sábado, 20 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25092: Os nossos seres, saberes e lazeres (610): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (138): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Começo por um sincero pedido de desculpas. Ao desfiar as minhas recordações, senti que havia ali um atropelo de imagens, questionava-me se a ida a Ucanha não devia estar sintonizada com a visita ao Mosteiro de Santa Maria de Salzedas e às Caves da Murganheira, como não via as imagens atinentes, desatei a correr para a frente, o que o leitor hoje vai ver, tirando as imagens da Ucanha, passou-se no dia seguinte, passeio de Tabuaço ao Pinhão e viagem pelo rio Douro, parece literatura de antecipação mas não é, é uma besteira de quem não sabe mexer convenientemente no ficheiro de imagens. No próximo texto interrompo a viagem no Douro e regresso à região de Távora-Varosa. A Ucanha tem a sua magia, os azulejos da estação ferroviária do Pinhão formam um conjunto de painéis de valor inexcedível, é o que hoje aqui se mostra, para a semana voltamos ao passado, e depois percorre-se o rio Douro. São desatinos desta idade maior, mil vezes perdão.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (138):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (7)


Mário Beja Santos


Como é que eu deixei atropelar as imagens, é que não entendo. Tínhamos ido visitar as Caves da Murganheira, na região Távora-Varosa, era inevitável visitar Ucanha, a sua torre, a sua ponte medieval única, o meio circundante. A povoação tem hoje cerca de 400 habitantes, vive-se ali num ambiente de quase fantasia com este património medieval notável, estamos perto de Salzedas, nesta excursão às aldeias vinhateiras do Douro será um ponto de referência, fica para mais adiante. Estamos na região de Tarouca, nesta viagem não visitaremos S. João de Tarouca, infelizmente. Ucanha pertenceu ao couto de Salzedas e a terra-natal de um dos nossos maiores filólogos e etnólogos, José Leite de Vasconcelos. Visita de médico, caminhava-se para o fim do dia, a assistente da excursão olhava frequentemente para o relógio, mas deu para apreciar o que se vê vezes sem conta, pois Ucanha vale.
A torre de Ucanha, data do século XV
A ponte de Ucanha, acaba de receber obras de restauro, a sua dimensão mete respeito
O rio Varosa, tal como corre debaixo da nossa mais bela ponte medieval, a de Ucanha

Mudamos agora de azimute, saímos de Tabuaço para o Pinhão, há passeio fluvial no Douro, o tal Douro que Miguel Torga cantou chamando-lhe um poema geológico, de uma beleza absoluta. Como chegámos antecipadamente, a assistente deu-nos rédea solta, tempo para visitar o Pinhão, a ponte, saída dos ateliês de Eiffel, impressiona. Mas o que mais me surpreendeu foi andar a mirar e remirar os azulejos da estação ferroviária. Nunca tinha dado por isso, Pinhão pertence ao distrito de Vila Real, está no coração da região vitivinícola. Bem procurei no turismo informações suculentas, uma brochurinha e viva o velho. Fala-se na existência de uma ponte romana, a ponte metálica de Eiffel é mais largamente mencionada, tal como a linha do Douro que começou a funcionar no Pinhão em 1880, na atualidade há o comboio quotidiano e o comboio histórico, este é uma locomotiva a vapor construída em 1925. Mas bebido o cafezinho, fui prazeroso para a gare, os 24 painéis de azulejos do Pinhão exibindo as paisagens do Douro e os trabalhos vinícolas, são topo de gama, não há livro da azulejaria portuguesa que não os louve. Em tons azuis, como, aliás, é timbre das nossas estações ferroviárias e de muitos mercados dos anos 1930 e 1940, foram concebidos por J. Oliveira e encomendados à fábrica Aleluia, em 1937. Indiscutivelmente, uma das mais belas coleções de painéis azulejares em estações ferroviárias em Portugal. Basta vê-los um a um, não há que enganar, incluem a legenda do motivo escolhido. Caminham para 90 anos de vida, estão muito bem tratados, aqui me curvo respeitosamente, por tanta beleza desmedida.
Pronto, já estamos a bordo, como diria Miguel Torga, vamos ser avassalados pelo prodígio da paisagem, esta imensidade de socalcos, este excesso de natureza, o tal poema geológico, a tal beleza absoluta entre o trabalho do homem que gerou estes terraços e a graciosidade do Douro. Deste rio prodigioso se falará a seguir.
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 13 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25067: Os nossos seres, saberes e lazeres (609): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (137): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25091: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (3): "Mulher 5 estrelas"



MULHER 5 ESTRELAS

adão cruz

- Ó Alves, escusas de estar para aí muito chateado por eu ter ido dormir com o meu ex, apenas com o fito de lhe gamar umas sapatilhas para o meu filho. E não te armes, pois tens à tua frente uma mulher 5 estrelas, que te ama, e é capaz de te mandar um pontapé nos tomates da noite pró dia.

A mulher 5 estrelas não era nova nem velha, tinha aquela idade subjectiva em que ninguém acerta. Era magra, quase escanzelada, e até não seria feia se tivesse dentes. Daí, a resposta do Alves não ser de todo descabida:
- 5 estrelas, o caralho!

O Alves ainda não tinha o estigma da terceira idade mas andava lá perto. Baixo e estreito, tinha aquela estatura que habitualmente se designa como roda 26. Devia ter tido um AVC, pois apresentava um pequeno desvio da comissura labial e soprava ligeiramente as sílabas graves, assobiando as agudas.

Ninguém tem nada com a vida dos outros e muito menos a D. Alice que por ali aparece, para comer uma torradinha e beber meia de leite, quando o negócio das cuecas e camisolas a um euro ou dos guarda-chuvas assim o permite.

- Coitada, e apontava o dedo à mulher 5 estrelas. Foi casada com um médico, não era bem um médico desses doutores de Medicina, era uma espécie de endireita. Um dia ele caiu de uma figueira e nunca mais se endireitou. Como não foi capaz de se endireitar a si próprio, nunca mais ninguém acreditou nele. E caiu outra vez, mas na miséria. Esta pobre, e estendeu o dedo na direcção da mulher 5 estrelas, ficou sem eira nem beira, com um filho nos braços (supomos que o mesmo que a levou a dormir com o ex). E, é claro, pôs os cornos ao marido na primeira esquina da vida. (A mulher 5 estrelas acenava com a cabeça em jeito de confirmação e aprovação. E inventou uma lagrimeta nos olhos).

- Mas não foi com este borradito, continuou a D. Alice com o dedo espetado no Alves. Este veio na onda da desgraça. Não é má pessoa, mas teve um ABC e ficou com a boca a tocar flauta e a mão a pôr açúcar nas farturas. O que lhe tem valido é a fé da velhota dele, ali sempre ajoelhada na Capela das Almas a pedir a cura. O certo é que está muito melhor e só quero que o Senhor o conserve. Do mal o menos. Ai Deus me perdoe, não leves a mal, ó Alves, mas sabes que é por bem que eu digo estas coisas e não era capaz de dizer mal do meu genro, ainda que meio emprestado.

Só aí ficamos a saber que a mulher 5 estrelas era filha da D. Alice e que o Alves fazia o papel de genro mais ou menos oficial. Portanto retirámos, neste caso, a observação de que ninguém tem nada a ver com a vida dos outros. Ela tinha.

O Alves não parecia lá muito contente com a conversa e já estava com os cabelos em pé. Por acaso não estava porque os não tinha. Quando foi danificado pelo AVC, os seus papéis foram trocados pelos de um outro doente que era cauteleiro e tinha um tumor cerebral. Aplicaram-lhe uma valente dose de quimioterapia que lhe fez cair tudo o que era pêlo. Quando deram pelo engano, já ele se queixava de quase tudo e até que mijava às pinguinhas. O médico disse que era da prósta e deu-lhe um daqueles remédios que amolecem o órgão mas põem um gajo a ejacular ao contrário, a ejacular para dentro. Por isso lhe fazia uma grande espécie quando ele batia uma e sentia todo aquele doce no baixo-ventre mas nem uma gota. Também por isso a mulher 5 estrelas lhe dizia que ele era uma malagueta seca. Com ele não precisava de tomar a pírula, ao que ele retorquia dizendo que nem com ele nem com outro, pois ela já tinha o úter fora de prazo.

E assim se passou um bocado da tarde entre dois finos, com o Alves a levantar-se da cadeira para depor ternamente um beijo na face da mulher 5 estrelas, esta a sorrir tapando a boca com a mão espalmada, a D. Alice a lamber os dedos besuntados de manteiga, e nós a virarmos a última página do jornal, desiludidos com as mentiras e as hipocrisias deste mundo.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25069: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (2): "A Rainha"

Guiné 61/74 - P25090: Por onde andam os nossos fotógrafos? (17): António Murta, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) - Parte III: A caminho de Nhala: em 28 de abril de 1973, viagem de Bolama a Buba


Foto nº 9
 

Foto nº 10


Foto nº 11


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto onº 15

Guiné > Região de Quínara > Buba  > 1972

Fotos (e legendas): © António Murta (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Estamos a recuperar e a selecionar algumas das melhores fotos do António Murta ex-alf mil inf  MA,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74). (*)

Nasceu em Cantanhede, em 8 de janeiro de 1951, vive atualmente na Figueira da Foz. Está reformado há mais de 10 anos. Passou a integrar a Tabanca Grande em 12 de novembro de 2014.

Tem já cerca de 110 referências no nosso blogue, é  autor de uma notável série, "Caderno de Memórias de António Murta"...  de que se publicaram mais de 4 dezenas de postes.

Só comçou a fazer fotos a cores ("slides") quando comprou,  vindo de férias, uma Olympus compacta: "Digitalizados com um scanner normal, são uma triste amostra dos originais. Com muito deles optei por fotografar a projecção em suportes variáveis, com os inconvenientes que também isso acarreta." . 

 Fotos nºs, de 10 a 15:


A caminho de Nhala  > Viagem Bolama - Buba  28 de Abril de 1973 (sábado)

(...) Partimos para o interior sul da Guiné, destinados ao Sector S-2, com sede em Aldeia Formosa. (...) 

A viagem, por rio até Buba, fez-se em lanchas da Marinha, LDG ou LDM, já não recordo. Depois de amontoar o pessoal, bagagens e equipamentos, a lancha entra Rio Grande de Buba acima. Fico desconcertado com o estuário do rio, desmesurado, parece que ainda estamos no oceano. 

Mais adiante, as margens do rio, longínquas, entram com a sua vegetação densa e assustadora água adentro. Ou é o rio que se agiganta floresta dentro em ambas as margens? Começam a aparecer os primeiros afluentes, qual deles o mais grandioso. 

Para quem, como eu, ignora tudo de navegação, fica admirado de o piloto ir tão seguro, no meio do rio, sem embicar por engano num daqueles afluentes. Começa a anoitecer. A lancha, que até aí avançava a toda a potência, de repente, apaga todas as luzes e passa a seguir de mansinho, com os motores a ronronar em surdina, num som cavo e profundo. Daí a pouco não se vê nada e perde-se a noção da trajectória do barco. É como se vogássemos no breu, sobre o silêncio sepulcral do rio e da floresta. Demora até que os olhos se habituem à escuridão e comecem a distinguir a massa escura das margens. 

O pessoal, como sempre muito expedito, acomoda-se como pode, a monte, e prepara-se para passar a noite na paz possível do momento. Nota-se uma certa apreensão com aquelas margens. Nunca se sabe quando dali pode surgir um ataque. Eu, sempre inapto para me acomodar de qualquer maneira, vagueio nas zonas menos apinhadas mas acabo por me sentar de encontro à cabine da lancha numa espécie de arca de chapa que, afinal, é a blindagem de um motor eléctrico. Sinto por baixo de mim a vibração do motor e uma zoada contínua e incomodativa. Daí que estivesse livre o lugar, penso. Fico virado para a amurada de bombordo e para a margem negra onde julgo ver duendes e afins que correm no escuro acompanhando a lancha. Mas o cansaço e as emoções vencem-me e adormeço beneficiando da lassidão que me dá o ronronar da lancha.

De repente acordo ao som de tiros, estremeço, abro os olhos e é dia. Ferido pela luz, semicerro os olhos, levanto-me e tento perceber o que está a acontecer à minha volta. Os tiros - de G3 - continuam, mas como todos estão serenos em redor, alguns ainda dormindo e outros cavaqueando entre risadas, sento-me de novo tentando aquecer e endireitar o pescoço que está afectado pela posição em que dormi. Mais tiros. Percebo que é à proa e, irritado, levanto-me para ver o que passa. 

Espantoso! Um marujo munido de garrafas vazias vai-as atirando com força lá para a frente e outro, de G3 em punho, tenta acertar-lhes na água enquanto não se afundam. Fiquei furioso. Apeteceu-me abordá-los e perguntar-lhes se a barca não tinha patrão... Mas contive-me, não fossem atirar-me borda fora. 

Por outro lado - há sempre um outro lado -, comecei a ficar mais tranquilo em relação à segurança da viagem: se estavam naquela galhofa em pleno dia, deviam saber que o podiam fazer. Era porque estávamos a chegar e o perigo tinha ficado para trás. E não me enganei. A lancha parecia seguir a toda a potência mas, subitamente, abranda e vira um pouco à direita. Descobre-se um cais e os primeiros edifícios de Buba, até aí encobertos pela densa vegetação da margem. O rio, tão dentro já do território, continua ainda imponente.

Estamos, enfim, em Buba, a dois passos de Nhala. O espectáculo que vislumbro da amurada, virado para a ponte-cais e a rampa de terra vermelha que leva aos primeiros edifícios do aquartelamento – que por serem num ponto alto ocultam a tabanca e o resto -, deixa-me, nesse instante, uma imagem tão amável de África, tão marcante, que nunca mais esqueci. Mas tanto pode ser a “porta” de entrada para o Éden, como para o inferno. Só o tempo revelará.

Bem no cimo, à esquerda, um edifício de tipo colonial e uma enorme árvore florida de vermelho - jacarandá (?) -, chamam a atenção ainda antes do desembarque. Do lado direito, junto de uma árvore de porte e altura descomunais, percebe-se um dos edifícios do aquartelamento.

(Continua)

(Seleção, revisão/fixação de texto, negritos, edição de fotos: LG)

Legendas:

Foto nº 9 > O rio Grande de Buba (1974)

Foto nº 10 > Buba: a ponte-cais, com uma LDG a partir, aproveitandpo a maré-cheia (1974)

Foto nº 11 > Buba, 1973 – Vista a partir da rampa que vem do rio. Slide feito muito depois do dia da chegada, a partir de um ângulo oblíquo em relação à primeira visão e num dia sem esplendor. 

Foto nº 12 > Buba, 1973 – Vista parcial do aquartelamento, lado direito, obtida de costas para o rio. 

Foto nº 13 > Buba, 1973 – Ao cimo da rampa com o Rio Buba ao fundo. A árvore florida é uma acácia (e não uma jacarandá, planta que dá flor azul, e é nativa da América do Sul).

Foto nº 14 > Buba, 1973 – Fotografia da praxe para impressionar a namorada e a família. Eu, sobre o obus 14.

Foto nº 15 > Buba, 1973 – Fotografia da praxe para impressionar os amigos. Bajudas e mulheres de Buba.

9 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25051: Por onde andam os nossos fotógrafos? (16): António Murta, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) - Parte I:

Guiné 61/74 - P25089: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (128): O José Monteiro é o autor dos aerogramas que foram parar ao OLX (Mário Fitas, ex-fur mil, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67)


Fonte: OLX > Anúncio >  2 de janeiro de 2024 > Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas | 470 € | Negociável

Descrição: "Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. Em bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291. O anúncio ainda estava "on line" hoje, ao fim da tarde...

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car


1. É chocante, caros leitores, ver um maço de aerogramas anunciado para venda "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)" (*)

O nosso camarada Mário Fitas,  ex-fur mil da CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), escreveu ontem, em comentário, no poste P25081 (*):

"É verdade o José era radiotelegrafista e descreve a operação Razia mais ou menos. Vou tentar entrar em contacto com ele, caso ainda seja vivo e tenha o mesmo telefone. 
Abraços do tamanho do Cumbijã

Mário Fitas | 18 de janeiro de 2024 às 18:01 "


Ontem, de manhã, telefonou-nos, confirmando que o tal José...

(i) é o José Monteiro, seu camarada, dos "Lassas";
(ii) foi de facto 1º cabo radiotelegrafista;
(iii) participaram ambos, de facto, na Op Razia, Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965;
(iv) escrevia muitos aerogramas, tendo tido diversas madrinhas de guerra;
(iv) vive ou vivia no Porto;
(v) já foi a dois ou três convívios anuais da companhia.

O Mário ainda não falou com ele. Sabe,  todavia, que há cerca de 30 anos a sua casa foi assaltada, tendo-lhe sido roubados muitos livros e documentos. É possível que os aerogramas em questão tenham desaparecido nessa altura. Mas é preciso averiguar melhor e confirmar se esse também fazia parte do seu espólio.

2. Coincidência ou não, o anúncio no OLX vinha em nome de um tal Jorge (Silva), do Porto, Campanhã, registado no OLX desde 2017. 

Tem mais de 30 anúncios até agora: o  de maior valor (800 euros) é pedido por um "documento emitido durante o período das Invasões Francesas sendo que o nome de Napoleão ocupa o lugar onde usualmente aparece o nome do Rei de Portugal".

É caso para dizer, mais uma vez, que o "Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande" (**).
Obrigado, Mário Fitas, pelas tuas diligências..

(**) Último poste da série > 16 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24556: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (127): A "Rainha de Catió" foi a minha adorada mãe e tinha lugar na primeira fila nas cerimónias oficiais, tanto no tempo do gen Schulz como do gen Spínola (Souleimane Silá, Luxemburgo)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25088: Notas de leitura (1659): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (8) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Esta obra de investigação carreia documentação histórica tanto de operações que envolveram a FAP bem como os relatórios do próprio Comandante-chefe acerca da evolução do PAIGC para procurar intimidar a mobilidade aérea, então totalmente preponderante. O que aqui se relata são as operações que se desenvolveram tanto no Cantanhez como no Quitafine, e o então Comandante da Zona Aérea, Coronel Krus Abecasis, não escondeu a sua admiração pela bravura dos combatentes do PAIGC que enfrentaram o fogo aéreo, morrendo no seu posto. Entretanto, chegou o apoio cubano, em termos humanos, o fornecimento de material já tinha antecedentes. E, em 1967, os cubanos forneciam médicos, conselheiros e técnicos. Segundo o antigo embaixador Oscar Oramas, o primeiro diplomata que se aproximou de Amílcar Cabral assassinado, na noite de 20 de janeiro de 1973, morreram 17 cubanos pela causa guineense.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (8)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta


Demos início no texto anterior informações sobre a Operação Samurai, tinha por missão levar ao afastamento de grupos do PAIGC na ilha do Como, a guerrilha estava a fazer a vida negra ao destacamento de Cachil, criado por decisão do Brigadeiro Louro de Sousa, então Comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné, na sequência da Operação Tridente. A Operação Samurai teve duas fases, uma de intensos bombardeamentos, e uma segunda que envolveu a participação dos helicópteros que largaram grupos de paraquedistas em diferentes pontos, eles vinham com a missão de busca e destruição da presença da guerrilha. Fora estabelecido um destacamento de apoio aéreo em Cufar para auxiliar a ofensiva terrestre, a coordenação era fornecida por Bissalanca e uma Secção Conjunta de Apoio Aéreo que tinha um posto de comando avançado em Catió. As aeronaves destinadas a apoiar os paraquedistas incluíam um par de Fiats em alerta em Bissalanca, um par de T-6 em alerta em Cufar onde também estavam DO-27 e Alouettes III, com a missão de colaborarem em evacuações. Tinham sido produzidas centenas de fotografias aéreas que deram informações de enorme valor para a execução operacional.

Finda a operação de bombardeamentos noturnos, iniciada em 13 de novembro, e que forçosamente desmoralizaram os grupos do PAIGC, a segunda fase foi precedida por um lançamento dos paraquedistas que estavam sediados em Cufar, foram várias levas de 5 helicópteros Alouette III que transportaram 97 paraquedistas para a zona Sul do Como. A primeira leva de paraquedistas encontrou uma oposição feroz junto do reduto de Caiar, houve que pedir apoio de fogo, um par de T-6 e de Fiats chegaram quase simultaneamente e assim diminuiu a resistência do grupo de guerrilha, e a força de assalto continuou o seu avanço, um DO-27 que desempenhava funções de PCV foi submetido a disparos antiaéreos ineficazes durante este acontecimento. Com o contínuo apoio aéreo, os paraquedistas alcançaram todos os objetivos que tinham sido atribuídos, sem terem sofrido perdas.

O sucesso que se previa para a ilha do Como revelou-se ilusório. No curto prazo cessaram os ataques contra o destacamento de Cachil e parecia estar preparado o terreno para que as forças portuguesas reocupassem completamente a ilha. Só que nenhuma ação desta natureza foi decidida pelo Comandante-chefe, como irá permanecer um reduto guerrilheiro durante o resto da guerra. O Coronel Abecasis considerou que a capacidade de combate na guerrilha se mantinha intacta. Não querendo aceitar uma batalha aberta contra a superioridade da Força Aérea e confrontos com as forças terrestres, os insurgentes recuaram novamente para o centro da floresta, a aguardar o fim da operação. Um mês após a Operação Samurai, a Zona Aérea e o Grupo Operacional 1201 direcionaram o seu foco para o Cantanhez, local da Operação Resgate cerca de um ano atrás. Dois desenvolvimentos intermédios chamaram a atenção das chefias portuguesas: primeiro o PAIGC restaurara as suas defesas antiaéreas na região, o que representava uma ameaça credível às operações aéreas; segundo, as forças do PAIGC começaram a usar a península do Cantanhez como base para ameaçar o tráfego no estratégico rio Cumbijã, a única ligação à guarnição das tropas em Cufar, o que tinha levado a Marinha a solicitar a intervenção da Força Aérea. Uma tentativa de suprimir a renovada ameaça do sistema de defesa antiaérea do PAIGC e desalojar as posições insurgentes que ameaçavam o rio, a Zona Aérea lançou a Operação Valquíria, em 19 de dezembro, sob o comando do Grupo Operacional do Tenente-coronel Hugo Damásio.

A operação de dois dias seguiu o modelo agora familiar de bombardeamentos noturnos seguidos de operações de reconhecimento armado na superfície. Os C-47 começaram por atacar posições do sistema antiaéreo e abrigos do PAIGC na noite de 19 para 20 de dezembro, enquanto se reuniam informações adicionais sobre alvos para ataques posteriores. A fase seguinte, durante o dia de 20 para 21 de dezembro envolveu 8 Fiat, 12 T-6, as atividades de guerrilha praticamente cessaram. Mesmo assim, a Operação Valquíria deixou o comandante da Zona Aérea, coronel Abecasis, inquieto. Tendo vivido pessoalmente ao “furioso” fogo antiaéreo durante a primeira noite d Operação Valquíria, ele “teve a oportunidade de admirar a coragem como no solo se manejavam as peças antiaéreas à frente dos aviões… O inimigo foi batido e morreu no seu posto” demonstrando uma bravura “desconhecida pela generalidade dos militares portugueses.” Isto representava um grave desafio para a causa defendido por Portugal, caso as suas observações se revelassem rigorosas: “Qual seria o resultado desta guerra se o desequilíbrio psicológico entre os combatentes fosse tão chocantemente a favor do inimigo?”, questionava o comandante da Zona Aérea.

Para corrigir esse desequilíbrio, Abecasis recomendou uma ofensiva aérea total no Quitafine, onde o PAIGC tinha restabelecido o seu domínio e retomava os ataques contra as forças portuguesas. Assim se delineou a Operação Apocalipse, “a ofensiva mais violenta ao alcance dos nossos recursos… A Operação Apocalipse iria mobilizar todo o nosso potencial, pretendia-se demolir a presença do PAIGC do Quitafine.” Era esta a expetativa de Abecasis. Mas para sua consternação, esta proposta não atraiu qualquer entusiasmo entre os seus superiores ou até mesmo nos seus aviadores, dado os riscos crescentes de operar no “Forno do Quitafine”; na verdade, um dos seus oficiais declarou que se recusaria formalmente a realizar tal missão. Ao fim ao cabo, a Operação Apocalipse acabou por ser nada mais que uma miragem, não houve operação. Dececionado, o Coronel Abecasis deixou a Guiné no termo da sua comissão, em 12 de janeiro de 1967, foi substituído pelo Coronel Rui da Costa Cesário, um oficial que compartilhava do seu entusiasmo pelas “operações de intervenção” helitransportadas e ataques aéreos focados.


Capítulo 3: “Eram eles ou nós”

“As missões mais memoráveis que tive na Guiné foram as missões contra as armas antiaéreas. Eram eles ou nós.” – Tenente Egídio Lopes, comandante da Esquadra 121, 1966-67

Em janeiro de 1967, o Comandante-chefe Arnaldo Schulz e o seu novo Comandante Aéreo enfrentaram uma situação aérea que parecia cada vez mais incerta. “Apesar dos danos sofridos durante os dois últimos anos, a virulência político-militar do PAIGC não diminuiu”, tinha ele relatado em dezembro passado, chamando a atenção para o aumento da influência regional e militar do PAIGC, do maior apoio internacional, da chegada de equipamentos mais sofisticados, e com uma ação de propaganda eficaz a todos os níveis. Schulz dava ênfase especial a “um fator relativamente novo – o aparecimento de branco, especialmente cubanos, como instrutores, conselheiros ou especialistas.” Há muito que se suspeitava da participação de conselheiros do Bloco de Leste, mas em 1967 assistia-se a uma escalada de intervenção estrangeira em nome do PAIGC, tendo à frente os autoproclamados “internacionalistas” da Cuba de Fidel Castro.

O envolvimento cubano militar em África começara com a ajuda aos rebeldes argelinos e, 1960-1961 e nos três anos seguintes os militares cubanos tinham realizados missões de aconselhamento em vários locais subsarianos. O interesse crescente de Havana em África fora reforçado com a viagem de Ernesto “Che” Guevara por sete nações do continente, entre dezembro de 1964 a março de 1965, o que levou aos primeiros contactos formais entre Cuba e o PAIGC. Naquela época, o chefe dos serviços secretos de Castro, Manuel Piñero, identificara a Guiné insurgente como a “nossa estratégia prioritária em África”, dados os seus sucessos. Castro concordara e as primeiras armas cubanas para as forças militares de Amílcar Cabral chegaram a Conacri a 14 de maio de 1965, isto enquanto os primeiros formandos do PAIGC viajavam para Cuba para receber instrução política e militar. Armas e materiais adicionais partiram de Cuba em 1966 e os primeiros especialistas militares cubanos chegaram em 1 de maio de 1966.

Nos oito anos seguintes, cerca de 500 “voluntários” cubanos serviram como conselheiros, instrutores, pessoal médico e combatentes pela causa do PAIGC, segundo Oscar Oramas, antigo embaixador cubano na República da Guiné. Um despacho do PAIGC de 1967 listava 32 militares e médicos cubanos ativos na província, e nove deles eram especialistas antiaéreos. No que diz respeito a Amílcar Cabral, os seus “camaradas cubanos, qualquer que seja a sua especialidade” eram “considerados militantes do PAIGC enquanto durasse a sua colaboração” – colaboração que, enfatizou ele, “poderia ter consequências decisivas para o progresso da nossa luta”. Morreram 17 cubanos na Guiné, segundo Oscar Oramas, o primeiro em 2 de julho de 1967. Além disso, pelo menos um oficial cubano, o capitão Pedro Rodriguez Peralta, foi capturado pelos paraquedistas que operavam no corredor de Guileje, em 18 de novembro de 1969.


Amílcar Cabral, Aristides Pereira e o embaixador Oscar Oramas durante o encontro com “internacionalistas cubanos”, na Embaixada Cubana em Conacri (Casa Comum/Fundação Mário Soares)
Primeira fotografia do capitão cubano Pedro Peralta na sua cama de hospital depois de ter sido capturado pelas forças portuguesas. Peralta estava ferido no seu braço direito e foi evacuado para Bissau (Arquivo da Defesa Nacional)
A ZPU na região de Cassebeche protegida por um espaldão em espiral com revestimento em terra (Arquivo da Defesa Nacional)
Uma DShK 12,7 mm capturada durante a Operação Barracuda (Arquivo da Defesa Nacional)

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 12 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25061: Notas de leitura (1657): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (7) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 15 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25072: Notas de leitura (1658): "Reflexos da Carta Secreta - Caso 12 de abril", por Samba Bari; Nimba Edições, 2021 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25087: S(C)em Comentários (26): Os últimos anos do Amadu Djaló foram de amargura e arrependimento? (António Graça de Abreu / Joaquim Luís Fernandes / Cherno Baldé / João Crisóstomo)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no seu livro de memórias, na pág. 149).


1. Estamos quase a acabar a publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015)... Sem nos queremos antecipar ao que nos falta ler, e perceber melhor o fim da sua hstória de vida como militar e como homem, aqui ficam as últimas três ou quatro linhas com que encerra o livro, "
 Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada).

(...) "Deixámos o passado para trás. Por quê o ódio? E a vingança? Qual é o destino da vingança? É a guerra! Qual o destino final da guerra? Estropiados, sangue, lágrimas, pobreza, suor, trabalho.

Vai demorar muitos anos para acabar com a pobreza." (...)


Entretanto, fizemos uma seleção de comentários ao Poste P25009 (*), em que o Cherno Baldé escreveu: "os últimos anos do Amad Djaló (...) devem ter sido de uma grande amargura e de arrependimento", afirmação que deu origem a vários comentários, de que aqui vai uma seleção (**). Falta-nos o testemunho fundamental do seu editor literário, camarada e amigo, o nosso coeditor jubilado Virgínio Briote:

(i) António Gaça de Abreu:

Conheci o Amadu Djaló, aqui em Lisboa, pouco antes dele partir, na viagem definitiva, e não me pareceu ser uma pessoa marcada por grande amargura e arrependimento, coisas que também não transparecem nos seus textos que o Virginio Briote alinhou.

Não estará aqui o Cherno Baldé a dar uma no cravo e outra na ferradura?

Abraço | António Graça de Abreu | 28 de dezembro de 2023 às 22:38



(i) Joaquim Luis Fernandes:

Este comentário, do respeitável amigo Cherno Baldé, não é de fácil compreensão.

Que havia oficiais, alguns superiores, que deixavam muito a desejar, no seu caráter humanista e de militares exemplares, nada a dizer! Até eu, disso me apercebi, infelizmente.

Que os Soldados Comandos da Guiné eram homens destemidos, leais e valorosos, ao serviço do exército português na Guiné, com várias motivações para se alistarem no BCMD da Guiné, é um facto bem evidenciado.

Agora dizer, que ficariam melhor ao lado do PAIGC, por troca com os guerrilheiros do PAIGC, que atentaram contra a vida de Amílcar Cabral... não entendo!

O que tinham de comum, com o exército português, Inocêncio Kanie e os seus companheiros, que vindos da base naval no Mar Negro, da antiga União Soviética, e regressados a Conákri se encontraram com Momo Turé e outros seus camaradas, para se constituirem como grupo conspirador?

29 de dezembro de 2023 às 11:32



(iii) Cherno Baldé:

Caros amigos,

Vocês, na qualidade de antigos combatentes, veteranos, que sentiram no coração, na carne e no osso as agruras da guerra da Guiné, estão melhor colocados para ajuizar dos desabafos e sentimentos de um ex-colega embora esteja convencido que poucos pudessem estar na sua pele de ex-soldado 'comando', a quem podiam atirar em zonas quase desconhecidas e de perigo extremo como o aqui relatado caso da Caboiana onde até os bravos comandos não estiveram à altura de cumprir com o seu lema sagrado de " nunca deixar ninguém para trás". Muito triste.

Também, parece que a política de reformas no caso dos militares na Guiné contrasta com a portuguesa, pois o mais frequente é promoverem o candidato a um escalão superior de forma a atenuar as condições de vida, embora saibamos que não há termos de comparação entre os dois países, mas pelo menos o tratamento parece mais humano e aceitável.

Em 1998, durante a guerra civil em Bissau, desloquei-me à cidade fronteiriça de Kolda em visita familiar e, ao constatar as deploráveis condições sócio-económicas em que viviam, sem luz, sem água, eu disse-lhes: "Vocês têm todo interesse em se juntarem aos rebeldes da MDFC". 

No dia seguinte agradeceram-me educadamente e pediram-me para regressar ao meu país, o que fiz sem hesitar, mas sem quaisquer remorsos.

Cordialmente | Cherno Baldé | 29 de dezembro de 2023 às 12:16



(iv) Joaquim Luis Fernandes

Caro amigo Cherno, acredita que aceito e compreendo o teu desabafo! É um facto que nem sempre as chefias do exército português respeitaram e protegeram os seus soldados, e de forma mais evidente. os oriundos do território guineense.

Nem todos honraram a farda que envergavam e a bandeira que juraram defender. Tal como no PAIGC havia traidores à causa que defendiam, também os havia infiltrados nas Forças Armadas Portuguesas na Guiné. A forma como se abandonaram os seus soldados guineenses, diz muito dessa atitude de desrespeito e mesmo de traição.

Para ti, a tua família e os amigos da Guiné-Bissau, faço votos de um novo ano de 2024, com boa saúde, paz e prosperidade.

Abraços fraternos | JLFernandes | 30 de dezembro de 2023 às 22:47



(v) João Crisóstomo:

Nova iorque, às 04.58 da manhã do dia 17 de Janeiro de 2024.

Ler os comentários de posts é uma das coisas que gosto de fazer, pois eles de alguma maneira nos transmitem os sentimentos muito pessoais de quem os escreve.

Estes e outros comentários deixam-me triste pela amargura e sofrimento evidentes em muitos de nós ainda hoje existentes passados 50 anos.

Não sei o que dizer para tentar "suavizar" os corações e mentes de quem escreve estas palavras. É que também eu choro quando me lembro do muito que se sofreu , especialmente daqueles que dum lado ou outro acreditavam que deviam lutar, prontos a dar a sua vida por aquilo em que acreditavam, incluindo a amizade que unia muitos de nós. Dum modo especial os que o sofreram em circunstancias trágicas, fora e longe de momentos de luta armada , mas barbaramente mortos em momentos fora de combate, como sucedia por vezes durante os muitos anos que a luta durou, especialmente em situações de vinganças e represálias.

É com respeito e dor que vivo também estes momentos de dor e me associo a todos os que escrevendo e lembrando, como estou fazendo agora, estejam aida hoje à procura de paz.
"Estou convosco" é tudo que posso dizer.

João Crisóstomo | 17 de janeiro de 2024 às 10:02

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 28 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P25009: S(C)em Comentários (24): Os últimos anos do Amadu Djaló (1940-2015) devem ter sido de uma grande amargura e de arrependimento (Cherno Baldé, Bissau)

(**) Último poste da série > 17 de janeiro de 2024 > Guné 61/74 - P25078: S(C)em Comentáios (25): Salvemos a nossa correspondência de guerra, e nomeadamente os aerogramas que escrevemos (amarelos) e que recebemos (azuis)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25086: Casos: a verdade sobre... (42): Rescaldo da Op Gema Opalina, Caboiana, 25 de setembro de 1973: lembro-me de termos resgatado vários militares da 3ª CCmds Africanos do tarrafo e do Cacheu (Zeca Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)


1. Comentário  (*) do nosso amigo e camarada José Macedo (ou Zeca Macedo), um cabo-verdiano da diáspora, que foi FZE [Fuzileiro Especial] no DFE 21 na Guiné em 1973/74, e que hoje é advogado nos States, para onde emigrou em 1977: tem dupla nacionalidade, cabo-verdiana e americana; é membro da nossa Tabanca Grande desde 13 de Fevereiro de 2008:

Lembro-me da presença no campo de aviação de vila Caheu de vários helis, oficiais,  comandos e enfermeiras, entre as quais a Eugénia (Cabo-verdeana). 

As 3 companhias de Comandos foram transportadas até à Mata da Coboiana / Caboiana. Na mata, destruiram varios celeiros de arroz e outros mantimentos pertencentes ao PAIGC. 

Os comandos retiraram, depois de pequenos confrontos, ficou no terreno a 3ª Companhia, sob o comando do tenente Jalibá. Passado pouco tempo, cairam numa forte emboscada em que a força do PAIGC era de mais de uma centena. (versão que me foi contada por um dos membros da 3ª Companhia).

Os Comandos sofreram vária baixas,  entre mortos e feridos,  e tiveram  vários elementos, entre eles o tenente Jalib "apanhados a mão.  Com o PAIGC em perseguição, a 3ª Companhia, sem comandante, correu em direção ao Rio Cacheu, fortemente pressionada pelo PAIGC.  

O DFE 21 recebeu uma comunicação da base dessa operação, pedindo-nos para ir a uma determinada área do tarrafo no Rio Cacheu para retirar os elementos dos comandos em retirada (debandada?). Assim fizemos com 5 zebros, retirando do rio e do tarrafo os Comandos da 3ª Companhia. Eu, pessoalmente, retirei do rio vários soldados, entre eles um furriel, cujo nome não recordo, que me ofereceu meses mais tarde uma foto dele fardado.

O DFE 21, estacionado em vila Cacheu, tinha por missão patrulhar o Rio Cacheu de modo a impedir "cambanças" do Senegal para o interior da Guiné, principalmente na zona da Coboiana/Caboiana. Várias canoas foram destruidas, contudo, era extemamente dificil apanhar uma "cambança". 

Para esclarecimento, o DFE 21 não era um Destacamento de Fuzileiros Navais. Era um Destacamento de Fuzileiros ESPECIAIS, como eram (são) os Comandos e os Paraquedistas. 

Sobre a existencia (ou não) da Marinha do PAIGC, para além da provas citadas por um dos comentadores, é bom lembrar que um dos principais objectivos de Operação Mar Verde era a destruicao das vedetas do PAIGC.

Um abraco amigo
José / "Zeca" Macedo
DFE 21-Cacheu-Bolama-Guine Bissau-1973-74
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(**) Último poste da série > 17 de janeiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25079: Casos: a verdade sobre... (41): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - IV (e última) Parte: O nosso batismo de fogo, na bolanha do Macaco-Cão, em 29 de agosto de 1973

Guiné 61/74 - P25085: Operação Razia: sector S3, Catió: conquista da base de Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965, com a participação das CCAÇ 617, 763, 764 e CCAV 703


Foto nº 1 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 15 de maio de 1965: embarque em NRP


Foto nº 2 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: tiro de morteiro 60


Foto nº 3 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: objetivo conquistado

Fonte: CECA (2014), pp. 315/316

1. Sobre a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue(*). Traduziu-se numa dura batalha em que  o PAIGC sofreu um grande revés. Transcreve-se um certo do livro da  CECA (2014) sobre a atividade operacional no CTIG (até ao fim do ano de 1966):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação Razia, com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o lN opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a base de Cufar Nalu, no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o lN estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. 

O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens; a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito difícil a sua localização." (...)

Texto e fotos: Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 314/316.



Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu”  (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, Barcelos, 2012). Uma batalha de meses, que começou em 20/21 de dezembro de 1964 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  Ver aqui a  nota de leitura feita pelo Beja Santos.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de  Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


2. Comentário do editor LG:

A sinopse feita pela CECA (2014) estaria incompleta. No poste P16512, o nosso camarada Mário Fitas escreve:

(...) "15 de maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763,  lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. "(...). 

O Mário Fitas acrescenta participação da milícia do João Bacar Jaló e da CCAÇ 728, e por outro lado omite a CCAÇ 617.

(...) "Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3.º Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2.º Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1.º Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente.

"Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa". (...)

Por outro lado, há que ter em conta que estas conquistas de terreno, num guerra de guerrilha e contra-guerrilha, eram sempre "voláteis" e "efémeras"... Já antes em 16Ago64, se tinha realizada a Op Bornal com forças das CCaç 557, 617 e 4.ª CCaç:

(...) " O ln ofereceu resistência à penetração das NT na mata de Cufar Nalu, causando 1 morto e 2 feridos; emboscou 2 GComb da CCaç 557 na estrada Catió-Batambali, próximo do cruzamento de Cufar, quando se procedia à limpeza do itinerário (30 abatizes levantados), tendo sido posto em fuga pela reacção das NT; o ln sofreu 11 mortos, além de outras baixas não estimadas." (CECA, 2014, pág. 266).  

E em 20 e 21Dez64, haverá outra operação, a Op  Ferro, "com forças das CCaç 617 e 728, CCav 703 e 43 CCaç na mata de Cufar Nalú, apoiadas pela FA. O ln flagelou as NT fazendo 3 feridos e sofrendo 2 mortos e 1 prisioneiro; emboscou forças da CCaç 728  na parte sul da mata, causando 5 feridos às NT" (ECA, 214, pp. 267/268).
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente

(...) Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. (...)

Guiné 61/74 - P25084: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (26): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Maio de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

26 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

João Moreira


MÊS DE MAIO 1971

Furriel Moreira em frente ao bar de oficiais e sargentos, no Olossato
Furriel Moreira no Olossato
Furriel Moreira junto ao poilão que estava próximo do quarto dos furrieis do "meu" 4.º grupo de combate.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25058: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (25): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Abril de 1971