de choque e em pânico, que se pegou a outros que estavam no aquartelamento… As minhas tentativas em tentar acalmar e dizer que o auxílio acabaria por chegar, não davam resultado…

Na CCaç 19 nota-se a falta de um Comandante do Quadro, um oficial miliciano não é a mesma coisa.

Valeu, em parte, a calma do Fur Mil do SIM António Hermínio Camilo Sequeira que procurou conter a quebra dos restantes. Tomou a iniciativa de entrar em contacto com o Comando-Chefe, expondo a situação e pedindo o auxílio de Tropa Especial, de preferência pára-quedistas. A emoção aumentou, entretanto, com o choro das mulheres pelos mortos, em conjunto na tabanca.

Muitos não crêem que seja possível à coluna auto passar no CUFEU. A falta de esperança levou alguns a levantar a hipótese do abandono do posto fronteiriço, seguindo a corta mato para Farim, durante a noite. Se tal se concretizasse, teria sido um “suicídio” ou passaríamos por um pesadelo.

No meu entender não estávamos em condições de fazer uma marcha destas, com um efectivo pouco numeroso, para transportar os feridos e proteger a população, na mata. Os observadores do IN, davam pelo acontecido e possivelmente o PAIGC caía-nos em cima…

Em virtude destas atitudes, queimei toda a correspondência, parte do arquivo e o material cripto que estava a aguardar a destruição (algum que guardava para trazer para a metrópole, por me parecer interessante…). Envolvi o dinheiro que dispunha em plástico e alguns apontamentos sobre os acontecimentos de Guidage… enchi os bolsos de munições, preparando-me para seguir atrás deles, caso se concretizasse! Temia que a coisa fosse repentina…

É ordenada a separação auto e o avanço veloz, ao bigrupo da 38.ª CComandos, para Guidage. Ao atingir a povoação esta imagina tratar-se de viaturas dos turras e foi mais um sobressalto!..

É o primeiro grupo da coluna auto a atingir GUIDAGE e a quebrar o cerco, através da estrada!

Foi com muita alegria que os vimos entrar e a esperança voltar aos nossos espíritos.


Viatura a entrar em Guidage.

Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro Alentejano

Estes comandos brancos estão equipados com material capturado ao PAIGC. Na estrada e na berma avistaram alguns dos nossos mortos e do PAIGC, não os levantaram por suporem serem do IN, ou estarem armadilhados…

Integrado na 38.ª, vinha um ex-companheiro e amigo de adolescência, de alcunha “Cachucho”, da Ribeira de Santarém. (Tomei conhecimento que outro companheiro de infância e do Cachucho, o Joaquim, também faz parte mas não veio por estar doente…).

Chegaram com uma viatura com o pneu rebentado por uma mina, um ferido grave decepado de um pé ao saltar da viatura e num Unimog que estacionou ao lado da antena do Posto de Rádio e próximo deste, com um morto envolvido num poncho.

Por volta das 18h, somos flagelados com morteiro 82, durou 10 minutos. Atingida a enfermaria que se encontrava a abarrotar de feridos. Não houve baixas. De realçar que as granadas alcançaram vários edifícios.

Pouco depois chegou a coluna, dando entrada para regozijo de todos, tropas e civis. Tendo havido gritos e vivas de contentamento. Foi uma festa-relâmpago.

O Ten Cor Cav António Correia de Campos (foto à direita), com um revólver à cintura, de galões, botas dos fuzos e bengala na mão, fez o percurso quase todo a pé.

No Posto de Comando, na presença dos oficiais, declarou que era ele que comandava o aquartelamento!

O Cmdt da coluna, do Batalhão de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, deitaram-se no dormitório do pessoal de transmissões, anexo ao Posto de Rádio, debaixo de chapa de zinco.

Um soldado condutor da Companhia de Transportes, de nome Dinis, é natural de Santarém. Saíu de Bissau para Farim e foi parar a Guidage… Foi meu colega na JOC. Passada a surpresa do encontro, perguntou-me onde poderia deitar-se em “sossego”? Disse-lhe que na minha cama não podia ser, pois estava no Centro Cripto. Indiquei-lhe o paiol, poderia deitar-se entre as caixas (cunhetes) de munições; tinha placa e paredes muito grossas em betão armado… mas rindo não ligou, dizendo que poderia ir pelos ares, talvez pensando que brincava… Eu falava a sério! Dormiu no banco da Berliett, na parada: Durante a flagelação das 22h40, cansadíssimo nem deu pelos rebentamentos, só acordando de manhã.

A CCaç 3 tem 6 homens desaparecidos: Os 2 alferes brancos José Manuel Levy da Silva Soeiro e o José Manuel Nogueira Pacheco; um 1.º cabo e 3 praças africanas negras.

A certa hora da noite um soldado da CCaç 19 atravessou a luz exterior e o arame farpado. Afirmou que foi apanhado pelos turras que o mandaram embora, depois de despido e completamente nú!… Não será um elemento do IN infiltrado nas nossas tropas? Não consigo lembrar o seu nome.

A escuridão é completa, para se andar é quase às apalpadelas…

Perto das 22h30 o Alf Mil Atir Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro, da CCaç 3 contacta via rádio que se encontra perto do quartel do lado de Quelhato. Informa que grupo IN se aproximou e montou base de artilharia e se preparava para flagelar Guidage… Cerca das 22h40 somos atacados e reagimos bem. O Alferes da CCaç 3 observador e camuflado na mata em contacto com o Ten Cor Cav Correia de Campos, que veio para fora do posto de comando com o rádio na mão demonstrando coragem, foram dirigindo o fogo da nossa artilharia para cima deles… Embora com muita dificuldade de comunicação em virtude estarem muito perto do IN e ao que parece com pilhas fracas ou sem antenas, que se soltaram, devido às correrias por entre o matagal… Parte do nosso fogo passou por cima dos guerrilheiros.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)