1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos mais uma mensagem (a 4ª), em 7 de Janeiro de 2010:
CAÇ 4540 – 72/74
"SOMOS UM CASO SÉRIO"
PARTE 4
CADIQUE/CANTANHEZ
A actividade operacional de constante patrulhamento da Zona, incidiu sobremaneira no esforço desenvolvido pela CCAÇ 4540, com o começo da concretização do projecto de construção da estrada Cadique-Jemberém, na actividade de protecção aos trabalhos e segurança às máquinas.
Terminada que foi a construção da estrada, houve necessidade de continuar com a actividade operacional normal, agora acrescida com as necessárias escoltas às colunas, que se deslocavam no sentido de Cadique – Jemberém e vice-versa.
Além das referidas actividades, ainda se procedia aos reordenamentos e à contrução das instalações militares do aldeamento, que eram feitos também por militares. Imaginem o que estes homens passaram.
O facto de eu ser Rádio Telegrafista, originou que fosse poupado nas tarefas mais duras, podendo afirmar que fui um privilegiado.
FLAGELAÇÕES – ATAQUES - EMBOSCADAS:
13/12/72: Um Grupo IN atacou n/posição Estacionamento Provisório, cerca das 18h30m, com RPG 7 tendo disparado cerca de 8 granadas.
15/12/72: Um Grupo IN, flagelou n/posição Estacionamento Provisório cerca das 19h30m, tendo disparado durante cerca de 15 minutos, com o Morteiro de 82 mm, despejando sobre nós cerca de 19 granadas, sem consequências pessoais e materiais.
04/01/73: O IN flagelou Cadique com foguetões e 43 granadas de Morteiro de 82 mm pelas 21h20m, durante 25 minutos.
04/01/73: Um Grupo IN atacou Cadique com armas ligeiras, Metr. Dectyarev, RPG 2 e RPG 7, pelas 22h30m, durante 35 minutos.
08/01/73: O IN flagelou Cadique com cerca de 20 granadas de Canhão s/r e 6 RPG 2, pelas 18h40m, durante 10 minutos, acertando no centro do aquartelamento e provocando um ferido.
27/01/73: O IN flagelou Cadique pelas 20h00m, tendo iniciado o ataque com granadas 2 RPG 7, seguidas de Morteiro de 82 mm e Canhão s/r, tendo sido ouvidos no total cerca de 35 rebentamentos.
05/02/73: O IN flagelou Cadique pelas 19h15m, terminando às 19h35m. No ataque foi utilizado o Canhão s/r, Morteiro de 82 mm e RPG 7.
16/02/73: Um Grupo IN emboscou 2 Grupos de Combate da CCaç 4540, sem consequências pessoais.
23/02/73: O IN flagelou Cadique pelas 21h30m e pelas 22h00m, tendo iniciado o seu ataque com Morteiro de 82 mm e Canhão s/r, simultaneamente, consumindo no 1º ataque 12 granadas de Morteiro de 82 mm e 7 de Canhão s/r, no 2º ataque 5 granadas de Morteiro de 82 mm e 6 de Canhão s/r. Não houve consequências pessoais, havendo diversas destruições materiais.
27/02/73: Um Grupo IN numa emboscada no mato, causou 3 feridos ligeiros a militares da Companhia.
MARÇO/73: Verificaram-se 11 flagelações aos trabalhos da construção da estrada Cadique/Jemberém, e, numa emboscada na mesma estrada, causou 4 feridos às NT e 6 feridos ao pessoal da demarcação da Brigada de Engenharia.
03/03/73: O IN flagelou Cadique pelas 18h40m, terminando às 18h50m, tendo dado início ao ataque com Morteiro de 82 mm, com cerca de 10 granadas.
ABRIL/73: O IN efectuou 7 flagelações à estrada Cadique/Jemberém, colocou uma mina A/C no alcatrão junto á berma, que foi accionada por uma moto-niveladora da Brigada de Engenharia.
Fez outra tentativa de colocação de minas, tendo rebentado uma, julgamos que no momento da colocação da mesma. O inimigo abandonou no preciso local três minas sobre o alcatrão.
Também fez accionar dois fornilhos numa tentativa de cortar a estrada, ou dificultar a progressão da coluna, que ia fazer a colocação do destacamento de Jemberém.
Montou duas emboscadas seguidas na zona da frente de trabalhos a uma patrulha, causando 1 morto e 7 feridos, na primeira acção e 2 feridos na segunda.
01/04/73: O IN flagelou Cadique pelas 20h00, com Morteiro de 82 mm, disparando cerca de 15 granadas. Apenas 3 caíram dentro do aquartelamento.
03/05/73: O IN fez accionar, à passagem da coluna na estrada CADIQUE JEMBEREM, uma mina A/Carro.
Feito o reconhecimento foram levantadas três minas sem qualquer ocorrência.
04/05/73: Um Grupo IN, com cerca dez elementos, emboscou, na estrada, uma viatura da Brigada de Estudos e Construção de Estradas, que transportava exclusivamente pessoal africano civil, causando dois mortos e nove feridos graves.
13/05/73: O IN emboscou uma coluna que partiu de Cadique para Jemberém, abrindo fogo com granadas de RPG 2 e 7 e accionando ao mesmo tempo duas minas A/Carro.
Feito o reconhecimento ao local da emboscada, foram detectadas mais 4 minas A/Carro, que foram levantadas.
As NT tiveram 11 feridos evacuados para Bissau. Mais tarde recebemos a notícia da morte de um militar da Brigada Engenharia, que estava adido à CCaç 4540.
17/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 20h05, com granadas de RPG 7 e RPG 2, durante cerca de 5 minutos, tendo intercalado o fogo com espaços curtos de tempo. Foram ouvidos mais 12 rebentamentos e detectou-se o local da base de fogo.
As NT reagiram com granadas de Morteiro de 81 mm, tendo calado o fogo do IN aos primeiros rebentamentos sobre a posição detectada.
Saiu uma força da CCP 122 com a CCaç 4540, para reconhecimento, nada tendo encontrado.
19/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 00h30, com 6 granadas de RPG 2 e LGF 8,9 cm em simultâneo. Após o 1º rebentamento cessou o fogo, que reiniciou cerca de 15 minutos depois, para voltar de novo com 2 granadas de LGF 8,9 cm, que não rebentaram. Passados mais alguns minutos repetiram-se novos rebentamentos de RPG 2.
Esta situação durou cerca de 3 horas e meia, mantendo IN o mesmo tipo de acção. Foram ouvidos no total de cerca de 45 rebentamentos e detectadas e levantadas 7 granadas LGF que não rebentaram.
As NT, por dificuldades de visibilidade das saídas dos disparos do inimigo, apenas reagiu ao fogo IN quando se conseguiram detectar 2 das suas posições de flagelação.
O IN, após a concentração de 7 granadas de Morteiro 81 mm, numa das bases, cessou o fogo, não voltando a fazê-lo daquela posição. Tendo-se feito mais fogo para outros locais de onde, esporadicamente, se viam as saídas.
Foram pedidos, ao PelArt 17, alguns tiros de apoio sobre as eventuais localizações do IN, cuja resposta foi imediata.
26/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 18h05, com Canhão s/r. O ataque prosseguiu com violência e rapidez, calculando-se que tenham sido lançadas pelo inimigo 20 granadas, das quais foram encontradas diversas embalagens vazias.
Dada a dificuldade da localização das saídas das granadas, acentuada pelo facto de ainda ser dia, mantivemo-nos por momentos na expectativa para não disparamos “à balda”, até nos ter sido comunicada as coordenadas da posição dos guerrilheiros do PAIGC, por um bigrupo que se encontrava a fazer a segurança próximo do quartel.
Reagimos então com o Morteiro de 81mm, efectuando a concentração de 15 tiros no local indicado pelo nosso bigrupo. Ao mesmo tempo foi ordenado pelo capitão ao bigrupo, que se encontrava na frente, que reagisse com Morteiro de 60mm e batesse a retirada do IN.
10/06/73: O IN flagelou Cadique com Canhão s/r e Morteiro de 82 mm, tendo sido contados cerca de 23 explosões. Foram detectadas duas posições de flagelação usadas pelo inimigo e nós reagimos com granadas de Morteiro 81 mm.
Algumas granadas de Morteiro do PAIGC, caíram na zona Norte/Leste do aquartelamento, sobre a estrada do Porto de Cadique, onde circulavam viaturas, e, várias granadas detonaram, junto á LDG Bombarda, em terra e no rio.
A LDG que se encontrava ancorada, com carga a bordo, para ser descarregada, reagiu, por sua vez, com o seu poder de fogo.
Foi pedido ao PelArt 5 apoio de Obus, que respondeu, com prontidão e com precisão, batendo as duas bases de fogo inimigas.
A LDG, quase de imediato, deu meia volta e regressou à sua base com a carga a bordo.
Após as hostilidades, saiu em reconhecimento um grupo da companhia, que fez reconhecimento à base de Morteiro 82 mm utilizada pelo IN, tendo encontrado diversos vestígios seus.
As granadas que caíram dentro do aquartelamento destruíram dois telheiros.
12/06/73: Mais uma emboscada com RPG 2 e 7, que originaram 3 feridos no pessoal da Brigada de Engenharia.
21/06/73: O dia mais trágico da Companhia: Num ataque efectuado pelo PAIGC, pouco depois da saída da vedação do aquartelamento, um simples estilhaço de RPG, foi suficiente para ceifar a vida de um camarada de nome: Vitorino Susano Simão.
Este triste acontecimento teve precursões que marcariam (digo eu), para sempre o seu Comandante de Pelotão - Alferes Pereira.
Segundo a rotina do pelotão, os homens da frente não eram sempre os mesmos e nesse dia não seria a vez do Simão ir à frente, o que originou que o alferes, ética e moralmente, assumisse a responsabilidade da morte do mesmo.
Quem mantém o contacto com o mesmo, como os nossos amigos Manuel Reis e Vasco Ferreira, sabem que não exagero, dizendo, que uma parte da sua alma ficou, nesse dia e com essa triste e lamentável morte, na mata do Cantanhez.
Em relação a este facto, pessoalmente, direi que: “Também tive, neste dia, a minha dose traumática.”
O Simão morreu quase de imediato e, cumprindo ordens superiores, o corpo iria para Cufar, mas de forma que a população não se apercebesse que o mesmo já tinha falecido. Assim, foi transportado de maca com uma agulha espetada no braço, tendo-me tocado a mim segurar no frasco do soro. Partirmos para Cufar, onde apanhamos mais um choque, pois não haviam caixões e, ali ficou o corpo na maca, escondido numa arrecadação.
03/07/73: O IN iniciou nova flagelação e ataque pelas 20h30 empregando RPG 2, RPG 7 e armas ligeiras.
Logo após os primeiros rebentamentos, os militares da CCaç 4540 e da CCS/BCaç 4514, responderam de imediato.
O ataque IN foi efectuado a partir de três pontos diferentes, colocando todo o aquartelamento debaixo de ferro e fogo.
Foi pedido pelo Comandante do BCaç 4514 ao 5º Pel Art apoio de Obus, de modo a bater os prováveis caminhos de retirada do IN.
13/07/73: Pelas 19h45, foram vistos 2 Very Lights, pelos sentinelas do aquartelamento, sendo um vermelho e outro amarelado.
O IN iniciou a flagelação com uma rajada de arma ligeira, seguida de disparos de RPG 2 e 7.
Respondemos com fogo de armas ligeiras, Morteiro de 60 mm e Bazuca, fazendo calar o IN. Foram também efectuados alguns tiros de Morteiro 81 mm, para bater os prováveis caminhos de retirada.
Mais uma vez foi solicitado tiro de Obus.
Saiu uma força da CCaç 4540, que reconheceu a base de ataque do IN, tendo sido encontradas duas granadas de RPG 2.
21/07/73: Mais um dia negro para a Companhia, desta vez por doença, falecendo o nosso camarada Mário da Conceição Vieira.
30.07.73: Para montar a segurança de uma coluna de reabastecimento a Cadique/Jemberém, foram destacados um bigrupo da CCaç 4540 e um Pel. Rec da CCS/BCaç 4514, que seguiam a pé ladeando a estrada (para protecção aos picadores), um elemento da CCS accionou uma mina A/P, ficando com a perna decepada. Na zona foram detectados mais seis explosivos do mesmo tipo que foram destruídas.
30/07/73: Pelas 20h30 o IN flagelou Cadique com RPG 2, 7 e 8, tendo iniciado o ataque com uma rajada de Kalashnikov.
Após ter terminado a flagelação com RPG e armas ligeiras, abriram fogo de Canhão s/r sobre o nosso aquartelamento.
Foram localizadas três bases de fogos na direcção de Cacine.
O potencial de fogo IN, sobretudo o de RPG, foi intensíssimo e os rebentamentos localizaram-se todos juntos as áreas dos grupos de combate, que circulavam em defesa periférica, o mesmo acontecendo na flagelação de Canhão s/r, da qual se estimaram 25 rebentamentos.
Na manhã seguinte foram encontradas na mata 4 Granadas de Canhão s/r não deflagradas.
Da nossa parte foram utilizadas armas ligeiras, Morteiro de 60 mm, Morteiro de 81 mm, LGF 8 e 9 cm, e dilagramas.
No reconhecimento feito de manhã, foram encontradas granadas de RPG com cargas, uma bolsa com três carregadores de Kalashnikov, com munições, e vestígios de sangue que nos levou a concluir que o IN teve, pelo menos, alguns feridos.
Da flagelação IN resultaram danos materiais em várias barracas de lona, casas da população e um ferido da Companhia.
O PAIGC colocava com frequência minas Anti-carro e fornilhos, camufladas no alcatrão na estrada Cadique/Jemberém.
Estas datas terão sido as mais marcantes, no entanto muito fica por contar, principalmente no caso de emboscadas e levantamento de minas, mas continuar, exaustivamente, com este rol tornar-se-ia maçador.
Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5602: Histórias do Eduardo Campos (3): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério, Cadique/Cantanhez (Parte 3): Nós e o PAIGC no Cantanhez
1 comentário:
Meu caro Eduardo Barros
Deixa-me incluir no comentário um texto que escrevi em Cufar, a 4 de Agosto de 1973, logo a seguir a terminares com os teus relatos.
É sobre um rapaz morto que deve ter pertencido ao teu batalhão de Cadique. Não lhe cheguei a saber o nome. Mas é verdade que por Cufar passavam todos os mortos do Cantanhez, e eram muitos. E às vezes nem caixões tínhamos. Vinha o cangalheiro numa DO de Bissau com os caixões.
Há uns meses atrás o coronel reformado Nelson de Matos ( na altura major e oficial de Operações no nosso CAOP 1, em Cufar) lembrou-me que me tinha dado ordens para com o pessoal da Caç. 4740 arranjar a capela de Cufar. Já me esquecera dessa tarefa. Infelizmente a capela foi utilizada demasiadas vezes, não para rezarmos, mas como uma espécie de morgue provisória.
Aqui vai o texto, publicado no meu Diário da Guiné, Lisboa, Guerra e Paz Ed., 2007, pag 138.
Cufar, 4 de Agosto de 1973
Nasceu em Trás-os-Montes entre serras, barrocos, giestas e musgo, sob um céu intensamente azul, de mãe jovem, num ventre de mármore e fogo. Cresceu às topadas pelos atalhos do suor e da pobreza, foi à escola, aos ninhos, à missa. Quis inventar o sol no coração de cada amigo. Mordeu a terra, labutou nos campos, pegou na enxada de chumbo, comeu o caldo, o pão de cada dia. Dançou na romaria da aldeia, adivinhou o sexo a crescer pelas pernas loiras das raparigas de feno. Em Chaves comprou um casacão, um relógio e uma mulher feia, ainda de carne cheirosa, vendeu-lhe prazer.
Depois fizeram-no soldado, vestiu uma farda, aprendeu coisas da guerra, embarcou num navio, deram-lhe uma arma, viajou para o sul da Guiné.
Hoje fui buscá-lo ao porto de Cufar. Chegou já morto depois de uma emboscada na estrada Cadique-Jemberém.
Vinha na maca de lona, a cabeça atravessada por um grosso estilhaço de morteiro, o sangue e coágulos secos no corpo destroçado, os olhos semi-abertos, baços, já não olhando a vida, a vida que lhe foi negada e que o abandonou, moço e menino.
Um abraço,
António Graça de Abreu
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