sábado, 31 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21500: Notas de leitura (1320): A festa do corpinho... (Jorge Cabral, "Estórias cabralianas", Lisboa, ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60)


Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap Zé Neto (1927-2007), o nosso primeiro grã-tabanqueiro a deixar a Terra da Alegria... 

Enquanto que as feministas da Europa, do pós-Maio de 1968, queimavam os seus sutiãs, símbolo do sexismo e opressão sexista, na Guiné, o supremo luxo, para as nossas queridas bajudas, era ostentar um corpinho (sutiã), como este que se vê na foto... Farto, largo, colorido... 

O Jorge Cabral foi o primeiro dos "régulos" da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...Um "corpinho" era "manga de ronco"

Foto (e legenda) © José Neto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Estórias cabralianas > A festa do corpinho...  (*)

por Jorge Cabral 

[, ex-alf mil at art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)]


O Marinho era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque, (a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito), o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado. 

O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores, (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca.

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a Tabanca, numa acção sócio–erótica, a qual consistia numa esfregação mamária às belíssimas bajudas. 

Habituado às bajudas mandingas, verifiquei experimentalmente a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito étnico-mamário.

Afim de me redimir, em Janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 38 corpinhos (sutiãs) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 38 sutiãs de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã. Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os sutiãs constituíam a minha única bagagem. 

Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei, mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo. 

In: Jorge Cabral - "Estórias Cabralianas". Lisboa: ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60 (com a devida vénia...). (**)
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 31 de outubro de  2020 > Guiné 61/74 - P21498: Notas de leitura (1318): "Estórias cabralianas", 1º volume, Lisboa, Leituria, 2020, 144 pp,, de Jorge Cabral... Prefácio de Luís Graça: "o charne discreto da humanidade ou a arma da irrisão contra o absurdo da guerra"

Guiné 61/74 - P21499: Os nossos seres, saberes e lazeres (419): Na RDA, em fevereiro de 1987 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Julho de 2020:

Queridos amigos, 

Foi na recolha de todos os materiais que guardei ao longo de décadas referentes à Bélgica, e no intuito de escrever o romance que não o foi, Rua do Eclipse, que encontrei dentro de uma capa que dizia Bruxelas um farto canhenho, abri e encontrei dezenas e dezenas de páginas de notas de uma visita efetuada à República Democrática Alemã em fevereiro de 1987.

Já conhecia Berlim, a Berlim dividida, que visitei em 1981, a RTP representava num festival um dos meus episódios televisivos de defesa do consumidor. Atravessei Checkpoint Charlie, fui obrigado a comprar vinte marcos da Alemanha Oriental, e no final do dia fui obrigado a converter esses vinte marcos num saco de maços de cigarros, deu jeito para prendas, entretanto visitei o fabuloso Museu de Pérgamo, a Galeria Nacional, a icónica torre de televisão em Alexanderplatz. Sempre sonhara visitar Dresden, Leipzig e Erfurt, a ocasião veio imprevistamente, num rigorosíssimo fevereiro percorri locais que me encantaram, e me deu facilmente para perceber que aquele regime de partido único estava a dar as últimas, mas estrebuchava com dinamismo, não escondi a boa impressão de ver os alemães da RDA sem barracas nem bairros miseráveis. 

E o passeio vai continuar.

Um abraço do
Mário


Na RDA, em fevereiro de 1987 (1)

Mário Beja Santos

Algures, em finais de outubro de 1986, ocorreu-me escrever para todas as embaixadas do denominado bloco socialista europeu pedindo-lhes informações sobre as políticas a favor dos consumidores em execução nos respetivos países. Recebi respostas de diferente teor, de um modo geral o diplomata que assinava a carta dava-me a saber que era missão do Estado proteger o consumidor nos preços dos géneros alimentícios e todos os bens de primeira necessidade, incluindo a habitação, os serviços de saúde e os educativos. E enunciavam-se os respetivos departamentos responsáveis pela supervisão destas legislações. Não havia associações de consumidores e os problemas ambientais era coisa inexistente, tratava-se de matéria a cargo de diferentes ministérios e das regiões. 

Dentro desta monotonia de respostas, destacava-se um farto documento vindo da Embaixada da República Democrática Alemã, onde se propunha uma conversa com um primeiro-secretário. Nada tinha a obstar, o que me interessava era perceber as diferenças entre as práticas associativas ocidentais e o modelo em curso na então CEE com as políticas do chamado socialismo real. 

Recebido com enorme afabilidade, em dado momento o primeiro-secretário anunciou-me que o Sr. Embaixador me queria conhecer, agradeci a honra e dirigimo-nos para o gabinete do diplomata. Mais afabilidade, notei que era um homem precocemente envelhecido, uma voz estranhamente modulada, ele viu nos meus olhos o que eu procurava esclarecer, e explicou-me que sofrera um tremendo AVC em Maputo, já como embaixador. 

Os minutos passaram, falámos de música e filosofia, do génio alemão em geral, de que sou indefetível admirador, e no termo da conversa o embaixador perguntou-me se eu aceitava o convite para visitar o desenvolvimento e o progresso na RDA, conhecer a política pacifista e ver com os meus olhos a importância dada à cultura. Aceitei o convite, acertou-se numa data, perguntou-me que cidades gostaria de visitar, falei-lhe de Berlim, que conhecera em 1981, Erfurt, Dresden, mas evidentemente estava recetivo a conhecer outras paragens.

E em fins de janeiro aterro em Berlin-Schönefeld, tinha intérprete e motorista à espera. Seguimos diretamente para Dresden, a temperatura muito abaixo do zero, neve por toda a parte, uma jovem intérprete encantadora, para conversar com Gerald era preciso que Petra traduzisse. Chegámos ao anoitecer, à boa maneira alemã Petra deu-me conhecimento do programa em Dresden. Na manhã seguinte, ao raiar da aurora, um tal Dr. Steiner apresentava-me Dresden e a Saxónia, a seguir um arquiteto, de nome Globisch, falaria sobre a reconstrução da cidade, que fora altamente devastada pelos bombardeamentos de fevereiro de 1945.

Pontualmente às oito da manhã, com um frio de rachar, fomos recebidos num escritório e tornou-se inequívoco, vendo estandartes e as fotografias dos altos dirigentes da RDA, que me seria dada informação histórica e política. Registei num caderno o que o Dr. Steiner entendia que eu devia conhecer. Que data de 1206 o primeiro documento que menciona Dresden colonizada pelo Suábios; no século XIV foi capital dos Vetinos; que no século XVIII, no período de Augusto, O Forte, que foi também rei da Polónia, se construíram o Zwinger e todas as joias barrocas merecem admiração mundial. 75% deste riquíssimo património foi destruído pelos bombardeamentos de fevereiro de 1945 em que morreram trinta mil pessoas.

E entram na conversa o arquiteto Globisch, que descreveu os programas de reconstrução iniciados em 1946, possuíam-se todas as plantas e fotografias da Dresden destruída, aproveitava-se a oportunidade para reconstruir aquele património único alterando as redes de tráfego, quer junto do rio Alba, quer no interior da cidade, quer melhorando a área pedonal. Projetava-se reconstruir o lado medieval do velho mercado, e que o convidado ilustre que vinha de Portugal soubesse que o 8.º congresso do Partido decidira em 1970 acelerar a construção de habitações de modo que na década de 1990 não houvesse uma família alemã na RDA que não tivesse um apartamento condigno. 

E choveram os números sobre as construções e reconstruções em Dresden, seguiu-se uma longa apresentação dos desafios postos aos projetistas, eu devia ir visitar o estado em que estava a Igreja das Mulheres e tomar nota de que a conceção urbanística estava absolutamente atenta às necessidades sociais, culturais e económicas do povo socialista. Despedimo-nos com largos sorrisos, recebi imagens e desejos de boa estadia.

A etapa seguinte foi o Museu da Higiene, confesso que gostei do que vi, o objeto fundamental desta entidade promotora de saúde e da cultura era a educação para a saúde em múltiplas vertentes, tais como o alcoolismo, o tabagismo, a planificação familiar e os estilos de vida saudáveis. E logo veio à baila os prodígios do atletismo alemão-oriental, os grandes nadadores; fizeram-se rasgadas referências às creches e jardins de infância, às campanhas na comunicação social, aos programas escolares dedicados ao nutricionismo. 

Esta promoção para a saúde, tal como me foi referida, contava com a cooperação de todas as regiões da República Democrática Alemã. Na altura, o Museu da Higiene preparava programas para cozinheiros nas cadeias hoteleiras e materiais para os estabelecimentos escolares. Havia já restaurantes onde era proibido fumar, a médica de Saúde Pública (fixei o nome de Helga) não deixou de referir que apesar de não haver publicidade, um terço da população fumava, e o mais preocupante era a alta percentagem de jovens e de mulheres. A estratégia antitabaco recusava o proibicionismo, centrava-se nos aspetos positivos das vantagens de não fumar. 

Passámos a visitar o museu, ouvia-se perfeitamente uma ranchada de crianças divertidas a ver figuras de seres humanos e animais em material plastificável, alguém explicava o corpo humano e o interior de uma vaca. O entusiasmo dos professores nestas visitas era tal que logo pediam que dali a dois meses voltassem e tivessem um novo programa. E foi-me dado conhecimento do trabalho de investigação e dos materiais divulgativos, fundamentalmente filmes de 35 mm, diapositivos e brochuras. Aquele material pedagógico que me tinha impressionado em material plastificável corria o mundo, era considerado altamente inovador.

Já passa das onze horas, o visitante não veio para se divertir, Gerald tem o carro à porta, vamos para os arredores de Dresden, para Radebeul, visitar a Planeta, uma empresa de vanguarda, aqui produzem-se máquinas de impressão a cores, maquinaria computorizada. Antes de partir, o visitante tem direito a um espesso café preto e a uma fatia de tarde de maçã. Vamos ao trabalho!

(continua)

Imagem de Dresden destruída após bombardeamentos maciços, fevereiro de 1945
Imagem do princípio da reconstrução da Igreja das Mulheres, em Dresden
Altar-mor da Igreja das Mulheres depois da reconstrução
Obra de um dos artistas iconográficos de Dresden, Bernardo Bellotto
Cartaz de 1911, já se anuncia a Arte Nova
Museu de Higiene da Alemanha
Os materiais pedagógicos mais populares do Museu da Higiene, percebe-se porquê

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21478: Os nossos seres, saberes e lazeres (418): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21498: Notas de leitura (1319): "Estórias cabralianas", 1º volume, Lisboa, Leituria, 2020, 144 pp,, de Jorge Cabral... Prefácio de Luís Graça: "o charne discreto da humanidade ou a arma da irrisão contra o absurdo da guerra"


O " alfero Cabral"... o mais "paisano" e "heterodoxo" dos comandantes que passaram pelo TO da Guiné...


... Até o Spínola um dia desabafou, no regresso à sua  visita ao destacamento de Missirá: "- Porra, que não é só o alferes!... Estão todos apanhados!"


Lisboa > Belém > 10 de Junho >  Sempre bendito entre as mulheres... Mas em Fá Mandinga e Missirá, em 1969/71,  ainda não havia camaradas do sexo feminino, em terra, no mar ou no ar! (,tirando meia-dúzia de enfermeiras-paraquedistas que tinham o estatuto transcendente de "anjos do céu" que vinham resgatar mortos e moribundos).

Fotos: © Jorge Cabral (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Prefácio: “Cabral só há um, o de Missirá, e mais nenhum”  (»)


por Luís Graça

Este bem podia ser o subtítulo, saudavelmente provocador, deste livro, se fosse imediatamente percetível, para o leitor de hoje, a referência ao antropónimo Cabral e ao topónimo Missirá…

Missirá ficava na “portuguesíssima província” da Guiné, “muito longe do Vietname”, hoje República da Guiné-Bissau, país independente, de língua oficial portuguesa. E Cabral não era o Amílcar, o senhor engenheiro e líder de um movimento nacionalista que combatia os “tugas”, mas o “alfero Cabral”, um personagem literário criado como um “alter ego” por Jorge Cabral…

Tal como muitos jovens da sua geração, o autor foi chamado para a tropa, ainda antes de acabar o seu curso de direito, e fez o caminho do calvário de muitos outros portugueses, milicianos ou do recrutamento geral (,sem esquecer os militares do quadro), acabando mobilizado para a então “guerra do ultramar”. (Estamos a falar do tempo em que o serviço militar era obrigatório e havia, desde 1961, uma guerra em três frentes, a milhares de quilómetros de casa.)

Alferes miliciano, “atirador de artilharia”, nascido numa família de militares, sob uma frondosa árvore genealógica que já dera à Pátria “muitos Cabrais e que tais”, não desertou como outros “meninos das Avenidas Novas”: foi comandar o Pelotão de Caçadores Nativos, nº 63, dividindo a sua comissão entre Fá Mandinga e Missirá, entre 1969 e 1971, no Leste da Guiné, Sector L1, Bambadinca.

No regresso à Pátria, foi advogado e docente universitário. E continuou a ser do “contra” mas… “sempre discreto”. Um dia, em dezembro de 2005, apresentou-se à Tabanca Grande, à “tertúlia” criada à volta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, nestes termos singelos:

“Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o ‘pícaro’ de alguns episódios que vivi.”

Foi o início da série “Estórias cabralianas”, seguramente uma das mais populares que tivemos o privilégio de publicar, e que foi muito bem acolhida pela crítica literária de então… Cite-se, por exemplo, Torcato Mendonça: “Só tu, meu caro Jorge, me embacias os óculos com o cloreto de sódio que me saíram dos olhos e molharam os ditos”…

E, de facto, ninguém melhor do que o “alfero Cabral” para nos fazer (sor)rir, ao descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, num parágrafo, numa legenda, uma situação-limite, uma fantasmagórica personagem de carne e osso, um hilariante ambiente de caserna, um garboso chefe militar da “tropa-macaca”, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo da nossa (co) vivência na guerra, enfim, uma cena rocambolesca, pícara, brejeira, relativamente à nossa passagem pela Guiné “em defesa da soberania portuguesa”.

Eu, que fui seu contemporâneo e camarada de armas, passei depois a ser fã das suas “short stories”, as “estórias cabralianas”, para mais sabendo que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na “linha de fronteira da guerra”, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos “milícias” locais, com a família às costas, os cães e os tarecos, e mais meia dúzia de graduados e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...

Intrinsecamente do “contra” e “antimilitarista” (ou não tivesse sido ele também um “menino da Luz”), o criador das “estórias cabralianas” não tem qualquer propósito panfletário de denunciar a “guerra colonial”, pôr em causa a gloriosa tradição da “honra & glória” dos nossos africanistas, ou sequer de “ofender a instituição militar”, tão apenas o de manifestar a saudável loucura, própria dos seres humanos que são “condenados” ou “postos à prova” em situações-limite, face à morte, o sofrimento, as privações, o absurdo, o “non-sense”, a irrisão de uma guerra de fim de império... E aquela guerra, naquele espaço e tempo, tinha tudo isso.

Mas as “estórias cabralianas” são, também, um hino à idiossincrasia (lusitana e africana), à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de resiliência, de imaginação e de adaptação da nossa gente...

O Jorge Cabral que, quanto estudante universitário leu o Ionesco e conhecia o teatro do absurdo, não coloca o seu “alter ego” na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça, dos adereços, do cenário, do texto e do contexto…

Devo dizer que Jorge Cabral foi o mais “paisano” dos militares que eu conheci na Guiné. Em Fá Mandinga e depois em Missirá, e sempre que ia a Bambadinca, não se limitava a ser um heterodoxo “tuga”, representante da tropa, oficial miliciano, ator e crítico ao mesmo tempo. Era também homem grande, pai, patrão, régulo, chefe de tabanca, conselheiro, psicólogo, ‘amigo do turra’, poeta, socioantropólogo, feiticeiro, ‘cherno’ (catequista), ‘mauro’ (padre), ‘médico (com a difícil especialidade de ‘obstetra e ginecologista’, “consertador de catotas”), sexólogo, advogado e não sei que mais.

À força de ser propalada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase “Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum” terá tido um efeito “contrassubversivo” e até “perturbador” nas “hostes do PAIGC”… Ao reivindicar ser ele "o único e legítimo Cabral", punha em xeque, o outro, o de Conacri, o "usurpador", que defendia os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão…

Chegou por certo aos ouvidos do temível Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, a sul do Morés, a tal ponto que no tempo do "alfero Cabral” não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá…

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas, canhoadas e roquetadas do IN (abreviatura de inimigo) do que Fá Mandinga, contava-se que o "alfero Cabral”, mais do que temido, passara a ser "respeitado" (e quiçá "venerado") pelos “camaradas do PAIGC”, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los: “Vocês não fujam, não tenham medo!!!... Sou o Cabral!!!”...

Eis, pois, um verdadeiro Lawrence das terras do Cuor, na Guiné!... Alguns dos seus amigos e companheiros de Bambadinca (aonde ele ia com frequência matar a sede) chegaram a recear que ele ficasse completamente ‘cafrealizado’ ou ‘apanhado do clima’.

O “alfero Cabral” nunca acentua o lado do “bestiário da guerra” que há no Homo Sapiens Sapiens, mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo... O único animal que, afinal, consegue esta dupla proeza: (i) ser capaz de rir-se de si próprio; e (ii) e mostrar, pelo outro, compaixão (no seu sentido etimológico cum + passio: sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor… e prazer).

O seu sentido de humor é muito próprio: nu, de tanga (uma toalha à volta cintura), e de G3 às costas, é uma figura impagável, que nos acompanha, de princípio ao fim, fazendo destas “short stories” pérolas literárias, que só podiam ser fruto de um espírito aberto, fraterno, pacifista, sadio, maroto, provocador, lúcido, irreverente, desconcertante, descomplexado.

A par da imensa tragédia que provocou (com perdas e danos, materiais e simbólicos, irreparáveis), a guerra da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, o “Caco Baldé”, os nossos camaradas, a população local)...

Por outro lado, Jorge Cabral é um dos poucos que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada, das nossas relações com as mulheres locais, sem nunca cair na “ordinarice de caserna”…

Veja-se, por exemplo, essa fabulosa estória, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole, em janeiro de 1970, a compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e oito sutiães de todos os tamanhos e cores, e que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas. Mas não se pense, malevolamente, que ele tinha um harém: simplesmente organizou “a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã”…

À laia de conclusão e incentivo para a leitura, acrescentarei este excerto de uma mensagem que em tempos lhe dirigi e que não perdeu nem acuidade nem atualidade:

“Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer... o pino!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o humorista-mor e outras figuras que tais, que em muito contribuíram para o fim do nosso longo, vasto e glorioso Império... O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor... Depois de te ler, um homem, um ‘tuga’, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a ‘tusa’... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá com ‘tomates’ para ir combater na guerra, nas próximas ‘guerras santas’ que se avizinham?!”...

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (**)


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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu") enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a II Parte.


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II 

Manuel Luís Lomba

Esse I Congresso de Cassacá constitui referência da evolução para a segunda fase da sua guerra revolucionária, e, também, marco organização e estruturante do PAIGC, estereótipo de Partido-estado-armado. Entre outras providências, Amílcar Cabral dividiu os combatentes em milícias guerrilheiras e em exército revolucionário (as FARP), o seu armamento e orgânica à imagem e semelhança dos regimes ditatoriais comunistas (oficiais executivos e oficiais comissários políticos), o seu núcleo duro enformado por ex-praças e ex-sargentos do Exército Português, na disponibilidade e desertores, formados no quartel de Santa Luzia, em Bissau, e no CIM, em Bolama, que mandara tirocinar na China, Rússia e Checo-Eslováquia, reorganizou o seu dispositivo territorial, explicitou um Código de Justiça Militar, a legalizar a pena capital, para eliminar as diferenças (dissidentes e desalinhados) e visando os seus compatriotas que se distinguissem ou tivessem distinguido ao serviço das forças militares e militarizadas portuguesas, já praticada na eliminação dos feiticeiros e noutros fatalidades, concluiu-o a presidir ao julgamento, a condenar e a mandar fuzilar alguns dos seus subordinados, acusados de comportamentos desviantes. 

Localização de Cassacá, na Região de Cacine, onde decorreu o I Congresso do PAIGC
© Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infogravura da Carta de Cacine 1:50.000

Amílcar Cabral ”libertara” tanta área, no entanto a “sua” capital esteve sempre instalada em Conacry), aqui redigiu um comunicado de guerra triunfalista da batalha do Como, que só a agência noticiosa France Press aceitou difundir (a Comunicação social francesa foi o grande porta-voz do PAIGC, talvez efeito da afinidade) ter causado 600 baixas aos actores da “Operação Tridente” e valorizou esse alarde com uma exposição de alguns despojos de material de guerra e de logística, focada nos destroços de 20 aviões abatidos. 

Sem correspondência com a verdade.

Essa “Operação Tridente” decorreu durante 72 dias, o Comando militar investiu nela 1150 homens e os três Ramos, houve 9 mortos, 15 feridos graves, 32 feridos ligeiros em combate e apenas um avião foi abatido, o bombardeiro T6, pilotado pelo Alferes José Manuel Pité; o PAIGC investiu 400 combatentes guineenses, um número não apurado de cooperantes estrangeiros, sofreu mais de 100 baixas, incluindo 3 comandantes, entre mortos, prisioneiros e feridos graves, tendo a tropa socorrido e evacuado 9 destes para o Hospital Militar de Bissau… 

Os destroços mais atractivos patentes nessa exposição eram de dois aviões T6, caídos muito antes dessa operação, por sinistro em manobra e não por danos em combate, um pilotado pelo Furriel Eduardo Casals, que não sobreviveu, outro pilotado pelo então Sargento-Ajudante Sousa Lobato, que foi capturado, levado prisioneiro para Conacry e libertado pela “Operação Mar Verde”. Os destroços pertencentes ao T6 do Alferes Pité não seriam apelativos, por Alpoim Galvão e os seus fuzileiros os terem deixado escaqueirados a trotil. 

Os bissau-guineenses continuam a pagar a factura das meias verdades e das grandes mentiras do PAIGC daquele tempo. 

Em alinhamento com o “politicamente correcto” e descartando a verdade dos factos e a multiplicidade de relatos na primeira pessoa dos actores “Operação Tridente” e de toda aquela guerra ultramarina, a generalidade da nossa Comunicação social, os autores domésticos, os militares da nova geração e os seus institutos perfilham as narrativas do PAIGC. Ou história contada por outros, versus parcialidade. 

As FARP criadas no I Congresso de Cassacá, infernizaram a vida e não raro superaram as clássicas e formais FA portuguesas em mobilidade táctica, em agilidade em eficiência, foram fazendo o seu caminho evolutivo e até as superaram na qualidade do armamento. O PAIGC aplicava esse Código de Justiça Militar, desde Janeiro de 1964, fuzilando opositores políticos e militares naturais capturados. 

Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático. 

O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC. 

Parafraseando o Padre António Vieira, o povo português em armas fez o preciso e a sua República fez o costume. 

Enquanto subvencionava a novel classe política, pelos seus mandatos, abrangente a refractários e desertores, a República Portuguesa ignorava e ostracizava o povo que deixou tudo, não negou o sacrifício das próprias vidas ao país, foi carne para canhão na Guerra do Ultramar, em cumprimento do seu dever de cidadania, `os nossos governantes demoraram mais de 40 anos, até à chegada do jornalista Paulo Portas a Ministro da Defesa, que, sem sequer ter assentado praça, conseguiu um “suplemento de reforma” de 130 € anuais para os combatentes europeus. 

Enquanto a República da Guiné-Bissau criou um Ministério dos Combatentes da Pátria, a República Portuguesa nem uma Direcção Geral. Por ironia das suas ironias, o destino uniu os ex-inimigos terríveis Alpoim Calvão, então empresário em Bolama e Nino Vieira, então PR da Guiné-Bissau, em defesa da extensão do direito ao subsídio de reforma dos bissau-guineenses, que serviram Portugal, como militares ou militarizados. 

A propósito da sua condecoração, o 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Soares Biscaia era um moço aprumado, competente e muito humano, partilhamos todas as operações de “intervenção” da CCav 703, excluindo a “Operação Tornado”, ao Cantanhez, e incluindo o sangrento evento de combate, cuja prestação lhe mereceu essa condecoração. 

A Companhia colocou rapidamente duas fiadas de arame farpado, escavou trincheiras e abrigos no perímetro interior do estacionamento. 

Ao princípio da madrugada de 25 de Janeiro de 1965, o “nosso” Capitão Fernando Lacerda delegou o comando do estacionamento ao Alferes Nuno Bigotes, Comandante do 1.º Pelotão, de que eu fazia parte, saiu ao comando do grupo de combate, formado pelo 2.º e 3.º Pelotões, como parceiro da CCaç 617, do Grupo de Comandos "Os Fantasmas" e do Grupo de Milícias de Catió na “Operação Alicate”. 

No dia anterior (soubemos mais tarde), Nino Vieira havia saído do seu santuário (em Quitafine?) no santuário do PAIGC no Cantanhez, com um bi-grupo a reunir-se na base de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino da Costa, outro tirocinado na China e um peso pesado da luta do PAIGC. 

Em Cufar Nalu formou um Corpo de Exército (efectivo equivalente a uma Companhia do Exército Portiguês, mas portador de maior potencial de fogo), manobrou-o à maneira de exército clássico, montou o cerco em meia-lua a essa nossa morada nas ruinas da fábrica de descasque de arroz, lançou dois ataques, tentou o assalto no segundo, decidido à nossa expulsão e captura. 

Porquê a prioridade de fazer prisioneiros? Amílcar Cabral fizera a cabeça dos seus comandantes de que a grandeza da vitória não era matar, era capturar e fazer prisioneiros e de que exército que mata prisioneiros perderá a guerra. 

Localização de Cufar e Cufar Nalu.
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infografia da Carta de Bedanda 1:50.000

Estava o nosso grupo de combate na sua progressão em “bicha de pirilau” e em “passo fantasma” por esse laranjal, fronteiro à testa da pista de aviação e de uma laranjeira caiu um vulto sobre o Tenente Capelão Lavajo Simões, que integrava a coluna a seguir ao Capitão Fernando Lacerda (rectifico o erro meu), disparou um tiro de pistola, este voltou-se e ferrou um tabefe naquele “coirão” que quebrara a surpresa da operação: não era um soldado seu, era um vigia da vanguarda do inimigo. E logo rebentaram um medonho tiroteio e explosões de armas ligeiras e pesadas, de tiro tenso e de tiro curvo. 

Pela seteira do meu abrigo via a saída de múltiplas faíscas dos canos das armas, lembraram-me os pirilampos numa noite de Junho, a referência do posicionamento dos nossos e do inimigo, estimei em 50 metros o distanciamento entre nós e entre eles, abri a nossa hostilidade com uma rajada de G3, logo secundada pela nossa metralha, o inimigo passou a dirigir o seu fogo em duas frentes, para o laranjal e para as ruínas da fábrica, a nossa metralhadora Breda, a bazuca e o morteiro activaram-se, pela minha “banana” (emissor/receptor HVS) informei o Alferes Bigotes desse cálculo. O abrigo do comando ficava no lado oposto ao meu e seguiu-se o lançamento de granadas do nosso morteiro de 81. 

O estacionamento tinha sido implantado em círculo, conforme as NEP, dividido em dois meios círculos, de um lado referenciado pelo caminho de acesso à pista de aviação, de outro pelo caminho de acesso ao cais do rio Meterunga. 

Eu pertencia a esse 1.º Pelotão, a minha e as outras duas Secções ficaram desde o início posicionadas em frente ao alçado principal das ruínas da fábrica, separados da orla da mata de Cufat Nalu por um campo aberto de pouco mais de 1 km, o Alferes Bigotes mudou-se para o posto de comando, passei a substituí-lo nessa frente e a segundo mais graduado operacional do estacionamento, porque o Alferes João Sequeira era médico. 

O Furriel Santos Oliveira, nosso camarada tabanqueiro, viera trazer-nos adidos um morteiro de 81 e a sua Esquadra, do seu Pelotão de Morteiros 912, batalhador na ilha do Como e em Jabadá, situara o seu espaldão junto ao Posto de Comando, e, nessa circunstância, a defesa dessa frente foi cometida aos cozinheiros, padeiro, faxinas, escriturário, enfermeiro, maqueiros, mecânicos, transmissões, condutores e desempanadores, o comando directo exercido pelo Furriel O´Connor Shirley da CCS, um sapador adido a nós. 

Passado algum tempo, tiroteio e rebentamentos passaram a intermitentes, entendeu-se que retirada do inimigo, a “banana” avisou-me que o grupo combate do laranjal rastejava de regresso, cumpriu-me rastejar de abrigo em aviso a espalhar esse aviso e postar-me junto ao cavalo de frisa, para trocar o “santo e a senha” com a sua vanguarda, calculei e indiquei duas das mais prováveis rotas de retirada do inimigo aos briosos apontadores dos morteiros e da bazuca, que logo diligenciaram o lançamento de granadas, para lhes “acelerar o passo”. 

Estava a malta a rastejar do laranjal para chegar ao cavalo de frisa, o inimigo retomou os rebentamentos e tiroteio, ora posicionado em meia-lua no lado do alçado posterior dos edifícios em ruínas e as suas RPG puseram logo fora de combate o nosso morteiro de 81 e a sua Esquadra, com as suas granadas foguete. O 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Biscaia deixou o abrigo, percorreu o campo aberto, indiferente a projécteis e rebentamentos, começou por carregar o 1.º Cabo Gregório da Silva Lopes, já cadáver, seguiram-se os três municiadores gravemente feridos, um a um, deixou-os na tenda enfermaria, aos cuidados do Alferes Médico Dr. João Sequeira, regressando ou ao seu posto de combate todo ensanguentado.

 O inimigo ousou cortar primeira fiada de arame farpado, iniciou a tentativa de assalto, e ele, o Furriel Shirley e outros saltaram para os tectos de cibes dos seus abrigos, estiraram-se a disparar, o Alferes Bigotes (também condecorado) a exercer o seu comando, com a sua habitual calma olímpica. A malta do laranjal começou a retomar suas posições e o inimigo foi rechaçado pelo novo potencial de fogo. 

O objectivo do inimigo era ocupar o nosso lugar, o seu comando apercebera-se da fragilidade de defesa daquele lado e da eficiência do morteiro de 81 – a nossa única arma pesada de tiro curvo (éramos atacados com dois de 82) – e o abrandamento e a intermitência do seu fogo não fora indicador de retirada mas da sua rotação para essa posição. 

Não tivemos acesso ao plano e à ordem dessa “Operação Alicate”. O certo é que a CCaç 617, o Grupo de Milícias de Catió e o Grupo de Comandos "Os Fantasmas" montaram emboscadas nos três eixos de retirada dos nossos atacantes, um bi-grupo (talvez o comandado pelo Manuel Saturnino da Costa) caiu na emboscada dos Comandos – e 8 deles ficaram na “zona de morte”, não regressaram vivos às bases da mata de Cufar Nalú ou de Quitafine. 

Sofremos um morto, sete feridos graves e mais alguns ligeiros. Ao primeiro clarear da manhã, o chão do estacionamento apresentava-se pejado de covões dos rebentamentos proliferavam pelo estacionamento, os cozinheiros fizeram e distribuíram um caldeiro de café, o ar fatigado e silêncio da tristeza imperavam, o Furriel Manuel Simas saiu com um grupo de combate a fazer o reconhecimento, deu contas de manchas de sangue e de grande quantidade de invólucros de calibres 7,62, 9 e 12,7 mm. Fomos cercados e atacados por cerca de 70 combatentes e alvos de impactos de PPSH (costureirinhas),de Kalash´s, de duas RPG, de 2 morteiros de 82 e de 2 super-metralhadoras. Tínhamos vivido uma eternidade de 2 horas sob o fogo dos infernos. 

O mesmo grupo de combate foi fazer a segurança à pista, eliminou um espião, e, ao fim da manhã e pela primeira vez, desde a sua construção, em 1955, um Dakota aterrou na pista de Cufar, com reabastecimentos da intendência, de munições e para evacuar o morto e os feridos. 

O Grupo de Comandos Os Fantasmas e o Grupo de Milícias de Catió vieram partilhar o rancho do almoço connosco, oportunidade de conhecer os lendários Tenente Maurício Saraiva, o Marcelino da Mata, os malogrados Alferes de segunda linha João Bacar e Teófilo Sayeg (futuro capitão do futuro MFA, que o PAIGC fuzilará) e abraçar o amigo, camarada e tabanqueiro João Parreira, amizade nascida no Café Bento e consolidada à mesa Restaurante Tropical, com os pés debaixo da mesa… 

Dos protagonistas de Cufar, do nosso lado faço a evocação da memória de Nuno Bigotes, Manuel Simas, José Biscaia, Maurício Saraiva, João Bacar e Teófilo Sayeg, já não estão entre nós; do lado do PAIGC apenas o Manuel Saturnino da Costa será vivo. 

Tivemos algo de responsabilidade pelo durante da guerra; nada tivemos de responsabilidade pelo seu finalmente. 

Camaradas da “Operação Tridente” e da saga de Cufar houve desenvoltos na arte da guerra e da pena, combatentes e plumitivos, cito de memória Armor Pires Mota, Mário Fitas e António de Graça Abreu (os omissos que me desculpem), e permitam-me não dar o ponto sem nó: envio o meu livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu", ao preço de 13 €, os portes (e autógrafo) incluídos, basta encomendar para a: manuelluislomba@gmail.com

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Nota do editor

Poste anterior de 29 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

Guiné 61/74 - P21496: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (25): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
Os documentos que Paulo Guilherme envia para Annette Cantinaux, exatamente no momento em que ela embarca para Lisboa (passarão as férias de Natal juntos) prendem-se com um dos períodos mais dramáticos da sua comissão: novos sinistros, o sentimento de injustiça daquela punição acompanhada de dois louvores, agora vai a caminho de Bissau, será operado a uma exostose no joelho direito, cambaleia cada vez mais com o sofrimento. O guarda-costas surpreende-o, irá acompanhá-lo até Bissau, quer que não lhe falte nem uma garrafa de água nem as bananas, repetirá em 1995 tal procedimento. Há oito meses que não vai a Bissau, nem pode imaginar que no mesmo dia em que sair do Hospital Militar n.º 241 a ele regressará, de coração contrito, para visitar os feridos de uma flagelação que encheu de cinzas Missirá.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (25): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon amoureuse, amanhã, uma belíssima mulher belga, a Estrela da Manhã da minha vida, chega à minha terra para fazer brilhar a nossa festa natalícia, para brindarmos ao nosso futuro. A arrumar papéis para te enviar (já na tua ausência chegarão à Rua do Eclipse) a sequência dos acontecimentos daquela desastrosa operação que vitimou Fodé Dahaba, encontrei por mero acaso a citação de um poema de Chico Buarque de Holanda que tinha a ver seguramente com um estado de solidão que atravessava a minha vida no Cuor e relendo-a senti algo semelhante ao que era a minha existência antes de tu, providencialmente, te teres atravessado no meu caminho: “Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado… isto é circunstância. Solidão é muito mais do que isto. Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma”.

Na verdade, minha adorada Annette, agora que te dás ao trabalho, quase de tear, de juntar todas estas peças de um jovem que desembarcou em Bissau com dois caixotes monumentais com livros e discos de vinil e gira-discos, parecia que andava com a casa às costas, mas no fundo era um processo de continuidade, uma sequência natural entre passado e presente, os meses vão passando, afeiçoou-se à sua gente, dá-se muito mal com aquela burocracia obtusa e a encenação ríspida de alguns dos seus superiores, no caso daquela desastrada operação pediu repetidas vezes ao tal major de operações que lhe parecia não ter pés nem cabeça pôr uma fila de 300 homens quando havia dois objetivos a alcançar, se acaso se alcançasse um o outro estaria fora de questão, ter-se-ia perdido a surpresa, era uma lógica com que o seu superior não atinava, e ele continuava a insistir que uma Companhia reforçada podia avançar a partir de Mato de Cão ou por Chicri até Madina, a outra Companhia, onde ele se integraria, iria a partir de Missirá para atingir a base de Belel. Fizeram vista grossa dos seus argumentos, toda aquela tropa chegou tarde e a más horas, completamente exausta pela cambança, por palmilhar aos tombos na bolanha de Finete, cada vez que este episódio se lhe aflora à mente é um travo de fel. Mas vamos prosseguir.

Logo a seguir àquela operação desastrosa, como te disse, fomos recuperar o armamento extraviado, ao entregá-lo em Bambadinca, assim de supetão, como se de castigo se tratasse, fui informado que ia participar numa operação na região de Mansambo, o mesmo major que sonhara com a destruição de Madina ordenava agora, com secura, que me apresentasse no dia seguinte, ao princípio da tarde, seguiria em coluna militar para Mansambo. Passando pela enfermaria, recebo o relatório médico para ir ser operado a Bissau, sigo para a secretaria para pedir guia de marcha, com data a partir do regresso de Mansambo. Em Missirá, ponho alguma ordem nos meus trastes, meto livros espalhados no baú, depois de lhes sacudir o pó, contando sempre com a extrema afabilidade e ajuda do meu guarda-costas, Cherno Suane. Primeiro os livros, depois os discos. Prepara-se um saco de roupa, a inevitável farda n.º 2 para me apresentar em Bissau, os artigos de higiene, mudas de roupa interior, um punhado de leituras. Toda esta atividade nas arrumações me faz bem, recordo onde e como comprei aquele livro, onde e como ouvi aquele quarteto, concerto ou sinfonia a que prontamente aderi, é com ternura que afago a correspondência de quem amo, por acaso nesse dia chegaram cartas e aerogramas de Lisboa, de dois pontos de Moçambique, imagine-se, de dois antigos soldados açorianos, recebi incitamentos, apelos à coragem, já comuniquei que me deram dois dias de prisão simples e em simultâneo louvores.

Adorada Annette, aqui segue a documentação que guardei da Operação Fado Hilário, tratava-se de sair de Mansambo e percorrer uma antiga base do PAIGC em Galoiel, não muito longe daquele rio Corubal que mais abaixo passa junto ao Xitole. Recordo acima de tudo o cuidado com que o Capitão Laranjeira Henriques explicou ao detalhe o que se pretendia com a operação e como faríamos o percurso. Será a primeira vez que irei entrar num acampamento de guerrilha abandonado. Ouviremos ao longe tiros de caçadores, no regresso teremos sorte em fugir a um ataque de abelhas. Enfim, um patrulhamento sem incidentes, regressaremos tarde, só na manhã seguinte nos poremos ao caminho para Bambadinca. É então que eu sinto uma exaustão profunda, a necessidade de me isolar um pouco, peço licença para depois do jantar ir para o abrigo, o Chico Buarque parece estar a esporear-me, a convidar-me para um volteio lírico, habituei-me a não ceder a um poetar que é epidérmico, sinto que é pouco sincero. Mas naquele momento eu não resisto, parece que tenho dentro da cabeça os gritos daqueles dois sinistrados, que aquela explosão parece que aconteceu há momentos, estou atarantado, busco o meu caderninho de apontamentos e passo ao papel a lamechice dos meus versos: “Os meus feridos são uma perene voz ululante, uma súplica sem remédio dentro da floresta fechada, os seus gritos esvanecem-se em abóbadas de gás, como se houvesse um concerto polar. Não sei o que fazer à minha solidão, ela ribomba dentro deste espaço protetor num aquartelamento militar, reprime um grito e é para ti minha mãe que eu garatujo a pedir amparo, nos estreitos dos teus braços. Tu és a minha primeira testemunha e a minha ancestral companhia. És a gávea de onde o marinheiro grita terra à vista”. E então não consigo reprimir a comoção, toda aquela mágoa sem qualquer direção, é um choro convulso dentro daquele espaço silencioso. E adormeço, durmo como uma pedra.

Regresso sem novidade a Bambadinca. Tenho guia de marcha e um voo a meio da tarde em Bafatá para Bissau. Despeço-me dos dois furriéis que ficam com farta agenda de cometimentos, não haverá patrão ausente e feriado na loja. Quando me preparo para me despedir do Cherno, ele olha-me de frente, e diz sem hesitar: “Ainda não lhe disse, mas vou de férias para Bissau, sigo amanhã numa embarcação, depois levo-te água e bananas ao hospital. O guarda-costas anda sempre com o alfero”. Imagina tu, adorada Annette, que em 1995 fui operado a uma hérnia discal e uma das primeiras visitas foi a do Cherno, eu conseguira preparar as coisas para ele vir até Lisboa quando trabalhei como cooperante na Guiné em 1991. Veio, foi a uma junta médica que lhe reconheceu as sequelas de um duplo traumatismo em consequência de uma mina anticarro, teve direito a uma pensão, e trabalhava numa loja de eletrodomésticos na Praça de São Paulo, junto do Cais do Sodré. Estou a dar-te estes pormenores porque gostaria que os dois o visitássemos, sei muito bem que ele se sentirá feliz em te conhecer.

Já entrei no Dakota, subimos aos céus e eu vou bisbilhotando todo aquele coberto florestal e os meandros do Geba, o avião inflete para Bissau, saio com a mala na mão e apanho aquele bafo de estufa e sinto prontamente aquele cheiro onde se conjugam resinas de árvores e gafanhotos mortos. Tenho direito a uma boleia de jipe e vou para Santa Luzia, amanhã de manhã serei visto pelo ortopedista, oxalá que a operação exija pouca convalescença e sobretudo que me tire as dores que me tolhem os movimentos da perna direita. E amanhã mesmo espero abraçar o meu querido Fodé Dahaba, o que eu ainda não supus irá acontecer: quando sair deste hospital devidamente tratado a ele regressarei apressadamente para visitar os meus feridos de uma terrível flagelação que irá devastar, deixar em cinzas, muito mais de metade de Missirá.

(continua)

Bafatá, avenida principal com igreja-matriz, 1950. Foto de Ana Vaz Milheiro, 2011, com a devida vénia
O deslumbramento da floresta do Cantanhez
Na Lagoa de Cufada, imagem da Sic Notícias, com a devida vénia
O fascínio da água e da multiplicidade de verdes
Cais do Pidjiquiti, 1968, Diogo Gomes parece estar a receber os recém-chegados, ao fundo o Ilhéu do Rei
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21477: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (24): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21495: Agenda cultural (760): lançamento original, "on line", a partir do Jardim Constantino, ontem 5ª feira, do livro do Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas" , 1º volume. Disponível na Livraria Leituria.




1. Mensagem do editor  José Almendra,  com data de hoje, às 14:08:


Boa tarde Dr. Luís Graça,

Conforme combinado, junto enviamos link para fazer o download do vídeo ou, se preferir, pode usar o link do vídeo para o FaceBook do Dr. Jorge.

Uma vez que não existem condições para realizar uma sessão de apresentação, em sala, o editor e o autor optaram por este um pequeno vídeo de apresentação.

Link do Facebook:

Vídeo (17' 27''), de apresentação do livro "Estórias Cabralianas", no Jardim Constantino, Lisboa > 


 (O vídeo começa com um excerto da canção "Pedaço de Céu"... Com a devida vénia à grande artista que é a Mafalda Veiga)

Envio também em anexo banner com informação do local de venda, a livraria Leituria.

Disponível para qualquer ajuda ou dúvida, cordialmente.

José Almendra


2. O livro, de 144 pp., já está disponível para venda, tanto na livraria, quanto "on-line". 

Compra "on-line" em www.leituria.pt, o preço de capa é 10,00€, mais 0,90€ de expedição. Pode ser pago por multibanco, transferência, PayPal, etc.



Capa do livro

Descrição:

“Cabral só há um, o de Missirá, e mais nenhum.”

Este bem podia ser o subtítulo, saudavelmente provocador,deste livro, se fosse imediatamente percetível, para o leitor de hoje, a referência ao antropónimo Cabral e ao topónimo Missirá…

Missirá ficava na “portuguesíssima província” da Guiné, “muito longe do Vietname”, hoje República da Guiné-Bissau, país independente, de língua oficial portuguesa. E Cabral não era o Amílcar, o senhor engenheiro e líder de um movimento nacionalista que combatia os “tugas”, mas o “alfero Cabral”, um personagem literário criado como um “alter-ego” por Jorge Cabral…

Tal como muitos jovens da sua geração, o autor foi chamado para a tropa, ainda antes de acabar o seu curso de direito, e fez o caminho do calvário de muitos outros portugueses, milicianos ou do recrutamento geral (sem esquecer os militares do quadro), acabando mobilizado para a então “guerra do ultramar”. (Estamos a falar do tempo em que o serviço militar era obrigatório e havia, desde 1961, uma guerra em três frentes, a milhares de quilómetros de casa.) 

Guiné 61/74 - P21494: Memoriais Militares (1): Diáspora açoriana na América: contactos de veteranos da guerra do ultramar e da guerra do Vietname (José Câmara, Raynham, Massachusetts)



Capa do livro 

CABRAL, Adalino e DIAS, Eduardo Mayone (org.), "Das guerras africanas à diáspora americana", Rumford, East Providence, Rhode Island, USA: Peregrinação Publications, 2002. Foto da capa: Fur Mil Manuel Adelino Ferreira. Norte de Angola, 1966.




Estados Unidos > Massachusetts > Raynham > 2019O João Crisóstomo (à esquerda) e eu na minha casa


Foto (e legenda): © José Câmara (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Cãmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73); tem cerca de 120 referências no nosso blogue; 


Date: quinta, 29/10/2020 à(s) 00:35
Subject: Memoriais Militares (*)
 

Amigo Luís Graça,

Anos atrás,  eu estive no lançamento de um livro escrito pelos Srs Adalino Cabral, um veterano da Guerra do Vietname, e Eduardo Mayone Dias. Sei que têm algumas publicções sobre a Guerra do Vietname. Não tenho os seus contactos, mas quero acreditar que o nosso companheiro Serra Vaz (*) pode conseguir isso com a seguinte informação:

"Adalino Cabral: Emigrou criança para os Estados Unidos, em 1954. É veterano da guerra do Vietname.
Os mesmos autores, ele e o Eduardo Mayone Dias, haviam  anteriormente publicado a obra "Portugueses na guerra do Vietname".

Apurei que o Eduardo Mayone Dias é professor e investigador. natural do continente, vive em Los Angeles; e que o Adalino Cabral é natural da Feteira Grande, Nordeste, S. Miguel.  

Os mesmos autores haviam anteriormente publicado a obra "Portugueses na guerra do Vietname". 

Da nota introdutória do livro, cuja capa acima se reproduz: 

"As guerras de África vimo-las de longe e com diferentes perspectivas. Um de nós, Adalino Cabral, passou parte desses anos ele mesmo no mato, mas no Vietname. O outro, Mayone Dias, andava em 1961 pelo México e depois, até 1974 pela Califórnia. Em ambos os casos as notícias de África só muito esporadicamente nos chegavam (...). O que ambos pretendíamos obter era um relato pessoal da experiência de campanha, as impressões do contacto com o novo ambiente físico e emocional, um possível contraste entre as atitudes de ontem e de hoje" (...)

Com a ajuda do nosso saudoso amigo e camarada, e grande açoriano,  Carlos Cordeiro (1946-2018), sabemos que o livro se baseia, portanto, na recolha de depoimentos de veteranos da Guerra do Ultramar que emigraram para os Estados Unidos. Dos dezassete entrevistados, onze são naturais dos Açores, um estabelecido na Califórnia e os restantes no Massachusetts.

São os seguintes os entrevistados açorianos (nome / ano de nascimento / local, ilha / teatro de operações

- César Serpa  / 1941 / ico da Pedra, S. Miguel / Moçambique. 

- David de Sousa Bairos / 1947 / Sto. Espírito, Sta.Maria / Guiné.

- Fernando Amaral Dutra / 1932 / Madalena, Pico / Guiné; Timor.
 
- Floriano Jorge Resendes de Medeiros / 1950 / Lagoa, S. Miguel / Moçambique.

- Gilberto Manuel de Moura Sousa / 1951 / Vila do Porto, Sta. Maria / Moçambique.

- Horácio Botelho Tavares / 1947 / S. Roque, S. Miguel / Angola.

- Jaime Soares da Costa / 1947 / Santa Maria / Guiné.

- José Natalino Cardoso / 1942 / Ponta Delgada, S. Miguel / Angola.

- Manuel Adelino Ferreira / 1942 / Ribeira das Taínhas, Vila Franca do Campo, S. Miguel / Angola.

- Mário Jorge da Costa Borges / 1946 / Ponta Garça, Vila Franca do Campo, S. Miguel / Moçambique.

- Vasco Manuel Correia de Matos / 1953 /  Serreta, Terceira / Angola.

Eu estive presente no lançamento deste livro no clube Os Amigos da Terceira, Estado de Rhode Island. Se a memória me serve bem, o Sr. José Brites, um grande admirador e impulsionar das coisas portuguesas por estes lados, terá a disponibilidade para servir quem dele se aproximar. Nesse sentido aqui fica o que consegui: 

José Brites
Peregrinacao Publications Inc 
36 Brayton Avenue 
Rumford, RI 02916 - View MapPhone: (401) 435-4897
Web: www.portuguesefoundation.org 
 
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de;

Guiné 61/74 - P21493: Notas de leitura (1318): "Guia turístico: À descoberta da Guiné-Bissau", 2ª ed., 2018, 176 pp. Uma notável iniciativa da ONGD Afectos com Letras, com apoio da União Europeia.



Capa






Contracapa


À descoberta da Guiné-Bissau : guia turístico / Joana Benzinho, Marta Rosa ; il. Jorge Mateus, Nuno Tavares. 2a ed. rev. e atualiz. [S.l.] : Afectos com Letras, 2018, 176 pp- ISBN 978-989-20-6252-5.


Disponível em pdf, em 4 versões (em português, inglês, francês e espanhola). Descarregar aqui a versão portuguesa:

Versão portuguesa - Guia Turístico: À Descoberta da Guiné-Bissau

 
A 2ª edição, revista e aumentada, deste belo livro, escrito a quatro mãos, foi lançada em março de 2018, e apresentada em Bissau em 10/5/2018. É um edição da ONGD Afectos com Letras ( que tem sede em Pombal), com apoio da União Europeia. Esta ONGD tem já mais de dez referências no nosso blogue.

Sobre o "making of" do livro, vale a a pena reler ou reler uma crónica da sua primeira autora, Joana Benzinho, publicada na "Bird Magazine", na devida altura. É também um convite para os nossos leitores descarregarem o livro, em formato digital, lerem-no, divulgarem-no e fazerem chegar, ao nosso blogue, algumas notas de leitura ou simples comentários. (**)

Para alguns dos nossos leitores vai permitir o regresso a lugares (vd. índice alfabético do livro) que ficaram, com marcas indeléveis, na sua memória da guerra, desde Bambadinca a Buba, passando pelo Boé, ou desde Mansoa a Gabu, passando pelo Saltinho e Guileje ... Para outros, pode ser um sugestão para uma viagem... "on line" à Guiné-Bissau, que tem hoje o triplo da população do nosso tempo, mais de 1,5 milhões de habitantes, metade dos quais têm menos de 18 anos, Existem entre 27 e 40 grupos étnicos.

E há lugares de que ouvimos falar pela primeira vez... É o caso de Nhampassaré (p. 101):

(,..) "Nas imediações de Gabú, é possível visitar as Grutas de Nhampassaré, onde se encontra reunido um património de valor arqueológico e natural notável. Aqui, podemos ver as referidas grutas ocupadas pelo homem pré-histórico com alguns vestígios de gravuras e formações em quartzito com várias formas de erosão produzidas pela natureza, nomeadamente com formas colunares. A gruta e as pedras gigantescas de Nhampassaré são, de facto, uma fascinante obra natural e terão sido habitadas pela primeira vez na época do neolítico. Neste local, também existe um santuário muçulmano, onde é comum as pessoas fazerem pedidos." (...)

Ficamos a saber também que, de acordo com o censo de 2009, os grupos étnicos com maior expressão na Guiné-Bissau, são os Fulas (28,5%) que vivem essencialment no leste do país (Bafaté e Gabu), seguidos dos Balantas (22,5%)) que se encontram principalmente na região Sul (Catió) e Norte (Oio), e dos Mandingas (14,7%), que vivem no Norte do país. Em 4º e 5º lugares, vêm os os Papéis (9,1%) e os Manjacos (8,3%). Balantas, Papéis e Manjacos são essemcialmente povos ribeirinhos.

Os indicadores de desenvolvimento mostram que praticamente metade da população (48,9%) da população vive em condições de extrema pobreza, com menos de $1,25 dólares por dia. Só 13% falam português, a língua oficial, a par do crioulo (que só 60% entende)...Há cerca de 20 línguas locais, fazendo a Guiné-Bissau uma autêntica Babel... Além da sua diversidade cultural, é um país, com uma espantosa biodiversidade, tendo em conta o seu diminuto tamanho (o equivalente ao nosso Alentejo). Basta referir, por exemplo, que estão identificadas mais de 370 espécies de aves, Tem 5 (cino!) parques nacionais... Infelizmente, na agricultura, continua a predominar a monocultura do caju (, que sucedeu à mancarra colonial), e de cuja exportação a Guiné Bissau está dependente: representa mais de 90% das exportações, mais de 60% do PIB e cerca de 17% das receitas fiscais...

Em suma, um país que nso diz muito e que vale a pena conhecer, visitar ou revisitar... E o turismo, se sustentável, pode ser uma alavanca para o tão necessário e desejável desenvolvimento integrado, que continua a ser uma miragem desde a independência, em 1974.

No entanto, com os problemas de saúde que já têm ou começam a ter os antigos combatentes portugueses que lá estiveram entre 1961 e 1974, torna-se cada vez menos exequível (e recomendável) um regresso (feliz e seguro) à terra onde passaram dois anos das suas jovens vidas, agora em "turismo de saudade".

Há regiões da Guiné, como por exemplo, o Boé ou quase todas as ilhas do arquipélago dos Bijagós onde é extremamente difícil (e caro) chegar. E os preços que as agências de turismo praticam ainda são incomportáveis para as nossas bolsas. Vamos ver, daqui a uns meses, as ofertas turísticas pós-pandemia Covid-19.

Mas àparte as acessibilidades, o país não pode oferece ainda, ao turista estrangeiro, grandes garantias de apoio sanitário, em caso de acidente ou doença súbita... O hospital mais próximo é... Dacar, no Senegal. E as infraestruturas hoteleiras são extremamente rudimentares...

A primeira edição deste guia é de 2016. Alguns reparos nossos foram corrigidos (*). E esta 2ª edição é altamente meritória e profissional, com excelente ilustração e boa execução gráfica. Merece seguramente uma leitura, mais crítica e atenta, da nossa parte, numa próxima oportunidade. Joana Benzinha, uma "mulher de armas", mas também dotada de uma grande sensibilidade sociocultural e ecológica, explica aqui o impacto que teve, na sua vida, a primeira descoberta da Guiné-Bissau em 2008. (LG)


GUINÉ-BISSAU: A VIAGEM DA MINHA VIDA

por Joana Benzinho


[Com a devida vénia à autora e ao editor...)

Aterrei pela primeira vez na Guiné-Bissau em Agosto de 2008, com muita chuva , para duas semanas de férias que iriam moldar o meu futuro e levar à criação da ONG Afectos com Letras que tem levado a cabo um trabalho intensivo na área da educação, no apoio às mulheres e na criação de bibliotecas por todo o país.

E foi nessa condição inicial de turista que conheci a enorme dificuldade em encontrar informação sobre as características económicas, sociais, culturais ou geográficas do país. 

Depois de uma busca demorada por livrarias em Portugal e na Bélgica acabei por encontrar no Amazon um guia dos anos 90, completamente desfasado da realidade do país que passou por momentos difíceis com uma guerra em 1998 que o desvirtuaram de algumas das suas características arquitectónicas mas não ao abalaram a sua fabulosa biodiversidade.

Surgiu assim em 2015 a possibilidade de passar para o papel o muito que palmilhei e conheci na Guiné-Bissau, numa parceria com a União Europeia e em co-autoria com a Marta Rosa em nome da Afectos com Letras. Este Guia Turístico, a quem demos o nome “À descoberta da Guiné-Bissau” veio colmatar uma falha sentida por quem queria visitar a Guiné e permitiu também aos próprios guineenses conhecerem o seu país de uma forma mais aprofundada.

A procura da primeira edição, de Fevereiro de 2016, superou todas as nossas expectativas e cruzou fronteiras e oceanos. Fomos contactadas desde o Brasil, a Cuba, Alemanha ou Suécia por pessoas interessadas no guia. Chegou a vários países como presente oficial em visitas de Estado, o que muito nos honrou. E isso é sintomático da falta que fazia e do interesse que suscitou. 

É um trabalho que nos fez correr centenas de quilómetros e outras tantas milhas em busca do mais interessante para dar a conhecer deste maravilhoso país que é a Guiné-Bissau. Posso dizer que foi esta “A Viagem” da minha vida.

Agora, dois anos passados, o guia caba de regressar numa segunda edição revista e atualizada, apresentada esta semana em Bissau.

A Guiné-Bissau tem variados recursos que podem ditar uma mudança positiva no seu futuro e um turismo sustentável é claramente um deles. Foi precisamente isso que tentámos trazer até ao leitor, o melhor deste país berço de uma biodiversidade fabulosa e detentor de um arquipélago de quase 100 ilhas onde a palavra paraíso encontra a sua definição e o seu conteúdo.

Este Guia serve vários propósitos e públicos que vão desde o turista clássico, ao investidor que procura informação sobre o país, passando pela simples curiosidade de quem quer aumentar a cultura geral sobre as suas características ou para dar a conhecer aos guineenses, residentes no país ou na diaspora, as belezas que a Guiné abriga.

O Guia Turístico “À descoberta da Guiné-Bissau”, está disponível em papel nas versões portuguesa, inglesa e francesa e pode também ser descarregado gratuitamente nestas três versões e ainda na versão espanhola.

A quem não conhece este paraíso, fica a sugestão de um passeio pelas páginas do livro. Quem sabe se uma viagem até Bissau não mudará a vossa vida, como mudou um dia a minha, já lá vão nove anos.

Joana Benzinho

[ Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra, Diplomada em Direito Europeu pelo Institut d'Études Européens - Université Libre de Bruxelles e Diploma da Academia Diplomática Europa e pelo Institut Européen des Relations Internationales. Assessora Parlamentar no Parlamento Europeu desde 1999. Fundadora da Associação Afectos com Letras, criada em 2009 e professora de informática de emigrantes portugueses na Bélgica em regime de voluntariado desde 2004. "A minha casa é a minha de viagem", vd. a sua página no Facebook ]


2. Amostra (por ordem alfabética)  de projetos financiados pela União Europeia (entre 201o e 2020), e citados no "guia turístico":

O guia turístico não podia deixar de referir, com algum detalhe, os diversos projetos de desenvolvimento apoiados com o dinheiro dos contribuintes europeus, entre 2010 e 2020. É uma amostra:

Áreas Protegidas e Resiliência às Mudanças Climáticas, regiões de Quinara, Tombali,Gabú, Bafatá, Cacheu, Bolama-Bijagós: c. 3,9 milhões de euros (p.  27);

Bafatá Misti Igua, Bafatá, c. 880 mil euros (p. 89);

Bambadinca Sta Claro  – Programa Comunitário para Acesso a Energias Renováveis, Bambadinca: c. 1,6 milhões de euros (p. 93)

Bubaque Cidade Aberta, ilha de Bubaque, arquipélago dos Bijagós; c. 480 mil euros (p. 131);

Conservação pelas Comunidades dos Valores Culturais e Naturais do Setor de Boé: c. 500 mil euros (p. 100)

Conservação e Desenvolvimento das Ihas Urok   – projetos “Urok Osheni! “, “Bemba di Vida!” e “ Etikapun N'ha - Urok”, ilhas Urok: c. 1,8 milhões de euros;

Cultura i Nô Balur – Uma estratégia de Educação para a Cultura na Guiné-Bissau. c. 700 mil euros (p. 44);

EcoCantanhez – Ecoturismo no Parque Nacional de Cantanhez, região de Tombali; c. 490 mil euros (p. 117)

Festivais de Cultura  – Sustentar o Homem e a Biosfera. Bubaque: c. 330 mil euros (p. 132)

Gestão Sustentável dos Recursos Floresais no ParqueNatural dos Tarrafes de Cacheu, região de Cacheu, c. 2 milhões de euros (p. 68):

Gestão Transparente  – Recursos Sustentáveis: Projeto de Reforço de Capacidades da Sociedade Civil para a monitorização da gestão dos Recursos Naturais na Guiné-Bissau, c. 200 mil euros (p. 27);

Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro de Cacheu   – projetos “Cacheu, Caminho de Escravos” e “Cacheu di si Cultura i istoria “, região de Cacheu, c. 1,05 milhões de euros (p. 65);

No Cultura i No Riqueza – Promoção da Economia Criativa, c. 690 mil euros, região de Bissau (p. 43);

Observatório dos Direitos  - Casa dos Direitos, c. 300 mil euros (p. 37);

Parque Europa – Lagoa N’Batonha – projeto “Kau di catchu ku kau di pecadur”, c. 390 mil (p.

Projeto de Apoio Integrado ao Desenvolvimento Rural nas  regiões de Bafatá, Quinara e Tombali (PAIDR), regiões de Baftá, Quinara e Tombali, c. 3,5 milhõs de euros (p.108):

Reforço do Turismo Natural, Histórico e Cultural como Crescente Atividade Económica para o  Desenvolvimento da Guiné-Bissau, ilha de Orango, arquipélagos dos Bijagós: c. 500 mil euros (p. 138)

Tchossan Soninké  – Panos de Ponte Nova, Bafatá: c. 1,150 milhões de euros  (p. 91)

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