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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27196: Manuscrito(s) (Luís Graça) (272). Erguemos a taça à tua, / Que a saúde está primeiro, / Sete sete é capicua, / Viva o nosso Zé Carneiro!


Marco de Canveses > Candoz > s/d > José Ferreira Carneiro, nascido em 8 de setembro de 1948, dia da festa de Nossa Senhora do Castelinho,  na quinta de Candoz, Paredes de pedra, Marco de Canaveses. Entre Douro e Minho, Portugal. Produtor-engarrafador de vinho verde.  Membro da Tabanca de Candoz... 



Lourinhã > Praia da Areia Branca > 18 de agosto de 2025 > O Zé na festa de aniversário da mana Chita (que fez 80). São agora os manos mais novos da família Ferreira Carneiro,



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > 1 de setembro de 2025 > O Zé é um dos trabalhadores da "vinha do Senhor"... A 13 é já a primeira vindima. Claro que ele vai cá estar, mas só para super...visionar.



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > 1 de setembro de 2025 > Rio Douro, a albufeira da barragem do Carrapatelo, Porto Antigo, serra de Montemuro, já no distrito de Viseu...

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




É o nosso mano querido, José Ferreira Carneiro, o nosso Zé, 
faz anos hoje, 8 de setembro,
 77 anos, uma capicua. 

Nasceu em 1948, na festa da Senhora do Castelinho (padroeira da cidade, hoje é feriado no Marco).
Tem um filho, Pedro, e um neto, Diogo.  
A primeira esposa morreu, cedo, 
Carmen, mãe do Pedro. 

Voltou a casar, agora com a Teresa Mesquita.
Vive com ela (e a sogra, a Dona Olinda, e o enteado Luís) em Matosinhos.
São Mamede de Infesta, Padrão da Légua.

Trabalhou nos seguros. 
Está agora reformado. 
Também foi técnico de gás, como trabalhador independente. 
É um jeitosinho, um homem dos sete ofícios.
Ainda aprendeu, com o pai, a arte de ramadeiro.
Mas não ficou na terra, 
o apelo da cidade, a Invita, o Porto, era maior.
Lá podia estudar e fazer-se homem.
Hoje já tem Gmail, 
como qualquer português que se preze.
Mas não faz parte da Tabanca Grande,
até porque não esteve na Guiné.

Foi às sortes,  fez a tropa.
Foi parar ao Norte de Angola, em 1970/72, 
como 1º cabo de transmissões, 
numa companhia mista, de metropolitanos e angolanos. 

Não fala da guerra colonial. 
Não fala com emoção. 
Passou, passou, o tempo da tropa e da guerra.

Gostou de Camabatela e de Luanda. 
Andou na região do café, com a sua companhia 
a guardar as costas dos grandes fazendeiros do café. Se

O que ele mais adora é vir trabalhar na Quinta de Candoz, 
onde nasceu.
Duas vezes por semana.
Trabalhar é limpar bordas,
é podar videiras,
é sulfatar,
é aparar carvalhos e castanheiros,
é sachar, é cavar, 
é tratar da horta, dos tomates aos pimentos,
é regar,
é rachar lenha,
é abrir buracos,
é limpar as minas,
é manter o sistema de rega,
é fazer o vinho,
é cuidar das cubas de inox,
é engarrafar,
é pôr, com muito carinho, o rótulo "Nita" nas garrafas...
é tudo isto e mais outras mil e uma coisas,
que ele não é de home de capinar sentado.
E é legalmente o produtor-engarrafador do nosso vinho "Nita".


Adora os manos (Tó e Manel, mais velhos,
o Tó, o "brasileiro", DAF - Deficiente das Forças Armadas),
e as manas, Rosa (a mais velha), Chita e Nita (que já faleceu). 
Ele é o mais novo de seis.  
O caçula.
É trabalhador, é leal, é alegre, é efusivo, é generoso. 
Tem às vezes azar com o "esqueleto". 
É "accident-prone", 
propenso a videntes...
Já foi operado à coluna. 
Devia ter mais cuidado com os trabalhos pesados... 
Mas é um "mouro de trabalho". 
Não pode estar parado. 
Anda agora com um colete, porque partiu uma vértebra. 
Estar parado não é com ele. 
Está infeliz porque agora vão ser as vindimas, 
e o médico não o deixa fazer disparates. 
Os mais novos que trabalhem, resigna-se ele.
Daqui as duas semanas estará pronto para outra. 

Fizemos  umas quadras, uns versinhos. 
De parabéns. 
Que ele bem precisa,  para levantar o ânimo. 
E bem merece. 
Afinal, ele é o melhor de todos nós.
 
Aqui vai, com todo o carinho, umas quadras para o nosso Zé,
que tem direito a festa, alegria, rancho melhorado
... e ânimo no dia dos seus 77 anos 
(para mais,   uma capicua!):


José Ferreira Carneiro,
setenta e sete a contar,
és mano, és companheiro,
sempre pronto a ajudar.

Na guerra foste valente,
calhou-te Camabatela,
nunca estiveste doente,
nem lá partiste a costela.

Homem bom, leal e forte,
não querias ser lavrador,
não te podes queixar da sorte,
tens família, tens amor.

Rebento da melhor casta,
dos Ferreira e Carneiro,
um dia passas a pasta
ao teu Pedro, "engenheiro".
 
Agora estás no estaleiro,
com o colete a apertar,
logo voltas ao terreiro,
ainda há muito p'ra vindimar.

Responde, contente, o Zé,
com o seu jeito brincalhão:
“Hei de morrer de  pé,
sou um mouro dum c*brão!"

Mouro só a trabalhar,
que no resto é azul e branco,
passa o tempo a chorar
por andar agora manco.

"Com a vindima mesmo à porta, 
e eu não me posso agaitchar,
com esta coluna torta,
nada faço, nem cantar."

Ao médico, obedece,
não nasceste p´ra morrer,
nada de freima ou stresse,
quem trabalha quer  viver.

Esta idade ninguém ta dá,
nem com brancas no cabelo,
sê feliz, agora e já,
sê Carneiro, e não... Camelo!

Erguemos a taça à tua,
que a saúde está primeiro,
sete sete é capicua,
viva o nosso Zé Carneiro!
 
 
Brinde:

Setenta e sete anos,
 uma vida cheia de trabalho, de generosidade e de amor.
De amor  à  sua família, 
e à nossa família alargada, de Candoz.

É o mais novo dos nossos manos,
mas sempre foi um exemplo de força, de alegria e de companheirismo.

Mesmo quando a saúde lhe prega partidas, 
nunca perde o sorriso  nem a vontade de ajudar.
Por isso, ao Zé e aos manos, 
mas também  ao Pedro, ao Diogo, à Teresa, à Dona Olinda, 
e a todos nós, aqui presentes,   levantemos  o copo!...

Ao nosso Zém afinal, não falta nada:
tem anos, tem família, tem alegria… 
só às vezes lhe falta juízo, 
porque o médico mandou-o descansar, por quatro semanas,
e ele já quer é ir para vindimas!

Brindemos a ele, 
que descanse muito por agora, 
que recupere a saúde, 
que beba um copo do nosso vinho
 e que dure... pelo menos até aos aos cem!

 Viva o nosso Zé!

Candoz e Matosinhos, 8 de setembro de 2025, Alice e Luís
 
________________

Nota do editor LG:

domingo, 7 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27194: Efemérides (466): Homenagem do povo de Vila do Conde ao Padre Bártolo Paiva Gonçalves Pereira, Capelão Militar em Angola, Guiné e Moçambique, a levar a efeito hoje, dia 7 de setembro (Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM)

Virgílio Teixeira 
1. Mensagem do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM , CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), com data de hoje, 7 de setembro de 2025:

Boa noite, Luís:
Lembrei-me agora desta homenagem que o povo de Vila do Conde vai fazer, hoje domingo, dia 7 de setembro, a uma figura ligada ao sacerdócio e nesta época em Vila do Conde.

O povo juntou-se e angariou 150 convivas para a sua homenagem, como homem bom, de fé, culto e amigo.

Fez 90 anos no dia 3 de setembro e hoje, dia 7, vai celebrar o seu aniversário e em especial uma homenagem ao padre em si.

É do concelho de Santo Tirso, foi incorporado no serviço militar como capelão. Passou 30 anos na tropa e 13 dos quais nos cenários de guerra. Está reformado como major graduado. É do meu tempo na Guiné embora nunca o tenha conhecido lá .Era capelão-mor no QG. Passou por Angola, Guiné e Moçambique, onde deixou obra feita.

Depois de 30 anos de tropa, reformou-se e esteve na Suíça outros 30 anos como sacerdote onde aprendeu muita coisa das vidas. É homem sem pergaminhos, aberto, conversado e de uma enorme cultura geral.

É nosso amigo, dá missa ainda aqui na Igreja do Desterro e é ele que preside a todas as cerimónias militares. Não se lhe conhecem convicções.

Vive sozinho aqui perto em zona de primeira, vive bem com boas reformas. Uma irmã vem fazer a sua sopa e ajudar na casa.

Tornámo-nos amigos de café onde passamos as tardes de domingo. Agora juntou-se outro casal amigo, o ex-alferes Alberto Leite,  da CHERET, de que já aqui foram publicados alguns excertos da sua vida.

Podemos falar à vontade de tudo,  ele sabe mais que nós todos.

Não há tempo para dizer muito mais, dos livros que escreve oferece sempre um exemplar com dedicatória, como este que junto umas fotos. O próximo a sair é sobre a mulher.

Os festejos começam com missa às 11h na Igreja Matriz, depois almoço no hotel Santana.
Seguidamente as celebrações na Matriz.

Não há nada de política, são causas espontâneas do povo. Nem apoio religioso. Embora esteja também inscrito, o padre da paróquia, por sinal não se dão bem. São gerações com 45 anos de diferença. O padre mestre é um pretensioso que ninguém vai à sua bola, as pessoas fogem dele, de origem burguesa que só usa tudo de marca e luxo.

Caso interesse, esta referência no blogue fica ao teu cuidado.
Boas vindimas.

Um abraço
Virgílio

2. Comentário do editor LG:

O padre Bártolo Paiva Pereira é o n.º 28 da lista dos 102 capelães que serviram o exército, no CTIG, entre 1961 e 1974. (Houve mais 7 na Força Aérea e 4 na Marinha; no total, 113.) E foi um dos quatro que exerceu funções de capelão-chefe. 

Esteve no CTIG em 1966/67. Aproveitamos para lhe mandar um "balaio" de parabéns e votos de saúde e alegria, por ocasião do seu 90º aniversário, em nome dos editores e dos demais amigos e camaradas da Guiné.  

Fica convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, tendo como padrinho o seu amigo, vizinho e camarada Virgílio Teixeira. Gostaríamos de poder reproduzir alguns excertos do seu livro. E, se possível, ter acesso a um exemplar. Que Deus, Alá e os bons irãs o protejam!
_____________

Nota do editor

Último post da série de 19 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27133: Efemérides (465): 21 de Julho, Dia da Arma de Cavalaria, comemorado em 1970, em Nova Sintra, com rabanadas (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P25156: Capas da Ilustração Portugueza - Parte XI: as "campanhas de pacificação e ocupação" do sul de Angola; o desastre do Vau do Pembe (em 25 de setembro de 1904)

 


Tropas portuguesas da guarnição de Angola, a caminho do interior,  preparando um bivaque (segundo um croquis)


Capa da Illustracão Portuguesa, I Ano, nº 49, 10 de outubro de 1904 (Edição semanal, Empresa do Jornal O Século, Lisboa; editor, José Jourbert Chaves) (Cortesia de CM Lisboa / Hemeroteca Digital) (*)


1. O semanário dedica a capa e as duas páginas centrais às "Guerras de África: alguns oficiais portugueses na guerra dos cuanhamas" (pp. 0776/0777), que se traduziu por um "terrível desastre":


"A notícia deste terrível desastre impressionou vivamente o país e veio lançar o luto sobre as armas portuguesas. Habituados a constantes vitórias em África, vitórias que têm colocado os nossos soldados entre os melhores do mundo, a derrota agora sofrida cai sobre nós como uma calamidade e vem demonstrar a razão que tinha a imprensa, quando, com o Século à frente, achava insuficiente o número de expedicionãrios. Para demais s já desde 1896 se sabia as forças de que dispunham esses inimigos, pois tendo ido em comissão o capitão Luna de Carvalho teve ocasião de dizer algumas coisas sobre




a situação dos cuanhamas. O régulo Jula vivia em Oujiva e em sua residência havia mobiliário europeu, e ele vestia à europeia, como os seus grandes. Os cuanhamas tinham cerca de 10.000 guerreiros, armados à moderna, dispunham entre eles de bons cavaleiros e esse número deve ter aumentado consideravelmente até agora, calculando-se em 50.000 homens as forças atuais.

Foi por isso uma temeridade atacar esses vizinhos dos herreros, famosos guerreiros que noutros encontros têm batido as tropas alemães; porém decerto os nossos teriam vencido se fosse



mobilizado maior número, como tantas vezes se aconselhou. O destacamento que ia ao encontro dos cuanhamas, era composto de dois pelotões de infantaria europeia, quatro pelotões de infantaria indígena, duas bocas de fogo e uma secção de artilharia, na totalidade de 409 homens, dos quais foram mortos 254, contando entre eles 16 oficiais e 13 sargentos.

O corpo principal da coluna não entrara em fogo e concentrou-se no dia seguinte no Humbe, tendo-se dado a chacina pela noite na margem do Cuneme, sendo os atacantes os cuamatas, povo aliado


dos cuanhamas e como eles dispondo de forças importantes. O comandante das tropas era o capitão de engenharia João Maria d' Aguiar, governador da Huila, que se encontrava com a coluna, pois do contrário teria sido vítima com os seus camaradas.

Oficial valente e distinto, sem dúvida tirará uma brilhante desforra deste desastre que tanto vem enlutar a pátria portuguesa.

Fonte: Excertos de Illustracão Portuguesa, I Ano, nº 49, 10 de outubro de 1904, pp. 0776/0777)

(Revisão / fixação de texto: LG)


1. Uma efeméride trágica: foi em 25 de setembro de 1904, vai fazer agora 121 anos, que o exército português sofreu uma sério revés nas campanhas de pacificação e ocupação do sul de Angola.


A cerca de 500 quilómetros da costa, uma coluna comandada pelo governador da Huíla, o capitão de engenharia João Maria de Aguiar (de que fazia parte Gomes da Costa, mais tarde líder do golpe de estado militar do 28 de maio de 1926), internou-se para lá do rio Cunene, através do vau do Pembe.  

Portugal estava decidido a bater o pé aos alemães que que estavam a expandir, para norte, a sua colónia do Sudoeste Africano Alemão (1884-1915) (hoje Namíbia, independente da África do Sul, desde 1990). (**)

(..) "Só em 1904 é que os portugueses lançaram a primeira grande campanha além-Cunene, para ocupar o Reino do Cuamato Pequeno, do Cuamato Grande e o Reino Cuanhama mas esta redundou numa derrota na Batalha do Vau do Pembe

"O 'Desastre do Pembe' galvanizou os ovambos, em particular os cuamatos, que começaram a atacar tribos sob a protecção de Portugal e até a ameaçar fazendas na margem norte do Cunene mas galvanizou também a opinião pública portuguesa, que forçou o governo português a intervir na região." (...) (Vd. Wikipedia > Campanhas de Pacifiocação e Ocupação).


Os Portugueses, apanhados numa emboscada, caíram às mãos de outra tribo do grupo dos Ambós, os Cuamatos, e deixaram no local duas centenas e meia de mortos (mais de cem,. de origem metropolitana), o que representou, à escala africana, uma trágica surpresa para a Europa colonizadora (Portugal, Alemanha, Grã-Bretanha).

A ermboscada do Vau do Pembe (um ponto de travessia do rio Cunene) foi descrito pela "Ilustraçáo Portuguesa",  duas semanas depois (na edição de 10 de outubro de 1904) como um desastre  para as tropas portuguesas lideradas pelo capitão Luís Pinto de Almeida, que trouxe imensa dor e luto para a pátria portuguesa.

 João Roby (1875-1904), oficial da armada, é uma das figuras centrais da memória da Batalha do Vau do Pembe (também conhecida como Combate de Umpungo).
 
(Imagem à esquerda:  foto de João Roby,  "IIustração Portuguesa",I Ano, nº 49, 10 de outubro de 1904, pág. 0776).
 
_______________

Notas do editor LG:


(**) Com a ajuda do ChatGPT, apurei o seguinte sobre este "protetorado alemão" (1884-1915):

(i) em 1884, a  Alemanha (com o chanceler Otto von Bismarck, o pai-fundador da Alemanha Moderna),no contexto da “Partilha de África” (Conferência de Berlim, 1884-1885), declarou protetorado sobre a região costeira do atual Namibe/Namíbia, a pedido de comerciantes e colonos alemães, nomeadamente Adolf Lüderitz (1834-1886), que já tinha adquirido, de maneira fraudulenta,  terras aos chefes locais;

(ii) a colónia foi chamada Deutsch-Südwestafrika (Sudoeste Africano Alemão) e foi a primeira e a mais importante colónia de povoamento alemã em África;

(iii) tinha, desde 1891, a capital em  Windhoek;  o número de colonos alemães andava à volta dos  15 a 20 mil (antes da Primeira Guerra Mundial);

(iv) a economia colonial assentava sobretudo na criação de gado, na agricultura e, a partir de 1908, nas importantes minas de diamantes descobertas em Lüderitz;

(v) o "protetorado" encontrou forte resistência por parte das populações locais:  Herero, Nama (também chamados Hotentotes, povo nómada), Damara e San;

(vi) 1904-1908: genocído dos Herero e Nama: rebeliões contra a ocupação alemã, foram reprimidas de forma extremamente violenta; o general Lothar von Trotha aplicou  uma política de extermínio; como resultado: dezenas de milhares de pessoas (entre 65% e 80% dos Herero e cerca de 50% dos Nama) morreram em massacres, perseguições no deserto, inanição, envenenamento de poços  e campos de concentração (no que foi considerado mais tarde, pela ONU,  o primeiro ou um dos primeiros genocídios do séc. XX).

(vii) extinção do protetorado: em 1915, no decurso  da Primeira Guerra Mundial, forças da União da África do Sul (do Império Britânico) invadiram e ocuparam o território;

(viii) em 1919, pelo Tratado de Versalhes, a Alemanha perdeu todas as suas colónias; o Sudoeste Africano passou a estar sob  mandato da Sociedade das Nações (antecessora da ONU), administrado pela África do Sul, situação que se prolongaria até à independência da Namíbia em 1990. 

(Condensação, revisão/fixação de texto: LG)

Guiné 61/74 - P27155: Felizmente ainda há verão em 2025 (24): amigos e camaradas da Guiné, não havia régulos em Angola... apenas sobas e regedores (Fernando de Sousa Ribeiro)


Angola > s/l > s/d > Fotografia, do domínio público, mostrando uma dança guerreira cuanhama, em 
que os participantes empunham arcos, flechas, lanças, etc. O 17º (e último)  rei dos cuanhamas foi o chamado soba Mandume (1894-1917).

Imagem e legenda: Cortesia do Fernando Ribeiro. Edição: Blogue Luís Graça 



(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 /
BCAÇ 3880 (Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780, tem 35 referências no nosso blogue.

(iii) engenheiro, natural do Porto, é o administror do blogue "A Matéria do Tempo"que mantém ativo desde janeiro de 2006 até hoje.


1. Comentário do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro, ao poste P27148 (*)

A palavra "régulo" não era usada em Angola. Ela podia figurar na legislação do território (não sei se figurava ou não), mas ninguém em Angola chamava régulo a um chefe tradicional. Isso era na Guiné e em Moçambique. A designação genericamente usada em Angola para designar um tal chefe era "soba".

A definição de soba está muito bem exposta na página FAAT-Fórum Angolano das Autoridades Tradicionais do Facebook, referida pelo Luís.

 A definição de soba que é dada na página referida é genérica. No concreto, existem algumas variantes, dependendo das etnias.

No próprio texto, vem a seguinte frase: «Existem dois tipos de Sobas, o Soba grande (regedor) e o Soba.» 

Eu nunca ouvi chamar "soba grande" a um regedor, mas, pelo menos entre os bacongos, o regedor era mais do que um soba; um regedor tinha vários sobas na sua dependência e (caso não fosse apenas um fantoche nomeado pela administração colonial) podia ser muito poderoso e influente. 

Conheci um regedor que era tão respeitado pelos seus súbditos que nem a PIDE se atrevia a meter-se com ele, por receio de provocar um levantamento popular... Os pides limitavam-se a vigiá-lo de longe, sem darem nas vistas.

O soberano dos cuanhamas também usava o título de soba, ainda que de facto fosse rei. O último rei dos cuanhamas foi o chamado soba Mandume, que acabou por se suicidar com um tiro de Mauser para não ser capturado, no fim das campanhas ditas "de pacificação". 

Eu mesmo sou testemunha da enorme admiração que os meus soldados africanos (de qualquer etnia) nutriam pelos cuanhamas, precisamente por causa da sua tenaz resistência à colonização portuguesa (em Angola) e alemã (na Namíbia). Diziam os meus soldados que não foram os portugueses nem os alemães que venceram os cuanhamas; foi a fome, provocada por uma seca entretanto surgida.

Do ponto de vista físico, os respeitados e admirados cuanhamas são um povo tendencialmente de elevada estatura e com feições que fazem lembrar as dos etíopes, sudaneses e até dos tuaregues, pelo menos em alguns casos. Praticam uma economia agro-pastoril e têm tradições guerreiras. Dito isto, será possível que haja algum laço de parentesco entre os cuanhamas e os fulas?

A imagem que se publica acima, é muito antiga e mostra uma dança guerreira cuanhama, em que os participantes empunham arcos, flechas, lanças, etc.
 
Em Coimbra existiu uma república de estudantes chamada Kimbo dos Sobas (no plural) (imagem `^a esquerda). Ela era assim chamada por ter sido fundada por estudantes angolanos. 

A República Kimbo dos Sobas teve uma participação ativa na crise académica de 1969, juntamente com todas as outras repúblicas da cidade, menos uma.

A palavra quimbo é sinónima da palavra sanzala e ambas equivalem a tabanca. 

No norte de Angola usa-se a palavra sanzala, enquanto no centro e no sul se usa a palavra quimbo. Duvido seriamente que a palavra quimbo venha do umbundo, porque na língua umbundo não existe a sílaba ki, que é sempre substituída pela sílaba tchi. A palavra quimbo poderia ser, por exemplo, uma forma abreviada da palavra quilombo.

Angola não era a joia da coroa do império português, de maneira nenhuma. A joia do império era Goa. Angola era um território para onde eram desterrados os condenados ao degredo pela Justiça, como aconteceu ao Zé do Telhado e a muitos outros. Um território assim não pode ser joia de coisa alguma.

O selo moçambicano que se vê na última imagem é um selo da Companhia do Niassa, uma companhia majestática equivalente à sua vizinha Companhia de Moçambique. Note-se que em parte nenhuma do selo se pode ler a palavra "Moçambique", o que é muito significativo.



2. Comentário do editor LG:

Fernando, tens toda a razão no que respeita ao uso da palavra "régulo" em Angola. Se leres o Decreto-lei 23228, de 15 de Novembro de 1933 (Carta Orgânica do Império Colonial Português), o termo genérico consagrado para as autoridades gentílicas é regedor (soba em Angola, régulo na Guiné e em Moçambique, liurai em Timor...).

Já que estamos no verão de 2025 e a nossa universidade sénior não encerrou para ir... a banhos, vamos discorrer um pouco sobre esta "bizantinice"...(Ou talvez não: acho que não estamos a discutir o "sexo dos anjos"... As questões terminológicas também são importantes... Corrigi o poste P27148, substituindo régulo por regedor. E dei conhecimento a alguns dos nossos "amigos angolanos").

Este diploma de 1933 é um marco do regime do Estado Novo na definição da política colonial, consolidando a ideologia do império orgânico, centralizado e hierarquizado. Um império ainda em grande parte de "papel"... Lisboa gostava de gerir o seu vasto e glorioso império, "de caneta e papel" em cima da secretária do gabinete... Até 1936 as campanhas de pacificação e ocupação ainda continuariam (na Guiné, nos Bijagós, em Canhabaque)

Sumário: Promulga a Carta Orgânica do Império Colonial Português, que dispõe sobre a administração colonial portuguesa nas seguintes províncias: Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor. Estabelece os orgãos centrais de governo do imperio colonial, enunciando as suas atribuições, estrutura, competências e funcionamento. Dispõe sobre os funcionários coloniais e os serviços militares, bem como sobre a administração financeira e de justiça, a ordem social e económica e sobre os indígenas.

No que toca às autoridades gentílicas (designação para chefes locais africanos, como régulos, regedores, sobas, liurais, etc.), destacam-se os seguintes pontos:
  • Reconhecimento subordinado:
(ii) as autoridades tradicionais são reconhecidas, mas apenas enquanto delegadas do poder colonial; 

(ii) são enquadradas num sistema administrativo em que a soberania pertence exclusivamente ao Estado português.
  • Funções atribuídas:
(i)  cobrança de impostos e taxas (nomeadamente o famigerado “imposto de palhota”);

(ii) colaboração no recrutamento de trabalho forçado ou contratado (obras públicas, culturas obrigatórias, como o algodão, o café, a mancarra);

(iii) manutenção da ordem pública local, em articulação com a administração e forças militares;

(iv) apoio em campanhas de “civilização” (escola, missões catequese, saúde).
  • Nomeação e demissão:
(i) o poder colonial detém a prerrogativa de nomear, confirmar ou destituir os chefes gentílicos;

(ii) o que vem  esvaziar a legitimidade “tradicional” dessas autoridades, subordinando-as a critérios coloniais de “fidelidade”, "submissão" e “utilidade”.
  • Estatuto jurídico desigual:
(i) as autoridades gentílicas estavam enquadradas no Estatuto do Indigenato (abolido só em 1961), com direitos políticos e civis limitados:

(ii) não eram equiparadas a funcionários da administração colonial, mas sim auxiliares, com remuneração e prestígio dependentes da boa conduta perante os administradores coloniais.

 Análise Crítica do di0ploma:
  • Instrumento de dominação indireta
(i) o sistema reproduz a lógica do “indirect rule” britânico, embira forma menos institucionalizada;

(ii) Portugal utilizava os chefes locais para reduzir custos de administração e controle, em territórios a milhares de quilómetros de distância (em relação ao Terreiro do Paço), mantendo o "verniz" da continuidade e do respeito das estruturas tradicionais.
  • Ambiguidade entre tradição e colonialismo:
(i) embora se afirmasse respeitar “usos e costumes”, na prática tratava-se de uma manipulação seletiva da autoridade tradicional;

(ii) muitas vezes, os chefes hostis eram destituídos e substituídos por figuras mais maleáveis, corroendo a legitimidade das hierarquias locais.
  • Reforço da exploração colonial:
(i) a função principal atribuída às autoridades gentílicas era extrativa e coerciva: impostos, trabalho, disciplina, obediência, "compliance";

(ii) isso colocava-as em contradição (e conflito) com as próprias comunidades, passando a ser vistos como agentes do colonialismo.
  • Fragmentação e dependência:
(i) a política colonial dividia chefes e povos, ftragmentava comunidades, estimulava rivalidades internas, enfraquecia resistências coletivas e transformava ideranças locais em peças dependentes de Lisboa.
  • Efeito a longo prazo:
(i) após a independência, em vários territórios africanos, a herança das “autoridades gentílicas” sobreviveu de forma ambivalente;

(ii) por um lado, eram vistas como colaboracionistas; por outro, foram recuperadas em certas conjunturas como mediadoras comunitárias;

(iii) na Guiné, por exemplo, a memória da colaboração dos chefes gentílicos (régulos, chefes de tabanca, cipaios, guias e picadores, milícias...) com o poder colonial marcou o discurso político do PAIGC, que os acusava de serem “agentes do colonialismo”, "cães do colonialismo".

Em resumo:

O Decreto-lei 23228, de 15 de novembro de 1933,  institucionalizou um sistema de colonialismo indireto tutelado, em que as autoridades gentílicas foram reduzidas a instrumentos auxiliares do Estado Novo, destituídas da sua autonomia tradicional e transformadas em mediadores coloniais subordinados.

Embora tenha permitido algum grau de governabilidade num império vasto  e disperso, e com recursos administrativos limitados (humanos, técnicos, logísticos, financeiros...), comprometeu a legitimidade das lideranças africanas e criou dinâmicas de exploração, desconfiança e fragmentação social que perduraram para além da descolonização.

Vd. https://dre.tretas.org/dre/97412/decreto-lei-23228-de-15-de-novembro#anexos

(Fonte: Pesquisa: LG + IA/ChatGPT | Condensação, revisão / fixação de texto: LG)


PS - Fernando, quanto ao significado e origem da palavra "quimbo"...  "Quimbo" = bairro/aldeia indigena do centro de Angola; significa «no bairro» («ku imbo»); ficou em português: «quimbo». (Explicação dada no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, 4 de maio de 2000).


O dicionário Priberam diz que "quimbo" (ku imbo) vem do umbundo... Quem sou eu para discordar ? E parece fazer sentido: o umbundo é a língua falada pelos ovimbundos, povo originário do Planalto Central de Angola; é a língua banta mais falada em Angola. O vocábulo "sanzala" usa-se no norte, e "quimbo" no sul, como tu reconheces.

Quanto á "jóia da coroa", Angola ou Goa... Bom,  refiro-me ao período do Estado Novo e ao tempo da guerra colonial... A Índia Portuguesa ficou definitivamente perdida em 1961...

De facto, originalmente, as colónias foram um um lugar de coerção e desterro (da Guiné a Timor, passando por Angola)...

Finalmente, o selo de 1901 é realmente exclusivo da Companhia (majestática) do Niassa (um estado dentro do estado, como se costuma dizer).


__________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 24 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27148: Felizmente ainda há verão em 2025 (22): Em Angola, nem todos os sobas eram régulos e nem todos os régulos eram sobas

domingo, 24 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27148: Felizmente ainda há verão em 2025 (22): Em Angola, nem todos os sobas eram regedores e nem todos os regedoreseram sobas


Foto de capa da página do Facebook do FAAT-Fórum Angolano das Autoridades Tradicionais (com a devida vénia...). A página foi criada em setembro de 2021 mas parece não estar ativa.  

"Quimbo", ou sanzala, no português de Angola, é o equivalente a tabanca (na Guiné): conjunto de casas que formam uma aglomeração rural (termo que vem do quimbundo, kimbo).



1. Angola, a joia da coroa do "império colonial português" (no tempo do Estado Novo), merece que o blogue da Tabanca Grande fale dela de vez em quando. Tem, de resto, mais de 600 referências... Afinal, fomos parar à Guiné...por causa de Angola!... 

O tema de hoje,  ainda em pleno verão (*), é sobre:


Sobas e Regedores: Autoridades Coloniais Locais, em Angola


António Rosinha, Patrício Ribeiro, Fernando Ribeiro, Jaime Silva, João Rodrigues Lobo e "outros angolanos" da Tabanca Grande não precisam de ser convidados: a vossa experiência vivida de Angola dá-vos autoridade para "meter a vossa colherada"  na discussão deste tema que também interessa aos "amigos e camaradas da Guiné"...

É um tema da área da antropologia e da história da administração colonial... Alguns de nós, como eu, gostariam de saber mais. (**) 

Havia uma diferença semântica e conceptual entre sobas e regedores, na Angola do tempo colonial. Embora muitas vezes fossem usados  indevidamente como se fossem sinónimos. Não são sinónimos. (O termo usado em Angola não era régulo, mas regedor, de acordo com a oportuna chamada de atenção do Fernando Ribeiro; como, de resto, vem consagrado na carta orgânica do Império Colonial Português, Decreto-lei 23228, de 15 de Novembro de 1933).

Na Angola do período colonial, os termos soba e regedor eram frequentemente utilizados para designar as autoridades tradicionais africanas (ou "gentílicas"), mas existia uma diferença fundamental entre eles, assente na origem da figura (e do vocábulo ) e na relação com a administração portuguesa. 

Soba vem do quimbundo "soba"... Essencialmente, soba era a designação endógena e ancestral,  enquanto regedor ou  régulo era a terminologia colonial que implicava uma integração no sistema colonial e na subordinação ao poder português (o termo "régulo"era usado na Guiné e e Moçambique)

O soba era a figura de autoridade tradicional, um chefe que já existia nas estruturas sociais e políticas dos diversos reinos e povos de Angola muito antes da chegada dos portugueses. 

O seu poder emanava de linhagens ancestrais, do controlo da terra e de uma legitimidade cultural e espiritual reconhecida pela sua comunidade. 

Os sobas desempenhavam um papel crucial na:
  • administração da justiça, 
  • distribuição de terras, 
  • condução de rituais;
  • defesa e segurança do seu povo. 

A sua autoridade era intrínseca à organização social local. Existia uma hierarquia entre eles, com a figura do "soba grande", que detinha poder sobre um conjunto de  outros sobas e sobados (territórios governados por um soba).

Por outro lado, sabe-se que em determinadas regiões de Angola há (ou havia no passado) um conselho de sobas que escolhe o soba: noutras a sucessão é (ou era)  realizada por linhagem em que o sobrinho, filho de uma irmã, toma(va) o lugar do seu tio por morte deste. Não sabemos como as coisas se passam hoje, cinquenta anos depois da independência de Angola.

 Por outro lado, o termo régulo, que deriva do latim  regulu(m)  (da palavra regulus, -i, rei jovem, rei de um pequeno estado), ou melhor, regedor,  era a designação que a administração colonial portuguesa atribuía aos chefes locais que eram incorporados na sua estrutura administrativa.

Ao se referir a um soba como regedor (ou "régulo", como , de resto, ainda vem nos dicionários portugueses para agravar a confusao!), o poder colonial não só traduzia a sua função para a sua própria compreensão hierárquica, mas também o diminuía simbolicamente, em termos de estatuto: de líder soberano tradicional, carismático,  passava a "pequeno rei" subalterno...

A transformação de um soba em regedor ocorria, na prática, quando este passava a atuar como um intermediário da administração colonial. As suas principais funções enquanto regedores incluíam;

  • a cobrança de impostos:
  • o recrutamento de mão de obra forçada (o "chibalo") (***):
  •  e a manutenção da ordem, de acordo com os interesses portugueses. 

Em troca, o regedor podia receber certos privilégios ou "honrarias",  como uma pequena remuneração, uniformes ou o reconhecimento e apoio militar da administração colonial contra rivais. 

Na Guiné, uma das formas de captação das simpatias dos régulos, ainda no tempo do governador,  gen Arnaldo Schulz,  era a organização de viagens a Meca, a expensas do Estado português: vd. aqui imagens de Lisboa > Aeroporto > 1968 > Partida de régulos da Guiné para a peregrinação a Meca, depois de visita oficial a Portugal. Vídeo da RTP Arquivos (Noticiário Nacional de 1968 > 3 de março de 1968 > Preto e branco, duração 56 segundos. Sem som.)

É importante notar que nem todos os sobas eram regedores ou se tornaram regedores. Muitos resistiram à dominação portuguesa e foram, por isso, combatidos e, por vezes, substituídos por indivíduos mais dóceis à administração colonial, que eram então empossados como regedores.

Em suma, a principal diferença residia na origem e na legitimação do poder:

(i) Soba:  

  • termo de origem africana, já existente antes da colonização;
  • designava um líder com autoridade tradicional e legitimidade interna na sua comunidade ou grupo étnico, anterior e, em muitos casos, independente do poder colonial;
  • o cargo era hereditário e estava ligado às tradições, linhagens e rituais locais;
  • tinha funções políticas, jurídicas (resolução de conflitos), espirituais e sociais, sendo uma figura central na organização das comunidades.
(ii) Regedor: 
  • termo de origem portuguesa (régulo só se usava na Guiné e em Moçambique);
  • régulo: derivado de regulu(m) e usado em contexto colonial para traduzir ou reinterpretar a figura dos chefes locais africanos;
  • regedor é o que dirige uma regedoria (unidade administrativa, que na metrópole era a freguesia, até 1974);
  • designava um líder local a quem a administração colonial reconhecia e delegava certas funções, inserindo-o na sua estrutura de poder e tornando-o, na prática, um funcionário subalterno do Estado colonial;
  •  não era necessariamente o mesmo que o soba, mas no terreno, muitas vezes, os colonizadores usavam o termo para designar esses chefes;
  • no fundo, era  uma categoria administrativa colonial.

  • o Estado colonial reconhecia oficialmente alguns chefes como regedores e subordinava-os à sua hierarquia, atribuindo-lhes funções de autoridade local no quadro da administração indireta ("indirect rule", dos ingleses).


Portanto, embora na prática um mesmo indivíduo pudesse ser um soba para o seu povo e um regedor para os portugueses, os termos carregam conotações e realidades políticas distintas que refletem a complexa e, muitas vezes, contraditória e tensa relação entre as autoridades tradicionais angolanas e o poder colonial português.

 Em resumo:
  • Soba = conceito autóctone, com legitimidade tradicional;

  • Regedor = conceito colonial, oficializado para fins administrativos, podendo coincidir ou não com a figura do soba.

Muitos sobas foram convertidos em regedores pela administração portuguesa, mas nem todos os régulos eram vistos como verdadeiros sobas pelas comunidades, o que gerava tensões e até conflitos.

Apresenta-se a seguir um quadro comparativo simples  para se perceber melhor a distinção entre soba e regedor na Angola colonial (que passou a ser "província ultramarina" com a reforma de 1951):


AspetoSoba (conceito autóctone)Regedor  (conceito colonial)


Origem do termo
Línguas banto (ex.: umbundo, quimbundo)Português (tal como régulo, derivado de regulu(m) (pequeno rei; o que rege)
Natureza
Cargo tradicional e espiritual, enraizado na cultura local
Categoria administrativa criada pelo poder colonial
Legitimidade
Hereditária, baseada em linhagem, tradição e rituais
Reconhecimento e nomeação pela administração colonial
Funções
Mediação de conflitos, chefia política, autoridade espiritual, guardião dos costumes
Autoridade local no quadro da “administração indireta”, recolha de impostos, apoio ao controlo colonial
Reconhecimento
Pela comunidade, segundo costumes próprios
Pelo Estado colonial, como “autoridade gentílica” oficial
Perceção localFigura respeitada, parte integrante da identidade culturalMuitas vezes visto como uma imposição externa (quando o regedor não coincidia com o verdadeiro soba)


Em suma: 

  • o soba representava a continuidade da tradição, a legitimidade pré-colonial; 
  • o regedor representava a adaptação (e em muitos casos apropriação) dessa autoridade ao sistema colonial.

Vejamos como a distinção entre sobas e regedores afetou as relações entre colonizadores e populações em Angola durante o período colonial:

(i) Administração indireta
  • o Estado colonial português não tinha capacidade para controlar diretamente todas as regiões  (por exemplo Angola, com 1,2 milhões de km2 era cerca de 14 vezes maior que a "metrópole", o "Puto", como lhe chamavam os colonos);

  • por isso, utilizava os sobas já existentes, reconhecendo-os (ou substituindo-os) como regedores;

  • isso permitia que a autoridade colonial chegasse ao nível local através de figuras tradicionais, mas com funções adaptadas aos interesses coloniais (o mesmo se passou com o império colonial britânico).

(ii) Tensões de legitimidade

  • quando o verdadeiro soba era reconhecido como regedor, a comunidade aceitava-o com relativa naturalidade;

  • mas, quando o governo colonial nomeava como regedor alguém que não tinha legitimidade tradicional, isso gerava conflitos internos:

    • uns seguiam o “soba legítimo” (mesmo sem reconhecimento colonial);

    • outros eram obrigados a obedecer ao “regedor oficial”, imposto pela administração.

  • Esse “duplo poder” minava tanto a coesão das comunidades como a própria confiança nas autoridades locais; as suas contradições foram exploradas pelos movimentos nacionalistas que lutavam pela independência.

(iii) Instrumentalização política
  • Muitos regedores passaram a ser usados como instrumentos do poder colonial:

    • recolha de impostos;

    • organização do trabalho forçado (contratos e recrutamento) (trabalho forçado que existiu até 1961);

    • fiscalização e denúncia de resistências (implicando, por vezes, a colaboração com as autoridades militares e policiais durante a guerra colonial).

  • Isto fez com que alguns regedores  fossem vistos como colaboracionistas, perdendo 
    prestígio junto da sua própria comunidade.


(iv) Resistência e negociação
  • houve sobas que se recusaram a aceitar o estatuto de regedor, mantendo apenas a sua autoridade tradicional, mesmo sob risco de represálias;

  • outros souberam negociar: aceitavam o papel de regedor para garantir alguma margem de manobra e proteger a comunidade, mas continuavam a agir como guardiões dos costumes;

  • assim, muitos sobas/regedores desempenhavam uma função ambígua, entre mediadores e representantes do poder colonial;

  • depois da independência, houve ajustes de contas (mais violentos na Guiné e em Moçambique do que em Angola, mas isso é outra história; no caso da Guiné, por exemplo, terá havido uma "militarização" da figura do régulo, que também podia ser um cabo de guerra, comandante de uma companhia de milícias).


Em suma:  a distinção entre soba e regedor, em Angola,  criou uma fratura entre legitimidade tradicional e legitimidade colonial. Isso foi explorado pelos colonizadores para controlar as populações, mas também abriu espaço para resistências subtis ou abertas, conforme cada comunidade e cada líder.

Leitura complementar > Trabalho de um grupo de alunos da Universidade Católica de Benguela , Departamento de Ciências da Educação, 2012 >  O Sobado. Blogue Pedagogia e Vida. 27 de junho de 2013. 

Índice da monografia (com cerca de 3 dezenas de páginas):

 Introdução |  Sanzala e Sobado | Sobado | Autoridade tradicional (Soba)  | Eleição dos sobados | Poderes | Privilégios  fundamentais dos sobas | Sobas em relação ao matrimónio | Lugares sagrados | Estrutura do poder mágico-religioso | Sobetas | Conselheiros | Conclusão | Sugestões | Referências bibliográficas.



Selo da Companhia do Niassa, 1901, no valor de dois réis e meio. Cortesia de Wikipedia.


(***) Chibalo é o conceito de servidão por dívida ou ou uma forma trabalho forçado, que esteve em vigor  nomeadamente em Moçambique (...)
 
Em 1869, a monarquia constitucional portuguesa aboliu oficialmente a escravidão, mas mantiveram-se resquícios (como o trabalho forçado para efeitos de obras públicas: pro exemplo, a construção do caminho de ferro de Benguela).

Em Moçambique, o trabalho forçado era conhecido como "chibalo". Este sistema estava intrinsecamente ligado à cobrança do "imposto de palhota", um imposto de capitação que obrigava os africanos a procurar trabalho assalariado e a entrar no circuito da economia monetarizada para poderem pagar. Quem não pagava,  era compelido a trabalhar para o Estado, muitas vezes em condições piores do que as oferecidas pelo setor privado,

Chibalo foi usado para construir infraestruturas (pontes, estradas, portos, aeródromos, etc.).  Apenas os colonos portugueses e assimilados recebiam educação e estavam isentos deste trabalho forçado. (...)

Sob o regime do Estado Novo, os o chibalo foi usado em Moçambique, por exemplo,  para cultivar algodão . A Companhia do Niassa  (uma "companhia majestática") é um exemplo do tipo de empresas que poderiam florescer desde que tivessem acesso a uma força de trabalho não remunerada. (...)
 
 Todos os homens de idade adequada tiveram que trabalhar nos campos de algodão, que se tornaram inúteis para a produção de alimentos, levando à fome e desnutrição. (Fonte: Adapt de Wikipedia)

chibalo
(chi·ba·lo)

nome masculino

1. [Moçambique] [História] Regime de trabalho forçado através do qual a administração colonial fornecia mão-de-obra barata aos colonos de grandes propriedades (ex.: a duração do chibalo era estipulada pelas autoridades locais). (...)

2. [Moçambique] [História] Trabalhador submetido a esse regime de trabalho.

Sinónimo geral: Xibalo

Origem: do tsonga.

"chibalo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/chibalo.