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sábado, 20 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27231: S(C)em Comentários (77): "E para que queres a independência se nem medicamentos tens para a dor de barriga ?"






"Para que queres a independência se nem medicamentos tens para uma dor de barriga ?"... Uma pergunta que o pai do Cherno Baldé gostaria de ter feito, ao Amílcar Cabral, se ele fosse vivo, em setembro de 1974, em Fajonquito...Afinal, perguntar não ofende...


Foto do histórico fundador, secretário geral, líder, estratega e ideoólogo do PAIGC, Amílcar Cabral (1924-1973), incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... Impressido impresso Östervåla, Uppsala, Suécia, em 1970, na tipografia Tofters / Wretmans Boktryckeri AB.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)

1. Seleção de comentários ao poste P27277 (*)

(i) João Crisóstomo, Nova Iorque

Quantas vezes também eu tenho pensado nisto! E agora ao ler este post só me dá ganas para berrar e chorar. Os que ainda cá estamos, “sobreviventes” que todos somos, temos de saber encontrar força e coragem, até para como sugere o Abílio Magro “prestar uma sentida homenagem a todos os Djassis da Guiné-Bissau”. Não sei se me é possível fazê-lo presencialmente , mas pelo menos virtualmente e de qualquer maneira achada pertinente, é de alma e coração que me associo a este projecto.
João Crisóstomo, Nova Iorque

quinta-feira, 18 de setembro de 2025 às 05:11:00 WEST 


(ii) Tabanca Grande Luís Graça

Reconheço a cara deste "puto" da foto (era um "djubi", como tantos outros!), que foi soldado da da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e que andou comigo no mato, em inúmeras operações... Foi fotografado para a "eternidade" pelo meu amigo e camarada "inesquecível", o Renato Monteiro, grande fotógrafo (viria a revelar-se muito tarde!)...

Pois é, dpois da independência, a Guiné-Bissau tornou-se demasiado pequena e asfixiante para poder "esconder" dos seus "inimigos" os antigos militares e milícias que estiveram ao lado das tropas portuguesas numa guerra que, para todos os efeitos, foi uma "guerra civil": mais de 15 mil guineeenses, de todas as etnias, lutaram de armas na mão contra o PAIGC, cujos efetivos, dentro do território, seriam 3 ou 4 vezes inferiores...

Em agosto de 1974 foram todos desarmados, as suas unidades extintas, e voltaram à sua condição de "paisanos"... O exército pagou-lhes o soldo até ao fim do ano. A partir de meados de 1974, começou o seu pesadelo... Muitos "emigraram" para países vizinhos, alguns com sorte conseguiram alcançar Portugal... Enfim, nada que não se tenha visto noutras guerras, noutros cenários (da Argélia ao Vietname)...

Mas é evidente que os negociadores da paz, do lado de Portugal, foram "ingénuos" ou "cínicos": toda a gente sabia que não haveria quaisquer garantias, legais e sobretudo efetivas, contra a ameaça de represálias e sobretudo contra a "caixinhina de Pandora" dos ódios tribais...

O que terá acontecido ao pobre do "ordenança" Djassi desta história ? Tinha o mesmo apelido do "nome de guerra" de Amílcar Cabral, Abel Djassi... De pouco lhe valeria...

quinta-feira, 18 de setembro de 2025 às 09:13:00 WEST 


(iii) Antº Rosinha: 

(...) "Exigia-me explicações que eu não lhe podia dar."

Não eram apenas os tropas africanos que viram o que vinha lá, que sentiam o abandono nas mãos de irresponsáveis, os civis também das três frentes todos viram o mesmo, e chegavam a perguntar:  "Vão embora porquê?".

Eles sabiam que iam ser gerações de africanos que deixavam de contar, em favor de umas dezenas de "salvadores da pátria".

Hoje milhões de africanos que vêm pedir essas explicações pela Europa toda.

A África subsariana continua a pedir explicações a toda a Europa de norte a sul.

Quem tem menos explicações para dar a todos os "Djassis", de todos os pa~ises europeus, é Portugal.


quinta-feira, 18 de setembro de 2025 às 12:45:00 WEST 


(iv) Cherno Baldé:

Eventualmente, o Djassi (apelido) teria algumas dificuldades em esconder a sua condiço de "exemplar militar portugues" devido as marcas que transportava no corpo e na sua alma de operacional que foi nas duras matas da guerra da Guiné, mas isso dependeria da sua capacidade de adaptação a nova realidade que, à partida, podia não lhe ser t~~ao adversa, pois que os biafadas (seu grupo étnico) estava bem representado dentro das forças do PAIGC, assim como estavam os balantas e os grumetes de Bissau que, normalmente,  constituiam os núcleos das chefias entre os guerrilheiros. 

Excetuando o caso de elementos dos comandos e fuzileiros bem conhecidos, muitos ex-soldados do recrutamento local conseguiram passar incólumes durante esta difíil fase de purgas e fuzilamentos indiscriminados. 

Aqueles que, de facto, estavam na mira e com poucas hipõteses de escapar,  eram claramente os fulas que já estavam politicamente marcados com uma cruz nos discursos de Amílcar Cabral e outros dirigentes durante a luta e que depois só restava aplicar na prática o consenso gerado â volta desse grupo de "colaboradores" que tinha ousado desafiar as ideias do Partido e se posicionara a favor dos portugueses. 

O Aladje Mané (biafada de Bafatã) tinha sido um eminente membro da ANP (Acção Nacional Popular) e dos congressos do povo do gen Spinola, mas foi recuperado e viria a ser um influente membro do partido "libertador"; o Cadogo Junior, ex-sargento do exército português,  foi, mais tarde, presidente do PAIGC e primeiro ministro do país... Enfim houve muitos que, através dos laços de amizades, de parentesco ou outras vias,  conseguiram fazer a travessia sem sofrer consequências negativas.

 PS - O paradoxo de tudo isso é que, hoje em dia, mesmo os mais ferrenhos nacionalistas, inclusive os antigos combatentes do PAIGC,  sabem que talvez o futuro da Guiné fosse muito diferente se não tivesse havido aquela guerra que devastou o país e destruiu tudo o que podia ser aproveitado para dar um rumo melhor ao país, pois hoje sabemos que a independência só  por si não é uma panaceia e os milagres só acontecem nas narrativas bílicas.

H poucos dias anunciaram o falecimento em Lisboa (no Hospital Amadora -Sintra) de um antigo guerrilheiro do PAOIGV, o Leopoldo Alfama, mais conhecido por Duque Djassi (nome de guerra). Antes dele, muitos outros ja tinham feito o mesmo percurso, incluindo Luís Cabral. E a questão que deveriamos fazer é:  e porque serviu toda aquela mortífera guerra se nem sequer podemos fazer funcionar um SNS (Seerviço Nacional de Saúde) em condições ? 

Lembro-me da questão que o meu falecido pai tinha colocado aos guerrilheiros que ocuparam o quartel em 1974 apõs a partida da última companhia da tropa portuguesa de Fajonquito:
 
- E para que  querem a independência se nem sequer têm medicamentos para a dor de barriga ? (**)
 

quinta-feira, 18 de setembro de 2025 às 14:58:00 WEST 

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor LG:

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27231: Notas de leitura (1839): A Festa do Outono de 1956 no Campo Grande, eu estive lá (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
Começa-se a remexer numa banca de livros e entre um romance de Pearl Buck e um catálogo de uma exposição de Bela Silva encontrei uma publicação sobre a Festa do Outono no Campo Grande, em outubro de 1956. Era uma organização da União do Grémio dos Lojistas de Lisboa e o Governo Civil, iniciativa de beneficência para os pobres de Lisboa. Comecei por folhear a publicidade da época, a pasta dentífrica Binaca, os eletrodomésticos Westinghouse, a Agência Mundial de Viagens, a Aguardente Macieira, a Farinha Fubá, a Casa Hipólito, o Gazcidla, a Sapataria Hélio... e muito mais. Já tinha esquecido a Casa Leonel, na Rua do Carmo 71, uma loja chiquérrima, com cristais importados, lustres, faqueiros, entrava para mirar. Mas o que me tocou nestas Festas do Outono foi recordar o Campo Grande da minha infância e juventude e a batalha de flores a que assisti, a 28 de outubro. Um Campo Grande com farta história, por ali se passearam exércitos, passaram manadas de touros e gado destinado ao matadouro; terá sido o espaço da mais opulenta feira de Lisboa do século XIX. Matei saudades e lembrei-me daquele Campo Grande florido que atravessei todos os dias úteis no período escolar, quando estudei no Colégio Moderno. Muito mais tarde apareceu a Biblioteca Nacional, onde beneficiei de leituras e continuo a beneficiar de exposições. Felizmente ainda tenho pernas para o percorrer em duas direções e, não é incomum, meter o nariz no Museu Rafael Bordalo Pinheiro ou no Museu da Cidade.

Abraço do
Mário



A Festa do Outono de 1956 no Campo Grande, eu estive lá

Mário Beja Santos

Dia de sorte na Feira da Ladra, encontro uma publicação com a programação das Festas do Outono promovida pelo Governo Civil de Lisboa e a União de Grémios de Lojistas da Cidade, ocasião para lembrar aos munícipes que o Campo Grande tinha arreigadas tradições, a Festa do Cavalo, por aqui se passeou o exército que D. Sebastião levou para a tragédia de Alcácer Quibir, igualmente por aqui cavalgou a Rainha D. Amélia, depois aqui se prantou enorme jardim arborizado e florido, aqui houve feira e mercado que fez história, vale a pena recordar.

No final do século XV, o Campo Grande e o Campo Pequeno denominavam-se, respetivamente, Alvalade-o-Grande ou Alvalade-o-Longo, e Alvalade-o-Pequeno. De um Campo Grande inculto criou-se um passeio público no princípio do século XIX, no tempo do Príncipe Regente D. João, futuro D. João VI. Plantou-se arvoredo em 1802 e 1803, abriu-se uma casa de pasto no fim do novo passeio. Quem adiantou dinheiro para o ajardinamento e plantações foi o 1º Barão de Porto Covo de Bandeira, aquele mesmo senhor que montou palacete na Rua de S. Domingos à Lapa, onde este a Embaixada da Grã-Bretanha e está hoje a Companhia de Seguros Lusitânia. Assim começou a vida turbulenta do passeio público por onde andaram tropas francesas e o exército inglês. E apareceu a Feira com as suas rixas e desordens, barraqueiros que vendiam comida em dias de jejum. Em 1830, o Campo Grande possuía terras de semeadura, fazendo-se uma eira defronte do Palácio Pimenta, onde está hoje o Museu da Cidade. Em meados do século por aqui se efetuavam corridas de cavalos e em 1869 principiaram os trabalhos de embelezamento com as escavações do grande lago.

A atual igreja construída com a receita da venda de bilhetes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e com o produto de uma feira livre no Campo Grande, autorizada por um alvará de 1778.

O sítio era a redondeza de Lisboa, tornou-se agradável andar por aqui aos domingos e dias santificados, vinha-se para passear às “hortas”. Os alfacinhas vinham ver as esperas de touros, apareceram as casas de petiscos e os chamados “retiros”, de que resta o “Quebra-bilhas”. O Campo Grande estava rodeado de muros baixos e as famílias que para ali iam veranear juntavam-se regularmente no jardim. Não faltava o fado nas casas de comes e bebes. Foi assim que apareceu a feira, tinha lugar em outubro de cada ano, chegou a prolongar-se até dois meses. Efetuava-se perto da Igreja dos Santos Reis Magos e do chafariz. Uma feira com uma certa opulência: transações em ourivesaria e relojoaria; aqui se podiam comprar linhos, algodões, louça de ferro, ferramentas, cutelarias. A par de tudo isto, encontravam-se os negociantes de castanhas, passas, nozes e frutas verdes, não faltavam galináceos nem queijaria. Completavam a feira as barracas de quinquilharias, figuras de cera, vendedores ambulantes de bolos, pão de milho, capilé e copo com água. Não havia circo, mas havia ursos que faziam habilidades ao toque do pandeiro e as ciganas liam a sina. Quando, em 1932, se transferiu a feira para o Lumiar, morreu o movimento, a transferência foi um golpe de misericórdia. Claro está que ganharam outra dimensão feiras existentes em Lisboa.

Cheguei ao Bairro de Alvalade em 8 de maio de 1952, vinha de Algés e frequentava a primeira classe no Colégio Portugal, no fim da Avenida das Descobertas, perto daquela enorme rotunda onde pontificava uma praça de touros, cercada de ervas daninhas. Nunca tinha visto uma fila de prédios, com uma rua alcatroada à frente, e esta encostada a uma quinta com muros antiquíssimos, a quinta do Visconde de Alvalade, enorme, vinha lá muito de cima, onde está hoje a Avenida dos EUA e estendia-se até ao monumento dedicado aos heróis da Guerra Peninsular, um extenso olival já muito mal tratado, onde anos depois se levantaram prédios de cor verde, havia barracões que confinavam com a moradia onde funcionava a esquadra da polícia do Campo Grande, foi tudo demolido para dar lugar à Clínica de S. João de Deus.

Frequentei a Escola Primária n.º 151, ela ainda lá está de pé, toda retocada, o principal lazer da pequenada era brincar nos logradouros ou percorrer a estruturas ainda em cimento dos prédios da Avenida dos EUA, que foram sendo construídos até à estação da CP Roma-Areeiro. Passeios no Campo Grande só na companhia da minha mãe ou da minha avó ou com os meus irmãos; ou nas idas à catequese na Igreja dos Santos Reis Magos.

Tenho, pois, onze anos quando vamos em magote, pequenada e pais, ao fundo do Campo Grande ouvir as bandas de música, os cortejos e no derradeiro dia da festa, a 28 de outubro, ver a “Batalha das Flores”. O Campo Grande tinha belos jardins, dois lagos, como hoje, foi aparecendo estatuária, havia o ringue de patinagem, apareceu um café junto do lago maior, onde há barcos, o café tinha uma bela peça de cerâmica assinada por Júlio Pomar, junto do lago pequeno apareceu mais tarde uma biblioteca ao ar livre, o jardim era muito mais amplo do que hoje, do lado esquerdo de quem desce em direção ao Museu da Cidade havia muita habitação e até uma fábrica de massas, a continuidade de edifícios era interrompida por um vasto campo onde está hoje a Biblioteca Nacional de Portugal, novamente mais prédios, depois a Estrada de Malpique, tendo já ao fundo o Colégio Moderno, depois um largo caminho, ainda não tinha nascido a Cidade Universitária, mais moradias, a Fábrica Nally, que produzia cosméticos, ia-se por ali fora passando por moradias até ao Palácio Pimenta. No fundo do Campo Grande, surgia uma soberba alameda com palmeiras, espaço de grandes passeios.

Mantive (e ainda mantenho) uma excelente relação com o Campo Grande. Muitos dos meus passeios pedestres orientam-se para ali. O jardim mingou, estreitou, em benefício do rei automóvel. O jardim são manchas de verde, compactas, com muitas patas de cavalo e arborização que deve custar pouco em termos de jardinagem. O Caleidoscópio, que tinha uma bela livraria, perto do lago do Campo Grande, deu lugar a um espaço de estudo e uma loja McDonald’s; a Avenida das Palmeiras continua de pé e sente-se a muita animação da gente que vem jogar ténis e padel; por razões de pudor, fujo de olhar para o ringue de patinagem, tal é a carga de saudades dos tempos festivos que ali passei. E sempre que posso visito quer o Museu Rafael Bordalo Pinheiro ou o Museu da Cidade, dois espaços culturais magnificentes. Mas nunca mais houve a Feira do Outono e o jardim não tem coreto de música. Soube-me muito bem recordar aquele dia de outubro de 1956, que aqui partilho convosco.

Lisboa de antigamente, o Campo Grande em frente à Igreja dos Santos Reis Magos, senhoras de chapéu, criada a tomar conta da menina, meninos embarretados e descalços, fachadas de prédios do início do século XX, ao fundo, o chafariz era presença obrigatória
Quando a feira do Campo Grande era a mais importante de Lisboa
Um jardim do Campo Grande em que o elétrico era o transporte rei
Era assim a primitiva ponte sobre o lago do Campo Grande
A igreja dos Santos Reis Magos, à esquerda ainda com muro, à direita com um conjunto de anexos que depois desapareceram; só conheci a igreja sem muro e sem anexos
O bairro onde vivi de 1952 a 1968 e de 1982 a 1994. A grande superfície ajardinada desapareceu, na rotunda está a estátua de S. António, toda a praça tem edifícios, lá ao fundo nasceu o centro comercial de Alvalade e encostado àquele prédio da Avenida de Roma nasceu outro prédio onde está hoje a ADSE. Vê-se ao fundo no ponto alto a torre do relógio da Escola Primária, a n.º 33, a minha escola era a nº 151, a uma escassa distância de centenas de metros
Lembro-me perfeitamente deste Campo Grande da década de 1950, tinha a faixa para autocarros e automóveis e nas margens a linha do elétrico. Vemos dois prédios do fim da Avenida da Igreja, a nova arborização a ladear a faixa rodoviária e aquele prédio de 1.º andar tinha sido ocupado por operários que trabalhavam na fábrica onde hoje se localiza a Universidade Lusófona, desapareceu há poucos anos, deu lugar a mais um hotel
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Nota do editor

Último post da série de 15 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27221: Notas de leitura (1838): "Uma Outra Perspectiva", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2023 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27230: Timor-Leste: passado e presente (32): a rendição dos japoneses foi há oitenta anos, foram-se embora, sem castigo, lá deixando mais de 40 mil cadáveres de timorenses, portugueses, australianos, holandeses...




Bandeira do Império do Sol Nascente: símbolo de terror no Pacífico, durante a II Guerra Mundial , e mais exatamente entre 7 de dezembro de 1941 e 2 de setembro de 1945 (data da rendição oficial e incondicional do Japão).  

Em Timor-Leste, invadido e ocupado desde 19 de fevereiro de 1942,  completamente isolados do mundo desde julho de 1943, sem telecomunicações, os habitantes  só souberam da notícia do fim da II Grande Guerra e do armistício em 1 de setembro de 1945 (!)... As tropas ocupantes só começaram a retirar da ilha a 6 de setembro (*).

Portugal recuperou a soberania da Timor, ao fim de três anos e meio de ocupação do território pelas tropas japonesas. Morreram perto de uma centena de portugueses, europeus e "liurais" (régulos timorenses, fiéis a Portugal), em combate, assassinados, vítimas de doença, ou desaparecidos no mato, sem falar das muitas dezenas e dezenas de milhares de timorenses anónimos (no mínimo, 40 mil).

O Governador, cap inf Ferreira Carvalho, rapidamente decidiu a reocupação da ilha, e o restabelecimento da autoridade portuguesa, o que foi feito em tempo tempo-recorde de 14 dias.


1. A ocupação japonesa de Timor-Leste, então colónia portuguesa, durante a II Guerra Mundial,  decorreu entre fevereiro de 1942 e setembro de 1945. Foi marcada por violência extrema, genocídio,  guerrilha, colaboração e imenso sofrimento para a população local (incluindo a pequena comunidade portuguesa, constituida por desterrados, missionários católicos, funcionários civis e escassos militares).

Apesar da neutralidade de Portugal durante a II Guerra Mundial, Timor-Leste tornou-se um campo de batalha estratégico no teatro do Pacífico, principalmente devido à sua proximidade com a Austrália (Dili ficava a c. 700 km de Darwin).

Passam, este mês, 80 anos desde o fim da guerra do Pacifico (7 de dezembro de 1941 - 2 de setembro de 1945). Os japoneses tiveram a infelicidade de ter um governo militarista e  totalitário e os timorenses o azar de ficarem na rota das suas loucas ambições imperiais de subjugar toda a Ásia e a Oceania...


 Ocupação de Timor-Leste na II Guerra Mundial (1942-1945)> Principais factos e datas


A invasão japonesa ocorreu na noite de 19 para 20 de fevereiro de 1942, com desembarque de cerca de 1500 soldados; ao mesmo tempo, a marinha e a força aérea nipónicas atacavam a parte ocidental da ilha, sob administração holandesa (a capital Kupang e outros pontos).

Logo a seguir, em 24 de fevereiro de 1942, foi introduzida a moeda militar japonesa como única com circulação legal em Timor. A administração civil portuguesa não foi formalmente deposta: era preciso salvar as aparências.  

O governador português e o seu escasso corpo de funcionários ficarm circunscritos à residência oficial em Díli após maio de 1942. Mas era uma administração fantoche. 

A resistência aliada, composta por australianos (Sparrow Force), holandeses, meia dúzia de ingleses, e civis, portugueses e timorenses,  continuou sob a forma de guerrilha nas montanhas. O apoio da população local está bem documentado, apesar dos focos de rebelião contra os portugueses (as  famigeradas "colunas negras", armadas ou toleradas pelo ocupante).

O interesse estratégico aliado pelo território irá, entretanto, diminuir e, a partir de fevereiro de 1943, a maioria dos comandos australianos foi evacuada.

 A ocupação terminou apenas após a rendição do Japão, em 2 de  setembro de 1945, e o regresso da administração portuguesa efetiva

A ocupação resultou em intenso sofrimento: houve peloo menos 40 mil mortos  entre timorenses e portugueses (cerca de 10% da população da época), devido a massacres, fome, doenças e trabalhos forçados.

Houve repressão violenta contra qualquer suspeita de apoio aos aliados, envolvendo represálias, torturas, fuzilamentos públicos e deportação em massa da população de Díli para o interior.


NBa resistência ao oocupante, destacou-se, de entre muitos outros,  a figura do régulo Aleixo Corte-Real (Dom Aleixo), fuzilado pelos japoneses em 1943 por ter colaborado com as forças aliadas e apoiado a população local. 

Envolveu-se também a comunidade portuguesa local, ora na resistência armada, ora tentando proteger a população timorense, apesar das ordens de estrita neutralidade vindas da metrópole. 

De entre os portugueses, resistentes, destaque-se  o tenente (e antigo administrador de Baucau) Manuel de Jesus Pires (durante anos e anos totalmente esquecido) (Foto à esquerda, com dedicatória manuscrita à "amiga Maria", e data de 6/3/1943, um ano antes de morrer, às mãos dos japoneses, no cativeiro; fonte: blogue Uma Lulik  > 10 de fevereiro de 2008 > Tenente Pires). (Julgamos que a Maria da dedicatória fosse a jovem esposa de Carlos Cal Brandão, o advogado, seu conterrâneo, do Porto, ali desterrado desde 1931.)

A maior parte das infraestruturas urbanas e povoados de Timor Leste foi destruída pelos combates e bombardeamentos aéreos: Díli sofreu mais de 90 ataques aéreos ao longo da ocupação, a maior parte da aviação aliada.

(i) Contexto e invasão aliada (1941)

17 de dezembro de 1941:

  • antecipando uma mais que provável invasão japonesa, e  para prevenir a instalação de bases japonesas, uma força de 400 comandos australianos e holandeses (e alguns ingleses) desembarca em Díli, contra a vontade e os protestos do governador português, Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho;
  • o objetivo era criar uma linha de defesa avançada e impedir que o Japão usasse a ilha como base para atacar a Austrália;
  • Lisboa protestou em vão, mas veementemente, contra esta violação da sua neutralidade (com mais veemência do que dois meses depois).

(ii) A invasão japonesa e o início da resistência  (1942)


19-20 de Fevereiro de 1942:

  • o Império do Sol Nascente, usando a presença aliada como pretexto para a invasão, lança um ataque massivo, de cerca de 1500 soldados em Díli, ocupando rapidamente a cidade;
  • o pequeno contingente aliado e as forças portuguesas (não mais do que  600 homens, no total, incluindo uma companhia de timorenses, mal armados, e enquadrados por meia dúzia de graduados metropolitanos) são rapidamente subjugados na capital.
  •  a marinha e aviação japonesas  bombardeiam  Kupang (Timor holandês) e noutros pontos estratégicos da ilha;


finais de fevereiro de 1942:

  • os soldados aliados sobreviventes, principalmente australianos da "Sparrow Force", recuam para as montanhas do interior da ilha;
  • com o apoio crucial da população timorense, que lhes fornecia comida, abrigo e informações,  iniciam uma mais que improvável campanha de guerrilha contra as forças nipónicas.

(iii) A guerra de guerrilha e o apoio timorense (1942)



março - dezembro de 1942:

  • os comandos australianos, conhecidos como os "fantasmas de Timor", infligem pesadas baixas às tropas japonesas, sabotando as suas operações e linhas de comunicação;
  •  estima-se que mais de 1500 soldados japoneses foram mortos nesta fase, ao custo de apenas cerca de 40 baixas australianas;
  • a resistência não teria sido possível sem o apoio ativo dos timorenses: muitos serviram como guias, informantes, e carregadores (chamados "criados" pelos australianos); esta colaboração, no entanto, teve um custo terrível, pois os japoneses retaliaram brutalmente contra as aldeias que ajudavam os aliados.

agosto de 1942: 

  • os nipónicos lançam uma grande contraofensiva para esmagar a guerrilha, intensificando a violência contra os civis (e fazendo recurso às famigeradas "colunas negras", timorenses de um lado e do outro, arregimentados para espalhar o terror),

(iv) a  retirada aliada e o isolamento total (1942-1943)

dezembro de 1942 - fevereiro de 1943: 

  • face à insustentabilidade da situação, a marinha australiana realiza uma série de operações secretas para evacuar os seus soldados; a grande maioria dos comandos é resgatada, deixando a população timorense à mercê da brutalidade das forças de ocupação japonesas e dos seus colaboracionistas; 
  • as autoridades e cidadãos portugueses que não tinham sido evacuados foram, na sua maioria, internados em campos de concentração;

(v) O auge da ocupação japonesa e a fome (1943-1945)

  •  com a saída dos aliados, os japoneses consolidaram o seu controlo, impondo um regime de terror; civis timorenses foram executados, torturados e forçados a trabalhos pesados;
  • as forças japonesas confiscaram colheitas e gado para sustentar o seu esforço de guerra; o colapso da agricultura e da pecuária, combinada com os bombardeamentos aéreos aliados que visavam as posições japonesas nos anos seguintes, levou a uma fome generalizada que devastou a população.

(vi) O fim da guerra  (1945)

  • 6 e 9 de agosto de 1945:  bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaãqui;
  • 15 de agosto:  o  Imperador Hirohito anuncia a rendição incondicional do Japão, terminando a II Guerra Mundial.
  • 5 de setembro: o comandante das forças japonesas em Timor-Leste,  coronel Kaida Tatsuichi, encontra-se com o governador português interino para comunicar a rendição;
  • 6 de setembro;: os japoneses começam a retirar do território;
  • 11 de setembro: as forças japonesas em Timor rendem-se formalmente aos australianos em Kupang (capital da parte holandesa).
  •  a 27, chegam a Díli os avisos "Bartolomeu Dias" e "Gonçalves Zarco", e, dois dias depois, a 29, o aviso "Afonso de Albuquerque" e o T/T "Angola", vindos de Lourenço Marques, e ainda, a 9 de outubro, o vapor "Sofala", com tropas expedicionárias, novos funcionários e mantimentos.

Em resumo: 

  • a invasão de Timor demonstrou os limites da neutralidade  portuguesa e as ambiguidades ou fragilidades da diplomacia do Estado Novo durante o conflito;
  • a experiência da ocupação e resistência marcou profundamente a identidade timorense, sendo memória central da história do país e das relações com Portugal e a Austrália;
  • estes factos e datas  são unanimemente reconhecidos nas fontes académicas, relatos de sobreviventes e historiografia portuguesa, australiana e timorense, confirmando que ocupação japonesa foi uma das maiores catástrofes da história de Timor-Leste (infelizmente seguida, 30 anos depois, pela ocupação dos indonésios); 
  • embora os números exatos sejam difíceis de apurar, as estimativas indicam que entre 40 mil  e 70 mil timorenses (Ramos Horta fala em 40 mil)  terão morrido,  em resultado direto da ocupação e da violência, ou seja indireto, através da fome e das doenças (uma perda que representava entre 10% a 15% da população da época, um a proporção mais ou menos equiparável ao do genocídio praticado pelos indonésios, entre 1975 e 1999).

Vd. RTP Ensina > A ocupação  de Timor pelos japoneses (vídeo, 6' 01'')


(Pesquisa: LG / Blogue  + Assistente de IA (Gemini, ChatGPT, Perplexity)

(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)
 

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 

(**) Vd. poste de:


14 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25941: Timor: passado e presente (21): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte XII: O regresso à Pátria e o fim do anátema de 'deportado' (pp. 102-107)

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27229: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (38): Filatelia da Guiné

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 16 de Setembro de 2025:

Bom dia camaradas
Hoje envio as últimas fotos de selos da Guiné.
Depois passo a enviar outra série de objetos diferentes.

Desejo saúde para vós e vossas famílias.
Abraço
João Moreira




(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 11 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27210: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (37): Filatelia da Guiné

Guiné 61/74 - P27228: No 25 de Abril eu estava em... (41): Bissau, com mais seis "atiruenses" e uma metralhadora ligeira HK-21 a defender... a sede da PIDE/DGS (Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)



HK 21 (Fonte: Wikipedia / Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)




 
1. Mais uma crónica deliciosa do nosso "mano" Abílio, Magro e Valente (ou, melhor Valente Lamares Magro... Ou tão só Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG (Cacine e Bissau, mar 1973 / set 74). Foi repescada da sua série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (2013-2016). Tem 75 referências no nosso blogue. E é nosso  grão-tabanqueiro, com muita honra, desde 2013. Nasceu em Porlalegre, vive em  Rio Tinto, Gondomar.

Perguntei-lhe há dias como é que estava... Respondeu-me com o seu saudável humor bem português: 

"Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas e a saúde a entrar nos eixos"....

Recorde-se que ele é o mais novo de seis irmãos que fizeram todos tropa e foram ao ultramar...  Formavam, o que ele chamava em 2013, a Companhia Magro: 

(....) "Quando inicio o CSM no RI 5, Caldas da Rainha, em abril de 1972, encontrando-se, nessa altura, a Companhia Magro assim distribuída: (i) Rogério Magro, que estivera em Angoka, e então na disponibilidade; Dálio Magro - Moçambique; Carlos Magro - Angola; Fernando e Álvaro Magro - Guiné; Abílio Magro - RI 5, Caldas da Rainha" (...)



No 25 de Abril eu estava em... Bissau, com mais seis "atiruenses" e um metralhadora ligeira HK-21,  a defender... a sede  da PIDE/DGS 

por Abílio Magro



No dia 25 de Abril de 1974, logo pela manhã, com uma molhada de documentos debaixo do braço, dirigi-me como de costume, à repartição que possuía o selo branco do CTIG (1ª ou 2ª, já n´~ao me lembro) a fim de o apor, nas assinaturas do brigadeiro Alberto da Silva Banazol, comandante do CTIG.

Esta repartição era chefiada por um major do SGE, já de meia-idade e de quem também já não me recordo o nome.

Eram talvez 9h30 da manhã, estava eu muito entretido a "trincar" o Banazol com o selo branco e entra o capitão Cirne (julgo que miliciano) e, virando-se para o major, de braços abertos e punhos cerrados "grita", mais ou menos em surdina:

− Vive la revolution, vive la revolution!

E continua:

 O Marcelo refugiou-se no Quartel da GNR, no Carmo, e está cercado pela tropa!

Claro que orientei logo as "antenas" para o capitão Cirne e aguardei o desenvolvimento da conversa, mas este deitou-me um olhar que transparecia alguma felicidade, mas algum receio também, e diz:

− Furriel ...!  − como quem diz:  Tem lá calma, pá,  e vê lá o que vais para aí espalhar!.

A conversa pareceu-me ter alguma consistência e como, umas semanas antes, tinha havido aquele episódio da coluna das Caldas da Rainha que avançara sobre Lisboa, fiquei intrigado e, na CSJD tratei de contar aos meus camaradas o que tinha ouvido e aguardar algum "feedback".

Nessa altura já o tal 1º sargento, a quem o major Lobão chamava de "Gebo", tinha terminado a comissão e tinha sido substituído por um 1º sargento que usava sempre chapéu de pala. Em 18 meses de Guiné, julgo nunca ter visto nenhum militar do Exército usar chapéu de pala.
 
O homem tinha mesmo queda para polícia e, tendo ouvido o meu relato, tratou logo de dizer:

 − Tenha cuidado com o que anda para aí a dizer, que ainda pode ter chatices.

Claro que eu traduzi para:

− Põe-te a pau que eu conheço uns gajos na PIDE e não tarda nada vais até Guiledje tomar conta daquilo sozinho!

Enfiei a viola no saco.

Entretanto o PIFAS  (Programa de Informação das Forças Armadas, julgo que era assim) dedicava-se à música sinfónica, o que fazia pensar que efetivamente havia qualquer coisa no ar, embora ainda se tivesse ouvido, nesse dia, um discurso qualquer do Ministro dos Negócios Estrageiros, o Dr. Rui Patrício. Mas, pasmem-se, também se ouviu, aqui e ali, alguma música do Zeca Afonso! Das mais suavezinhas, é certo, mas...

−Alto lá, que aqui há coisa!

Aguardávamos com alguma ansiedade pela hora do almoço, altura em que o PIFAS transmitia um serviço noticioso mais elaborado.
 
Na messe de Sargentos havia uma aparelhagem de som com várias colunas espalhadas pelo recinto:  bar, esplanada e sala de jantar.
 
Na sala de jantar as mesas eram para 4 pessoas e, embora não houvesse lugares marcados, os "habitués da casa" sentavam-se sempre nos mesmos lugares.

Numa mesa à minha direita, com outra de permeio, sentavam-se quatro camaradas sui generis, já que dois deles eram completamente fanáticos pelos seus clubes (um do Belenenses e outro do Sporting) discutindo constante e acaloradamente sobre futebol e, os outros dois, aguentavam impávidos e serenos.
 
O fanatismo era de tal ordem que, tanto um como outro, chegavam ao ponto de relatar com algum pormenor a vida dos futebolistas do seus clubes (onde e quando nasceram, onde moravam, que clubes representaram e em que ano, etc., etc.) numa demonstração de grande cultura futebolística.

Pois,  naquele dia 25 de Abril de 1974, à hora do almoço, quando toda a gente, em silêncio, aguardava com alguma ansiedade novas de Lisboa sobre o que por lá estaria a passar-se na realidade, estavam aqueles dois "fabianos" em acesa discussão acerca, provavelmente, da cor das cuecas que determinado jogador usou no jogo tal, marimbando-se completamente para o que se estava a passar na Capital do Império!

Nesse dia foram-se adensando as suspeitas de que algo de importante se estaria a passar em Lisboa. Aos poucos as notícias foram chegando, mas nada de oficial. Eram transmitidas de boca em boca e, nessa situação, não havia que fiar e continuava-se a combater no mato.

O brigadeiro Alberto da Silva Banazol estaria a banhos na ilha de Bubaque, mas tardava em aparecer.
O general Bettencourt Rodrigues nada dizia.

Começa a "boatice". Que houve um golpe de Estado liderado pelo gen Spínola..., que o gen Bettencourt estava contra..., que íamos ficar sem reabastecimentos de Lisboa..., etc., etc..

Baixou a qualidade da alimentação... Faz-se um levantamento de rancho... Fazem-se reuniões por tudo e por nada... A confusão é mais que muita...

O brig Banazol desaparece... O QG/CCFAG, a Amura,  é cercado e o gen Bttencourt, na manha~de 26 de Abril, é preso.

Em Bissau os estabelecimentos são pilhados... É reforçado o patrulhamento nas ruas... A sede da PIDE em Bissau corre perigo ...

Sou escalado para sargento de piquete e, à noite, põem-me uma HK-21 nas mãos e a respectiva fita de balas... Não sei o que hei-de fazer com aquilo... Mandam-me com mais 6 homens fazer segurança à PIDE/DGS... Eu sou amanuense, mas ninguém quer saber... Eu também já não quero saber... Só quero é que ninguém me chateie...

E lá vou eu!

Coloco o pente de balas ao pescoço e cruzo-o no peito, qual Pancho Villa liofilizado. Seguimos de Unimog em direcção ao objectivo, a sede da PIDE/DGS, em Bissau.

Lá chegados, havia que montar o dispositivo de segurança... Começam os problemas... Nas Caldas da Rainha tinha tido uma formação em HK-21 de cerca de ... 10 minutos e recordava-me bem de como colocar a arma com o tripé no chão, mas como se metia a fita, aí é que já era pior..., tinha-se-me varrido completamente.

Um homem nunca se atrapalha:
 
 Há aqui algum atirador?
 
− Eu sou!  − responde alguém.
 
 − Então monta lá isso e anda para aqui!


O equipamento estava montado no meio da ruela que passava por detrás da DGS. Havia agora que colocar estrategicamente o pessoal, e assim fiz:
 
 − Sentem-se aí nesse canto e façam pouco barulho... (estratégia para não espantar a caça).

Entretanto, como já me estava a dar o sono por ouvir ressonar, levantei-me e fui andar um pouco para perto da HK, não fosse alguém a "gamar", e vi uma caixa de papelão que me deu uma ideia genial!

A HK ali sozinha, montada no chão, não fazia muito sentido. Era conveniente pôr lá um homem a apontar para qualquer lado (o factor psicológico é muito importante nestas ocasiões). Como a arma me tinha sido entregue a mim, parecia-me óbvio que o homem seria eu. Mas eu sou pacifista e, além disso, tinha de me deitar no chão e ia sujar-me todo naquela terra barrenta.

Desfiz a caixa de papelão e fiz uma espécie de tapete que coloquei atrás da HK.. Chamei o atiruense  e disse-lhe para se deitar que a cama já estava feita.

E ali estava, em todo o seu esplendor, uma segurança com preocupações estéticas, de higiene e de conforto.

E foi neste quadro burlesco que a força que nos veio render nos encontrou, às 4 horas da madrugada, não se tendo registado qualquer incidente.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:


Guiné 61/74 - P27227: Memórias dos últimos soldados do império (5): os "últimos moicanos" - Parte II (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)

 


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > CCAÇ 2479 (1968/69) (futrura CART 11) > Centro de Instrução Militar (CIM) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece... (mas bem podia  ter sido o Djassi desta história...).

 Foto (e legenda) : © Renato Monteiro (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1.   "Djassi, o ordenança", da autoria do Abílio Magro,  é outro testemunho sobre os últimos dias da nossa presença na Guiné. Faz parte da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (de que se  publicaram  15 postes entre  janeiro de 2013 e março de  2016, e que estamos agora a revisitar). 

O título não deixa perceber, de imediato,  o drama, pungente,  relatado na segunda parte: o dos soldados do recrutamento local que foram abandonados à sua sorte. Como o Djassi, antigo operacional, que acabou a sua "carreira militar", incapacitado, nos serviços auxiliares,  como "ordenança" na CSJD/QG/CTIG.  E que  a partir de agosto fora obrigado a passar à "peluda"...

A cena passa-se em Bissau, já na segunda quinzena de setembro de 1974. Mas antes vamos ver o Abílio Magro, com "outro moicano", na azáfama, febril e ciclópica, de manhã à noite, de queimar todos os papéis (sensíveis) do seu serviço, em troca da vaga promessa do chefe, um tenente-coronel, de conseguirem chegar a casa uns dias mais cedo... 


Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG (Bissasu 1973/74)



Os "últimos moicanos" - Parte II

por Abílio Magro


Recorde-se que havia dois QG (Quartéis Generais) em Bissau;

  • QG/CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), instalado em  Santa Luzia,
  •  QG/CCFAG (Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné), na fortaleza da Amura.
Eu prestei serviço na CSJD (Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina) do QG/CTIG, em Santa Luzia.
 
No tempo em que por ali andei (1973/74), o primeiro era comandado pelo brigadeiro Alberto da Silva Banazol e depois pelo brigadeiro Galvão de Figueiredo; o segundo pelo general Spínola e depois pelo general Bettencourt Rodrigues.

Em agosto de 1974 na CSJD tínhamos um ordenança, o Djassi, soldado nativo que aparentava ter já ultrapassado os 30 anos de idade e que, enquanto operacional, fora gravemente ferido, tendo-lhe sido retirado um pulmão e integrado nos serviços auxiliares. Estava ali colocado para efectuar pequenas tarefas relacionados com aquele Serviço.

O Djassi apresentava invariavelmente um semblante carregado e raramente esboçava qualquer sorriso, denotando, porventura, algum sofrimento pelo seu débil estado de saúde, mas era um indivíduo afável, educado, disciplinado e prestável. Dava gosto lidar com ele. Nunca o vi aceitar com azedume qualquer tarefa, oficial ou particular, que se lhe solicitasse.

Nessa altura, agosto de 1974, já muitas companhias tinham abandonado os seus quartéis no mato e regressado à Metrópole, e outras encontravam-se estacionadas em Bissau a aguardar igual destino.

Por essa razão, estavamos assoberbados com papelada decorrente do "fecho de contas" daquelas companhias,  o que indiciava que nós, os do "ar condicionado", seríamos talvez os últimos a "abandonar o barco".
 
A situação era confusa. Sabíamos que iríamos abandonar a Guiné, mas não sabíamos como, nem se o faríamos definitivamente, nem quando.

Começou a correr a informação de que a partir de finais de agosto não seriam autorizadas férias a ninguém. Ora, eu e o meu camarada Silva,  do Barreiro, nessa altura já os mais "velhinhos" da CSJD, com excepção do tenente-coronel e  do major, estávamos há já mais de um ano sem gozar férias e começámos logo a tratar da papelada para o efeito.
 
Lá viemos de férias em meados de agosto e, entretanto, o "êxodo" continuava e com maior cadência.

Findas as férias, regressámos à Guiné dois dias  depois da data em que foi reconhecida a independência por parte de Portugal - 10 de setembro de 1974.

As patrulhas na cidade eram efetuadas pela PM (Polícia Militar),  conjuntamente com elementos do PAIGC, muitos estabelecimentos tinham encerrado, a tropa que ainda restava era composta de "piras" (ou "piriquitos"), oriundos das companhias mais recentemente chegadas à Guiné.

Na CSJD só o tenente-coronel e o major não tinham ainda sido substituídos, os bens escasseavam, na messe de sargentos só se encontravam "piriquitos", etc., etc.... Ou seja: eu e o Silva estávamos completamente deslocados e, se não tivéssemos tido a estúpida ideia de meter férias naquela altura, teríamos certamente regressado definitivamente, sem necessidade de desembolsar os "pesos" que nos custou a viagem.

Logo tratámos de, junto do tenente-coronel, dar conhecimento da nossa "triste" situação e efetuar o "choradinho" adequado.
 
Fomos então incumbidos de queimar todo o arquivo morto da CSJD que ocupava totalmente uma daquelas pequenas vivendas tipo colonial e que era composto por processos instaurados desde o tempo em que ainda não havia guerra na "Província", após o que poderíamos "meter os papéis" para regressar à Metrópole...

A tarefa impunha alguma responsabilidade e cuidado pois não podia ficar qualquer fração de papel por arder, o que, nos processos mais volumosos, nos obrigava quase a arrancar folha por folha.

Ali estivemos quinze dias a queimar papel que, quando amontoado, nos obrigava a remexê-lo com um pau para que não se apagasse e, no fim de cada dia, só abandonávamos o local quando existissem apenas cinzas.
 
De quando em vez, um ou outro processo despertava a nossa curiosidade pelos objetos de prova que continha e cheguei mesmo à tentação de desviar alguns, mas o desejo de regressar a casa depressa e bem, falava mais alto.

A nossa vontade em terminar a tarefa o mais rapidamente possível era tanta que logo que o sol dava sinais de vida, lá íamos nós p'ra "incineradora" e um dia tivemos a sorte de nos cruzarmos com o ten-cor que, talvez sensibilizado pela nossa madrugadora atividade, nos mandou chamar para que "metêssemos a papelada para bazar dali".

A tarefa ainda não estava terminada, mas o ten-cor, face à nossa proficiência e empenho, achou por bem mandar para lá alguém mais "piriquito" e nós lá regressámos à Metrópole quinze dias depois de lá termos vindo no final das férias.

E foi numa deslocação a Bissau para, no mercado negro, "despachar" os últimos pesos que tinha comigo (na messe de sargentos de Santa Luzia já nada havia para comprar),  que encontrei o Djassi, já civil, e que me interpelou de uma maneira agressiva como nunca imaginei que fosse capaz, confrontando-me com a situação para a qual o Exército Português o tinha atirado e dando-me a entender que, naquele momento, para ele, eu era o representante daquele Exército e exigia-me explicações que eu não lhe podia dar.

  Furriel, eu fui ensinado a respeitar a bandeira portuguesa desde que nasci, andei muitos anos no mato a lutar por Portugal, fui ferido várias vezes, fiquei sem um pulmão, sou português, sempre me considerei português!
 
E prosseguindo:

E agora, dão-me dinheiro e vão-se todos embora?!... O que vai ser de mim?!... O que é que o PAIGC vai fazer comigo?!

Naquele momento senti-me envergonhado por ainda pertencer ao Exército que abandonara à sua sorte o exemplar militar português que era o Djassi.
 
Emudeci e não me recordo de lhe ter dirigido grandes palavras de conforto para além de um lacónico: 

− Calma, vai correr tudo bem!...

Cabisbaixo e algo deprimido, retirei-me do local, mas confesso que, minutos depois, o egoísmo veio ao de cima e já só pensava nas "voltas" a dar no sentido de embarcar com destino à Metrópole o mais depressa possível.

Quando, tempos depois, já na Metrópole, comecei a ouvir os noticiários sobre os fuzilamentos de antigos militares portugueses da Guiné, muitas vezes me veio à memória (e continua a vir quando se fala no assunto) o exemplar militar Djassi e questiono-me sobre o destino que teria tido e se os capitães de Abril (na altura no poder) não teriam podido fazer mais por aqueles que combateram ao nosso lado.

Há muito que tinha em mente falar sobre o Djassi, ordenança da CSJD/QG/CTIG, mas como tenho o hábito de salpicar a minha "prosa" com tiradas pseudo-humorísticas (está-me no sangue), tenho alguma dificuldade de escrita para assuntos mais sérios como este. 

Dispus-me agora a fazê-lo, reconhecendo, no entanto, que este episódio era merecedor de uma escrita mais adequada ao fim a que me propus: 

− Prestar uma sentida homenagem a todos os "Djassis" da Guiné-Bissau!

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 17 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27225: Memórias dos últimos soldados do império (4): os "últimos moicanos" - Parte I (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27226: Historiografia da presença portuguesa em África (497): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1941 (53) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
1941 é o ano da chegada do Capitão Ricardo Vaz Monteiro e no final do ano dá-se a visita do Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado. Folheados todos os números destes boletins de 1941 há um indisfarçável e discreto silêncio sobre as dificuldades em que se vive na colónia, já se referiu que há legislação do Governo Central, foram tomadas medidas impeditivas ou dissuasoras de andar a vender alimentos a todo e qualquer país. Se acaso o leitor se recorda do que aqui se escreveu nos relatórios do chefe da delegação do BNU da Guiné por esta época, as dificuldades foram múltiplas, indiferentes a quem fazia guerra (a África Ocidental Francesa ficou até muito tarde na órbita do Governo de Vichy, e seguramente Salazar dera ordens para não haver qualquer tipo de afrontamento), contrabandeava-se de um lado para o outro; O que julgo mais interessante nesta documentação é o processo disciplinar ao engenheiro Afonso Castilho, tão sinuoso e prestável a tão diversas inspeções que até me parece que há clamorosas semelhanças com as práticas da justiça no nosso tempo. É por isso que peço ao leitor que leia com a devida atenção as acusações, as respostas e a sentença.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1941 (53)


Mário Beja Santos

O ano vê partir o Governador Carvalho Viegas, fica como encarregado do Governo Armando Augusto de Gonçalves Morais e Castro e, logo no Boletim Oficial n.º 8, de 24 de fevereiro é criado o Parque Dr. Vieira Machado, no mesmo Boletim Oficial cria-se a Biblioteca Pública da Guiné, estipula-se que todas as publicações de caráter oficial irão dar entrada nesta biblioteca, bem como todos os documentos manuscritos de peculiar interesse político, histórico, topográfico, militar, missionário, etnográfico, náutico, administrativo, económico, existentes nos arquivos oficiais da colónia.

Mas é bem interessante, até porque se trata de uma novidade referir este Parque Dr. Vieira Machado, o assunto é apresentado no suplemento n.º 10 ao Boletim Oficial n.º 6, em que 15 de março:
”Há, na Colónia, espécies zoológicas e até botânicas cuja conservação e propagação muito interessam, sob o ponto de vista comercial, científico e turístico. Ao governo da Colónia cumpre defendê-las e evitar a sua extinção.
Sendo a Guiné zona essencialmente agrícola, costumado o indígena a incendiar, por comodidade própria, o capim; estando habituado a mudar-se frequentemente e, sobretudo, sendo-lhe necessário alargar, de ano para ano, a zona de cultivo, mercê da pobreza de terreno, sucede vir desaparecer as florestas e, com elas, espécies de flora e fauna que interessam à riqueza da colónia;
É criado o Parque Dr. Vieira Machado na área da circunscrição civil de Buba, que fica sobre a superintendência da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas, Florestais e Pecuários. A área do parque é de 16.700 hectares.
É expressamente proibida qualquer atividade humana dentro do parque, o traçado de estradas, cortes de árvores ou arbustos, caça, pesca e construção de habitações, mesmo de carater provisório, exceto os destinados à guarda do parque.”


No suplemento ao n.º 24, do Boletim Oficial n.º 12, de 21 de junho, vemos publicada a relação dos 40 maiores contribuintes das áreas fiscais dos concelhos de Bolama e Bissau. O destaque vai para António Silva Gouveia, Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, Comapnhia Agrícola e Fabril da Guiné, Societé Commerciale de l’Ouest Africaine, Banco Nacional Ultramarino, Nouvelle Societé Commerciale Africaine, Compagnie Française de l’Afrique Occsidentale. Mas também encontraremos António Gomes Brandão e Manuel Pinho Brandão, a Sociedade Agrícola do Gambiel e a Sociedade Arrozeira da Guiné.

Voltamos agora aos processos disciplinares, este tem muito que se diga. Consta do suplemente ao n.º 37 do Boletim Oficial n.º 20, de 15 de setembro. Prende-se com o acórdão referido no processo disciplinar mandado instaurar ao chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, da Colónia da Guiné, engenheiro Afonso de Castilho.
O Governador Carvalho Viegas enviara ao ministro das Colónias, em março de 1939, um ofício confidencial a que juntara documentos e cópias que lhe foram remetidas não se sabe por quem, nem quando nem de onde, neles se faziam graves acusações ao diretor das Obras Públicas. O ministro mandou instaurar um processo e suspendeu imediatamente do exercício das suas funções o dito senhor.

Foi nomeado instrutor que deduziu a seguinte acusação a Afonso de Castilho:
a) Não fiscalizou a construção de um pontão em betão armado, designado Cascunda-Jabadá, que por suas indicações escritas em maio de 1938 fora construído por um condutor sem habilitações profissionais suficientes, resultando o desmoronamento parcial, logo após a inauguração;
b) Não procedeu à reparação de um pilar avariado da ponte General Carmona, apesar de ter verba inscrita para esse fim na distribuição de fundos para o ano de 1938;
c) Descurou a fiscalização da empreitada para a construção do Observatório Meteorológico do Aeroporto de Bolama, apesar de repetidas participações dos agentes da fiscalização contra o empreiteiro, intervindo só raras vezes e sem energia, apresentando-se no fim o edifício concluído com grandes defeitos de construção;
d) Não procurou impedir com o seu conselho e autoridade especial que fosse alterado o projeto da obra anteriormente citada, quando já a meio do mais de andamento da construção, o que motivou o aumento de despesas;
e) Promoveu e impôs a subordinados seus a receção provisória da obra anteriormente citada, sem de facto estar concluída, obtendo que fosse paga ao empreiteiro sem o despacho devido do sr. governador…
E deduz ainda mais acusações.

Na resposta a estas acusações, Afonso de Castilho começa por descrever o ambiente técnico e psicológico que caracterizava os Serviços das Obras Públicas da Colónia da Guiné, quando chegou à colónia, em março de 1938, logo adiantando que o Quadro Técnico das Obras Públicas era constituído naquele tempo por dois condutores; fez várias diligências para melhorar a situação relativa à falta de pessoal e apõe um dado surpreendente: entre 1924 e 1936 houve 19 diretores das Obras Públicas, dos quais só 7 eram engenheiros. A pouca permanência – só 5 excederam um ano de exercício – dos chefes de direção dos serviços, a falta de competência técnica oficial da maioria, a ausência de uma orientação permanente e eficaz, tudo contribuiu para a pouca eficiência dos serviços e fraca fiscalização das obras. O arguido defendeu-se dizendo que tinha de lutar com péssimos hábitos de trabalho, com deficiências de aquisição e falta de pessoal.

Posto este preâmbulo respondeu concretamente aos assuntos. Não vou molestar o leitor com o corrupio das respostas, mas vale a pena ouvir o que ele declarou.
Quanto à alínea a), as reparações dos pontões de Cascunda-Jabadá, encarregou o chefe de secção, o condutor Francisco Cardoso da Silva Pimenta, que não cumpriu as ordens e instruções do seu chefe, foi desleal para com ele e profissionalmente incompetente; argumentou que dentro das possibilidades fiscalizou a obra e se mais eficaz não foi deveu-se a ter de elaborar naquele espaço de tempo cinco importantes trabalhos de gabinete, não podendo por isso deslocar-se;
quanto à alínea b), não havia verba alguma para a reparação da ponte General Carmona, não teve qualquer responsabilidade no que é acusado, a ruína do pilar e a sua defeituosa construção é anterior à data que entrou em funções;
quanto à alínea c) declarou que durante o segundo trimestre de 1938 houve um conjunto de circunstâncias que impediram a sua saída frequente de Bissau, etc., etc.

Instruído o processo e inquiridas as testemunhas, o instrutor concluiu que o engenheiro Afonso Castilho cometera as seguintes faltas disciplinares:
a) Mandara construir um pontão em betão armado sem observação das prescrições regulamentares;
b) Descorou a fiscalização de uma empreitada de construção de um edifício num valor de 492 contos, que foi terminada com grandes defeitos e erros de administração;
c) Não verificou com cuidado o caderno de encargos de uma empreitada para a colocação de janelas e persianas no edifício, aceitando como bom um oferecimento em importância quase dupla do real valor da obra, etc., etc.

O instrutor, depois de averiguar estas faltas disciplinares, entendeu que faltava apurar da incompetência profissional de Afonso de Castilho e submeteu o assunto à apreciação do ministro das Colónias. Foi então nomeado um outro engenheiro, Abílio Adriano Aires, para ir inspecionar sobre o aspeto técnico a Repartição das Obras Públicas da Colónia da Guiné. Elaborou relatório, demonstrou que as afirmações feitas pelo Governador Carvalho Viegas, acerca de pontes, pontões e coisas de engenharia não estavam certas e eram contrárias ao que ensina a ciência da especialidade. Que quanto ao pontão de Cascunda-Jabadá a responsabilidade era do condutor Pimenta, que o que se passou na construção do farol da Ponta de Barel fora semelhante ao que se sucedera na reparação do pontão Cascunda-Jabadá, a responsabilidade era do condutor Pimenta; que quanto à reparação de um pilar arruinado da ponte sobre o rio Corubal, a ponte General Carmona, era seu entendimento que o engenheiro Castilho fizera muito bem em não gastar dinheiro na reparação daquele pilar porque toda a ponte estava em ruína. E, em jeito de conclusão, entende que deve ser aplicada a pena de aposentação compulsiva a Castilho.

Agora o mais interessante desta história é que foi elaborado novo relatório pelo inspetor Carlos Henrique Jones da Silveira veio propor que o arguido fizesse a pena no máximo de 120 dias de suspensão. Consumadas as inspeções, e propostas de pena, o processo transitou para o Conselho Superior de Disciplina que propôs o máximo de 120 dias de suspensão. Se tudo isto não é matéria kafkiana dentro dos labirintos da justiça, prefiro não me pronunciar não só sobre os termos da acusação, tudo com base em boatos e rumores e porventura cartas anónimas, às justificações dadas pelo arguido que, no fim de contas revelam que diferentes serviços da administração eram pura ficção, e que o calibre das decisões quanto às penas é suficientemente elástico, vai desde a reforma compulsiva até à amenidade de suspensão de 120 dias. São assim ínvios os caminhos da justiça…

Anúncio da chegada do ministro das Colónia, Francisco Vieira Machado, à Guiné, dezembro de 1941
O adeus à capital de Bolama, no Natal Bissau já será capital
O ministro chega a Bolama
O ministro junto do monumento à pacificação de Canhabaque
Receção ao ministro das Colónias, Guiné, 1941
Jovens Papéis em tempos de fanado, Safim, imagem retirada da revista Império, 1951
Mapa de povos da região dos rios Gâmbia e Grande, cerca do século XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27205: Historiografia da presença portuguesa em África (496): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1940, princípios de 1941 (52) (Mário Beja Santos)