sábado, 9 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5618: Bibliografia de uma guerra (54): 30 anos de guerra colonial (José Brás)

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura), com data de 7 de Janeiro de 2010:

Carlos
Tu que me disseste ainda agora que queres mais coisas minhas e me apanhas na ressaca do fim de "Lugares de Passagem" e da sua revisão e "guerra" para possível edição, envio-te aqui um texto antigo, mas acho que nunca velho, editado como introdução de uma brochura com "bibliografia sobre a guerra colonial", por mim organizada para complementar uma "mesa redonda" e uma exposição que também organizei na Fundação Gulbenkian, a pedido do Dr. Afonso de Albuquerque, por ocasião do "I.º Encontro Nacional Sobre Stress Traumático".

Junto ainda cópia da capa brochura aludida, da autoria de José Brito, meu colega da TAP e excelente pintor, a partir de um trabalho de Malangatana.


30 ANOS DE GUERRA COLONIAL

Mais de vinte anos passaram sobre o fim da "Guerra Colonial", mais de trinta sobre o seu início, e perder-nos-íamos nos séculos para encontrar o primeiro gesto de resistência armada dos povos das ex-colónias contra a presença dos portugueses.

Como alguém já disse, ao contrário da versão histórica que nos cercou anos a fio, nos cinco séculos de dominação portuguesa em parcelas de África, nunca se viveram mais de cinco anos seguidos sem actos de rebeldia organizada, muitas vezes extravasando os limites da etnia, algumas mesmo promovendo alianças vastíssimas, juntando interesses étnicos e tribais em manobras de diplomacia e de guerra que nos espantam hoje e que deixavam os representantes do reino e as forças de ocupação de cabeça à roda para entender tais impulsos de protesto e de libertação.

Na história do desenvolvimento da humanidade, colonialismo é, entretanto e em rigor, um fenómeno mais recente e de limites sociais, económicos e políticos precisos. Por isso nos atemos neste documento apenas ao período e aos acontecimentos que tiveram início em Luanda a 4 de Fevereiro de 1961 e que, trágica e rapidamente ecoaram por todo o norte daquela antiga colónia, se alargaram a Moçambique e à Guiné e cujas marcas, trinta e quatro anos passados sobre o seu início material, se reconhecem ainda com grande expressão nas sociedades dos cinco Países envolvidos (não esquecendo Cabo Verde), algumas visíveis nas mutilações físicas dos actores presentes no "campo de batalha", outras menos disponíveis à vista desarmada mas não menos perturbadoras e fundas na consciência, nos medos e nas euforias de cada um dos que voltaram aparentemente ilesos, outras mesmo colectivas, persistentes e marcantes no presente social e político, e, provavelmente, agentes com algum peso na definição de futuros.
Falar de tais marcas não é tarefa fácil para ninguém, excepto num quadro de mercadorização de todos os objectos, incluindo os mais insuspeitos e íntimos de um homem ou de um povo. Neste caso, como acontece em Países onde a ideologia do mercado se instalou já como forma única de relacionar os homens, é uma verdadeira indústria que se instala e desenvolve, especialmente no cinema e na televisão, disponibilizando por preços acessíveis como qualquer produto de consumo, as mil vertentes da dor, da exaltação nacionalista ou dos dramas e traumas individuais e colectivos de todo um povo, banalizando-os e fazendo a catarse indispensável da garantia da aceitação de qualquer outra futura aventura de guerra.
Destas marcas, sabemos que é difícil falar. Sabemos, contudo, que também é difícil calar.
Falemos, então, por mais difícil que nos seja. De nós. Das marcas que em nós persistem.
Como fizeram e ficarão fazendo por muito tempo os que desta lista constam.

Falemos!
Lisboa, 25 de Outubro de 1995

José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5477: Blogoterapia (137): Palavra de honra que não consigo entender (José Brás)

Vd. último poste da série de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4845: Bibliografia de uma guerra (53): Dois livros: “Memórias de um guerreiro colonial” e "Trauma" (Belarmino Sardinha)

3 comentários:

BB disse...

Mais um escritor combatente que pintei.

Bom ano. ExcelÊNTE BLOGUE.

Carlos Vinhal disse...

Caro BB
Os editores gostavam do o contactar.
Por favor indique-nos o seu contacto, se preferir para o endereço carlos.vinhal@gmail.com
Obrigado
Vinhal

Bárbara Alexandra Borges disse...

Ola caro Carlos Vinhais aqui lhe envio o meu link
http://barbaraborges-artesbborges.blogspot.com
É com enorme prazer quue enviarei o meu contacto