1. Mensagem do nosso camarada e amigo Vasco da Gama, com data de 9 de Janeiro de 2009:
Camaradas e Amigos,
Vou pregar uma pequena partida ao nosso camarada e amigo Manuel Reis, membro conhecido do nosso Blog e homem solidário em todas as ocasiões, com a conivência do nosso Comandante Luís Graça e do nortenho, mas mouro de trabalho, Carlos Vinhal, se essas boas almas estiverem para me aturar. Mas, como é por uma boa causa, até o Pira de Mansoa vai dar uma pequena ajuda, por isso atrevo-me à partida/pedido.
A filha do nosso Manuel, enquanto miúda, acompanhou os seus pais onde a profissão de ambos – professores do Ensino Secundário – os levava, passando por vários locais entre os quais Lamego e Aveiro.
Terminado o périplo sob a asa dos papás rumou a Coimbra para tirar a sua licenciatura em medicina e mais tarde ao Porto, onde se especializou em medicina interna, sendo hoje médica no hospital de Santa Maria da Feira.
A Dra. Alexandra Reis, além de médica, é também escritora e vai lançar no próximo dia 16 de Janeiro em Esmoriz, no Restaurante-Bar Capitão Gancho, cerca das 17 horas, o seu primeiro romance intitulado ”O NINHO”, que é um somatório de histórias recheadas de acontecimentos inesperados e que envolve várias gerações, tal como vai começando a acontecer com o nosso ninho - o Luís Graça e Camaradas da Guiné.
Aqui deixo um fac-simile da capa do livro para abrir o apetite aos nossos tabanqueiros na sua aquisição, deixando também um pedido ao Manuel para que, logo que lhe seja possível, envie um convite formal da apresentação do NINHO da Dra. Alexandra Reis.
Formalizado que seja o convite, por lá aparecerão alguns de nós. Aos que não vão poder estar que lhes seja indicada a melhor forma de aquisição do livro.
Do meu Buarcos lindo, um abraço para todo o pessoal.
Vasco A.R. da Gama
2. Comentário de CV:
É sempre com prazer que damos notícias das actividades culturais, e outras, dos filhos dos nossos camaradas. Como é sabido e assumido, qualquer filho de um camarada é como se fosse filho do colectivo deste Blogue.
Em momentos como estes de alegria para os babados progenitores, o resto da Tertúlia sente que um dos seus filhos está a fazer algo que ambicionou e pelo qual lutou.
Esperando novas e mais concretas notícias sobre o lançamento de "O Ninho", desejamos desde já à escritora Alexandra Reis o maior êxito, neste que julgamos ser o seu primeiro romance, assim como na sua carreira como médica.
Aos papás os nossos parabéns.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5582: Agenda cultural (52): 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates "Fim do Império-olhares civis", dia 19 de Janeiro em Oeiras
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 9 de janeiro de 2010
Guiné 63/74 - P5619: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (1): A tasca do Maximiano em dia de bife
1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), com data de 8 de Janeiro de 2010, contendo a primeira nota solta da sua CompanhIa:
A TASCA DO MAXIMIANO
As tropas actuais podem ter dificuldade em acreditarem nestas histórias, tão bem equipadas e alimentadas que são actualmente, mas quem andou como nós, no duro, sabe que são verdadeiras, eles concerteza não estariam dispostos a passar situações como a que vou contar.
A D. Maria, esposa do senhor Maximiano tinha dificuldade em alimentar a sargentada da Cart 643 e mais alguns que iam sempre aparecendo. Ela recebia géneros da Manutenção Militar no valor de vinte e sete escudos/dia/homem e em troca dava refeições confeccionadas com alguns frescos, como carne, etc..
A casinha só tinha duas pequenas salas e a malta comia à vez. A sala principal dava para a cozinha(?), tudo a lenha, chão de terra batida, louça de alumínio e ferro da cor dos naturais, mosquitos, formigas de asa, borboletas e por vezes, à noite, uns morcegos pendurados no tecto de palha, também tendo direito à refeição. Claro que isto para nós não é novidade nenhuma, mas quem não passou por estas situações também gosta de saber. Aconselho os voluntários dos Líbanos, Afeganistãos e outros que tais a meditarem nisto.
Eu e o João Graça estávamos encostados à ombreira da porta da chamada cozinha, o menu era composto por bifes fritos que estavam a ser confeccionados. Entretanto uma ajudante da D. Maria tinha uma criança nua a gatinhar no chão de terra. Por qualquer razão fisiológica, o bébé começou a desintegrar-se abundantemente, e nós com um apetite devorador a ver a cena. Então a mãe limpou diversas vezes o menino com a mão, que por sua vez limpou a um pano da cozinha. Claro o seu trabalho de por os bifes no tabuleiro para ir à mesa continuou.
Os colegas que não assistiram à cena comentaram: - É pá vocês hoje estão com fastio?
Rogerio Cardoso
Furriéis Guerreiro (Falecido), Sousa, Graça, Rogério e ?
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5588: Álbum fotográfico de Rogério Cardoso (3): Relembrando locais e camaradas da CART 643/BART 645
A TASCA DO MAXIMIANO
As tropas actuais podem ter dificuldade em acreditarem nestas histórias, tão bem equipadas e alimentadas que são actualmente, mas quem andou como nós, no duro, sabe que são verdadeiras, eles concerteza não estariam dispostos a passar situações como a que vou contar.
A D. Maria, esposa do senhor Maximiano tinha dificuldade em alimentar a sargentada da Cart 643 e mais alguns que iam sempre aparecendo. Ela recebia géneros da Manutenção Militar no valor de vinte e sete escudos/dia/homem e em troca dava refeições confeccionadas com alguns frescos, como carne, etc..
A casinha só tinha duas pequenas salas e a malta comia à vez. A sala principal dava para a cozinha(?), tudo a lenha, chão de terra batida, louça de alumínio e ferro da cor dos naturais, mosquitos, formigas de asa, borboletas e por vezes, à noite, uns morcegos pendurados no tecto de palha, também tendo direito à refeição. Claro que isto para nós não é novidade nenhuma, mas quem não passou por estas situações também gosta de saber. Aconselho os voluntários dos Líbanos, Afeganistãos e outros que tais a meditarem nisto.
Eu e o João Graça estávamos encostados à ombreira da porta da chamada cozinha, o menu era composto por bifes fritos que estavam a ser confeccionados. Entretanto uma ajudante da D. Maria tinha uma criança nua a gatinhar no chão de terra. Por qualquer razão fisiológica, o bébé começou a desintegrar-se abundantemente, e nós com um apetite devorador a ver a cena. Então a mãe limpou diversas vezes o menino com a mão, que por sua vez limpou a um pano da cozinha. Claro o seu trabalho de por os bifes no tabuleiro para ir à mesa continuou.
Os colegas que não assistiram à cena comentaram: - É pá vocês hoje estão com fastio?
Rogerio Cardoso
Furriéis Guerreiro (Falecido), Sousa, Graça, Rogério e ?
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5588: Álbum fotográfico de Rogério Cardoso (3): Relembrando locais e camaradas da CART 643/BART 645
Guiné 63/74 - P5618: Bibliografia de uma guerra (54): 30 anos de guerra colonial (José Brás)
1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura), com data de 7 de Janeiro de 2010:
Carlos
Tu que me disseste ainda agora que queres mais coisas minhas e me apanhas na ressaca do fim de "Lugares de Passagem" e da sua revisão e "guerra" para possível edição, envio-te aqui um texto antigo, mas acho que nunca velho, editado como introdução de uma brochura com "bibliografia sobre a guerra colonial", por mim organizada para complementar uma "mesa redonda" e uma exposição que também organizei na Fundação Gulbenkian, a pedido do Dr. Afonso de Albuquerque, por ocasião do "I.º Encontro Nacional Sobre Stress Traumático".
Junto ainda cópia da capa brochura aludida, da autoria de José Brito, meu colega da TAP e excelente pintor, a partir de um trabalho de Malangatana.
30 ANOS DE GUERRA COLONIAL
Mais de vinte anos passaram sobre o fim da "Guerra Colonial", mais de trinta sobre o seu início, e perder-nos-íamos nos séculos para encontrar o primeiro gesto de resistência armada dos povos das ex-colónias contra a presença dos portugueses.
Como alguém já disse, ao contrário da versão histórica que nos cercou anos a fio, nos cinco séculos de dominação portuguesa em parcelas de África, nunca se viveram mais de cinco anos seguidos sem actos de rebeldia organizada, muitas vezes extravasando os limites da etnia, algumas mesmo promovendo alianças vastíssimas, juntando interesses étnicos e tribais em manobras de diplomacia e de guerra que nos espantam hoje e que deixavam os representantes do reino e as forças de ocupação de cabeça à roda para entender tais impulsos de protesto e de libertação.
Na história do desenvolvimento da humanidade, colonialismo é, entretanto e em rigor, um fenómeno mais recente e de limites sociais, económicos e políticos precisos. Por isso nos atemos neste documento apenas ao período e aos acontecimentos que tiveram início em Luanda a 4 de Fevereiro de 1961 e que, trágica e rapidamente ecoaram por todo o norte daquela antiga colónia, se alargaram a Moçambique e à Guiné e cujas marcas, trinta e quatro anos passados sobre o seu início material, se reconhecem ainda com grande expressão nas sociedades dos cinco Países envolvidos (não esquecendo Cabo Verde), algumas visíveis nas mutilações físicas dos actores presentes no "campo de batalha", outras menos disponíveis à vista desarmada mas não menos perturbadoras e fundas na consciência, nos medos e nas euforias de cada um dos que voltaram aparentemente ilesos, outras mesmo colectivas, persistentes e marcantes no presente social e político, e, provavelmente, agentes com algum peso na definição de futuros.
Falar de tais marcas não é tarefa fácil para ninguém, excepto num quadro de mercadorização de todos os objectos, incluindo os mais insuspeitos e íntimos de um homem ou de um povo. Neste caso, como acontece em Países onde a ideologia do mercado se instalou já como forma única de relacionar os homens, é uma verdadeira indústria que se instala e desenvolve, especialmente no cinema e na televisão, disponibilizando por preços acessíveis como qualquer produto de consumo, as mil vertentes da dor, da exaltação nacionalista ou dos dramas e traumas individuais e colectivos de todo um povo, banalizando-os e fazendo a catarse indispensável da garantia da aceitação de qualquer outra futura aventura de guerra.
Destas marcas, sabemos que é difícil falar. Sabemos, contudo, que também é difícil calar.
Falemos, então, por mais difícil que nos seja. De nós. Das marcas que em nós persistem.
Como fizeram e ficarão fazendo por muito tempo os que desta lista constam.
Falemos!
Lisboa, 25 de Outubro de 1995
José Brás
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5477: Blogoterapia (137): Palavra de honra que não consigo entender (José Brás)
Vd. último poste da série de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4845: Bibliografia de uma guerra (53): Dois livros: “Memórias de um guerreiro colonial” e "Trauma" (Belarmino Sardinha)
Carlos
Tu que me disseste ainda agora que queres mais coisas minhas e me apanhas na ressaca do fim de "Lugares de Passagem" e da sua revisão e "guerra" para possível edição, envio-te aqui um texto antigo, mas acho que nunca velho, editado como introdução de uma brochura com "bibliografia sobre a guerra colonial", por mim organizada para complementar uma "mesa redonda" e uma exposição que também organizei na Fundação Gulbenkian, a pedido do Dr. Afonso de Albuquerque, por ocasião do "I.º Encontro Nacional Sobre Stress Traumático".
Junto ainda cópia da capa brochura aludida, da autoria de José Brito, meu colega da TAP e excelente pintor, a partir de um trabalho de Malangatana.
30 ANOS DE GUERRA COLONIAL
Mais de vinte anos passaram sobre o fim da "Guerra Colonial", mais de trinta sobre o seu início, e perder-nos-íamos nos séculos para encontrar o primeiro gesto de resistência armada dos povos das ex-colónias contra a presença dos portugueses.
Como alguém já disse, ao contrário da versão histórica que nos cercou anos a fio, nos cinco séculos de dominação portuguesa em parcelas de África, nunca se viveram mais de cinco anos seguidos sem actos de rebeldia organizada, muitas vezes extravasando os limites da etnia, algumas mesmo promovendo alianças vastíssimas, juntando interesses étnicos e tribais em manobras de diplomacia e de guerra que nos espantam hoje e que deixavam os representantes do reino e as forças de ocupação de cabeça à roda para entender tais impulsos de protesto e de libertação.
Na história do desenvolvimento da humanidade, colonialismo é, entretanto e em rigor, um fenómeno mais recente e de limites sociais, económicos e políticos precisos. Por isso nos atemos neste documento apenas ao período e aos acontecimentos que tiveram início em Luanda a 4 de Fevereiro de 1961 e que, trágica e rapidamente ecoaram por todo o norte daquela antiga colónia, se alargaram a Moçambique e à Guiné e cujas marcas, trinta e quatro anos passados sobre o seu início material, se reconhecem ainda com grande expressão nas sociedades dos cinco Países envolvidos (não esquecendo Cabo Verde), algumas visíveis nas mutilações físicas dos actores presentes no "campo de batalha", outras menos disponíveis à vista desarmada mas não menos perturbadoras e fundas na consciência, nos medos e nas euforias de cada um dos que voltaram aparentemente ilesos, outras mesmo colectivas, persistentes e marcantes no presente social e político, e, provavelmente, agentes com algum peso na definição de futuros.
Falar de tais marcas não é tarefa fácil para ninguém, excepto num quadro de mercadorização de todos os objectos, incluindo os mais insuspeitos e íntimos de um homem ou de um povo. Neste caso, como acontece em Países onde a ideologia do mercado se instalou já como forma única de relacionar os homens, é uma verdadeira indústria que se instala e desenvolve, especialmente no cinema e na televisão, disponibilizando por preços acessíveis como qualquer produto de consumo, as mil vertentes da dor, da exaltação nacionalista ou dos dramas e traumas individuais e colectivos de todo um povo, banalizando-os e fazendo a catarse indispensável da garantia da aceitação de qualquer outra futura aventura de guerra.
Destas marcas, sabemos que é difícil falar. Sabemos, contudo, que também é difícil calar.
Falemos, então, por mais difícil que nos seja. De nós. Das marcas que em nós persistem.
Como fizeram e ficarão fazendo por muito tempo os que desta lista constam.
Falemos!
Lisboa, 25 de Outubro de 1995
José Brás
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5477: Blogoterapia (137): Palavra de honra que não consigo entender (José Brás)
Vd. último poste da série de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4845: Bibliografia de uma guerra (53): Dois livros: “Memórias de um guerreiro colonial” e "Trauma" (Belarmino Sardinha)
Guiné 63/74 - P5617: Notas de leitura (51): Os Anos da Guerra, de João de Melo (5): Carta número... e, Uma granada sob o coração (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2010:
Queridos amigos,
Telefonei ontem ao escritor Armor Pires da Mota que me prometeu emprestar todos os seus livros relacionados com a Guerra da Guiné. A sua obra, tal como a de Álvaro Guerra e José Martins Garcia, ocupam, em minha opinião, um lugar cimeiro em tudo o que se escreveu, “do lado de cá”, entre os anos 60 e 80. São companheiros de grande nível literário, de que nos temos que orgulhar.
Conviria que também relançássemos um olhar sobre escritores que defenderam a Guerra Colonial, por imperativos ideológicos.
Impressiona-me como os escritores de primeira água possam estar obliterados.
Valerá a pena darmos todos uma opinião sobre o assunto.
Um abraço do
Mário
OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (5)
Beja Santos
Recordatória
Entrámos na recta final dos textos compilados pelo escritor João de Melo, na sua antologia referente à literatura da Guerra Colonial, e no que toca ao teatro de operações da Guiné. Importa recordar que estes textos prendem-se com obras publicadas ou inéditas ao nível dos anos 80 e 90. Conviria, no caso de se encontrarem gritantes lacunas, que fizéssemos chegar ao autor informações sobre outros livros publicados e que não vêm referenciados em “Os Anos da Guerra”. Mas uma antologia é mesmo isto: uma escolha arbitrária, um olhar pessoas perante um oceano de palavras impressas ou de que o autor teve conhecimento, quando são textos inéditos. O importante é o levantamento de tudo quanto conhecemos, publicado ou por publicar. Para que os historiadores, amanhã, não nos censurem pelo alheamento.
Carta número cento e dezassete
“O comandante chegou contrafeito, lavado, perfumado, preparado para a festa de anos de um dos filhos do administrador da povoação. E esperou que o longo comboio cinzento de viaturas, regressado pela tropa de segurança à estrada, ondulasse como um farruscado bichinho-da-seda de ficção ao passar pela porta de armas. Do jipe que comandava a força escorregou sem convicção para a sala de operações o capitão responsável, irresponsável para as patentes acima, popular entre os soldados pelas longas horas de conversa, pelo cuidado na resolução de problemas pessoais aqui e acolá e pelo medo na hora da verdade”.
“Em duas horas e meia os restos do camião ficaram atrelados ao pronto-socorro. O capitão refugiou-se no carro de combate mais à mão e daí mandou levantar a segurança, cabeça mascarada pela portinhola pequena da vigia. Os mecânicos voltaram ao coio de guindastes e o oficial da oficina moldou-se a um dos guarda-lamas, arma apontada sem jeito a impor às tripas um coração decente.
Lentamente, o rebocador chegou ao alcatrão guiado pelo chefe dos sapadores, alguns metros à frente, a carpir pelos poros em peque o rabo é o mais difícil de esfolar.
A coluna refez-se, agora o monstro adiante, vítima de farsa a ser abocanhada sem sucesso por outro desventrado, logo ao seguir ao carro de combate do reconhecimento. Movimento marcado pela cabeça, cortejo de passeio de fim-de-semana no rio do desespero. Dançavam sombras em chacota, fugidias nas bermas, quando os holofotes dos carros de combate devassavam a desfazer-se em preces e desculpas os renques desalinhados, e as danças mais rígidas e a música mais estranha provocavam um toque arrependido a tempo no nervo do indicador.”
José Luís Farinha, “De camuflado no peito e na cabeça”, 1978
Uma granada sob o coração
“Os soldados de guarda disparavam para o mato às cegas, sem verem ou ouvirem o que quer que fosse, um alvo ou uma ameaça, porque mais ou menos por ali se tinham sumido os dois rapazes que, possessos de súbita violência, se haviam atirado numa corrida doida até desaparecerem nos desconhecidos, inexistentes, mas familiares caminhos da floresta mãe da vida, da liberdade, da justiça e de tudo o que os homens da floresta sabem, de tudo o que aprenderam com cada árvore, flor, erva, rio, charco, réptil, ave, insecto, cada ser vivo que bebe na terra o segredo de viver, subsistir, iguais no instinto de matar, na inevitabilidade de ser morto. Vimos se sumiram no imenso mar verde das suas indubitáveis origens.
Tornou a colocar a granada ao peito num dos muitos gestos difíceis, imprecisos, que a todos foram necessários para ajustar equipamentos e pegar em armas, à pressa, flutuando a custo no ar denso, com um esbracejar de náufragos, extenuados, corpos-soldados-de-chumbo que eram homens e o sabiam na carne, só o sabiam na carne. Sugeriram-lhe que deitasse fogo à aldeia antes de se ir embora e ele recusou porque a sua guerra não era a mesma em que se estava a debater, a sua ainda não tinha começado, seria uma guerra de ganhar ou perder e não aquela, se bem que duvidasse que essa outra guerra alguma vez chegasse.”
“Foi logo a seguir. Caiu em cima deles a surpresa, uma chuva de ferro, estampidos e silvos de ar vergastado e quedas e ramos partidos e pragas e explosões e o gargalhar fantasmagórico das rajadas matadoras e o homem ao lado dele com o sangue no ventre e nas mãos que disse «Ai, mãe!» e morreu.
Atrás da sua árvore levou a mão ao bolso e tirou-a, a reluzente granada com quem os seus dedos andavam calhados de amor e vício, puxou a argola amarela num repente de furor e ficou um momento a mira-la, a cavilha apenas presa pelos dedos brancos de força enquanto, desfocado, o cadáver do ventre sangrento o olhava fixa e friamente; jogou-se para a luz, para lá do escudo eleito, e atirou-a para de onde vinha a morte sonora e invisível que semeava surpresas de sangue.”
Álvaro de Guerra, “O disfarce”, 1979
Falta-nos agora José Martins Garcia, um escritor fundamental dos anos 70, que deixou registos de valor indiscutível sobre a sua experiência na Guiné. Ele e Sérgio Matos Ferreira irão pôr termo a esta viagem antológica em que tivemos como bordão as escolhas do escritor João de Melo
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5611: Notas de leitura (50): Os Anos da Guerra, de João de Melo (4): O Tempo em Uane e O Bando Armado (Beja Santos)
Queridos amigos,
Telefonei ontem ao escritor Armor Pires da Mota que me prometeu emprestar todos os seus livros relacionados com a Guerra da Guiné. A sua obra, tal como a de Álvaro Guerra e José Martins Garcia, ocupam, em minha opinião, um lugar cimeiro em tudo o que se escreveu, “do lado de cá”, entre os anos 60 e 80. São companheiros de grande nível literário, de que nos temos que orgulhar.
Conviria que também relançássemos um olhar sobre escritores que defenderam a Guerra Colonial, por imperativos ideológicos.
Impressiona-me como os escritores de primeira água possam estar obliterados.
Valerá a pena darmos todos uma opinião sobre o assunto.
Um abraço do
Mário
OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (5)
Beja Santos
Recordatória
Entrámos na recta final dos textos compilados pelo escritor João de Melo, na sua antologia referente à literatura da Guerra Colonial, e no que toca ao teatro de operações da Guiné. Importa recordar que estes textos prendem-se com obras publicadas ou inéditas ao nível dos anos 80 e 90. Conviria, no caso de se encontrarem gritantes lacunas, que fizéssemos chegar ao autor informações sobre outros livros publicados e que não vêm referenciados em “Os Anos da Guerra”. Mas uma antologia é mesmo isto: uma escolha arbitrária, um olhar pessoas perante um oceano de palavras impressas ou de que o autor teve conhecimento, quando são textos inéditos. O importante é o levantamento de tudo quanto conhecemos, publicado ou por publicar. Para que os historiadores, amanhã, não nos censurem pelo alheamento.
Carta número cento e dezassete
“O comandante chegou contrafeito, lavado, perfumado, preparado para a festa de anos de um dos filhos do administrador da povoação. E esperou que o longo comboio cinzento de viaturas, regressado pela tropa de segurança à estrada, ondulasse como um farruscado bichinho-da-seda de ficção ao passar pela porta de armas. Do jipe que comandava a força escorregou sem convicção para a sala de operações o capitão responsável, irresponsável para as patentes acima, popular entre os soldados pelas longas horas de conversa, pelo cuidado na resolução de problemas pessoais aqui e acolá e pelo medo na hora da verdade”.
“Em duas horas e meia os restos do camião ficaram atrelados ao pronto-socorro. O capitão refugiou-se no carro de combate mais à mão e daí mandou levantar a segurança, cabeça mascarada pela portinhola pequena da vigia. Os mecânicos voltaram ao coio de guindastes e o oficial da oficina moldou-se a um dos guarda-lamas, arma apontada sem jeito a impor às tripas um coração decente.
Lentamente, o rebocador chegou ao alcatrão guiado pelo chefe dos sapadores, alguns metros à frente, a carpir pelos poros em peque o rabo é o mais difícil de esfolar.
A coluna refez-se, agora o monstro adiante, vítima de farsa a ser abocanhada sem sucesso por outro desventrado, logo ao seguir ao carro de combate do reconhecimento. Movimento marcado pela cabeça, cortejo de passeio de fim-de-semana no rio do desespero. Dançavam sombras em chacota, fugidias nas bermas, quando os holofotes dos carros de combate devassavam a desfazer-se em preces e desculpas os renques desalinhados, e as danças mais rígidas e a música mais estranha provocavam um toque arrependido a tempo no nervo do indicador.”
José Luís Farinha, “De camuflado no peito e na cabeça”, 1978
Uma granada sob o coração
“Os soldados de guarda disparavam para o mato às cegas, sem verem ou ouvirem o que quer que fosse, um alvo ou uma ameaça, porque mais ou menos por ali se tinham sumido os dois rapazes que, possessos de súbita violência, se haviam atirado numa corrida doida até desaparecerem nos desconhecidos, inexistentes, mas familiares caminhos da floresta mãe da vida, da liberdade, da justiça e de tudo o que os homens da floresta sabem, de tudo o que aprenderam com cada árvore, flor, erva, rio, charco, réptil, ave, insecto, cada ser vivo que bebe na terra o segredo de viver, subsistir, iguais no instinto de matar, na inevitabilidade de ser morto. Vimos se sumiram no imenso mar verde das suas indubitáveis origens.
Tornou a colocar a granada ao peito num dos muitos gestos difíceis, imprecisos, que a todos foram necessários para ajustar equipamentos e pegar em armas, à pressa, flutuando a custo no ar denso, com um esbracejar de náufragos, extenuados, corpos-soldados-de-chumbo que eram homens e o sabiam na carne, só o sabiam na carne. Sugeriram-lhe que deitasse fogo à aldeia antes de se ir embora e ele recusou porque a sua guerra não era a mesma em que se estava a debater, a sua ainda não tinha começado, seria uma guerra de ganhar ou perder e não aquela, se bem que duvidasse que essa outra guerra alguma vez chegasse.”
“Foi logo a seguir. Caiu em cima deles a surpresa, uma chuva de ferro, estampidos e silvos de ar vergastado e quedas e ramos partidos e pragas e explosões e o gargalhar fantasmagórico das rajadas matadoras e o homem ao lado dele com o sangue no ventre e nas mãos que disse «Ai, mãe!» e morreu.
Atrás da sua árvore levou a mão ao bolso e tirou-a, a reluzente granada com quem os seus dedos andavam calhados de amor e vício, puxou a argola amarela num repente de furor e ficou um momento a mira-la, a cavilha apenas presa pelos dedos brancos de força enquanto, desfocado, o cadáver do ventre sangrento o olhava fixa e friamente; jogou-se para a luz, para lá do escudo eleito, e atirou-a para de onde vinha a morte sonora e invisível que semeava surpresas de sangue.”
Álvaro de Guerra, “O disfarce”, 1979
Falta-nos agora José Martins Garcia, um escritor fundamental dos anos 70, que deixou registos de valor indiscutível sobre a sua experiência na Guiné. Ele e Sérgio Matos Ferreira irão pôr termo a esta viagem antológica em que tivemos como bordão as escolhas do escritor João de Melo
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5611: Notas de leitura (50): Os Anos da Guerra, de João de Melo (4): O Tempo em Uane e O Bando Armado (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P5616: Núcleo museológico Memória de Guiledje (1): Arame farpado e sistema de alerta com garrafas de cerveja (Pepito)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2010 > Núcleo museológico Memória de Guiledje, a inaugurar oficialmente no dia 20 deste m ês de Janeiro.
Fotos: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Direitos reservados
1. Mensagem do nosso amigo Pepito, da AD - Acção para o Desenvolvimento:
Assunto - Guiledje: pedido de apoio
Luís Amigo:
Estamos na recta final dos trabalhos para a inauguração do Museu.
Um dos locais a visitar é o da zona de arame farpado. Recriámos a situação tal como nos foi descrita. Será que está correcta? Será que esta esta a posição das garrafas como instrumento de alerta? (*)
Quem do nosso Blogue pode dar uma rápida ajuda para ainda irmos a tempo de fazer alguma alteração?
abraço
pepito
PS - A título de curiosidade, mando uma foto da sinalização (neste caso capela) que estamos a colocar na zona do quartel
_______________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste, da I Série > 10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLV: Projecto Guileje (7): recuperação do quartel (Luís Graça)
Guiné- Bissau > Guileje > 2005 > Restos da estrutura (pilares de cimento armado) que sustentava a rede de arame farpado do antigo aquartelamento. Mais de trinta anos depois, a natureza volta a impor o seu domínio sobre os homens e as suas máquinas de guerra.
Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2005). Direitos reservados
(...) Começaram os preparativos para a recuperação do Quartel de Guileje > 4 de Dezembro de 2005 > Reportagem
(...) O Projecto Guiledje (respeitando a grafia usada pelos nossos amigos da Guiné-Bissau) vai ser uma das prioridades da AD - Acção para o Desenvolvimento, para 2006.
Parece haver um grande entusiasmo à volta desta iniciativa por parte dos quadros desta ONG guineense, mas também das "comunidades locais envolvidas, em especial as de Guiledje, Medjo e Iemberém, assim como do nosso parceiro europeu, o Instituto Marquês de Valle Flôr".
(...) Contando com a colaboração de várias tabancas dos arredores, começou por se proceder à limpeza e demarcação da área do antigo quartel, "tendo-se identificado os diversos vestígios que facilitarão a localização das antigas infraestruturas militares".
(...) O levantamento e elaboração da planta topográfica do quartel e arredores (cerca de 6 ha) deverão estar concluídos no final da primeira quinzena de Dezembro de 2005. Nelas ficarão registadas "as fundações das antigas instalações, os abrigos subterrâneos, os marcos, as trincheiras, a linha de pilares de arame farpado e as árvores mais imponentes que vão ser preservadas".
(...) É aguardada a chegada a Bissau, em 13 de Janeiro de 2006, do arquitecto responsável pela recuperação paisagística do local. Ele vai trabalhar com a equipa local na reconversão do quartel, incluindo "a instalação das palhotas para os ecoturistas, o centro de formação e aprendizagem rural, a sede do parque transfronteiriço, o centro de documentação histórico e as restantes infraestruturas de apoio organizativo".
(...) Ainda este mês pensa-se poder fazer um furo de água de grande profundidade, de 40 a 60 metros, que irá permitir abastecer o quartel e as tabancas limítrofes.
O repórter fotográfico free-lancer Paulo Barata esteve na Guiné-Bissau no passado mês de Novembro, "onde produziu uma centena de fotos de excelente qualidade que irá servir para editar 9 cartões postais de Cantanhez e criar um cartaz de promoção ecoturística da zona".
(...) Ainda segundo a nossa fonte, "em Portugal, o Capitão José Neto [membro da nossa tertúlia] disponibilizou cerca de 150 fotos de Guiledje dos anos 1967-68 que irão ser em breve digitalizadas com a colaboração do Filipe Santos" (que organizou o sítio da AD na NET e que pertence à Escola Superior de Educação de Leiria, um dos parceiros portugueses da AD - Acção para o Desenvolvimento).
(...) Está igualmente avançada "a elaboração do Atlas Florístico de Cantanhez, preparado pelo especialista belga Professor François Malaisse [do Jardim Nacional Botânico da Bélgica], o qual será editado em Abril de 2006".
A AD anda agora à procura de "um especialista que faça o levantamento da fauna selvagem desta zona".
(...) Recorde-se que Guileje fica(va) entre Mejo, a noroeste, na estrada que da(va) a Bedanda; Gadamel fica(va) a sul, ou sudeste, mesmo na fronteira. A localidade e o aquartelamento de Guileje eram cortados pela estrada que ligava a Mejo (à esquerda) e a Gadamael (à direita).
(...) Por Guileje passaram diversas unidades, as duas últimas terão sido a CCAC 3477 (1970/71) e a CCAV 8350 (1972/73), esta uma unidade constituída essencialmente por soldados açorianos, incluindo gente da Ilha do Pico, segundo informações do Pepito.
Estima-se que vivessem na tabanca de Guileje cerca de 600 africanos, entre civis e militares, na altura em que o aquartelamento foi abandonado, em 22 de Maio de 1973, pelas NT (CCAV 8350, 1972/73), depois de um cerco de 5 dias pela guerrilha do PAIGC.
(...) E, por fim, uma referência simpática ao nosso Blogue e à nossa tertúlia: "De salientar que, também em Portugal, um grupo de antigos militares que fez a guerra na Guiné-Bissau e que se juntaram numa tertúlia, tomaram a iniciativa (...) contribuir e dar apoio a [este projecto]. (...).
(...) Ainda recentemente perguntei ao Pepito se tinha contactos com os ex-militares açorianos. A resposta dele foi não, embora ele saiba que nos Açores e em particular na Ilha do Pico vivem alguns dos que lá estiveram, provavelmente integrados no grupo dos "gringos açorianos" (sic), a CCAÇ 3477 (1971/72). Mas a CCAV 8352 (que só lá esteve seis meses, entre Dez 1971 e Mai 1973) , também era constituída por pessoal açoriano.
Na mesma data (21 de Novembro último), o Pepito mandou-me, em anexo, "um quadro que um amigo meu português, António Estácio, me ajudou a fazer, listando todas as companhias que passaram por Guiledje, onde estão os nomes de algumas pessoas que nos têm disponibilizado documentos (fotografias, memórias e informações)"... É uma lista ainda "muito limitada, a necessitar de identificar mais pessoas interessadas em colaborar e a precisar algumas das datas em dúvida".
Aqui fica a lista das unidades militares que estiverem aquarteladas em Guileje (1964-1973):
(...) Unidade / Período de tempo / Pessoa de Contacto
CCAÇ 676 / De Set 1964 a (?) / Ninguém
CCAÇ 726 / De Out 1964 a (?) / Teco
CCAÇ 1424 /De Jul a Nov 1966 / Ninguém
CCAÇ 1477 / De Dez 1966 a Jun 1967 / Ninguém
CART 1613 / De Jun 1967 a Mai 1968 / José Neto
CCAÇ 2316 / De Mai 1968 a Jul 1969 / Ninguém
CART 2410 / De Jul 1969 a Mar 1970 / Ninguém
CCAÇ 2617 (Magriços) / De Mar 1970 a Fev 1971 / Abílio
CCAÇ 3325 / De Fev a Dez 1971 / Parracho
CCAÇ 3477 (Gringos de Guiledje) / De Dez 1971 a Dez 1972 / Ninguém (...)
CCAV 8350/72 (Piratas de Guileje) / De Dez 1972 a Mai 1973) / Ninguém
Guiné 63/74 – P5615: Histórias do Eduardo Campos (4): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério, Cadique/Cantanhez (Parte 4): Ataques e flagelações do
1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos mais uma mensagem (a 4ª), em 7 de Janeiro de 2010:
CAÇ 4540 – 72/74
"SOMOS UM CASO SÉRIO"
PARTE 4
CADIQUE/CANTANHEZ
A actividade operacional de constante patrulhamento da Zona, incidiu sobremaneira no esforço desenvolvido pela CCAÇ 4540, com o começo da concretização do projecto de construção da estrada Cadique-Jemberém, na actividade de protecção aos trabalhos e segurança às máquinas.
Terminada que foi a construção da estrada, houve necessidade de continuar com a actividade operacional normal, agora acrescida com as necessárias escoltas às colunas, que se deslocavam no sentido de Cadique – Jemberém e vice-versa.
Além das referidas actividades, ainda se procedia aos reordenamentos e à contrução das instalações militares do aldeamento, que eram feitos também por militares. Imaginem o que estes homens passaram.
O facto de eu ser Rádio Telegrafista, originou que fosse poupado nas tarefas mais duras, podendo afirmar que fui um privilegiado.
FLAGELAÇÕES – ATAQUES - EMBOSCADAS:
13/12/72: Um Grupo IN atacou n/posição Estacionamento Provisório, cerca das 18h30m, com RPG 7 tendo disparado cerca de 8 granadas.
15/12/72: Um Grupo IN, flagelou n/posição Estacionamento Provisório cerca das 19h30m, tendo disparado durante cerca de 15 minutos, com o Morteiro de 82 mm, despejando sobre nós cerca de 19 granadas, sem consequências pessoais e materiais.
04/01/73: O IN flagelou Cadique com foguetões e 43 granadas de Morteiro de 82 mm pelas 21h20m, durante 25 minutos.
04/01/73: Um Grupo IN atacou Cadique com armas ligeiras, Metr. Dectyarev, RPG 2 e RPG 7, pelas 22h30m, durante 35 minutos.
08/01/73: O IN flagelou Cadique com cerca de 20 granadas de Canhão s/r e 6 RPG 2, pelas 18h40m, durante 10 minutos, acertando no centro do aquartelamento e provocando um ferido.
27/01/73: O IN flagelou Cadique pelas 20h00m, tendo iniciado o ataque com granadas 2 RPG 7, seguidas de Morteiro de 82 mm e Canhão s/r, tendo sido ouvidos no total cerca de 35 rebentamentos.
05/02/73: O IN flagelou Cadique pelas 19h15m, terminando às 19h35m. No ataque foi utilizado o Canhão s/r, Morteiro de 82 mm e RPG 7.
16/02/73: Um Grupo IN emboscou 2 Grupos de Combate da CCaç 4540, sem consequências pessoais.
23/02/73: O IN flagelou Cadique pelas 21h30m e pelas 22h00m, tendo iniciado o seu ataque com Morteiro de 82 mm e Canhão s/r, simultaneamente, consumindo no 1º ataque 12 granadas de Morteiro de 82 mm e 7 de Canhão s/r, no 2º ataque 5 granadas de Morteiro de 82 mm e 6 de Canhão s/r. Não houve consequências pessoais, havendo diversas destruições materiais.
27/02/73: Um Grupo IN numa emboscada no mato, causou 3 feridos ligeiros a militares da Companhia.
MARÇO/73: Verificaram-se 11 flagelações aos trabalhos da construção da estrada Cadique/Jemberém, e, numa emboscada na mesma estrada, causou 4 feridos às NT e 6 feridos ao pessoal da demarcação da Brigada de Engenharia.
03/03/73: O IN flagelou Cadique pelas 18h40m, terminando às 18h50m, tendo dado início ao ataque com Morteiro de 82 mm, com cerca de 10 granadas.
ABRIL/73: O IN efectuou 7 flagelações à estrada Cadique/Jemberém, colocou uma mina A/C no alcatrão junto á berma, que foi accionada por uma moto-niveladora da Brigada de Engenharia.
Fez outra tentativa de colocação de minas, tendo rebentado uma, julgamos que no momento da colocação da mesma. O inimigo abandonou no preciso local três minas sobre o alcatrão.
Também fez accionar dois fornilhos numa tentativa de cortar a estrada, ou dificultar a progressão da coluna, que ia fazer a colocação do destacamento de Jemberém.
Montou duas emboscadas seguidas na zona da frente de trabalhos a uma patrulha, causando 1 morto e 7 feridos, na primeira acção e 2 feridos na segunda.
01/04/73: O IN flagelou Cadique pelas 20h00, com Morteiro de 82 mm, disparando cerca de 15 granadas. Apenas 3 caíram dentro do aquartelamento.
03/05/73: O IN fez accionar, à passagem da coluna na estrada CADIQUE JEMBEREM, uma mina A/Carro.
Feito o reconhecimento foram levantadas três minas sem qualquer ocorrência.
04/05/73: Um Grupo IN, com cerca dez elementos, emboscou, na estrada, uma viatura da Brigada de Estudos e Construção de Estradas, que transportava exclusivamente pessoal africano civil, causando dois mortos e nove feridos graves.
13/05/73: O IN emboscou uma coluna que partiu de Cadique para Jemberém, abrindo fogo com granadas de RPG 2 e 7 e accionando ao mesmo tempo duas minas A/Carro.
Feito o reconhecimento ao local da emboscada, foram detectadas mais 4 minas A/Carro, que foram levantadas.
As NT tiveram 11 feridos evacuados para Bissau. Mais tarde recebemos a notícia da morte de um militar da Brigada Engenharia, que estava adido à CCaç 4540.
17/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 20h05, com granadas de RPG 7 e RPG 2, durante cerca de 5 minutos, tendo intercalado o fogo com espaços curtos de tempo. Foram ouvidos mais 12 rebentamentos e detectou-se o local da base de fogo.
As NT reagiram com granadas de Morteiro de 81 mm, tendo calado o fogo do IN aos primeiros rebentamentos sobre a posição detectada.
Saiu uma força da CCP 122 com a CCaç 4540, para reconhecimento, nada tendo encontrado.
19/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 00h30, com 6 granadas de RPG 2 e LGF 8,9 cm em simultâneo. Após o 1º rebentamento cessou o fogo, que reiniciou cerca de 15 minutos depois, para voltar de novo com 2 granadas de LGF 8,9 cm, que não rebentaram. Passados mais alguns minutos repetiram-se novos rebentamentos de RPG 2.
Esta situação durou cerca de 3 horas e meia, mantendo IN o mesmo tipo de acção. Foram ouvidos no total de cerca de 45 rebentamentos e detectadas e levantadas 7 granadas LGF que não rebentaram.
As NT, por dificuldades de visibilidade das saídas dos disparos do inimigo, apenas reagiu ao fogo IN quando se conseguiram detectar 2 das suas posições de flagelação.
O IN, após a concentração de 7 granadas de Morteiro 81 mm, numa das bases, cessou o fogo, não voltando a fazê-lo daquela posição. Tendo-se feito mais fogo para outros locais de onde, esporadicamente, se viam as saídas.
Foram pedidos, ao PelArt 17, alguns tiros de apoio sobre as eventuais localizações do IN, cuja resposta foi imediata.
26/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 18h05, com Canhão s/r. O ataque prosseguiu com violência e rapidez, calculando-se que tenham sido lançadas pelo inimigo 20 granadas, das quais foram encontradas diversas embalagens vazias.
Dada a dificuldade da localização das saídas das granadas, acentuada pelo facto de ainda ser dia, mantivemo-nos por momentos na expectativa para não disparamos “à balda”, até nos ter sido comunicada as coordenadas da posição dos guerrilheiros do PAIGC, por um bigrupo que se encontrava a fazer a segurança próximo do quartel.
Reagimos então com o Morteiro de 81mm, efectuando a concentração de 15 tiros no local indicado pelo nosso bigrupo. Ao mesmo tempo foi ordenado pelo capitão ao bigrupo, que se encontrava na frente, que reagisse com Morteiro de 60mm e batesse a retirada do IN.
10/06/73: O IN flagelou Cadique com Canhão s/r e Morteiro de 82 mm, tendo sido contados cerca de 23 explosões. Foram detectadas duas posições de flagelação usadas pelo inimigo e nós reagimos com granadas de Morteiro 81 mm.
Algumas granadas de Morteiro do PAIGC, caíram na zona Norte/Leste do aquartelamento, sobre a estrada do Porto de Cadique, onde circulavam viaturas, e, várias granadas detonaram, junto á LDG Bombarda, em terra e no rio.
A LDG que se encontrava ancorada, com carga a bordo, para ser descarregada, reagiu, por sua vez, com o seu poder de fogo.
Foi pedido ao PelArt 5 apoio de Obus, que respondeu, com prontidão e com precisão, batendo as duas bases de fogo inimigas.
A LDG, quase de imediato, deu meia volta e regressou à sua base com a carga a bordo.
Após as hostilidades, saiu em reconhecimento um grupo da companhia, que fez reconhecimento à base de Morteiro 82 mm utilizada pelo IN, tendo encontrado diversos vestígios seus.
As granadas que caíram dentro do aquartelamento destruíram dois telheiros.
12/06/73: Mais uma emboscada com RPG 2 e 7, que originaram 3 feridos no pessoal da Brigada de Engenharia.
21/06/73: O dia mais trágico da Companhia: Num ataque efectuado pelo PAIGC, pouco depois da saída da vedação do aquartelamento, um simples estilhaço de RPG, foi suficiente para ceifar a vida de um camarada de nome: Vitorino Susano Simão.
Este triste acontecimento teve precursões que marcariam (digo eu), para sempre o seu Comandante de Pelotão - Alferes Pereira.
Segundo a rotina do pelotão, os homens da frente não eram sempre os mesmos e nesse dia não seria a vez do Simão ir à frente, o que originou que o alferes, ética e moralmente, assumisse a responsabilidade da morte do mesmo.
Quem mantém o contacto com o mesmo, como os nossos amigos Manuel Reis e Vasco Ferreira, sabem que não exagero, dizendo, que uma parte da sua alma ficou, nesse dia e com essa triste e lamentável morte, na mata do Cantanhez.
Em relação a este facto, pessoalmente, direi que: “Também tive, neste dia, a minha dose traumática.”
O Simão morreu quase de imediato e, cumprindo ordens superiores, o corpo iria para Cufar, mas de forma que a população não se apercebesse que o mesmo já tinha falecido. Assim, foi transportado de maca com uma agulha espetada no braço, tendo-me tocado a mim segurar no frasco do soro. Partirmos para Cufar, onde apanhamos mais um choque, pois não haviam caixões e, ali ficou o corpo na maca, escondido numa arrecadação.
03/07/73: O IN iniciou nova flagelação e ataque pelas 20h30 empregando RPG 2, RPG 7 e armas ligeiras.
Logo após os primeiros rebentamentos, os militares da CCaç 4540 e da CCS/BCaç 4514, responderam de imediato.
O ataque IN foi efectuado a partir de três pontos diferentes, colocando todo o aquartelamento debaixo de ferro e fogo.
Foi pedido pelo Comandante do BCaç 4514 ao 5º Pel Art apoio de Obus, de modo a bater os prováveis caminhos de retirada do IN.
13/07/73: Pelas 19h45, foram vistos 2 Very Lights, pelos sentinelas do aquartelamento, sendo um vermelho e outro amarelado.
O IN iniciou a flagelação com uma rajada de arma ligeira, seguida de disparos de RPG 2 e 7.
Respondemos com fogo de armas ligeiras, Morteiro de 60 mm e Bazuca, fazendo calar o IN. Foram também efectuados alguns tiros de Morteiro 81 mm, para bater os prováveis caminhos de retirada.
Mais uma vez foi solicitado tiro de Obus.
Saiu uma força da CCaç 4540, que reconheceu a base de ataque do IN, tendo sido encontradas duas granadas de RPG 2.
21/07/73: Mais um dia negro para a Companhia, desta vez por doença, falecendo o nosso camarada Mário da Conceição Vieira.
30.07.73: Para montar a segurança de uma coluna de reabastecimento a Cadique/Jemberém, foram destacados um bigrupo da CCaç 4540 e um Pel. Rec da CCS/BCaç 4514, que seguiam a pé ladeando a estrada (para protecção aos picadores), um elemento da CCS accionou uma mina A/P, ficando com a perna decepada. Na zona foram detectados mais seis explosivos do mesmo tipo que foram destruídas.
30/07/73: Pelas 20h30 o IN flagelou Cadique com RPG 2, 7 e 8, tendo iniciado o ataque com uma rajada de Kalashnikov.
Após ter terminado a flagelação com RPG e armas ligeiras, abriram fogo de Canhão s/r sobre o nosso aquartelamento.
Foram localizadas três bases de fogos na direcção de Cacine.
O potencial de fogo IN, sobretudo o de RPG, foi intensíssimo e os rebentamentos localizaram-se todos juntos as áreas dos grupos de combate, que circulavam em defesa periférica, o mesmo acontecendo na flagelação de Canhão s/r, da qual se estimaram 25 rebentamentos.
Na manhã seguinte foram encontradas na mata 4 Granadas de Canhão s/r não deflagradas.
Da nossa parte foram utilizadas armas ligeiras, Morteiro de 60 mm, Morteiro de 81 mm, LGF 8 e 9 cm, e dilagramas.
No reconhecimento feito de manhã, foram encontradas granadas de RPG com cargas, uma bolsa com três carregadores de Kalashnikov, com munições, e vestígios de sangue que nos levou a concluir que o IN teve, pelo menos, alguns feridos.
Da flagelação IN resultaram danos materiais em várias barracas de lona, casas da população e um ferido da Companhia.
O PAIGC colocava com frequência minas Anti-carro e fornilhos, camufladas no alcatrão na estrada Cadique/Jemberém.
Estas datas terão sido as mais marcantes, no entanto muito fica por contar, principalmente no caso de emboscadas e levantamento de minas, mas continuar, exaustivamente, com este rol tornar-se-ia maçador.
Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
_____________
Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5602: Histórias do Eduardo Campos (3): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério, Cadique/Cantanhez (Parte 3): Nós e o PAIGC no Cantanhez
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Guiné 63/74 - P5614: História da CCAÇ 2679 (32): Reflexões sobre Tabassi e o mau relacionamento com o Trapinhos (José Manuel M. Dinis)
1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 6 de Janeiro de 2009:
Bom dia Carlos,
Envio-te mais um bocadinho de lenga-lenga, a ver se se faz alguma história. E a descrição de alguns venenos que poderiam atribular a pacatez da comissão.
Um grande abraço.
J.D.
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (32)
Reflexão conjunta
Uns dias após a noite de Tabassi, ficámos a saber que o Pestana salvar-se-ia da morte prognosticada. Retiraram-lhe uma parte do frontal e da massa craneana, do que sofrerá algumas sequelas, mas viverá relativamente bem. Definitivamente não voltará ao serviço militar. Regozijámo-nos com esta notícia, que o dá como capaz para a vida.
Fizemos uma reflexão sobre os acontecimentos: em primeiro lugar, destacámos a disciplina do IN, pois foram detectados, tiveram ocasião para disparar sobre mim e o grupo que acompanhava o Virgílio Sousa, mas, talvez porque não estivessem todos ainda instalados, demoraram duas horas a atacar-nos, o que poderia constituir novo efeito surpresa. Em seguida, verificámos que a primeira rocketada foi para o lugar referenciado pelo tiro do Virgílio, mais tarde confirmado, quando ali me dirigi e fiquei à conversa sem especial cautela. Falhámos ambos. E a confirmar todas os conhecimentos anteriormente adquiridos sobre as identificações de posições de combate, nomeadamente em período nocturno, foi o desencadear certeiro do ataque. Sairam-nos caro aqueles deslizes. Todos sabíamos como proceder correctamente, mas, na ocasião, subvalorizámos os indícios do IN. Correcto, teria sido ficarmos em rigorosa prevenção, e não adormecer debaixo da árvore, por um lado, por outro, antes do disparo, algum dos elementos daquela posição deveria ter-me informado das suspeitas.
Mas a refrega consumara-se a nosso favor, por isso, agora levantava-se outro problema: seria que o IN, mais tarde ou mais cedo, procuraria vingar-se de nós? Ninguém poderia responder a esta questão, mas avultava a necessidade de aumentarmos o cuidado, de termos especial atenção na estrada, onde mais facilmente poderiam concretizar os intentos. Cada um de nós teria que tornar-se mais responsável e preparado para enfrentar nova iniciativa do IN. Era certo que não os temíamos, como ficara demonstrado, mas teríamos que prevenir o grupo, pois em algumas situações as baixas são inevitáveis, salvo, quando as iniciativas são mal desencadeadas. Era, por isso, necessário intuir os procedimentos e comportamentos futuros, tendo em conta que só a homogeneidade do grupo poderia garantir o sucesso de cada um.
Estávamos todos de acordo e, no geral, compenetrámo-nos na acção colectiva.
O novo relacionamento com o COT-1
Numa ocasião posterior deslocámo-nos a Pirada, em missão rotineira de recolha e transporte de mercadorias para Bajocunda. Na Companhia referiram-me para me apresentar no COT-1. Ali chegados, distribuí tarefas ao pessoal, após o que me informei da localização do Major-Comandante. Tratar-se-ia de uma pessoa de maus créditos, a avaliar pelos adjectivos e descrições que me fizeram. Entrei no edifício, passei por dois compartimentos vazios e, no terceiro, encontrei o Major deitado sobre um colchão. Cumprimentei-o com uma palada, e o Oficial ergueu-se, retribuíu sem cerimónia, pegou-me pelo braço deu-me os parabéns pelo magnífico grupo de homens que comandava. Perguntou-me se a viagem não levantara problemas, se tivera cuidados especiais à passagem pelo morro entre Tabassi e Pirada, um lugar fortemente provável para uma emboscada às NT. Menti, respondi-lhe que era meu costume mandar uma Secção a envolver o local, por forma a evitarmos surpresas desagradáveis. O Major concordou. Subitamente perguntou-me pelo pessoal, ao que respondi estarem no cumprimento de tarefas. O Comandante referiu que gostaria de os ter cumprimentado, e comprometi-me a, numa próxima oportunidade, proporcionar-lhe o encontro. O Major ainda fez considerações sobre a necessária segurança no mato, ao que anuí e acrescentei que por vezes conversávamos a propósito, o que era verdade.
Despedimo-nos, o Major deu-me uma pancada nas costas, notoriamente cordial, e que surpreendeu quem assistia, pois esta cena passou-se no exterior do edifício. Perfilei-me, e pedi licença para seguir, que me foi concedida.
Quando voltei a Pirada, preveni o pessoal para permanecerem ordeiramente sentados nas viaturas, com as armas sobre os joelhos, porque viria o Comandante do COT-1 em revista e a dar-lhes ordem para destroçar. Assim aconteceu. Dirigi-me ao gabinete para a necessária apresentação, que decorreu com cordialidade, e como o Major se alongasse na conversa, pedi licença, e perguntei-lhe se queria ver o pessoal antes de se dispersarem nas tarefas. Imediatamente colocou a boina e saíu na direcção das viaturas. O Foxtrot estava bem comportado, com ar confiante, e em atitude marcial, como que pronto a sair para uma missão de risco. Segui o Comandante que parou junto da primeira viatura, cumprimentou e disse qualquer coisa de elogioso ao pessoal, distribuíu duas ou três bacalhauzadas aos mais próximos, após o que me mandou dar ordens ao Pelotão.
Verifiquei assim, da parte do Exército, uma especial consideração por um Grupo de Combate, relativamente apresentável, mas com espírito de sacrifício, voluntarioso, e atitude combatente. Naturalmente, senti-me vaidoso.
Entretanto sairam meia-dúzia de louvores, contrariando a ideia que transmiti ao Trapinhos, quando fui inquirido sobre o assunto, e lhe respondi que, justo seria num louvor colectivo, pois o que importava realçar, era, no meu entender, o espírito de grupo sempre evidenciado.
A seguir fiz uma coluna a Nova Lamego para os costumeiros transportes de víveres para a Companhia. Ali chegados, o pessoal foi às tarefas, e eu fui apresentar-me ao Major Segundo Comandante, acompanhado pelos restantes elementos para alguma eventualidade. Se corresse bem, teríamos tempo para umas cervejolas e, até para almoçarmos.
Apresentei-me à porta do gabinete, fiz a palada e apresentei-me. O Major, que falava com um Furriel, imediatamente levantou a voz para mim, questionando-me sobre o desalinho, se eu não tinha noção do modo como trajava; sobre as patilhas e a mosca, se estava autorizado para tal; e enfureceu-se quando viu um cinto estranho ao fardamento. Eu, acabrunhado, respondia sim e não, completamente surpreendido e irritado com a violência do interlocutor. Logo ali prometeu-me uma porrada e mandou-me desandar. Virei costas e saí, que era o que eu mais queria fazer. Ao chegar ao pátio lacrimejei de raiva por me sentir vexado. O que lhe devia ter dito, se falasse de igual para igual, era que lhe fazia o favor de andar a combater para sua excelência passar uma tropa porreira no remanso do gabinete, e garantir uma choruda conta bancária no fim da comissão. O pessoal notou que eu estava alterado, perguntaram-me qualquer coisa e respondi:
- Está a andar, é reunir as viaturas e partimos já.
Durante o regresso, acalmado pelos solavancos da picada, ainda me ri da cena com o Major, qual guerra dentro da guerra: é que a minha apresentação, não sendo muito original, era suficientemente distraída para esbugalhar o olhar atento de um Oficial Superior que medrou entre NEP's e regulamentos. O que eu envergava era botas de cabedal, calças verdes de serviço, camisa camuflada e boina da farda n.º 1. O cinto era o do turra. Enfim, não seria a apresentação mais compaginável com a desejada imagem do Exército, menos ainda com a de um herói de Hollywood.
Dois ou três dias depois fui chamado ao COT-1, onde o Major me referiu ter tido conhecimento do meu problema em Nova Lamego, e que pediu ao ao Segundo-Comandante para não me dar a porrada, contra a promessa de que eu me apresentaria com cara lavada e bem ataviado. Disse o Major, que eu me barbeasse, vestisse em conformidade, e fosse apresentar-me ao Major de Nova Lamego, lembrando-me que uma punição não interessava a ninguém. Agradeci-lhe e comprometi-me.
Outra guerra
Poucos dias após, o Trapinhos, durante uma conversa restrita e informal, revelou que estava atrapalhado para uma data próxima, com falta de pessoal para Tabassi. Fiz-lhe ver que no dia imediato ao da dificuldade tinha programada uma operação-psico numas aldeias do interior, relativamente próximas do Gabu, onde teria que me dirigir para apresentação ao Major, mas se a dificuldade persistisse, poderia contar com o Foxtrot para lá irmos passar a noite, na condição de regressarmos mais cedo do que o habitual, para banhos, pequeno-almoço, e saída imediata. Aliviado, o Capitão imediatamente acolheu a disponibilidade demonstrada, que transformou em ordem, e disse-me que faria o reforço à aldeia.
Entretanto chegou uma verba para mim, a título de prémio pecuniário pela captura de armamento. Decidi abrir um crédito na cantina a favor do Foxtrot e, a partir daí, todos os prémios que recebi tiveram o mesmo destino.
Tínhamos patrulhado de manhã, e fomos passar a noite a Tabassi. No regresso a Bajocunda dei indicações precisas para o pessoal se preparar rapidamente, tomarem o pequeno-almoço, e aprontarem-se para a saída. Eu faria a coluna até Nova Lamego, enquanto eles visitariam uma aldeia munidos de ração de combate. Depois esperar-me-iam perto da ponte, onde me juntaria a eles para prosseguirmos as visitas até ao dia seguinte. Durante a minha ausência o Pelotão seria comandado pelos Cabos Valentim e Andrade. Houve uns murmúrios sobre tanta actividade, mas nada de relevante.
Fui pôr-me bonito para a apresentação ao Major. Quando cheguei à parada vieram dizer-me que não tinham tabaco e não sabiam do Jesus, o cantineiro. O Trapinhos também seguia viagem, mas ainda não aparecera, pelo que achei ainda haver tempo. A saída protelava-se bastante, e nem Capitão, nem Jesus. Quando o Capitão surgiu falei-lhe na dificuldade do pessoal em arranjar tabaco, ao que, descuidadamente, respondeu:
- Esses filhos da puta não precisam de fumar.
Ora, alguém ouviu e o Pelotão fez finca-pé. Sem tabaco não saíam. O Trapinhos, já em cima de um Unimog, deu-me ordem para partirmos. Respondi-lhe que o pessoal tinha falta de tabaco, não tivera oportunidade de o comprar por ter passado o dia fora, e parecia razoável aviarem-se para outros dois dias.
- Dê-lhes ordem para subir. - Respondeu-me o Capitão.
- Eu? - Questionei-o na esperança de atender ao meu argumento.
- Sim, você! Não é o Comandante deles? - Respondeu-me.
- E você, meu capitão, o que é? - Perguntei-lhe farto da intolerância.
Alguém apareceu com um volume de maços de cigarros, porque a cena já era apreciada por muitos militares, o pessoal tomou lugar nas viaturas e partimos. Era visivel alguma confusão na segunda viatura, onde seguia o Capitão.
Em Nova Lamego apresentei-me ao Segundo-Comandante nas condições regulamentadas. A seguir teria que aguardar pelo regresso, sem qualquer missão, que não fosse o devaneio. Dirigi-me ao bar em frente do Comando, onde me sentei numa mesa com Páras. Momentos depois entrou na sala um Cabo a perguntar por mim. Identifiquei-me, e pediu-me para o acompanhar ao Comandante. Sentei-me ao lado dele no jipe, que atravessou a rua e parou no pátio interior. Subi ao gabinete no primeiro andar.
O Tenente-Coronel mandou-me entrar. Sentado, num canto, à minha esquerda e à direita da secretária do Comandante, estava o Trapinhos. Levei uma piçada durante uma hora, em sentido, que nem eu pedira, nem ele me mandou pôr à-vontade. Pedi-lhe licença, mas retorquiu que ainda não acabara de falar. Alguns minutos depois deu-me autorização para argumentar. Comecei a expor as minhas razões, quando o Comandante me interrompeu, questionando-me se estava a acusar alguém. Não, não estava, respondi, apenas apresentava as justificações da minha defesa perante o que tinha sido referido. De soslaio, pelo canto do olho, via o Capitão a cruzar e descruzar as pernas, nitidamente nervoso. No final, o Tenente-Coronel, mais cortês, disse-me, que aos milicianos competia uma importante tarefa no enquadramento do pessoal e, que ainda tínhamos o dever, sempre que possível, de aliviar as tarefas do nosso Capitão, já assoberbado com outras funções que só ele podia desempenhar. Compreendi que ele percebera a extrema incompetência do Capitão. Depois, cordialmente, mandou-me sair.
Senti um grande alívio. Livrara-me de outra armadilha. Fui almoçar, descontraí, e voltei a encontrar alegria quando me juntei ao Foxtrot para prosseguirmos o caminho da psico, sugeito a algumas larachas por ter andado a passear e a banquetear-me na cidade. A operação de psico consistia no tratamento de feridas e distribuição de comprimidos, conforme as mazelas que a população apresentava, tratamentos exponenciados com alguma injecção, se o problema se mostrava mais gravoso. Davam-se conselhos para deslocação às consultas junto da tropa sempre que era aconselhado.
Muito pouco tempo depois, o Comandante do COT-1 foi substituído, e perdi um interlocutor de referência.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5562: História da CCAÇ 2679 (31): Ataque à tabanca de Tabassi em 30NOV70 (José Manuel M. Dinis
Bom dia Carlos,
Envio-te mais um bocadinho de lenga-lenga, a ver se se faz alguma história. E a descrição de alguns venenos que poderiam atribular a pacatez da comissão.
Um grande abraço.
J.D.
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (32)
Reflexão conjunta
Uns dias após a noite de Tabassi, ficámos a saber que o Pestana salvar-se-ia da morte prognosticada. Retiraram-lhe uma parte do frontal e da massa craneana, do que sofrerá algumas sequelas, mas viverá relativamente bem. Definitivamente não voltará ao serviço militar. Regozijámo-nos com esta notícia, que o dá como capaz para a vida.
Fizemos uma reflexão sobre os acontecimentos: em primeiro lugar, destacámos a disciplina do IN, pois foram detectados, tiveram ocasião para disparar sobre mim e o grupo que acompanhava o Virgílio Sousa, mas, talvez porque não estivessem todos ainda instalados, demoraram duas horas a atacar-nos, o que poderia constituir novo efeito surpresa. Em seguida, verificámos que a primeira rocketada foi para o lugar referenciado pelo tiro do Virgílio, mais tarde confirmado, quando ali me dirigi e fiquei à conversa sem especial cautela. Falhámos ambos. E a confirmar todas os conhecimentos anteriormente adquiridos sobre as identificações de posições de combate, nomeadamente em período nocturno, foi o desencadear certeiro do ataque. Sairam-nos caro aqueles deslizes. Todos sabíamos como proceder correctamente, mas, na ocasião, subvalorizámos os indícios do IN. Correcto, teria sido ficarmos em rigorosa prevenção, e não adormecer debaixo da árvore, por um lado, por outro, antes do disparo, algum dos elementos daquela posição deveria ter-me informado das suspeitas.
Mas a refrega consumara-se a nosso favor, por isso, agora levantava-se outro problema: seria que o IN, mais tarde ou mais cedo, procuraria vingar-se de nós? Ninguém poderia responder a esta questão, mas avultava a necessidade de aumentarmos o cuidado, de termos especial atenção na estrada, onde mais facilmente poderiam concretizar os intentos. Cada um de nós teria que tornar-se mais responsável e preparado para enfrentar nova iniciativa do IN. Era certo que não os temíamos, como ficara demonstrado, mas teríamos que prevenir o grupo, pois em algumas situações as baixas são inevitáveis, salvo, quando as iniciativas são mal desencadeadas. Era, por isso, necessário intuir os procedimentos e comportamentos futuros, tendo em conta que só a homogeneidade do grupo poderia garantir o sucesso de cada um.
Estávamos todos de acordo e, no geral, compenetrámo-nos na acção colectiva.
O novo relacionamento com o COT-1
Numa ocasião posterior deslocámo-nos a Pirada, em missão rotineira de recolha e transporte de mercadorias para Bajocunda. Na Companhia referiram-me para me apresentar no COT-1. Ali chegados, distribuí tarefas ao pessoal, após o que me informei da localização do Major-Comandante. Tratar-se-ia de uma pessoa de maus créditos, a avaliar pelos adjectivos e descrições que me fizeram. Entrei no edifício, passei por dois compartimentos vazios e, no terceiro, encontrei o Major deitado sobre um colchão. Cumprimentei-o com uma palada, e o Oficial ergueu-se, retribuíu sem cerimónia, pegou-me pelo braço deu-me os parabéns pelo magnífico grupo de homens que comandava. Perguntou-me se a viagem não levantara problemas, se tivera cuidados especiais à passagem pelo morro entre Tabassi e Pirada, um lugar fortemente provável para uma emboscada às NT. Menti, respondi-lhe que era meu costume mandar uma Secção a envolver o local, por forma a evitarmos surpresas desagradáveis. O Major concordou. Subitamente perguntou-me pelo pessoal, ao que respondi estarem no cumprimento de tarefas. O Comandante referiu que gostaria de os ter cumprimentado, e comprometi-me a, numa próxima oportunidade, proporcionar-lhe o encontro. O Major ainda fez considerações sobre a necessária segurança no mato, ao que anuí e acrescentei que por vezes conversávamos a propósito, o que era verdade.
Despedimo-nos, o Major deu-me uma pancada nas costas, notoriamente cordial, e que surpreendeu quem assistia, pois esta cena passou-se no exterior do edifício. Perfilei-me, e pedi licença para seguir, que me foi concedida.
Quando voltei a Pirada, preveni o pessoal para permanecerem ordeiramente sentados nas viaturas, com as armas sobre os joelhos, porque viria o Comandante do COT-1 em revista e a dar-lhes ordem para destroçar. Assim aconteceu. Dirigi-me ao gabinete para a necessária apresentação, que decorreu com cordialidade, e como o Major se alongasse na conversa, pedi licença, e perguntei-lhe se queria ver o pessoal antes de se dispersarem nas tarefas. Imediatamente colocou a boina e saíu na direcção das viaturas. O Foxtrot estava bem comportado, com ar confiante, e em atitude marcial, como que pronto a sair para uma missão de risco. Segui o Comandante que parou junto da primeira viatura, cumprimentou e disse qualquer coisa de elogioso ao pessoal, distribuíu duas ou três bacalhauzadas aos mais próximos, após o que me mandou dar ordens ao Pelotão.
Verifiquei assim, da parte do Exército, uma especial consideração por um Grupo de Combate, relativamente apresentável, mas com espírito de sacrifício, voluntarioso, e atitude combatente. Naturalmente, senti-me vaidoso.
Entretanto sairam meia-dúzia de louvores, contrariando a ideia que transmiti ao Trapinhos, quando fui inquirido sobre o assunto, e lhe respondi que, justo seria num louvor colectivo, pois o que importava realçar, era, no meu entender, o espírito de grupo sempre evidenciado.
A seguir fiz uma coluna a Nova Lamego para os costumeiros transportes de víveres para a Companhia. Ali chegados, o pessoal foi às tarefas, e eu fui apresentar-me ao Major Segundo Comandante, acompanhado pelos restantes elementos para alguma eventualidade. Se corresse bem, teríamos tempo para umas cervejolas e, até para almoçarmos.
Apresentei-me à porta do gabinete, fiz a palada e apresentei-me. O Major, que falava com um Furriel, imediatamente levantou a voz para mim, questionando-me sobre o desalinho, se eu não tinha noção do modo como trajava; sobre as patilhas e a mosca, se estava autorizado para tal; e enfureceu-se quando viu um cinto estranho ao fardamento. Eu, acabrunhado, respondia sim e não, completamente surpreendido e irritado com a violência do interlocutor. Logo ali prometeu-me uma porrada e mandou-me desandar. Virei costas e saí, que era o que eu mais queria fazer. Ao chegar ao pátio lacrimejei de raiva por me sentir vexado. O que lhe devia ter dito, se falasse de igual para igual, era que lhe fazia o favor de andar a combater para sua excelência passar uma tropa porreira no remanso do gabinete, e garantir uma choruda conta bancária no fim da comissão. O pessoal notou que eu estava alterado, perguntaram-me qualquer coisa e respondi:
- Está a andar, é reunir as viaturas e partimos já.
Durante o regresso, acalmado pelos solavancos da picada, ainda me ri da cena com o Major, qual guerra dentro da guerra: é que a minha apresentação, não sendo muito original, era suficientemente distraída para esbugalhar o olhar atento de um Oficial Superior que medrou entre NEP's e regulamentos. O que eu envergava era botas de cabedal, calças verdes de serviço, camisa camuflada e boina da farda n.º 1. O cinto era o do turra. Enfim, não seria a apresentação mais compaginável com a desejada imagem do Exército, menos ainda com a de um herói de Hollywood.
Dois ou três dias depois fui chamado ao COT-1, onde o Major me referiu ter tido conhecimento do meu problema em Nova Lamego, e que pediu ao ao Segundo-Comandante para não me dar a porrada, contra a promessa de que eu me apresentaria com cara lavada e bem ataviado. Disse o Major, que eu me barbeasse, vestisse em conformidade, e fosse apresentar-me ao Major de Nova Lamego, lembrando-me que uma punição não interessava a ninguém. Agradeci-lhe e comprometi-me.
Outra guerra
Poucos dias após, o Trapinhos, durante uma conversa restrita e informal, revelou que estava atrapalhado para uma data próxima, com falta de pessoal para Tabassi. Fiz-lhe ver que no dia imediato ao da dificuldade tinha programada uma operação-psico numas aldeias do interior, relativamente próximas do Gabu, onde teria que me dirigir para apresentação ao Major, mas se a dificuldade persistisse, poderia contar com o Foxtrot para lá irmos passar a noite, na condição de regressarmos mais cedo do que o habitual, para banhos, pequeno-almoço, e saída imediata. Aliviado, o Capitão imediatamente acolheu a disponibilidade demonstrada, que transformou em ordem, e disse-me que faria o reforço à aldeia.
Entretanto chegou uma verba para mim, a título de prémio pecuniário pela captura de armamento. Decidi abrir um crédito na cantina a favor do Foxtrot e, a partir daí, todos os prémios que recebi tiveram o mesmo destino.
Tínhamos patrulhado de manhã, e fomos passar a noite a Tabassi. No regresso a Bajocunda dei indicações precisas para o pessoal se preparar rapidamente, tomarem o pequeno-almoço, e aprontarem-se para a saída. Eu faria a coluna até Nova Lamego, enquanto eles visitariam uma aldeia munidos de ração de combate. Depois esperar-me-iam perto da ponte, onde me juntaria a eles para prosseguirmos as visitas até ao dia seguinte. Durante a minha ausência o Pelotão seria comandado pelos Cabos Valentim e Andrade. Houve uns murmúrios sobre tanta actividade, mas nada de relevante.
Fui pôr-me bonito para a apresentação ao Major. Quando cheguei à parada vieram dizer-me que não tinham tabaco e não sabiam do Jesus, o cantineiro. O Trapinhos também seguia viagem, mas ainda não aparecera, pelo que achei ainda haver tempo. A saída protelava-se bastante, e nem Capitão, nem Jesus. Quando o Capitão surgiu falei-lhe na dificuldade do pessoal em arranjar tabaco, ao que, descuidadamente, respondeu:
- Esses filhos da puta não precisam de fumar.
Ora, alguém ouviu e o Pelotão fez finca-pé. Sem tabaco não saíam. O Trapinhos, já em cima de um Unimog, deu-me ordem para partirmos. Respondi-lhe que o pessoal tinha falta de tabaco, não tivera oportunidade de o comprar por ter passado o dia fora, e parecia razoável aviarem-se para outros dois dias.
- Dê-lhes ordem para subir. - Respondeu-me o Capitão.
- Eu? - Questionei-o na esperança de atender ao meu argumento.
- Sim, você! Não é o Comandante deles? - Respondeu-me.
- E você, meu capitão, o que é? - Perguntei-lhe farto da intolerância.
Alguém apareceu com um volume de maços de cigarros, porque a cena já era apreciada por muitos militares, o pessoal tomou lugar nas viaturas e partimos. Era visivel alguma confusão na segunda viatura, onde seguia o Capitão.
Em Nova Lamego apresentei-me ao Segundo-Comandante nas condições regulamentadas. A seguir teria que aguardar pelo regresso, sem qualquer missão, que não fosse o devaneio. Dirigi-me ao bar em frente do Comando, onde me sentei numa mesa com Páras. Momentos depois entrou na sala um Cabo a perguntar por mim. Identifiquei-me, e pediu-me para o acompanhar ao Comandante. Sentei-me ao lado dele no jipe, que atravessou a rua e parou no pátio interior. Subi ao gabinete no primeiro andar.
O Tenente-Coronel mandou-me entrar. Sentado, num canto, à minha esquerda e à direita da secretária do Comandante, estava o Trapinhos. Levei uma piçada durante uma hora, em sentido, que nem eu pedira, nem ele me mandou pôr à-vontade. Pedi-lhe licença, mas retorquiu que ainda não acabara de falar. Alguns minutos depois deu-me autorização para argumentar. Comecei a expor as minhas razões, quando o Comandante me interrompeu, questionando-me se estava a acusar alguém. Não, não estava, respondi, apenas apresentava as justificações da minha defesa perante o que tinha sido referido. De soslaio, pelo canto do olho, via o Capitão a cruzar e descruzar as pernas, nitidamente nervoso. No final, o Tenente-Coronel, mais cortês, disse-me, que aos milicianos competia uma importante tarefa no enquadramento do pessoal e, que ainda tínhamos o dever, sempre que possível, de aliviar as tarefas do nosso Capitão, já assoberbado com outras funções que só ele podia desempenhar. Compreendi que ele percebera a extrema incompetência do Capitão. Depois, cordialmente, mandou-me sair.
Senti um grande alívio. Livrara-me de outra armadilha. Fui almoçar, descontraí, e voltei a encontrar alegria quando me juntei ao Foxtrot para prosseguirmos o caminho da psico, sugeito a algumas larachas por ter andado a passear e a banquetear-me na cidade. A operação de psico consistia no tratamento de feridas e distribuição de comprimidos, conforme as mazelas que a população apresentava, tratamentos exponenciados com alguma injecção, se o problema se mostrava mais gravoso. Davam-se conselhos para deslocação às consultas junto da tropa sempre que era aconselhado.
Muito pouco tempo depois, o Comandante do COT-1 foi substituído, e perdi um interlocutor de referência.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5562: História da CCAÇ 2679 (31): Ataque à tabanca de Tabassi em 30NOV70 (José Manuel M. Dinis
Guiné 63/74 - P5613: Lembrando camaradas da Guiné, amigos para a vida (Rui Santos)
1. Mensagem de Rui Santos* (ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65), com data de 4 de Janeiro de 2010:
Amigos :
Gostaria de deixar aqui uma lembrança de pelo menos dois amigos e camaradas de armas.
1.º - Ao Capitão Câmara Tavares (meu Comandante em Bolama) que foi meu amigo e compadre duplamente (eu padrinho da filha dele e ele padrinho da minha filha, no Cartório de Bolama), falecido em Évora com um AVC . A esposa Lourdes, também já o acompanhou restando desta família a minha afilhada Nuxa e os dois filhos Zé e Pedro!
2.º - O Alferes Maldonado, amigo, camarada, com uma sensibilidade e um afecto extraordinário, esteve comigo em Bolama e foi perder a vida em combate (um estilhaço de granada no fígado) no norte da Guiné.
3.º - Aquele soldado que perdeu a vida a cerca de 800 m do meu aquartelamento em Bedanda, aquando do ataque ao Gouveia 16 no rio Unguariol, bem perto de Incala, e foi sepultado junto à saída do lado nascente da povoação (já informei, via mail, as entidades que procuram sepulturas de soldados nas ex-províncias ultramarinas).
E a todos que ficaram feridos e conseguiram sobreviver, mesmo aqueles que foram evacuados para Lisboa!!!
Bem haja a todos quantos comigo combateram, quer no campo, quer na mesa das granadas de 6 decilitros das fábricas Sagres, Super Bock, Coral, algumas com efeito retardado, e até as maiores para a época (1 litro) as Saint Paule & Girl.
Lembro a todos que tenham um Ano Novo cheio de tudo de bom e que lembrem sempre os vossos camaradas, pretos ou brancos, soldados, cabos, sargentos, oficiais, sem farda somos todos de carne e osso (alguns, mais carne que osso, o meu caso)!!
Lisboa 4 de Dezembro 01h16
Rui Santos
__________
Nota de CV:
(*( Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5584: A minha filha nasceu na Guiné há 43 anos (Rui Santos)
Amigos :
Gostaria de deixar aqui uma lembrança de pelo menos dois amigos e camaradas de armas.
1.º - Ao Capitão Câmara Tavares (meu Comandante em Bolama) que foi meu amigo e compadre duplamente (eu padrinho da filha dele e ele padrinho da minha filha, no Cartório de Bolama), falecido em Évora com um AVC . A esposa Lourdes, também já o acompanhou restando desta família a minha afilhada Nuxa e os dois filhos Zé e Pedro!
2.º - O Alferes Maldonado, amigo, camarada, com uma sensibilidade e um afecto extraordinário, esteve comigo em Bolama e foi perder a vida em combate (um estilhaço de granada no fígado) no norte da Guiné.
3.º - Aquele soldado que perdeu a vida a cerca de 800 m do meu aquartelamento em Bedanda, aquando do ataque ao Gouveia 16 no rio Unguariol, bem perto de Incala, e foi sepultado junto à saída do lado nascente da povoação (já informei, via mail, as entidades que procuram sepulturas de soldados nas ex-províncias ultramarinas).
E a todos que ficaram feridos e conseguiram sobreviver, mesmo aqueles que foram evacuados para Lisboa!!!
Bem haja a todos quantos comigo combateram, quer no campo, quer na mesa das granadas de 6 decilitros das fábricas Sagres, Super Bock, Coral, algumas com efeito retardado, e até as maiores para a época (1 litro) as Saint Paule & Girl.
Lembro a todos que tenham um Ano Novo cheio de tudo de bom e que lembrem sempre os vossos camaradas, pretos ou brancos, soldados, cabos, sargentos, oficiais, sem farda somos todos de carne e osso (alguns, mais carne que osso, o meu caso)!!
Lisboa 4 de Dezembro 01h16
Rui Santos
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Nota de CV:
(*( Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5584: A minha filha nasceu na Guiné há 43 anos (Rui Santos)
Guiné 63/74 - P5612: O Nosso Livro de Visitas (79): Conheci e estimei o Ten Cor Pimentel Bastos, 1º Cmdt do BCAÇ 2852 (António Vaz, ex-Cap Mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)
Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime > CART 1746 (1967/69) > 1968 > Destacamento da Ponta do Inglês > > Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu a sua Canção da Fome (*)... Por detrás dos militares da CART 1746, à mesa, partilhando uma refeição, vê-se uma parede revestída a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordens superiores. Seria bom que o ex- Cap Mil António Vaz nos quisesse falar um pouco mais das suas memórias desse tempo... (LG)
Fotos: © Manuel Moreira / Sousa de Castro (2009). Direitos reservados
1. Comentário ao poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
Chamo-me Antonio Vaz, tenho 73 anos e fui capitão miliciano, comandante da CART 1746, no Xime, de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969.
Como companhia independente, conheci vários comandantes de batalhão: primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o Cmdt do BCAÇ 1904, Ten Cor Branco o Fontoura e o Pimentel Bastos. Todos diferentes, todos iguais.
Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espírito, a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama. Eu estimei-o.
António Vaz
2. Comentário de L.G.:
Meu caro António Vaz: Julgo que nunca nos encontrámos no Xime. Ou se isso aconteceu foi quando eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), desembarcámos no Xime, de LDG, no dia 2 de Junho de 1969... Tenho ideia que os seus homens, tisnados pelo sol da Guiné e cansados da guerra, ainda nos deram as boas vindas, a nós, periquitos, e nos escoltaram até Bambadinca...Não perderam o bom humor. Acolheram com um pano onde se lia: "Periquitos, bem vindos ao inferno do Xime, o que custa mais são os primeiros 21 meses"... Tenho bem nítidas essas caras, os camuflados já incolores e esfarrapados, os lenços de pescoço de cores garridas, violando todas as normas de segurança... Vocês eram a velhice, por excelência, verdadeiros gigantes, aos nossos olhos de piras miseráveis e insignificantes. Connosco, desembarcavam também os vossos substitutos, a CART 2520 (1969/70)... Seguimos em viaturas Matador até à sede do BCAÇ 2852, Bambadinca, atacada uns dias antes, a 28 de Maio, ataque esse - três meses depois da Op Lança Afiada - que custaria a cabeça e a carreira do Ten Cor Pimentel Bastos (o Pimbas, como era carinhosamente tratado)...
O ex-Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), já aqui tem falado de si, com apreço... Vou-lhe fazer um desafio: fale-nos do Xime do seu tempo, do Seco Camará, guia e picador das NT, dos mandingas do Xime, da Lança Afiada, do Poidon, da Ponta do Inglês... Foram sítios onde muito penámos, quando depois da instrução de especialidade aos nossos soldados do recrutamento local, fomos colocados como companhia de intervenção ao serviço do Sector L1 (Bambadinca), em finais de Junho de 1969, já vocês tinham regressado à Metrópole...
Temos inúmeros postes sobre o Xime, talvez mais de uma centena (considerando as duas, a I e II, séries do nosso blogue)... Temos igualmente o mapa 1/50.000 do Xime, que lhe pdoe ser útil para refrescar a memória. Presumo que já o tenha descoberto... A Ponta do Inglês e a foz do Corubal vêm no mapa de Fulacunda. Na coluna (estática) do lado esquerdo do nosso blogue, uam enorme lista Marcadores / Descritores (cerca de 2 mil) que servem para fazer pesquisas dentro do blogue... Experimente clicar CART 1746 (há seis postes ou referências sobre a sua antiga companhia)... Temos inclusive uma foto, de grupo em Bissorã, em que o Cap Vaz aparece, de óculos, ao lado Alf Mil Gilberto Madail, esse, mesmo, o do futebol (**)...
António: Gostaria que se juntasse a nós, nesta Tabanca Grande, sem portas nem janelas... Há muita gente do seu tempo, da zona leste, etc. Apareça quando quiser. Tem os meus contactos: dê-me uma apitadela... Um Alfa Bravo. Luís Graça
3. Dados sobre as unidades aqui citadas:
(i) CART 1746: Teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969. Esteve em Bissorã e no Xime. Comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.
(ii) BART 1904: Unidade mobilizadora: RAP 2. Esteve em Bissau e em Bambadinca (11/1/1967 - 31/10/1968). Comandante: Ten Cor Art Fernando da Silva Branco. Companhias: CART 1646 (Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga, Bissau); CSRT 1647 (Bissau, Quinhámel, Bissaum Bibar, Bissau); CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binbta, Bisssau).
(iii) BCAÇ 2852: Unidade mobilizadora: RI 2. Esteve em Bissau e Bambadinca (24/7/1968 - 16/6/1970). Comandantes: Ten Cor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos; Ten Cor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura; Ten Cor Imf Juvelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real. Companhias CCAÇ 2404 (Teixeira Pinto, Binar, Mansambo); CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulomb); CCAÇ 2406 (Olossato, Saltinho)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)
(**) Vd. poste de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail
(...) [Diz o Rogério Freire (ex-Alf Mil da CART 1525, Mansoa e Bissorã, 1966/67]:
(...) O Gilberto Madaíl não pertence à CART 1525. Ele era Alferes Miliciano de uma companhia [ CART 1746,] que esteve aquartelada connosco em Bissorã durante um par largo de meses e que era comandada por um Capitão Miliciano que, na vida civil era Despachante Oficial da Alfandega e que por brincadeira se intitulava Despachante Oficial Miliciano. Era o Capitão Vaz, excelente fotógrafo e especialista em macrofotografia. Adorava congelar borboletas e fotografá-las depois quando as pobrezinhas começavam a sentir o calor das lâmpadas de iluminação. (...).
Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime CART 1746 (1967/69) > 1968 > Antes desta unidade de quadrícula, passou pelo Xime a CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70), CART 2715 (1970/71), CART 3494 (1972/73), CCAÇ 12 (1973) E ccaç 21 (1974)...
Fotos do Manuel Vieira Moreia, que foi 1º cabo mecânico auto, esteve em Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, entre 1967/69 onde escreveu a Canção da Fome. Pertenceu à CART 1746, encontrou-me no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Temos trocado algumas msg. É da zona de Águeda. Portanto temos aqui o nosso avozinho" (Sousa de Castro, um hhistórico do nosso blogue, criador e editor por sua vez do blogue CART 3494; vd. oste 9 de Novembro de 2009 > P42 - CART 1746 1967/69 Bissorá, Ponta do Inglês e Xime, de retirei estas duas fotos, com a devida vénia ao autor e ao editor).
Fotos: © Manuel Moreira / Sousa de Castro (2009). Direitos reservados
1. Comentário ao poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
Chamo-me Antonio Vaz, tenho 73 anos e fui capitão miliciano, comandante da CART 1746, no Xime, de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969.
Como companhia independente, conheci vários comandantes de batalhão: primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o Cmdt do BCAÇ 1904, Ten Cor Branco o Fontoura e o Pimentel Bastos. Todos diferentes, todos iguais.
Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espírito, a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama. Eu estimei-o.
António Vaz
2. Comentário de L.G.:
Meu caro António Vaz: Julgo que nunca nos encontrámos no Xime. Ou se isso aconteceu foi quando eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), desembarcámos no Xime, de LDG, no dia 2 de Junho de 1969... Tenho ideia que os seus homens, tisnados pelo sol da Guiné e cansados da guerra, ainda nos deram as boas vindas, a nós, periquitos, e nos escoltaram até Bambadinca...Não perderam o bom humor. Acolheram com um pano onde se lia: "Periquitos, bem vindos ao inferno do Xime, o que custa mais são os primeiros 21 meses"... Tenho bem nítidas essas caras, os camuflados já incolores e esfarrapados, os lenços de pescoço de cores garridas, violando todas as normas de segurança... Vocês eram a velhice, por excelência, verdadeiros gigantes, aos nossos olhos de piras miseráveis e insignificantes. Connosco, desembarcavam também os vossos substitutos, a CART 2520 (1969/70)... Seguimos em viaturas Matador até à sede do BCAÇ 2852, Bambadinca, atacada uns dias antes, a 28 de Maio, ataque esse - três meses depois da Op Lança Afiada - que custaria a cabeça e a carreira do Ten Cor Pimentel Bastos (o Pimbas, como era carinhosamente tratado)...
O ex-Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), já aqui tem falado de si, com apreço... Vou-lhe fazer um desafio: fale-nos do Xime do seu tempo, do Seco Camará, guia e picador das NT, dos mandingas do Xime, da Lança Afiada, do Poidon, da Ponta do Inglês... Foram sítios onde muito penámos, quando depois da instrução de especialidade aos nossos soldados do recrutamento local, fomos colocados como companhia de intervenção ao serviço do Sector L1 (Bambadinca), em finais de Junho de 1969, já vocês tinham regressado à Metrópole...
Temos inúmeros postes sobre o Xime, talvez mais de uma centena (considerando as duas, a I e II, séries do nosso blogue)... Temos igualmente o mapa 1/50.000 do Xime, que lhe pdoe ser útil para refrescar a memória. Presumo que já o tenha descoberto... A Ponta do Inglês e a foz do Corubal vêm no mapa de Fulacunda. Na coluna (estática) do lado esquerdo do nosso blogue, uam enorme lista Marcadores / Descritores (cerca de 2 mil) que servem para fazer pesquisas dentro do blogue... Experimente clicar CART 1746 (há seis postes ou referências sobre a sua antiga companhia)... Temos inclusive uma foto, de grupo em Bissorã, em que o Cap Vaz aparece, de óculos, ao lado Alf Mil Gilberto Madail, esse, mesmo, o do futebol (**)...
António: Gostaria que se juntasse a nós, nesta Tabanca Grande, sem portas nem janelas... Há muita gente do seu tempo, da zona leste, etc. Apareça quando quiser. Tem os meus contactos: dê-me uma apitadela... Um Alfa Bravo. Luís Graça
3. Dados sobre as unidades aqui citadas:
(i) CART 1746: Teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969. Esteve em Bissorã e no Xime. Comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.
(ii) BART 1904: Unidade mobilizadora: RAP 2. Esteve em Bissau e em Bambadinca (11/1/1967 - 31/10/1968). Comandante: Ten Cor Art Fernando da Silva Branco. Companhias: CART 1646 (Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga, Bissau); CSRT 1647 (Bissau, Quinhámel, Bissaum Bibar, Bissau); CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binbta, Bisssau).
(iii) BCAÇ 2852: Unidade mobilizadora: RI 2. Esteve em Bissau e Bambadinca (24/7/1968 - 16/6/1970). Comandantes: Ten Cor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos; Ten Cor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura; Ten Cor Imf Juvelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real. Companhias CCAÇ 2404 (Teixeira Pinto, Binar, Mansambo); CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulomb); CCAÇ 2406 (Olossato, Saltinho)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)
(**) Vd. poste de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail
(...) [Diz o Rogério Freire (ex-Alf Mil da CART 1525, Mansoa e Bissorã, 1966/67]:
(...) O Gilberto Madaíl não pertence à CART 1525. Ele era Alferes Miliciano de uma companhia [ CART 1746,] que esteve aquartelada connosco em Bissorã durante um par largo de meses e que era comandada por um Capitão Miliciano que, na vida civil era Despachante Oficial da Alfandega e que por brincadeira se intitulava Despachante Oficial Miliciano. Era o Capitão Vaz, excelente fotógrafo e especialista em macrofotografia. Adorava congelar borboletas e fotografá-las depois quando as pobrezinhas começavam a sentir o calor das lâmpadas de iluminação. (...).
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