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quinta-feira, 11 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25735: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (51): Operação Jaguar Vermelho - I: dia 26 de Maio de 1970



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO - I

Para quem não sabe, informo que a Operação Jaguar Vermelho1 foi uma grande operação na zona do MORÉS, que ficava a cerca de 5 ou 6 Km, em linha recta, dos nossos quartéis do OLOSSATO, onde estava a minha CCAV 2721 e de MANSABÁ, onde estava a CART 2732, do Carlos Vinhal.

Durante um mês, aproximadamente, os nossos aviões Fiats e T-6 iam lá várias vezes largar as bombas.
E eram bombas de "pouca potência".
Eram tão "fraquinhas" que quando rebentavam, até as casas do Olossato tremiam e muita população que vivia sob controle do PAIGC se ia entregar nos nossos quartéis.
E assim chegou o dia 26 de Maio de 1970.
Localização do MORÉS - Região do Oio - no triângulo formado pelos itinerários Mansoa-Bissorã-Mansabá-Mansoa
Infografia: © Luís Graça & Camaradas da Guiné


1970/MAIO/26 ÀS 09H00M

Às 9H00M o meu grupo de combate (4.º GComb), reforçado com 15 milícias, saiu para a região de BISSANCAGE, onde encontrou um trilho muito recente e batido, de MORÉS para MADINA MANDIGA.
O alferes Silva decidiu emboscar neste local.
Enquanto o alferes Silva estava a instalar os primeiros elementos do 4.º grupo de combate, que eram milícias, surgiram 2 elementos inimigos armados.
Deste contacto resultou o ferimento e captura de 1 elemento inimigo e a fuga do outro.
Neste contacto também resultou a morte de um soldado milícia nosso, que foi morto pela rajada dum soldado nosso (FR) que, por precipitação ou por medo fez fogo para o local onde estava o alferes e os soldados milícias e só parou o fogo quando o alferes e os soldados da milícia gritaram para parar o fogo.
Não sei se o alferes tinha avisado o que se estava a passar, mas o soldado "tinha" que saber que estavam ali os nossos militares.

Quando a situação estava controlada e trouxeram o guerrilheiro para o local onde estava o resto do grupo de combate, os outros milícias queriam matá-lo à pancada. Tive que intervir para acabar com esta cena de vingança. Mas há uma frase dum soldado milícia nosso que não esqueci, nem esquecerei e que é a seguinte:
- "Furriel, se turra apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço = corta-nos o pescoço OU mata-nos) mas se apanhar pessoal branco trata-o bem".

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25715: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (50): Ataque ao quartel no dia 12 de Maio de 1970

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25038: Notas de leitura (1655): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores observam a evolução da situação político-militar entre 1966 e 1967, do lado português renascera a motivação com a chegada do helicanhão e do Alouette III, para suporte das operações de superfície, do lado do PAIGC remodelaram a estratégia introduzindo sistemas antiaéreos, nomeadamente na península do Quitafine; a propaganda do PAIGC brandia nos areópagos internacionais de ter autoridade em metade do território, um hábil mantra propagandístico, de muito difícil contestação, quer forças especiais quer as forças em quadrícula quando atingiam um objetivo podiam destruir os meios existentes mas tinham rapidamente que retirar, a guerrilha montava dispositivos que iam de emboscadas ao uso de morteiros. Para o Comando-Chefe e para a Força Aérea havia problemas delicados como os que foram postos pela Operação Estoque, bombardear horas a fio os tais lugares que dispunham de sistemas de defesa antiaérea punham problemas humanitários, o bombardeamento podia-se saldar numa autêntica carnificina da população civil, daí terem-se lançado panfletos a pedir a esta população que se deslocasse do local. Evidentemente que o fator surpresa ficou comprometido.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta


Recapitulando a evolução dos acontecimentos de 1966 para 1967, observam os autores que do lado português se ganhara confiança com a chegada do Alouette III, do Fiat e da possibilidade de utilizar na atividade operacional o helicanhão. Do lado do PAIGC, e após o tremendo susto provocado pela entrada em cena do helicanhão, Amílcar Cabral readaptou a estratégia do PAIGC, a guerra expandiu-se, apareceu na propaganda do PAIGC um conjunto de territórios tratados como zonas libertadas, onde o partido nacionalista alegadamente dominava e governava através de políticas rudimentares abarcando a economia, a saúde, a educação, apareceram mesmo os chamados armazéns do povo. Já em 1966, o PAIGC reivindicava a libertação de mais de metade do território, uma estatística veementemente contestada pelas autoridades portuguesas, mas de difícil refutação, as próprias forças portuguesas sabiam perfeitamente que mesmo quando desalojavam ou destruíam instalações precárias dos guerrilheiros, milícias e populações, mal abandonavam os locais esses mesmo guerrilheiros, milícias e populações regressavam, alterando o seu posicionamento, procurando assim também enganar os meios aéreos e não serem atingidos por bombardeamentos.

Seja como for, estas zonas ditas libertadas representavam uma componente essencial do PAIGC na sua estratégia mais ampla, divulgada como o progresso militar e a capacidade administrativa política que legitimava o movimento de libertação. Amílcar Cabral afirmava: “Nas nossas regiões libertadas temos agora os ingredientes de um Estado. O nosso povo tem uma personalidade política e vida económica e cultural, é o povo que governa o povo.” A natureza desta mensagem dava confiança a quem estava sob a égide do PAIGC, começaram a surgir filmes e reportagens que se publicavam e mostravam em diferentes países, e toda esta dinâmica encorajava o apoio de benfeitores estrangeiros, foi a alavanca para o sucesso do PAIGC a longo prazo.

A única forma de Portugal refutar ou procurar contrariar a propaganda do PAIGC quanto a reivindicações de domínio territorial tinha de se exprimir através da ocupação militar, criando destacamentos de diferentes dimensões e intervindo militarmente, na tentativa de desmantelar as posições do PAIGC. Em 1966, as forças portuguesas tinham adotado uma estratégia predominantemente “posicional”, fortificando as guarnições não só nas principais povoações como criando ou reforçando destacamentos e povoações em autodefesa, procurando intimidar a guerrilha por meio de emboscadas ou minas, ou contrariando emboscadas e minas por parte do PAIGC. Como explicou o Chefe de Estado-Maior do Exército, General Câmara Pina, durante uma visita em Abril à Guiné: “Para nós, é fundamental neste momento garantir a segurança das populações; é por isso que empregamos as nossas forças em missões mais estáticas, independentemente da utilização operacional das forças especiais.”

Um jornalista britânico que visitou na época a Guiné teve uma leitura menos positiva da situação, escrevendo que as forças terrestres portuguesas estavam acantonadas e sitiadas em 60 vilas, povoações e quartéis fortificados, só a reagir às ações do PAIGC, deixando à Força Aérea a iniciativa para projetar rapidamente a presença portuguesa em áreas dominadas pelos rebeldes.

Surgiu, entretanto, uma capacidade antiaérea do PAIGC, particularmente nas chamadas zonas libertadas do Sul. Cabral e outros líderes partidários tinham prometido defender e alargar estas áreas libertadas a todo o custo, e uma vez que os portugueses optaram por atacá-los principalmente pelo ar, os guerrilheiros do PAIGC teriam de lhes resistir. E, para esse efeito, concentraram os seus meios e atividade de defesa antiaérea em certos pontos do Sul, onde o PAIGC estava mais entrincheirado. De 1963 a 1965, quase dois terços de todos os incidentes antiaéreos relatados ocorreram no Setor Sul. Houve uma ofensiva aérea de três dias para neutralizar posições antiaéreas na região do Cantanhez (Operação Resgate, de 17 a 20 de dezembro de 1965), esta operação foi a primeira centrada em procurar neutralizar as defesas antiaéreas do PAIGC, o sucesso foi relativo, não foi destruído o poder dos guerrilheiros. Ao longo da primeira metade de 1966, os insurgentes continuaram a expandir e consolidar a sua presença nas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine. O Quitafine teve grande importância para a guerrilha, assegurava transporte costeiro e fluvial, área influente para corredores de ligação à República da Guiné, por isso estava no topo das prioridades para a defesa antiaérea do PAIGC.

O Coronel Abecasis observou que os militantes de Cabral começavam a desafiar a FAP com arrogante ousadia, a Operação Resgate provocara danos a várias aeronaves portuguesas que sobrevoavam a região. As posições antiaéreas do PAIGC também ameaçavam as operações aéreas portuguesas de apoio às guarnições de Cacine e Cacoca. No total, os disparos antiaéreos relatados pela FAP aumentaram de 103, durante 1965, para 110, em 1966, e novamente dois terços ocorreram na zona Sul da Guiné. Ao mesmo tempo que acelerava o ritmo da atividade antiaérea, o PAIGC melhorava o seu arsenal. Inicialmente, havia guerrilheiros com armas ligeiras, em meados de 1964 os insurgentes estavam equipados com metralhadoras antiaéreas (AAMGs) de 7,6 mm e 12,7 mm, depois o Bloco Comunista nos anos seguintes fez a entrega de canhões antiaéreos de 14,5 mm da série ZPU, de design soviético: o ZPU-1, de cano único, e o ZPU-2, de cano duplo, e o ZPU-4, de quatro canos, o que veio ampliar significativamente o alcance da defesa aérea do PAIGC.

Este sistema da defesa antiaérea funcionava sobre rodados, limitava-se em grande parte para operações bem-definidas, usavam-se estradas ou trilhos no Sul. A ameaça antiaérea aumentou em termos de alcance e sofisticação com um aumento correspondente de risco para as aeronaves da FAP (ver o quadro n.º 4 e o gráfico dos incidentes relatados).

A Zona Aérea lançou uma série de operações para mitigar a ameaça no Sul da Guiné, começando com a Operação Estoque, em agosto de 1966, destinada a destruir ou desmantelar a organização do PAIGC na península do Quitafine. A operação foi concebida como um ataque de 12 horas em duas fases. Na primeira fase, que durou das 19 até à meia-noite de 9 de agosto, C-47 modificados com bombardeiros noturnos tentaram neutralizar as posições antiaéreas do PAIGC, a iniciativa era considerada essencial para uma segunda etapa, como a que consistiu principalmente numa operação de reconhecimento na superfície e missões de intermissão nos corredores de abastecimento e infiltração a partir da República da Guiné. Participaram também na operação da Força Aérea, além dos C-47 e dos T-6, os recém-chegados Fiat. O Quitafine era uma área que albergava significativa população civil e tanto Schulz como Abecasis reconheceram que bombardeamentos indiscriminados podiam resultar em inaceitáveis carnificinas, dando aos sobreviventes uma razão convincente para apoiar a guerrilha. Estoque foi precedida, tal como ocorrera em 1964 na Operação Tridente, do lançamento de folhetos no dia 7 de agosto, aconselhando os não combatentes a desocupar aquela área. Como observou mais tarde Abecasis, o principio da surpresa foi sacrificado por razões humanitárias.

Distribuição e atividade das forças do PAIGC entre maio de 1966 e fevereiro de 1967 (Matthew M. Hurley)
Atividade militar do PAIGC/FAP entre 1963 e 1966 (ataques de morteiro e bazuca, emboscadas, minas e ações defensivas), segundo Matthew M. Hurley
Os sinistrados portugueses em 1966 (mortos e feridos) totalizaram 1266, incluindo ações em combate e acidentes (Coleção José Matos)
Uma escola do PAIGC em zonas libertadas na região norte (Coleção Roel Coutinho)
Tabela com o sistema antiaéreo do PAIGC entre 1963 e 1970
Família na zona libertada de Cubucaré a segurar vestígios de uma bomba de napalm lançadas pela Força Aérea Portuguesa (Coleção Mikko Pyhälä)
Fogo antiaéreo do PAIGC referindo incidentes entre 1963 e 1967 (Matthew M. Hurley)

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 29 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25027: Notas de leitura (1654): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto permite uma grande angular sobre o período de 1966/1967, finalmente Schulz dispõe de meios aéreos julgados suficientemente eficazes para travar a guerrilha, dá-se uma reorganização da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, o comando unificado é entregue ao coronel Abecasis, os meios aéreos trouxeram muito mais segurança à atividade operacional, abonam os diferentes testemunhos; acontece, porém, que a atividade da guerrilha intensificou-se, houve reorganização do PAIGC e das FARP e em igual período a atividade da insurgência não só se intensificou como alargou o seu espaço de ação. Há também testemunhos de que o helicanhão deixou inicialmente a atividade da guerrilha atemorizada, foi forçada a adaptações táticas.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando a matéria deste primeiro capítulo, os autores recordaram as grandes dificuldades sentidas em encontrar diferentes tipos de aeronaves à altura das necessidades do território e da natureza da guerrilha guineense. Entendeu o Comando-Chefe, nos finais de 1966, que as principais dificuldades estavam supridas, o Fiat e o Alouette III, também adaptado a helicanhão, iriam fazer recuar a guerrilha. É neste contexto que se dá a remodelação no comando da Zona Aérea da Guiné, fundem-se os Comandos desta e da Base Aérea 12, com o estabelecimento do Centro Conjunto do Apoio Aéreo, é este o final do capítulo I.

Entre as primeiras ações do Coronel Abecasis como Comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, criou-se o Centro Conjunto de Apoio Aéreo como autoridade de controlo orientada para operações aéreas táticas e operações de apoio às forças de superfície, ficou localizada em Bissalanca e tinha o indicativo de Marte, o Deus grego da guerra. Este Centro Conjunto foi responsável por priorizar as solicitações de apoio aéreo, atribuindo às aeronaves o cumprimento de solicitações que aprovava, gerindo também as conexões de comunicação indispensáveis. Esta organização foi essencial para planear, programar e potenciar com responsabilidade os meios aéreos, conclui o historiador da FAP Luís Alves de Fraga. Criou-se em Nova Lamego a secção conjunta de apoio aéreo para agilizar operações no setor Leste. Ao ligar-se o Centro Conjunto e as forças apoiadas, a aeronaves como DO-27 passaram a ser utilizadas como postos de comando volante, sobrevoando as áreas de operações e fornecendo uma visão tática às forças em intervenção na superfície, e fazendo de elo de comunicação entre as unidades terrestre e os meios de apoio aéreo. 115 aeronaves utilizavam rádio no PCV, ajustando as frequências e assim facilitando a rapidez no apoio aéreo. Apesar das incompatibilidades entre os recursos terrestres e os aéreos quanto a equipamentos de rádio, as forças portuguesas conseguiram um nível satisfatório de comunicações táticas mediante arranjos, garantindo apoio de fogo, reabastecimento de emergência ou evacuação de feridos em tempos que podiam chegar a 20 minutos. O Coronel Abecasis também orientou a criação de um Centro de Campanha de Exploração Fotográfica, sediado na Base Aérea 12, no outono de 1966.

Apesar da variedade de equipamento fotográfico utilizado durante as missões de reconhecimento – câmaras portáteis transportadas a bordo de aeronaves leves. O Centro de Campanha de Exploração Fotográfica desenvolveu uma “capacidade notável” para interpretar imagens pontuais, analisar fotografias e organizar conjuntos de imagens detalhadas dos objetivos visados para as operações. No final de 1966, a FAP tinha instalado uma frota de 50 aeronaves na Base Aérea, complementada por vários campos auxiliares, apoiada por uma estrutura de comando e controlo mais eficiente. O contingente da FAP na Guiné parecia capaz de poder intervir em todas as funções operacionais relevantes, dispunha da sua própria “infantaria”, os paraquedistas. A capacidade de desempenho da Zona Aérea ganhara muito com o G.21 e o Alouette III. Tudo parecia, depois de quatro anos de intensa luta de guerrilhas, que as Forças Armadas estavam em condições de contrariar a insurgência na Guiné.


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Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta

“Os criminosos colonialistas utilizaram aviões a jato, helicópteros modernos, bombas de fragmentação, bombas napalm e de fósforo, [mas] não conseguiram travar a nossa luta. No entanto, conseguiram aumentar ainda mais o ódio do nosso povo ao domínio colonial português.” (Amílcar Cabral, 2 de janeiro de 1968)

O PAIGC, tal como o seu inimigo português, estava a viver um período de crescimento e reorganização. Em 1966, o movimento nacionalista evoluiu para uma insurgência generalizada que ameaçava de forma credível o controlo sobre grande parte do território, se bem que mantivesse a estrutura militar adotada no Congresso de Cassacá, 1964, estrutura que incorporava o Exército Popular, a Guerrilha Popular e a Milícia Popular. O seu conjunto compunha as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Em novembro de 1966, houve restruturação do PAIGC e das FARP, estabeleceu-se um Conselho de Guerra no nível mais alto do partido, afastou-se a milícia da cadeia de comandos das FARP. Através do Conselho de Guerra, as FARP dirigiam o Exército Popular e a Guerrilha nos níveis de Frente, Região e Setor, enquanto as Milícias passaram a ficar subordinadas ao Bureau Político, através de uma hierarquia geográfica semelhante. O Bureau Político manteve a supervisão das FARP através de comissários que exerciam uma autoridade operacional através de um arranjo de vice-comando.

A componente militar regular do PAIGC, o Exército Popular, tinha um efetivo aproximado de 3000 combatentes a tempo cheio, operando dentro da Guiné Portuguesa ou ocupando santuários transfronteiriços para formação, recuperação ou reabastecimento. Eram forças organizadas em grupos de 22 a 24 pessoas, geralmente combinadas e empregadas como bigrupos, com o dobro desse tamanho. Quando reforçados por exigência de equipamento pesado ou atividade de pessoas especializado, os bigrupos podiam chegar a 66 combatentes. As unidades irregulares da Guerrilha Popular tinham um efetivo superior a 6000 combatentes adicionados ao quadro miltiar do PAIGC, tinham funções de mão de obra, com funções defensivas, mas disponíveis para reforçar as operações de grande dimensão. No total, as Forças Armadas Portuguesas na Guiné enfrentavam até 1000 oponentes armados, excluindo as milícias, que cada ano que passava estavam mais bem treinadas e equipadas.

No plano militar do PAIGC para 1966-67, o secretário-geral e líder-estratega, Amílcar Cabral, anunciou que estas forças iriam “intensificar, desenvolver e estender a luta por todo o país” para “forçar o inimigo a lutar em toda a parte.” Com o objetivo de espalhar a rebelião, o PAIGC estabeleceu três Inter-Regiões (Norte, Sul e Leste) divididas em 13 regiões e 32 zonas ou setores. Cada Inter-Região tinha, pelo menos, um bigrupo do Exército Popular e 250 guerrilheiros, com unidades adicionais atribuídas a nível regional ou de “Frente”. A cada setor foi atribuído artilharia (canhão sem recuo e morteiros), sapadores e/ou metralhadores antiaéreas de acordo com as condições táticas ou o planeamento operacional.

As intenções estratégicas de Cabral tornaram-se rapidamente evidentes para os comandantes portugueses. As principais áreas de preocupação para as forças militares portuguesas incluíam o Oio, zona do noroeste da Guiné, a região central de Xime-Xitole, o litoral sul e as três “áreas de base” centrais do PAIGC no Morés, Injassane e Cafal. Havia também a preocupação com a capacidade do PAIGC em infiltrar pessoal e material através de corredores, facilidade essa que permitiu aos rebeldes lançar operações de “grande intensificação da ação militar”, isto no final da primavera e do verão de 1966, procurando interromper linhas de comunicações e flagelando as forças portuguesas no Oeste e no Sul, particularmente. No Sul da Guiné, na Península de Quitafine, tinham aumentado as defesas antiaéreas, o que dificultavam os esforços da Zona Aérea para proteger os postos avançados sitiados, o que levou a que o chefe de Estado-Maior do exército expressasse a sua preocupação de que houvesse guarnições que corressem o risco de serem tomadas pelo PAIGC. O número médio mensal das atividades do PAIGC quase triplicou, chegando a 293 flagelações e outros atos hostis em maio de 1966.

O ritmo acelerado da insurgência refletiu-se num aumento de baixas – cresceram de 258 mortos e feridos em 1963 para 1226 em 1966.
Um T-6 Harvard francês usado na guerra da Argélia e, mais tarde, vendido a Portugal (EALA/ECPAD)
Um Alouette III com um canhão Matra MG151 instalado na porta lateral do Alouette III (Coleção Costa Neves)
Outra perspetiva do canhão (Coleção Serrano Rosa)
Os Alouette III em linha, na Base Aérea 12 (Coleção Alberto Cruz)
Os Fiat (os “Tigres”) estavam integrados na Esquadra 121 conjuntamente com os T-6 e os Do-27 (Coleção Alberto Cruz)
Organograma da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (novembro de 1966)
Forças do Exército Popular em patrulhamento (Reg Lancaster/Express Hulton Archive/Getty Images)
Milícia popular em vigilância num posto avançado rebelde, perto de Cacine (UPI)
Amílcar Cabral, o carismático Secretário-Geral do PAIGC (Ben Martin/Getty Images)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 22 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25000: Notas de leitura (1652): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores descrevem a viragem introduzida pelo Fiat e pelo Alouette III sobretudo na vida operacional. O texto é minucioso sobre a natureza dos armamentos usados e das alterações registadas em 1966 na reorganização de Bissalanca, relevam igualmente o acréscimo trazido ao poder operacional pelas forças paraquedistas que irão em 1970 conhecer modificações, quando o BCP12 se transformou na CCP121, 122 e 123. O poder bélico intensificou-se mas concomitantemente cresceu a área de intervenção do PAIGC, operando densamente no Sul, no Corubal, no Boé, na região do Morés, fortalecendo-se nas regiões transfronteiriças do Senegal e Guiné-Conacri. Mas em 1966, ainda havia a esperança no comando-chefe que as novas potencialidades de meios aéreos iriam desencadear o recuo do PAIGC, o que de modo algum aconteceu.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Como se fez referência no texto anterior, o equipamento aéreo da Guiné vai conhecer em 1966 uma alteração de tomo: chegou um caça que se irá tornar temível e prontamente colaborantes nas atividades operacionais e de bombardeamento, o Fiat, e o helicóptero Alouette III, de maior capacidade que o seu antecessor, que se irá revelar altamente prestante na atividade operacional, na evacuação de feridos e nos mais diferentes tipos de transporte.

Oficiais portugueses observadores das operações argelinas, durante o final da década de 1950, depuseram que “a utilização de helicópteros no caso particular da guerra subversiva, oferece excecionais possibilidades. Isto era especialmente verdade nas operações de assalto, ofereciam às tropas francesas surpresa e superioridade e mobilidade no combate face a um adversário que operava num terreno praticamente inacessível.”

Todos estes depoimentos motivaram o General Venâncio Deslandes, do Secretariado-Geral para a Defesa Nacional a recomendar o emprego de helicópteros nas forças de intervenção, logo em 1963. Como se referiu anteriormente, o Alouette III só apareceu em novembro de 1965, chegaram a Bissalanca seis de uma encomenda de 21 helicópteros. Foi momento afortunado, concomitantemente chegaram os G.91 e entraram também ao serviço. Como observou o historiador militar Luís Alves Fraga, a conjugação destes dois meios aéreos garantia precisão quando havia limitações de tempo, ganhava-se no efeito surpresa, bombardeava-se por um lado e os helicópteros depositavam ou recolhiam as tropas envolvidas na operação. Com um alto grau de sincronização, o desembarque de forças operacionais era precedido pro um ataque de Fiat e/ou T-6, de maneira que a última bomba a cair no solo explodia imediatamente antes do primeiro homem saltar do helicóptero, era assim que se procurava manter o inimigo paralisado e garantir a proteção à força atacante.

Muitas vezes era indispensável uma proteção adicional. Os helicópteros eram alvos tentadores para o fogo dos guerrilheiros, especialmente durante o pouso e desembarque, era um momento de maior vulnerabilidade para as nossas forças operacionais, como lembrou o general aposentado António Bispo, lembrando que em 30 de março de 1966, um helicóptero fora imobilizado pelo fogo inimigo durante a Operação Narceja. A Zona Aérea procurou os meios de conjugar vigilância e apoio de fogo durante as operações aerotransportadas. Inicialmente, militares armados com espingardas de caça foram colocados a bordo de alguns helicópteros para fazer fogo supressivo. Nenhum expediente se mostrou suficientemente dissuasor, houve testes iniciais com a metralhadora MG-42 montada em tripé, rapidamente se abandonou o seu uso pelo difícil manuseio da arma e pela trajetória irregular do fogo; montou-se depois uma Browining M3 na porta lateral do Alouette III, mostrou-se inconveniente devido ao tamanho da arma, ao seu peso e às vibrações durante os disparos. Encontrou-se finalmente uma resposta instalando um canhão montado num sistema giratório na porta do helicóptero. Em 1965-1966, a FAP testou o canhão Matra MG-151 20mm no campo de tiro de Alcochete, os resultados foram satisfatórios e em dezembro de 1966 chegaram a Bissalanca os primeiros canhões MG-151. O emparelhamento destas armas com o Alouette III resultou no helicanhão, conhecido na gíria como lobo mau. Alimentado por dois cintos de munição de 200 cartuchos e disparando munições altamente explosivas ou incendiárias em grande quantidade por minuto, revelou-se “uma arma de extraordinária eficácia”, como contou o veterano da Guiné, General José Brochado de Miranda. Embora os canhões e a suas munições reduzissem a quantidade de carga do Alouette III, o emprego do helicanhão revelou-se determinante nas fases mais delicadas de operações de assalto com helicópteros.

A crescente frota de helicópteros Alouette III também passou a realizar as missões de apoio anteriormente operadas pelo Alouette II: transporte, observação e evacuação de feridos. “Milhares de vidas foram salvas pelos esforços abnegados de centenas de pilotos e tripulantes, com risco de vida e muitas vezes sob fogo inimigo, tudo para salvar a vida dos outros. Na Zona Aérea, os Alouette III transportaram mais de mil vítimas em missões de evacuação em 1967 e 1968, o que representou 37% de todas as evacuações realizadas neste período, aliviando os DO-27. Apenas o Alouette III poderias resgatar o pessoal ferido em zonas de combate em áreas inacessíveis. A integração dos Alouette III e dos G.21 coincidiu com mudanças organizacionais importantes na Base Aérea 12, a principal instalação da FAP na Guiné e sede da Zona Aérea. Anteriormente conhecida como Aeródromo-Base 2, a expansão contínua que vinha ocorrendo desde 1961 resultou na redesignação de Bissalanca como principal base nacional em maio de 1965. A Esquadra Operacional também teve um crescimento significativo tornando-se no Grupo Operacional 1201 composto por três esquadras: Esquadra 121, responsável pelo ataque, apoio de fogo, comando e controlo aerotransportado, eram os Fiats (os Tigres), os T-6 (Roncos) e DO-27 (Cafeteiras); Esquadra 122, incorporando todos os helicópteros, tanto os desarmados (os Canibais) como os apetrechados com canhões (Lobo Mau); a Esquadra 123, destinado ao transporte aéreo, observação e ligação com a legenda “Tudo Alcança”, composto por Dakotas".

Os Fiat e os Alouette III eram informalmente agrupados em esquadras de intervenção que se ativavam para apoiar operações aerotransportadas, que começaram a aumentar em frequência a partir de 1966. Para equipar adequadamente estas operações aerotransportadas, a FAP enviou paraquedistas adicionais. Em 1963 havia um único pelotão de paraquedistas, esse número foi crescendo nos anos subsequentes, primeiro uma companhia, depois um batalhão. Em 20 de outubro de 1966 foi criado o Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12 e em julho de 1970 este batalhão passou a ter três Companhias de Caçadores Paraquedistas; CCP 121, 122 e 123. O helicóptero continua a ser o “principal veículo de ataque principal”. Deu-se outra mudança na aviação militar portuguesa na Guiné: a fusão dos Comandos da Zona Aérea e da Base Aérea 12 em Bissalanca, que anteriormente tinha dois oficiais distintos, o que se revelou suscetível de atritos. O Coronel Abecasis criticou especialmente “a incompetência dos sucessivos comandantes da Zona sem qualquer serviço anterior no voo, esquadrão ou ao nível de operações”, que inevitavelmente tentaram esconder a sua competência intrometendo-se constantemente nos assuntos da unidade, coisa que devia ficar ao cuidado dos seus subordinados. “Vítimas de uma mistura de vaidade e rancor” concluiu ele, tais comandantes “foram a origem do mal-estar e dos problemas supérfluos”. Após a redesignação de Bissalanca como Base Aérea 12, as funções da Zona Aérea combinaram-se com o Comando da Base, e Abecasis assumiu o Comando em junho de 1965.
Fiat da Esquadra 121, maio de 1966 (Arquivo Histórica da Força Aérea)
Raio de ação do G.91 (Matthew Hurley, baseado no Secretariado-Geral da Defesa Nacional), novembro de 1967
O número de operações do G.91 esteve restringido devido a numerosas questões técnicas e logísticas durante os primeiros cinco meses de serviço na Guiné (Arquivo Histórico da Força Aérea)
O Fiat e o diferente tipo de munições que podia utilizar (Coleção Egílio Lopes)
Material de combate usado pelo G.91 (Matthew Hurley, baseado no “Relatório da missão à Alemanha relativa ao Projeto Feierbend”, março de 1966)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 15 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24971: Notas de leitura (1650): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
As "estrelas" deste texto são o Fiat e o Alouette III, entraram em cena em finais de 1966, mereceram a aprovação de todos os intervenientes na guerra da Guiné. O Fiat superava as limitações do T-6, era declaradamente ágil e atemorizou as forças da guerrilha; o Alouette III era também marcadamente superior ao Alouette II, transportava com rapidez reforços, forças especiais, armamento de toda a espécie, era um elemento moralizante no decurso de operações que exigiam o resgate de feridos ou o transporte de munições e água. Os autores detalham os esforços para comprar equipamento mais moderno e eficiente, e lembram as graves questões políticas de recusa de vendas, com os EUA à frente, mas igualmente havia limitações financeiras. Quando compulso textos sobre este período da guerra e leio críticas inaceitáveis ao comportamento militar de Schulz, não posso esconder que livros como este, de Hurley e Matos, vêm repor a verdade dos factos, mas não ignoro que enquanto não se estudar a fundo o período militar de 1964-1968 as opiniões fúteis continuarão a prevalecer.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando a matéria dos dois textos anteriores, os autores dão-nos conta das tremendas dificuldades sentidas pela Zona Aérea no teatro da Guiné quanto a aeronaves adaptadas às especificidades do terreno e à natureza da escalada de guerrilha, dificuldades que se estendiam aos recursos humanos e até às aeronaves pousadas a aguardar peças de substituição, que pareciam demorar séculos. A compra de aeronaves revelava-se difícil, Washington dava o mote, recusava categoricamente qualquer venda que se destinasse à nossa guerra de África, e era seguido por outros parceiros da NATO. É nisto que se consegue a compra providencial de Fiat G-91 à República Federal da Alemanha, dava-se em troca a cedência da base de Beja. Estamos nos finais de 1966.

O G-91 prometia satisfazer a maioria dos requisitos da FAP para um jato de ataque na Guiné: poderia operar em ambientes difíceis com o mínimo de manutenção, tinha capacidade de operar em pistas de aterragem curtas. Dado o ambiente de defesa para a qual originalmente se foi concebida, a cabine da aeronave era cercada nos três lados por chapas de aço e tinha para-brisas blindado, enquanto as secções vitais (incluindo os sete tanques de combustível) estavam protegidas por armadura. As características de voo do G-91 também pareciam satisfatórias porque proporcionava estabilidade aerodinâmica, tinha um excelente canhão e carregava três câmaras Vinten F.95-MK3 no nariz para obter imagens verticais e oblíquas de alvos suspeitos do PAIGC, incluindo bases de apoio transfronteiriças e até posições antiaéreas no Senegal e na República da Guiné. O G-91 também ofereceu algo que os pesadões T-6 não tinham: surpresa tática. Alimentado pelo turbojato Bristol Siddeley ‘Orpheus’ Mk 803-D11, produzido sob licença na Itália, o G-91 podia atingir velocidades até 600 nós (mais de 1100 km/h) ao nível do mar, podia chegar a qualquer ponto da província dentro de 15 minutos após a descolagem. A baixa altitude, este avião de caça mostrava-se silencioso na abordagem e aterrorizante no ataque, era uma arma de reconhecido valor.

O Governador e Comandante-Chefe Arnaldo Schulz, durante os voos de demonstração em Bissalanca expressou a sua “certeza” de que o G-91 iria decidir a guerra a favor de Portugal. Mas a exuberância do oficial-general não tomava em linha de conta as deficiências da aeronave, a mais significativa era o seu alcance limitado e a resistência tática, os pilotos tiveram de desenvolver uma série de soluções operacionais, em jeito de compensação. Estas soluções incluíram rotas de alta altitude de e para áreas-alvo, se bem que se desse um sinal às forças de guerrilha; transporte de combustível correspondente a uma redução de transporte de material bélico; e limites estreitos na quantidade de armamento para combates, restringindo os pilotos a uma única bomba ou ao tempo de metralhar em pontes nevrálgicos. Os pilotos também mostraram insatisfação com as quatro metralhadoras montadas no nariz, deram preferência ao uso de canhões DEFA de 30 mm, que eram usados nos modelos alemães. A frota G-91 foi também afetada pelas dificuldades de abastecimento e manutenção que afligiam a FAP de um modo geral. Houve que fazer um contrato com a Alemanha para fornecer peças de substituição para as primeiras 1000 horas de voo (o suficiente para cobrir apenas 6 semanas de operações de combate). O uso de um novo tipo de avião como o Fiat implicou um stock muito maior de peças de reposição, pelo que a Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné alertou as autoridades em Lisboa para a questão. Levaria pelo menos 6 meses para fazer os “ajustes necessários”, tendo em conta os novos itens respeitantes ao avião. O ministro da Defesa, Gomes de Araújo, queixou-se às autoridades alemãs alertando para o tempo que demorava a reposição dos stocks. A situação tornou-se tão difícil que a Zona Aérea foi forçada a “canibalizar” um dos aviões para ter peças para manter as outras 7 aeronaves em condições de voo. Por tal facto, houve necessidade de reduzir as operações do Fiat na Guiné.

Portugal recebeu apenas 10 motores Orpheus de substituição para os Fiat, vindos no âmbito do projeto Feierabend, por exemplo, mas os pedidos para outro equipamento demoraram vários meses a ser satisfeitos, algumas aeronaves tiveram de ficar no solo. A falta de componentes do assento ejetável Martin-Baker Mk4 também limitou as operações, pois quando os G-91 voaram pela primeira vez na Guiné já tinham ultrapassado os prazos de inspeção dos seus assentos ejetáveis. Apareceram outros problemas, outros desafios operacionais e imprevistos logísticos, caso do desgaste prematuro dos pneus, escassez de dispositivos de travagem, falta de munições, tudo somado, foram dificuldades sentidas que impediram a utilização plena dos Fiat. A deficiência mais premente, no entanto, foi a falta de sistemas de armamento. O G-91 teve um impacto ofensivo considerável, os caças de ataque operavam aos pares, cada um armado com quatro metralhadoras e oito rockets. O Fiat podia também transportar vários tipos de bomba, incluindo as de fragmentação e as de napalm. Mas o número de bombas existente era diminuto pelo que, de modo geral, a arma usada era a metralhadora, como observou o General José Nico.

As bombas de 50 kg passaram a ser usadas em julho de 1966. Até inícios de 1968, os G-91 na Guiné só puderam realizar ataques com uma única bomba, depois receberam meios bélicos suficiente para poder usar múltiplas bombas de 50 kg e 200 kg. Enfim, todas estas dificuldades combinadas restringiram em muito o emprego inicial do Fiat na Guiné, só se poderia fazer uma surtida em média diária com 2 a 3 jatos, e a situação prolongou-se até outubro de 1967. Mas este novo caça passou a desempenhar um papel relevante em todas as principais operações da Zona Aérea até ao fim da guerra. Os Fiat passaram a atacar quase à vontade em todo o território – mesmo quando os guerrilheiros do PAIGC aperfeiçoaram os seus métodos, melhoraram a sua mobilidade e estabeleceram defesas antiaéreas.

Embora o Fiat tenha revitalizado as operações, a verdadeira revolução na guerra aérea na Guiné aconteceu com a chegada dos primeiros helicópteros Alouette III, em novembro de 1965. As novas aeronaves foram imediatamente colocadas ao serviço, executando tarefas de ligação e evacuação médica, tal como já faziam os Alouette II. Contudo, os Alouette III tinham uma melhoria significativa em relação ao seu antecessor, um motor mais potente e 50% de maior capacidade de carga. Para transportes de operacionais, cada um desses helicópteros podia transportar 5 soldados e os seus equipamentos individuais, um sexto passageiro poderia ser transportado no assento central da frente. Alternativamente, este helicóptero construído em França poderia levar dois pacientes em maca e dois profissionais de saúde durante as missões de evacuação. O Alouette III foi descrito por um piloto português como uma “aeronave extraordinariamente robusta e muito fácil de pilotar”, era também fácil de manter estável em condições de terrenos difíceis e poderia transportar um número surpreendente de armas ligeiras.

Os novos helicópteros entraram em ação na Operação Hermínia, conjuntamente a Zona Aérea e o Comando Territorial Independente da Guiné, operação helitransportada, 6 de março de 1966. No início da operação, seis Alouette III levaram 30 Comandos para aterrar em Jabadá, a 24 km a Leste de Bissau; os mesmos helicópteros trouxeram este contingente para Bissalanca cerca de 3 horas depois. A Operação Hermínia deu rapidamente lugar a uma nova operação, em 10 de março, cinco Alouette III transportaram uma força paraquedista para Salancaur, Operação Odete, e a 14 de março foram desembarcados Comandos para cercar forças da guerrilha durante a Operação Desforço.

Comparativamente a operações que tiveram lugar no Sudeste Asiático, a Hermínia e as outras foram episódios significativamente menores. Por exemplo, no mesmo dia em que ocorreu a Operação Hermínia, as forças norte-americanas concluíram uma operação que durara 41 dias numa província do Vietname do Sul, envolveu um recorde de 74.385 missões de helicóptero que transportaram o equivalente a 78 batalhões de infantaria, 55 baterias de artilharia e o material necessário para sustentá-las durante seis semanas de intensa operações de combate. Hermínia representou um esforço menor, mas foi um golpe de mão que inaugurou uma séria de 300 operações de heliassalto só na Guiné. O ex-Chefe de Estado-Maior, General da FAP, Rui Fidalgo Ferreira, observou que provavelmente as frotas mais importantes em África eram as unidades de helicópteros.
Um B-26 Invader em Angola, Portugal comprou clandestinamente 7 destes aviões (Arquivo Histórico da Força Aérea)
No início dos anos 1960, Portugal tentou comprar 25 English Electric Canberra, mas abandonou tal ideia devido a restrições políticas e monetárias (Coleção José Matos)
O T-6 (Coleção José Nico)
Dois F-86F na Ilha do Sal, foram retirados por pressão norte-americana na Guiné e voltara para a base de Monte Real (Coleção Touricas)
G-91 num voo sobre a Alemanha (Coleção José Matos)
O piloto José Nico durante um curso de formação na Alemanha Federal (Coleção José Nico)
O primeiro grupo de pilotos de G-91 da Esquadra 121 em Bissalanca (Coleção Egídio Lopes)
Empoderado por um turbojato Bristol Sideley “Orpheus”, o G-91 podia atingir velocidades superiores a 1100 km/h (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24943: Notas de leitura (1648): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Quanto mais se aprofunda o caudal de acontecimentos ocorridos no tempo da governação Arnaldo Schulz mais cresce a convicção da injustiça que a historiografia comete observando infundada e repetidamente que tudo quanto se passou antes da chegada de Spínola foi um encadeado de negligências e decisões mal tomadas. Veja-se neste episódio que hoje ponho à vossa consideração as dificuldades em ter meios aéreos suficientemente capazes para fazer contraponto à intensidade da guerrilha: os nossos esperados aliados recusavam equipamento, era o seu modo de dizer que não contassem com eles para a nossa guerra em África; e a péssima relação estabelecida entre a retaguarda e a frente, nada a tempo e horas; e como os autores relevam, tudo se escrevia de Bissau para Lisboa, ninguém ignorava que tínhamos equipamentos obsoletos e que o PAIGC gradualmente nos ia passando a perna, até chegarmos aos dramas de 1973 e à incapacidade de resposta, basta recordar que não tínhamos arma compatível com o morteiro 120. Mas a historiografia mantém o mantra de que foi necessário chegar Spínola para pôr tudo em ordem...

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando as questões-chave enunciadas pelos autores no início da sua obra, torna-se evidente que tanto o Comandante-Chefe como o Comandante da Zona Aérea tinham a noção exata que nos meios aéreos postos à disposição da frente da Guiné eram poucos e de funcionamento deficiente, eles relevam a questão das peças de substituição que chegavam tardiamente, a despeito de pedidos sucessivos, e o exemplo mais flagrante é dado pelo Dakota, havia três, mas só um em pleno funcionamento. E a questão dos recursos humanos também se revelava crucial.

De 1966 a 1967, a Zona Aérea só podia contar com 40 pilotos para preencher 52 lugares na tripulação, e mesmo assim era uma melhoria significativa relativamente a 1963. “Dada a intensa atividade naquele teatro” informava Schulz o Ministro da Defesa, Manuel Gomes de Araújo, em março de 1967, “a falta de pilotos implica um desmesurado trabalho para os operacionais”. Esta escassez de pessoal devia-se a mau planeamento, cronogramas de rotação inoportunos e uma relutância geral entres os pilotos para se voluntariarem para o serviço na Guiné, tudo conjugado com más remunerações.

A Zona Aérea protestava sistematicamente com a falta de aeronaves adequadas. Os oficiais superiores queixavam-se repetidamente do escasso potencial de transporte de helicópteros, da falta de uma plataforma para ataque rápido, transporte aéreo inadequado para aquele teatro de operações e uma anémica capacidade de bombardeamento. A grave deficiência notada sobre as hélices foi resolvida com a introdução do helicóptero Alouette III, foram atribuídos à Zona Aérea, em março de 1966, em número de nove. No tocante ao transporte aéreo de asa fixa na Guiné, as forças portuguesas enfrentaram uma contradição operacional peculiar. O pequeno tamanho da Guiné, com a prevalência de florestas e pântanos, com fortes chuvas sazonais e inundações de marés, obrigavam as forças portuguesas a confiar nos meios aéreos, tanto para os transportes como para as operações. Na estimativa do Coronel Abecasis, o transporte aéreo era a única opção em 85% do território, a disponibilidade de meios existentes ficava aquém das necessidades, eram elementos que constaram do relatório do comandante militar em outubro de 1966, o que significava que as operações de reabastecimento não podiam ser realizadas com a devida oportunidade devido à falta de capacidade de transporte aéreo, o que exigia ao fretamento de aeronaves civis; na verdade, a Zona Aérea recrutava rotineiramente aviões dos Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa, até se ter encontrado uma solução com a compra de aeronaves de transporte Noratlas, mas só ficaram disponíveis a partir de 1971; por isso, as tropas portuguesas tinham que confiar na variedade de embarcações de carga, para além da imprescindível colaboração dos meios da Marinha.

Igualmente preocupante era o facto do C-47 Dakota ter recebido a tarefa adicional de colaborar em bombardeamentos. De 1965 a 1966, os três Dakotas, equipados com suporte de armas improvisados e uma mira rudimentar foram utilizados como bombardeiros noturnos em operações, como foi o caso da Operação Resgate de 1965. A despeito de todos os esforços, a escassez de opções para usar meios de ataque era notória. E esta deficiência tornou-se mais evidente quando forem retiradas duas aeronaves de patrulha marítima P2V-5 Neptune; estes aviões, também usados como bombardeiros improvisados voltaram para Portugal em 1966 por exigências norte-americanas. Para restaurar esta capacidade, Lisboa procurou adquirir 25 bombardeiros médios English Electric Canberra B.2, que o Governo britânico recusou vender quando Lisboa se recusou a garantir que os bombardeiros não seriam usados nos seus conflitos coloniais. Portugal procurou obter nos EUA 24 bombardeiros B-26 Invader, excedentes da Segunda Guerra Mundial, também Washington recusou devido às suas próprias restrições sobre a venda de armas em Lisboa. Procurou-se através de um fornecedor privado norte-americano comprar aeronaves, 7 D-26 foram entregues a Portugal, mas a operação foi interrompida pelas autoridades dos EUA, só 2 foram usados na Guiné e apenas durante escassos meses.

Em consequência desta incapacidade de adquirir bombardeiros médios, a Zona Aérea ficou dependente de caças táticos e aeronaves de ataque ligeiro no seu esforço ofensivo, a questão mais aguda que se punha no início de 1966 era a falta de uma plataforma de jatos para ataques rápidos. No início da guerra, três anos antes, o Comando Aéreo pôde empregar até 8 caças F-86F Sabre e T-6 Texan, mas em 1964 venceu a pressão norte-americana para retirar os F-86F, o que deixou o lento e antiquado T-6 como o único recurso de ataque rápido ao dispor da Zona Aérea, Schulz tinha a noção da importância do Comando Aéreo na sua estratégia, nomeadamente a capacidade da FAP a fornecer apoio de fogo às forças de superfície, ele concordava com os comandantes aéreos que os T-6, por si só, eram insuficientes para estas missões. O T-6 teve a sua origem na década de 1930, não foram concebidos como aviões de guerra, não tinham a blindagem, tanques de combustível autovedantes e outras características de aeronaves de combate. Em 1964, já se reconhecia que os T-6 se revelavam cada vez mais vulneráveis face à melhoria constante dos dispositivos antiaéreos do inimigo, como Schulz revelou ao Ministro da Defesa, Gomes de Araújo.

Os pilotos portugueses reclamavam quanto às metralhadoras do T-6 que frequentemente ficavam encravadas devido à idade e ao desgaste, isto enquanto o inimigo, conhecedor da velocidade lenta da aeronave barulhenta, sabia como quebrar o contacto com as nossas forças antes dos T-6 chegarem ao local. No outono de 1966 limitava-se a utilização do T-6 em missões de escolta, dando apoio às colunas terrestres e ao tráfego fluvial, faltava uma aeronave adequada para fazer temer o PAIGC nas emboscadas e outros ataques de bate e foge.

Para resolver a lacuna na capacidade ofensiva, procurou-se adquirir variantes de F-86, construídas no Canadá. A Luftwaffe, da Alemanha Ocidental, tinha recentemente retirado a Canadair CL-13 Sabre Mk.6 substituindo-os por F-104. Ciente destas conversações, Washington mostrou-se inflexível e fez de lobby para impedir o seu uso na África portuguesa, e mesmo o Canadá manifestava relutância em satisfazer o pedido português: o Canadá recusou a venda apesar das garantias portuguesas que a aeronave “deveria ser utilizada em território português e estrita e exclusivamente em missões defensivas”. Ainda se pensou em afetar à Base de Bissalanca os F-86 sediados em Monte Real, mas considerou-se que tal medida abriria hostilidades com os EUA. A FAP procurou recorrer novamente à República Federal da Alemanha para remediar o seu défice de caças de ataque. Como parte de um acordo com Bonn, Lisboa negociou o uso da Base Aérea n.º 11 (Beja) à Luftwaffe. Adicionalmente, foi proposta a compra de novos caças leves Fiat G.91-R4 fabricados sob licença na Alemanha Ocidental. Tratava-se de uma aeronave originalmente destinada para a Grécia e a Turquia, fora rejeitada por essas nações que preferiam o design norte-americano, e foram oferecidos a Portugal a um preço vantajoso, acordado em 8 de outubro de 1965. Como parte do esforço de aquisição, denominado Projeto Feierabend, nove pilotos da FAP e um contingente de pessoal de manutenção foram tirar um curso na Alemanha, antes da chegada dos primeiros oito G.91. No final de março de 1966, as primeiras quatro aeronaves mandadas chegaram à Guiné por mar, e o no dia 6 de maio, o Tenente-Coronel Hugo Damásio testou o primeiro Fiat na Base Aérea n.º 12. Em meados do verão, 7 G.91 estavam já montados e um oitavo ficou ao serviço em novembro.

General Venâncio Deslandes, secretário-adjunto do secretário-geral da Defesa Nacional, ao tempo (Arquivo do Ministério da Defesa)
Espaldões da Base Aérea N.º 12 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Vista aérea da Base Aérea N.º 12 em meados da década de 1960 (Coleção de José Nico)
Um Noratlas pertencente à Esquadra 92 “Os Elefantes”, sediada em Angola (Coleção Chris England)
Um Dakota (Coleção Virgílio Teixeira)
Um P2V-5 Neptuno e um F-86 Sabre na Ilha de Sal, Cabo Verde (Coleção Touricas)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 1 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24930: Notas de leitura (1646): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VI: A maioria dos colaboradores eram militares e administradores coloniais, além de escritores