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sexta-feira, 30 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26864: Notas de leitura (1803): "Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)", por Leonor Pires Martins; Edições 70, 2012 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
É uma bela edição correspondente a uma investigação rigorosa e que permite dados surpreendentes, uma viagem por publicações periódicas ilustradas desde que se fundou a Sociedade de Geografia de Lisboa até esse acontecimento faustoso que foi a Exposição do Mundo Português, em 1940. Temos aqui uma investigação de como se mostrava e satisfazia a curiosidade quanto a este ascendente Terceiro Império, a iconografia das expedições, como se procurou suturar o tratamento vexame do Ultimato, passando a pente fino crueldades existentes ou ficcionadas pela potência britânica. Naturalmente que para esta recensão se procurou mostrar imagens da Guiné, logo em 1879, mostrando Bolama como capital. E pela primeira vez pude ver gente num empreendimento que me intrigava desde agosto de 1968, nesse dia fiz o primeiro patrulhamento na companhia do furriel Zacarias Saiegh, fomos até à Aldeia do Cuor, onde vi, abismado, paredes monumentais de edifícios sobre os quais ninguém me dava esclarecimento. Só mais tarde soube que tinha ali dado consultoria técnica o engenheiro Armando Cortesão, de quem herdei os ferros de uma cama, e agora pude ver gente que ali viveu e até uma criança que ali nasceu. Esta sociedade agrícola aspirava muito, afundou-se rapidamente e certo e seguro com grandes prejuízos, não sabemos se para os empreendedores ou para o banco financiador.

Um abraço do
Mário


A Guiné num Império de Papel

Mário Beja Santos

É uma soberba obra de investigação, Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940), por Leonor Pires Martins, Edições 70, 2012, uma exposição de representações visuais do Império em publicações ilustradas desde que foi fundada a Sociedade de Geografia de Lisboa até a esse ponto alto do nacionalismo imperial português, a Exposição do Mundo Português de 1940.

A revista O Ocidente terá um papel fulcral no elenco das publicações, nela colaboraram nomes de talento do seu tempo, como Rafael Bordalo Pinheiro. Recorda a autora que nos finais do século XIX, altura em que as fronteiras coloniais em África se encontravam já definidas, o território português compreendia, para além do continente e suas ilhas adjacentes, mais de 1 200 000 km2 na costa africana ocidental (Angola), 783 000 km2 na costa oriental (Moçambique), a Guiné com cerca de 36 000 km2, dois arquipélagos no Atlântico (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) e ainda resquícios do antigo Império do Oriente: Goa, Damão e Diu, no subcontinente indiano, Macau, no Sul da China e Timor na Insulíndia. Num país de elevadíssimo analfabetismo, a classe política conhecia as legislações alusivas aos chamados territórios ultramarinos, foi graças a revistas e a jornais ilustrados que o grande público passou a ver expressões do Império, muitas vezes sobre a retórica propagandística, caso de uma fotografia em que aparece uma guineense que participou na Exposição Colonial do Porto, em 1934, a Rosinha, empenhando a bandeira portuguesa junto do monumento “Ao Esforço Colonizadora”, fotografia manifestamente encenada, onde se pode ler a legenda: “Negra muito embora, portuguesa de lei, ei-la empunhando a bandeira verde-rubra que domina todo o Império”, imagem que aparece na revista Civilização. Este esforço colonizador é mostrado em edifícios, estradas e pontes.

Outros momentos de exaltação são as imagens das expedições, que deram glória e fama a Serpa Pinto, Capelo e Ivens, entre outros. Essas expedições ao interior do continente africano concorriam com outras expedições europeias, a Conferência de Berlim decretara que ter uma colónia era ocupar território, a revista O Ocidente publicará imagens alusivas a estas expedições e depois as homenagens, os jantares, as conferências dos expedicionários, a sua chegada em triunfo, imagens dos africanos que acompanhavam os novos heróis da gesta, o Terceiro Império. Como igualmente apareciam imagens de indígenas com os seus usos e costumes; e quando chegou a hora do ultimato britânico não faltaram imagens que procuraram revelar os aspetos cruéis do colonialismo britânico e, claro está, caricaturistas como Rafael Bordalo Pinheiro revelavam a subserviência portuguesa ao poder britânico, era a resposta à humilhação que nos provocara o maior império colonial do seu tempo; e, com poder catártico, irá mostrar-se um outro herói, Mouzinho de Albuquerque, e a prisão de Gungunhana, e a sua exposição pública, o seu exílio em Angra do Heroísmo.

Também estas publicações exploraram uma outra dimensão, o pitoresco, a fauna, o deslumbramento dos rios, a opulência das florestas, o povoamento, casas, hospitais, centros urbanos, é assim que vemos a ilha de Bolama que apareceu na revista O Ocidente, em 1879, havia que mostrar a capital da Guiné. Surgiu depois a fotografia, terá também um papel fundamental na ilustração das publicações. Havia também que exibir como facto consumado que estávamos a trabalhar no progresso e no desenvolvimento, não eram só os edifícios e as infraestruturas, era a cartografia, o ensino, o estabelecimento de hospitais e farmácias, a missionação, as culturas agrícolas, a abertura dos caminhos de ferro, a briosa ocupação militar como vemos num desenho produzido a partir de uma fotografia, tropa no forte de Cacheu, isto em 1891.

A missionação aparece associada ao ensino, à escola de artes e ofícios, ao aparecimento de igrejas, como se mostra a igreja matriz de Bolama em 1896, que veio publicado na revista Branco e Negro. Os jardins, os edifícios das alfândegas, as estátuas, os cais, até mesmo a projeção em terras de África do mundo rural português tem inteiro cabimento no Império de Papel, havia que suscitar a curiosidade para atrair imigrantes, mostrar famílias, crianças europeias nos territórios da colonização, colonos em piquenique, mas, sempre que necessário, expor as expedições militares. É o caso do grande acervo de imagens do primeiro fotógrafo militar português José Henriques de Mello, que acompanhou as tropas comandadas por Oliveira Muzanty, em abril de 1908, para destituir Infali Soncó, um régulo insurreto que pretendia impedir a navegabilidade do Geba, ao tempo o coração da atividade comercial.

Ao folhear este belíssimo trabalho, deparei-me com uma reportagem sobre a Guiné Portuguesa, publicada na revista Ilustração, procurava-se mostrar os colonos brancos e como viviam. E pude ver pela primeira vez uma resposta a uma dúvida que tinha desde 5 de agosto de 1968. Nesse dia fiz o meu primeiro patrulhamento de reconhecimento no regulado do Cuor, saímos de Missirá para a Aldeia do Cuor; aqui chegados, mesmo à beira do Geba estreito, levantavam-se paredes grossíssimas, pedra volumosa, indício certo e seguro de que ali houvera um qualquer importante estabelecimento. Soube mais tarde, nas minhas leituras no Arquivo Histórico do Banco Nacional Ultramarino, de que se tratava da Sociedade Agrícola do Gambiel, ali foi consultor técnico Armando Zuzarte Cortesão, nome eminente da cartografia portuguesa, encontrei referências à natureza do empreendimento, era um grande sonho agrícola que cedo caiu na água. Pois bem, na revista Ilustração, num número de 1926, encontrei fotografias alusivas a esses colonos “brancos”, numa delas um grupo de empregados onde se vê um deportado e noutra, vê-se o chefe do empreendimento com mulher e criança que nascera na região, pode ver-se na fotografia do grupo de empregados que eram instalações de boa constituição, de grande solidez, os tais vestígios que guardei desse patrulhamento de agosto de 1968.

O Estado Novo trouxe africanos a exposições organizadas em Portugal. Podem ver-se três fotografias publicadas na revista Ilustração, isto em outubro de 1932, aspetos da Grande Exposição Industrial Portuguesa que se realizou no Pavilhão dos Desportos, em 1932, são guineenses, na fotografia superior temos um ministro das Colónias, Armindo Monteiro, com a sua comitiva e sentados algumas figuras ilustres, porventura régulos e em baixo, numa fotografia, três fulas e noutra as mulheres fulas que acompanharam os régulos. A exposição de 1934 trouxe igualmente guineenses, elas revelaram-se um grande motivo de atração, todas de peito ao léu, houve fotografias de Domingos Alvão e Eduardo Malta, nomeado pintor oficial da exposição, fez vários retratos a lápis, produziram-se álbuns desses desenhos que evidenciam o risco talentoso de Malta. E assim chegamos ao acontecimento grandioso da Exposição do Mundo Português, foi o momento culminante em que o Estado Novo procurou mostrar a multidões imagens de um Império que era sobretudo conhecido por quem lia jornais e revistas, agora revelava-se para o orgulho dos portugueses qual era a dimensão daquela comunidade imperial imaginada.

Um Império de Papel dá-nos conta do que foram ficções e realizações, era um império longínquo que parecia ao alcance da mão e destinado à eternidade.


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Nota do editor

Último post da serie de 29 de maio de 2025 >Guiné 61/74 - P26860: Notas de leitura (1802): "Gil Eanes: o anjo do mar", de João David Batel Marques (Viana do Castelo: Fundação Gil Eanes, 2019, il, 132 pp.) - Parte II: A questão da assistência à frota branca, que atinge o seu auge com o Estado Novo, nos anos 40/50: em 1958 a "faina maior" tinha 77 unidades e 5736 homens (Luís Graça)

sábado, 24 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26840: Agenda Cultural (886): Entrada livre... O nosso grão-tabanqueiro, luso-guineense, Mamadu Baio & Amigos (incluindo o João Graça, violino, mais 5 guineenses), amanhã, dia 25, no Palácio Baldaya, Estrada de Benfica, 701, Lx, às 17h30, na 16ª edição do festival "Junta-Te Ao Jazz"... Encerra, às 18h30, com o grande Paulo Flores, a voz angolana do kizomba, do semba, da resiliência e da esperança


Cartaz (foto de cima) da 16ª edição do "Junta-Te Ao Jaaz", que está a decorrer, de 23 a 25 de maio de 205, no Palácio Baldaya, Estrada de Benfica, 701, Lisboa.


1. Estão a ser dias cheios de boa música e grandes nomes do jazz e soul. Entrada livre.

Já aqui passou ontem, 23:

(i) Selma Uamusse (com a sua "poderosa fusão de ritmos africanos com jazz e eletrónica").

Estão a passar hoje, 24, a partir das 15h00:

(ii) Leonor Baldaque (com "o seu lado mais íntimo e poético, numa viagem sonora única");

(iii) O Mau Olhado ("concerto intenso com mistura de sons tradicionais e contemporâneos"):

(iv) Carmen Souza ("jazz criativo de raízes cabo-verdianas");

Amanhã, a partir das 15h30, ainda temos:

(v) Myles Sanko (25/05 às 16h) ("direto do Reino Unido, traz a sua soul sofisticada e contagiante"):

(vi) Mamadou Baiô & Amigos (25/05 , às 17h30) (os nossos grão-tabanqueiros Mamadu Baio, luso-guineense,  viola elétrica, baixo, João Graça, violino, e mais outros cinco guineenses, com percussão, cora, etc.; é indecente que a organização do festival tenha chamado "senegalês" ao nosso querido Mamadu Baio, de Tabató");

(vii) Paulo Flores (25/05 às 18h30), que "encerra com chave de ouro, com toda a alma do semba angolano misturado com jazz"... (Paulo Flores é dos mais influentes e populares músicos e letristas angolanos contemporâneos, reconhecido pela sua profunda ligação ao kizomba e ao semba  e pelo seu papel como cronista urbano da realidade social e política do seu país de origem: nasceu em Luanda, no bairro de Cazenga, veio para Lisboa, aos 16 anos).

(viii) "E claro, com Soul to Soul a animar entre os concertos para manter o groove sempre no alto!"

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)



Lisboa > Bairro da Graça > 2022 > O Mamadu Baio (lê-se: Baiô) e alguns dos músicos com que toca(va), em Lisboa

Foto (e legenda): © Luís  Graça  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26817: Notas de leitura (1798): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Importa exaltar o meritório de trabalho do Coronel Nuno Mira Vaz, dá-nos um amplo enquadramento do desempenho dos paraquedistas nos três teatros de operações, no caso que mais nos toca, a Guiné, oferece-nos uma visão do que mais relevante esta tropa de elite ali praticou, entre 1963 e 1974. O autor deve ser leitor atento do nosso blogue, nele foi colher diferentes testemunhos daqueles momentos cruciais, como o de Gandembel, o nosso confrade Idálio Reis invoca o papel determinante que eles tiveram, designadamente nos ataques do PAIGC em dezembro de 1968; tropa que andou nos trilhos mais difíceis, no Morés e no Sul, esteve nos palcos de Guidage e de Gadamael, nos terríveis meses de maio e junho de 1973; e convém não esquecer que o BCP 12 infligiu ao PAIGC duros golpes no decurso da Operação Grande Empresa, na reocupação do Cantanhez. Um livro para ler e guardar.

Um abraço do
Mário



Paraquedistas em combate na Guiné (2)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2019, abarca o histórico da participação dos paraquedistas nos teatros de Angola, Guiné e Moçambique, e não esquece a extremosa e indispensável intervenção das enfermeiras no decurso da guerra. Houve um grupo de trabalho que desafiou o autor a coligir a obra destinada a guardar a memória desta tropa de elite.

No texto anterior, procedeu-se a uma síntese dos acontecimentos ocorridos em Angola em 1961, partiram a 16 de março com destino à Base Aérea n.º 9, em Luanda, era o primeiro contingente, o autor dá nota do desempenho da força paraquedista, refere as operações com salto em paraquedas, onde foi possível praticar tais iniciativas, não deixando de mencionar aquela que foi a mais emblemática e temerária mas que não se concretizou, e que tinha a ver com a reunião em Cap Skirring onde decorreu uma reunião entre o General Spínola e o Presidente Senghor. Como necessário, o leitor acompanha a atividade operacional dos paraquedistas em Angola.

Reportando-nos à Guiné, deu-se a visão da intervenção dos paraquedistas desde 1963 até à sua presença em Gandembel, em dezembro de 1968. O autor cita algumas expressões que o nosso confrade Idálio Reis, presença marcante em Gandembel, deixa no blogue:
“Os paraquedistas eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor (…) a sua ação foi de uma extraordinária valia, revelou-se fundamental para o futuro dos homens da minha Companhia, muito em especial no aspeto anímico, e inclusive conseguiu também criar um clima de muito maior segurança para as demais tropas fixas e imóveis que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel (…) Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da autoestima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe consegue dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que a sentiram.”

Estamos agora na era de Spínola, a reformulação da atividade operacional também atingiu as forças paraquedistas: foram criados Comandos Operacionais, Comandos de Agrupamentos de Operacionais e Comandos Operacionais Temporários. Deu-se seguimento ao projeto “Por Uma Guiné Melhor”, as populações das zonas mais disputadas eram transferidas para aldeamentos em locais estrategicamente escolhidos. Um coronel paraquedista foi escolhido para comandar o Comando de Agrupamento Operacional n.º 1, em Teixeira Pinto, em 1969, os paraquedistas alcançaram resultados assinaláveis. Eles também estiveram presentes na Operação Titão, a 24 de abril de 1969, na região do Morés, houve guerrilheiros capturados, bem como muito material de guerra. Em 13 de junho de 1969, eles irão intervir na Operação Orfeu, assalto à base de Choquemone, nos resultados, um número assinalável de material capturável.

A Operação Jove, executada nos dias 17 e 18 de novembro de 1969, no corredor de Guileje, deu como resultado a captura do capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Irão realizar-se outras operações no corredor de Guileje. Em território bem distante, na região de Pirada, estamos em julho de 1970, decorrerá a Operação Elefante Roxo, o PAIGC tinha lançado um violento ataque ao aquartelamento, com fogos de canhão sem recuo, lança-granadas foguete, metralhadoras e armas ligeiras, procurava-se infiltrar elementos na povoação, a guerrilha tentou assaltar as instalações da DGS, uma secção de paraquedistas impediu que o assalto se concretizasse, contra-atacando e perseguindo os guerrilheiros.

Em janeiro de 1972, os paraquedistas voltam ao Morés em vários agrupamentos, batem o terreno, capturam material e provocam baixas à guerrilha. Por essa altura, o Comando-Chefe decidiu realizar entre a fronteira com a Guiné-Conacri e Salancaur Jate, perto do corredor de Guileje, a Operação Muralha Quimérica, entrou-se em acampamentos e apreendeu-se material. As forças paraquedistas tiveram um papel determinante na reocupação do Cantanhez, este local, severamente fustigado em 1968, dava sinais de que o PAIGC voltara a ocupá-lo. A Operação Grande Empresa envolveu forças de intervenção, entre elas três Companhias de Caçadores Paraquedistas, forças de quadrícula, várias companhias de caçadores e um pelotão de artilharia, forças de apoio, a Marinha e Força Aérea. Os páras participaram na implantação de aquartelamentos em Cadique, Caboxanque, Cafal Balanta, etc. Observa o autor que em maio de 1973, apesar de todos os progressos alcançados ninguém podia afirmar que se vivia em paz no Cantanhez. Todo este esforço se acabou por diluir com as ofensivas do PAIGC na região de Guileje e Gadamael e no norte, em Guidage, nesta altura a guerrilha já operava com os mísseis terra-ar Strela.

Mais uma vez os paraquedistas vão intervir em pontos convulsivos. Depois da retirada de Guileje, em 22 de maio, o PAIGC cerca Gadamael, vêm os paraquedistas, chegam a 3 de junho, desembarcam debaixo de uma concentração de artilharia e morteiros, os paraquedistas vão encontrar Gadamael em estado de grande devastação, o PAIGC pressiona, uma companhia de paraquedistas patrulha. Em 23 de junho, vários grupos de combate de paraquedistas saem de Gadamael e vão rumo a Cacoca, é a Operação Cobra Ondulante, vão desarticular um “quartel” do PAIGC. Os combates a norte foram igualmente ferozes, o PAIGC preparou o cerco de Guidage com um efetivo de 650 homens, provoca o inferno, quase que destrói o aquartelamento, faz repelir as colunas de reabastecimento. Os paraquedistas irão apoiar a Operação Ametista Real, a missão é estabelecer e garantir a segurança de um corredor por onde se fará a recolha do Batalhão de Comandos Africanos, na sequência do assalto a Cumbamori, e partem depois para Guidage, pelo caminho serão emboscados, a resposta é rápida, a guerrilha provoca baixas aos paraquedistas. A 30 de maio, uma companhia de paraquedistas, os destacamentos de Fuzileiros e o remanescente do Batalhão de Comandos Africanos deslocam-se para Binta, a companhia de paraquedistas saíra 17 dias antes para apoiar a Operação Ametista Real, trazia vestida a mesma roupa e menos quatro dos seus homens.

O autor chama a atenção que o empenhamento operacional no Cantanhez tinha exigido aos paraquedistas um esforço enorme. Os homens regressaram a Bissalanca mais magros, fisicamente cansados pelas consecutivas ações de combate e psicologicamente afetados pelos bombardeamentos suportados em noites insones. Mas voltaram às operações em junho. A última ação de combate com expressão relevante ocorreu em 30 de janeiro de 1974, na região de Bissum, os paraquedistas procederam a uma batida, encontraram uma canoa com armas, capturaram elementos do PAIGC e abateram outro. Em 10 de abril de 1968 foi concedida a medalha de Cruz de Guerra de 1.ª Classe ao Batalhão de Caçadores de Paraquedistas n.º 12, o diploma legal destaca as reais qualidades desta tropa de elite: “O Batalhão tem-se destacado, através dos seus oficiais, sargentos e praças, que formam um grupo equilibrado e homogéneo, exemplo da tropa de intervenção como uma verdadeira unidade de elite, contribuindo, de maneira decisiva para a viragem da situação no sul da província, honrando, assim, as Forças Paraquedistas e tendo a sua atuação na província considerada brilhante e altamente honrosa, resultando prestígio para a Força Aérea e admiração e reconhecimento das outras Forças Armadas.”

Cumpre dizer que o autor dedica um amplo capítulo à presença dos paraquedistas em Moçambique e um tocante capítulo às enfermeiras de camuflado.

Uma importante investigação que traz luz à performance dos paraquedistas nos três teatros da guerra colonial.

Coronel de Cavalaria Paraquedista Nuno Mira Vaz
Fez uma comissão em Angola, duas comissões na Guiné e uma em Moçambique. Condecorado com a Cruz de Guerra, de 1.ª classe
Testemunho de paraquedista recolhido do jornal Correio da Manhã, não consta o nome, fez comissão na Guiné de 1966 a 1968 no 1.º pelotão da Companhia de Caçadores Paraquedistas 122:

“Faltavam oito dias para regressarmos a Lisboa com a nossa missão cumprida. Entre nós já ninguém pensava na guerra, os dias eram contados a cada instante. Mas o inesperado aconteceu. O nosso Comandante Coronel Sigfredo Ventura da Costa Campos mandou formar a companhia de caçadores paraquedistas 122 e disse o que passo a citar: "Meus senhores, nós vamos embora daqui a oito dias, mas os camaradas que nos veem substitui, vão precisar de um mês para ficarem 100% operacionais. O problema é que os rapazes de Tite estão constantemente a ser atacados. Eu sei onde estão as armas pesadas com que eles os flagelam... Vocês querem ir lá buscá-las?" - E aqueles 120 rapazes responderam em uníssono, "Queremos!".


Fomos de novo cumprir com o nosso dever e trouxemos os canhões sem recuo, os morteiros 82 e armas ligeiras; e para além de algumas baixas infligidas, ainda trouxemos ferido o irmão do chefe do grupo que ali atuava. E assim aliviámos os nossos irmãos, pelo menos por algum tempo. No final fomos condecorados com a medalha de Cruz de guerra de primeira classe coletiva. Mas se me perguntassem se faltou alguma coisa... Bem, diria que faltou alguém com bom senso dizer: Obrigado, Pá! A Pátria está-te agradecida!”

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Notas do editor:
Post anterior de 12 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26806: Notas de leitura (1797): "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado em Lisboa em 1881, no tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores… (Mário Beja Santos)

domingo, 18 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26814: Em bom português nos entendemos (27): "Caputo" e "chicoronho", aplicados aos habitantes brancos do sul de Angola, antes da independência (António Rosinha / Luía Graça)



Angola > Moçâmedes (hoje Namibe) > s/d > Página do Facebook Moçâmedes a nossa amada cidade - Liceu Almirante Americo Tomas - Angola | 27 de setembro de 2015 ·

(...) Alunos e professores no Liceu em Moçamedes — com Maria Almeida, Prof.Amélia V Pereira, Nela Mendes, Marieta Correia, Prof Neto, Nela Oliveira, Maria Paula Mendes, Margarida Veiga, Luisa Nascimento, Padre Menezes e Laura Victória Pereira. (Foto e legenda: reproduzidas com a devida vénia...)



Angola > Moçâmedes (hoje Namibe) > Página do Facebook  Moçâmedes a nossa amada cidade - Liceu Almirante Americo Tomas - Angola | 10 de novembro de 2015 ·

(...) De Angola até África do Sul. Fuga de muitos portugueses, em 1975, pelo deserto da costa dos Esqueletos, as dificuldades. (...) (Foto e legenda: reproduzidas com a devida vénia...)


 

1. Escreveu o António Rosinha em comentário ao poste P16812 (*):

(..) "A geração que fez a luta está em vias de extinção. Quer queira, quer não, vai acabar, mas o país não vai acabar. A estas novas gerações que lhes interessa o colonialismo, interessam-lhes é como vão sobreviver amanhã" (Júlio de Almeida) (...)"

(...) Quem nasceu no sul de Angola, que fosse branco, em 1940, pensava que em 1960  era facílimo fazer daquelas terras um paraíso, se o "colon", naquele caso o "caputo" ou "chicoronho", se voltasse para a sua terra e os deixasse a eles mandar naquilo.

Isto era a conversa de alguns, não muitos, embora naquelas regiões de Namibe (Moçâmedes) e Lubango (Sá da Bandeira) houvesse muita descendência de "chicronhos".


2. O que dizer "chicoronho" e "caputo", com referència aos habitantes (brancos) do sul de Angola, na época do colonialismo ? (**)

21. O que o Gemini IA / Google respondeu à minha pergunta:

O termo "chicoronho", aplicado aos habitantes brancos do sul de Angola na época do colonialismo, é uma corruptela da palavra umbundo "tchi-kolono".

Em umbundo, "tchi" é um artigo definido (semelhante a "o", "a", "os", "as" em português) e "kolono" significa "colono". Portanto, "tchi-kolono" significa "o colono".

Com o tempo e o uso informal, especialmente pela população local, esta expressão terá sofrido alterações fonéticas, resultando em "chicoronho".

Assim, "chicoronho" era uma forma como os habitantes locais, falantes de umbundo, se referiam aos colonos brancos na região do sul de Angola. É importante notar que, dependendo do contexto e da entonação, este termo podia ter uma conotação neutra, informal ou até mesmo ligeiramente depreciativa, marcando a distinção entre os colonizadores e a população nativa.

22. E sobre "caputo":

Em Angola, a palavra "caputo" era utilizada de forma depreciativa para se referir à autoridade administrativa portuguesa, ao chefe de posto ou a indivíduos brancos com poder ou autoridade, especialmente nas zonas rurais.

A origem mais provável do termo "caputo" deriva do quimbundo e de outras línguas bantu locais, a partir da junção de:

  • "Kapita": adaptação bantu da palavra portuguesa "capitão" ou "cabeça", significando guia ou líder.
  • "Putu": abreviação de "Portugal".

Assim, "caputo" pode ser interpretado como algo como "o chefe de Portugal" ou "a cabeça de Portugal", referindo-se à figura da autoridade colonial. O seu uso tinha frequentemente uma conotação de distância, estranheza ou mesmo antagonismo entre a população local e a administração colonial.

O comentário do António Rosinha ilustra bem o sentimento de alguns angolanos nativos em relação aos colonos brancos ("colon", "caputo" ou "chicronho") no sul de Angola por volta de 1960. A frase expressa a crença de que a região se tornaria um "paraíso" se os colonos regressassem às suas terras e permitissem que os próprios angolanos governassem.

O texto também confirma que nas regiões do Namibe (Moçâmedes) e Lubango (Sá da Bandeira) existia uma significativa população de descendentes de "chicronhos", ou seja, de colonos brancos.

Este excerto oferece uma perspetiva sobre as tensões e as diferentes visões sobre o futuro de Angola no período que antecedeu a Guerra Colonial. Reflete o desejo de autodeterminação por parte de alguns angolanos e a perceção de que a presença colonial era um obstáculo ao desenvolvimento do país.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26812: Agenda cultural (883): "Livros a Oeste, Festival do Leitor", 13ª edição: "Chegados Aqui Para onde Vamos ? " - Conversa com os escritores Miguel Szymanski, Júlio de Almeida (o antigo comandante do MPLA, "Juju") e Luís Reis Torgal... Sábado, 17 de maio, 17:00,

sábado, 17 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26812: Agenda cultural (884): "Livros a Oeste, Festival do Leitor", 13ª edição: "Chegados Aqui Para Onde Vamos?" - Conversa com os escritores Miguel Szymanski, Júlio de Almeida (o antigo comandante do MPLA, "Juju") e Luís Reis Torgal... Sábado, 17 de maio, às 17:00

 


Última dia, com a última das habituais conversas do programa, 13ª edição de "Livros a Oeste, Festival do Leitor, a decorrer na Lourinhã (13 a 17 de Maio de 2025). Intervenientes :

  • Miguel Szymanski (romancista, mas também jornalista e comentador da RTP para assuntos internacionais), 
  • Júlio de Almeida (angolano, com um passado ligado ao exército, mas também ao Executivo de Angola, autor de dois romances publicados entre nós, à semelhança de vários outros do seu filho, o bem conhecido Ondjaki), que nos traz as suas memórias;
  • Luís Reis Torgal, figura de destaque da Academia portuguesa, com um vasto e rico percurso no âmbito da História, do pensamento e do ensino.

Moderação: o programador cultural João Morales

Os convidados, desta última conversa,  viajam com livro "novo na bagagem. Em jeito de balanço final, a convera designa-se "Chegados Aqui Para onde Vamos ?" (Lourinhã, Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, 17:00, sábado).

O festival encerra com Estilhaços, "espetáculo de Spoken Word", com Adolfo Luxúria Canibal (Lourinhã, Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, 21:30, sábado.

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segunda-feira, 12 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Fui encontrar-me com o coronel Nuno Mira Vaz à porta do Colégio Militar, na manhã de 1 de maio de 2024, entreguei-lhe o espólio de um valoroso alferes paraquedista há pouco falecido, que ficará no museu em Tancos, ele ofereceu-me o livro de que é autor, li-o com imensa emoção, dele vos estou a dar conhecimento, insere um vasto reportório sobre a participação dos paraquedistas na Guiné, o autor nunca esquece o blogue e cita amigos nossos como o coronel Moura Calheiros, termina no seu depoimento com a referência à medalha de Cruz de Guerra de 1ª classe conferida ao BCP 12. Escreve o autor na contracapa do seu prestimoso trabalho, um paraninfo a esta tropa de elite: "Têm os seus motivos de orgulho, de que não abdicam: por terem sido os primeiros a voar para os Dembos em 16 de março de 1961; por terem estado entre os últimos a sair de África e de Timor; por não terem deixado nenhum camarada para trás; por terem respeitado nos campos de batalha os que contra eles se bateram; por terem agido guiados pela Honra, pelo Dever e pela Camaradagem."

Um abraço do
Mário


Paraquedistas em combate na Guiné (1)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se Pára-quedistas em Combate 1961-1975, por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2019, abarca o histórico da participação dos paraquedistas nos teatros de Angola, Guiné e Moçambique, e não esquece a extremosa e indispensável intervenção das enfermeiras no decurso da guerra. Houve um grupo de trabalho que desafiou o autor a coligir a obra destinada a guardar a memória desta tropa de elite. O autor mostra que acompanha assiduamente o nosso blogue, dele recolhe um bom punhado de citações, logo a do alferes Vítor Junqueira, dizendo:

 “(…) Os paraquedistas que conheci na Guiné, 121.ª e 122.ª Companhias, eram realmente diferentes entre iguais. Sei que eram duros com o Inimigo, bravos debaixo do fogo, eficientes na ação, por esta ou qualquer outra ordem! Os resultados obtidos, as condecorações justamente atribuídas, atestam-no. Mas aquilo que aos meus olhos nos tornava a melhor tropa de elite, sem desprimor para outros, era a sua humildade, educação, respeito e cortesia para com os camaradas de outras forças (…)”

É uma longa viagem que mete preâmbulo sobre os primórdios da luta de libertação, chegamos a 1971 e temos os Páras em Angola, é um denso inventário de operações, fala-se das operações com salto em paraquedas e é nesse contexto que o autor irá falar da mais emblemática operação aerotransportada, decorreu na Guiné, e tinha a ver com a proteção que se queria dar ao General António Spínola, que se reuniu em 27 de abril de 1972 com o presidente senegalês Senghor, em Cape Skirring, a poucos quilómetros a Norte da fronteira com a Guiné. Montou-se um dispositivo militar capaz de resgatar o Governador e Comandante-Chefe e a sua comitiva, vivos ou mortos.

Tudo teria de ser feito sem o conhecimento das autoridades senegalesas. Houve um envolvimento impressionante: o Grupo Pperacional da Base Aérea 12 com as Esquadras 121 (Fiat), 122 (helicópteros) e 123 (Nord Atlas) e o BCP 12 com duas companhias e meia, num total de cerca de 300 paraquedistas. 

Nenhum dos intervenientes de operação, com exceção dos Comandos da BA 12 e do BCP 12, sabia qual era a missão – esta só seria indicada às forças intervenientes imediatamente antes da sua entrada em ação. Nada aconteceu felizmente. Este esquema preventivo voltou a ser montado em 18 de maio para um novo encontro, mas por haver confiança relativamente à boa-fé dos interlocutores senegaleses, os Nord Atrlas não saíram da placa da BA 12, onde também se manteve, preparado para embarcar se necessário, o pessoal a lançarem paraquedas.

Detalham-se os acontecimentos de Angola, a narrativa culmina com a atribuição da Medalha de Ouro de Valor Militar, com Palma ao Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 21, em fevereiro de 1973.

Passamos agora à Guiné onde os primeiros militares paraquedistas chegaram em junho de 1963, a sua missão principal consistia na defesa imediata do Aeródromo/Base n.º 2 (futura Base Aérea n.º 12). Era o Pelotão de Paraquedistas n.º 111, que teve o seu batismo de fogo em Agosto. O agravamento da situação exigiu o aumento do efetivo para o escalão Companhia. É referida a operação em que morreu em combate o Capitão Para-quedista Tinoco de Faria, em abril de 1966; enumeram-se as operações ao Cantanhez entre 1967 e 1968, com baixas da guerrilha e material capturado, os resultados mais impressionantes situam-se nestes primeiros meses de 1968.

E o autor dá-nos um quadro de combates sem tréguas à volta da Operação Júpiter, a missão era proceder à reorganização do dispositivo das forças terrestres aquarteladas em Guileje, Gandembel, Mejo e Porto Balana, era uma tentativa de dificultar ao PAIGC a utilização do “corredor de Guileje”, a operação decorreu em quatro períodos. O “corredor de Guileje” era utilizado pela guerrilha duas a três vezes por semana, por aí transitava boa parte dos combatentes e carregadores, transportava-se material de guerra entre a Guiné-Conacri e as bases situadas no interior da Guiné Portuguesa, no regresso transportavam-se géneros alimentícios.

Este trânsito de colunas era precedido por patrulhas com efetivos variáveis entre 20 a 50 homens, eles percorriam os caminhos de acesso ao corredor sinais da presença das forças militares portuguesas – e sempre que eram detetados sinais desta presença, as movimentações da guerrilha conheciam adiamento para o dia seguinte pois o PAIGC sabia que estas emboscadas raramente duravam mais do que 24 horas consecutivas. Sucederam-se as ações de combate, o inimigo dispersava e contra-atacava, as marchas eram extenuantes, os paraquedistas regressavam a Gandembel com os seus feridos e mortos e muito material de guerra capturado, e o autor dá-nos a seguinte citação:

“Formados na parada do quartel, sombras cambaleantes curvadas pela dor e exaustão, escutam o seu comandante que pede voluntários para bater na madrugada próxima toda a zona onde se tinham desenrolado os combates. Aqueles que se sentissem capazes, que dessem um passo em frente.
Perfilando-se orgulhosamente, olhos cintilando nas faces cavadas, cansaço vencido, todos avançam como se fossem um só homem.”


No final do primeiro período da Operação Júpiter, as tropas paraquedistas tinham causado à guerrilha 35 mortos, 1 prisioneiro e um número incontrolado de feridos. E nova observação do autor: 

“O Cantanhez, que durante vários anos tinha encarnado piores receios dos militares portugueses, a região onde mandara, incontestado, Nino Vieira, revelava-se afinal o cenário onde o BCP 12 obtinha os mais estimulantes sucessos operacionais.” 

Mas o inimigo não se deu por vencido, os ataques a Gandembel eram devastadores, danificaram o aquartelamento.

Depois de uma acalmia, a 16 de setembro, o PAIGC volta a bombardear com violência Gandembel e também Guileje. Regista o autor:

“O bombardeamento a este aquartelamento começou pelas 01H00 e só terminou às 05H10 depois de mais de 300 granadas de morteiro e de canhão sem recuo terem explodido no interior do perímetro defensivo ou nas zonas limítrofes. Após um curto período sem fogo, a tensa expetativa dos defensores foi bruscamente quebrada pela tentativa de assalto lançada pelo PAIGC cerca das 05H50. A decidida reação da tropa, porém, forçou os guerrilheiros a retirar, mais uma vez a coberto de granadas de fumo. 

A guerrilha somou novo insucesso, mas provocou extensos danos materiais no aquartelamento. Gandembel, por seu turno, foi atacado pelas 08H30, tendo sito contabilizados cerca de 150 arrebentamentos de granadas de canhão sem recuo e LGF na área do aquartelamento, as nossas tropas ripostaram forçando os guerrilheiros a retirar. Os atos de coragem praticados pelos militares paraquedistas nos duros combates que travaram com os guerrilheiros do PAIGC, defendendo Guileje e Gandembel, mereceram destacadas citações individuais nos relatórios de operações.”

Coronel de Cavalaria Paraquedista Nuno Mira Vaz
Fez uma comissão em Angola, duas comissões na Guiné e uma em Moçambique. Condecorado com a Cruz de Guerra, de 1.ª classe
Testemunho de paraquedista recolhido do jornal Correio da Manhã, não consta o nome, fez comissão na Guiné de 1966 a 1968 no 1.º pelotão da Companhia de Caçadores Paraquedistas 122:

“Faltavam oito dias para regressarmos a Lisboa com a nossa missão cumprida. Entre nós já ninguém pensava na guerra, os dias eram contados a cada instante. Mas o inesperado aconteceu. O nosso Comandante Coronel Sigfredo Ventura da Costa Campos mandou formar a companhia de caçadores paraquedistas 122 e disse o que passo a citar: "Meus senhores, nós vamos embora daqui a oito dias, mas os camaradas que nos veem substitui, vão precisar de um mês para ficarem 100% operacionais. O problema é que os rapazes de Tite estão constantemente a ser atacados. Eu sei onde estão as armas pesadas com que eles os flagelam... Vocês querem ir lá buscá-las?" - E aqueles 120 rapazes responderam em uníssono, "Queremos!".

Fomos de novo cumprir com o nosso dever e trouxemos os canhões sem recuo, os morteiros 82 e armas ligeiras; e para além de algumas baixas infligidas, ainda trouxemos ferido o irmão do chefe do grupo que ali atuava. E assim aliviámos os nossos irmãos, pelo menos por algum tempo. No final fomos condecorados com a medalha de Cruz de guerra de primeira classe coletiva. Mas se me perguntassem se faltou alguma coisa... Bem, diria que faltou alguém com bom senso dizer: Obrigado, Pá! A Pátria está-te agradecida!”


(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 6 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26771: Notas de leitura (1795): "Um preto muito português", da luso-angolana e antiga "rapper" Telma Tvon (Lisboa, Quetzal, 2024)... Parte II (Luís Graça): Uma dedicatória que vale um poema: "Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração"

sábado, 10 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26789: Os 50 Anos do 25 de Abril (38): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte IV

 








Painel III > " Vocação Colonial" e "Missão Histórica > 1. As Políticas da Terra e os Seus Efeitos em África



Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. 
O Colonialismo Português em África: 
Mitos e Realidades”

 Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025



1.  É uma visita necessariamente resumida" a esta grande  exposição, que pode ser vista até 2 de novembro de 2025. (Há visitas guiadas, tem que se reservar.)






Painel III > " Vocação Colonial" e "Missão Histórica > 1. As Políticas da Terra e os Seus Efeitos em África









O terceiro painel (*) tem como subtemas os seguintes (pelo menos, os que eu registei na minha máquina fotográfica), e que são profusamente ilustrados com imagens da época (mais de Angola, Moçambique e São Tomé, e muito menos da Guiné, que não era uma "colónia de povoamento"):


(i) as políticas da terra e os seus efeitos em África;

(iii) as políticas de assimilação e a criação do "assimilado";

(iii)  a "branquização" dos territórios coloniais.



Apresenta-se aqui, a título exemplificativo e informativo, alguns conteúdos (reproduzidos aqui com a devida vénia, e a pensar sobretudo nos nossos leitores fora de Lisboa que dificilmente terão oportunidade de se deslocar ao Museu Nacional de Etnologia, no Restelo, que de entrada gratuita para os antigos combatentes)...

A exposição é muito rica do ponto de vista documental, com se pode aferir pela pequena amostra que apresentamos (seleção de c. de 220 imagens que fiz de metade dos painéis; anda tenho que lá voltar paar ver o resto...)


2. A leva de "contratados" para as roças de São Tomé, de Angola e de Cabo Verde, traz-nos logo à memória essa canção imortal, "Sodade", na voz inconfundível da grande Césária Évora, a "rainha da morna", que nasceu e morreu no Mindelo  (1941-2011):


Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá
Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
 
 

Composição: Amandio Cabral / Louis Morais

Fonte:  Portal "Letras" > Sodade | Cesária Évora 


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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 23 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26608: Os 50 Anos do 25 de Abril (37): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte III

Postes anteriores:

15 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26499: Os 50 Anos do 25 de Abril (36): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte II

3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26456: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte I

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Guiné 61/74: P26766: Efemérides (454): O fim da guerra do Vietname foi há 50 anos ("Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975)

 












Recortes de imprensa, "Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975, 2ª ed., pp. 1 e 20.

Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso |  Pasta: 06822.172.27196 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18752 | Ano: 55 | Data: Quarta, 30 de Abril de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa  


1. Há 50 anos a agência Reuters e o Diário de Lisboa, de 30/4/1975, noticiavam o fim da guerra do Vietname.  Uma guerra com 3 décadas, que foi um pesadelo para todos: os vietnamitas e os outros p0vos da Indochina, os franceses, os americanos... (e demais povos e todo o mundo, já que não foi  uma mera guerra regional, desenrolou-se em pleno clima de "guerra fria"...).

Foi também uma guerra que esteve no nosso "imaginário"... Mais do que isso: também sobrou para nós... Os mísseis terra-ar Strela, por exemplo, já tinham sido testados no Vietname... bem como a passagem da guerrilha à guerra convencional (no caso, port exemplo,  da Guerra dos 3 G: Guidaje, Guileje, Gadamael)...

E havia até quem, mal ou bem, na nossa geração, comparasse a guerra da Guiné com a do Vietname... É evidente que foram duas realidades incomparáveis: pelos meios bélicos empregues, em homens e armas, pela extensão do território, pela violência, pelo nº de baixas, etc.; as nossas guerras foram de "baixa intensidade". Os militares norte-americanos tiveram cerca de 58 mil mortos, e perto de 300 mil feridos. As perdas entre os vietnamitas, civis e militares, do Norte e do Sul são impossíveis de calcular (há estimativas que apontam para 2 a 4 milhões).

Em 30 de abril de 1975 estávamos no rescaldo das eleições, realizadas uns dias antes (em 25 de abril) para a Assembleia Constituinte.  As primeiras eleições livres!... Tinha havido o 11 de março e depois a fúria das nacionalizações...Mas já antes o 28 de setembro de 1974, que alguns historiadores apontam como o  início do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). 

O "verão quente de 1975", já estava em banho maria... E em Angola, a 6 meses da independência,  já havia crescentes sinais da brutal guerra civil que se iria desencadear depois do 11 de novembro de 1975 e  prolongar durante anos e anos até 2002 (com escassos períodos de paz podre pelo meio). 

Os últimos militares portugueses em Angola regressaram a 10/11/1975, na véspera da "dipanda". A sangria de quadros foi brutal... Um amigo meu, angolano, médico, disse-me que nesse dia, histórico, o número de médicos que restavam no território era der 26...

Cinquenta anos depois perguntamo-nos, ingenuamente: porquê ? para quê ? como foi possível ?  A guerrra do Vietname, a guerra da Guiné, a guerra de Angola... A(s) guerra(s)... 

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26732: Efemérides (453): Lourinhã, 25 de abril de 2025: cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ulltramar / guerra colonial