domingo, 14 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25068: Casos: a verdade sobre... (40): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - Parte III: 21 de março de 1974, Op Neve Gelada, 22 cadáveres de guerrilheiros são trazidos para o quartel, lavados, fotografados e enterrados na pista de aterragem

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá >  CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74) > Março de 1974 > O José Marques (presume-se...) junto a um dos morteiros 120 capturados no dia 21 de março de 1974, no decurso da Op Neve Gelada, pelos Comandos Africanos, na zona de Canquelifá, "quando arrumávamos as respectivas granadas" (sic). 

Cortesia de José Marques (natural de Alpalhã, Portalegre, vive Castelo de Vide); tudo indica ter pertencido à CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, Camquelifá, 1972/74; foi já convidado para integrar o blogue, é apenas amigo do Facebook da Tabanca Grande).




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá >  CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74) > Foto e legenda do  José Marques, na sua página do Facebook:

Canquelifá em 74. Abrigo 12 visto do campo de futebol, nesse dia 31-03-74, não houve feridos, porque após a morte do furriel Agualusa da Rosa e o abandono da população, todos se abrigavamos no abrigo (vala coberta com troncos e pedra) à esquerda deste abrigo , junto ao tronco do mangueiro.

Canquelifá - 31 março de 74, Ultimo ataque a Canquelifá e destruição do abrigo 12, nós estávamos no abrigo (vala um pouco mais larga) com mais de um metro de troncos, cimento e pedra, à esquerda na parte mais escura, o abrigo chegava a menos de um metro deste.Quando este foi atingido pensámos que era o nosso que se estava a desmoronar.

Fotos (e legendas): © José Marques (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá >  CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74) > Janeiro de 1974. Explosão de uma bomba durante um ataque do PAIGC ao aquartelamento de Canquelifá: foto do álbum do camarada Pereira, que vive em Almada,  ex-fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia, cortesia de Jorge Araújo (***)


1. Continuação da narrativa do José Peixoto com as sua memórias sobre a Canquelifá do seu tempo (*). Recorde-se que:

(i) foi 1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74);

(ii) vive no concelho de Vila Nova de Famalicão;

(iii) é membro da Tabanca Grande nº 731, entrado em 30/10/2016.


Deixou-nos um relato memorialistico, dramático, dos últimos tempos da sua comissão, de 12/13 páginas, que foi escrevendo ao longo dos anos, e que intitulou "Arauto da Verdade".

O texto, extenso, foi publicado na íntegra (**). Estamos agora a republicá-lo, em postes por episódios, e cruzá-lo com outros postes que temos publicado sobre Canquelifá, com referênica à situação militar que se agravou, naquele aquartelamento e povoação do nordeste da Guiné, região de Gabu, a partir de agosto de 1973.



Crachá da CCAÇ 3545, "Os Abutres" (Canquelifá e Dunane, 1972/74

(cortesia do José Peixoto)



José Peixoto, Canquelifá, c. 1973


José Peixoto, hoje, inspetor 
da CP, reformado


"Canquelifá era o seu nome" - Parte III:   

Dia 21 março 1974, Op “Neve Gelada”

por José Peixoto


Com base no cansaço, pois o desgaste físico de todos nós era evidente, o inimigo cada vez mais massacrava e incrementava as suas operações a Canquelifá e áreas limítrofes, eis que surge o tão esperado apoio de 3 companhias de comandos africanos com o fim de limpar as áreas afetadas.

Às 13h00 do referido dia 21, entrada pela porta principal, abrigo 1, em coluna apeada.

A primeira companhia dirigiu-se à porta situada no lado da  Mata Sagrada, no sentido de  Chauará, local onde era suposto o IN ter instalado a sua base de lançamento dos mísseis, saindo por esta para o exterior.

A segunda companhia dirigiu-se à porta de acesso à pista junto ao abrigo 5,no  sentido de Sinchã Jidé, local onde era suposto o IN ter instalado o seu poderio dos mosteiros 120 mm, saindo para o exterior.

A terceira companhia ficou instalada junto ao abrigo de transmissões, de reserva, aproveitando a sombra de uma velha e grande laranjeira, cujo fruto não se podia comer, por ser muito amargo.

Volvidas que foram cerca de duas horas após a saída das duas companhias para o exterior de Canquelifá, às 15h00, foi ouvido o rebentar de um tiroteio de armas ligeiras, à mistura com algumas morteiradas. 

Naquele preciso momento encontrava-me a circular sentado na caixa de um Unimog, tendo por companhia o enfermeiro Paiva, de quem eu tinha recebido um convite, apenas com a intenção de curtir, tal como era usual dizer-se. A finalidade era ir a uma tabanca, para o lado do abrigo 2, buscar uma “bajudinha” que se encontrava com o paludismo para ser tratada na enfermaria.

A nossa primeira reação foi a de sempre, saltar da viatura e procurar alguma proteção debaixo da mesma, durante o desencadear do tiroteio, estimado em cerca de 10 a 15 minutos.

A evacuação da “bajudinha” já não foi concretizada, logo retrocedemos no itinerário para o denominado centro do aquartelamento. Nesta fase ainda se ouviam alguns tiros esporádicos.

Dirigi-me ao abrigo de transmissões no qual se encontrava entre outros o então major Raul Folques, procurando junto do militar, responsável pelas transmissões no terreno, inteirar-se efetivamente do que se estava a passar.

A primeira ordem que este Homem de Guerra transmitiu, honra lhe seja feita pelo trabalho coordenado, foi a saída imediata da companhia que se encontrava de reserva junto ao posto de rádio, pela porta de armas de acesso à pista no sentido de Sinchã Jidé.

À medida que o tempo passava, eram recebidas informações via rádio do resultado obtido pelas duas fações, que indicavam um número indeterminado de baixas ao IN, bem assim como material capturado.

Às 17h10, de uma tarde marcante, fazendo paralelo com as fiadas do arame farpado que dividiam o aquartelamento da vegetação, lado do Mata Sagrada, começou-se a avistar a chegada de uma das companhias, trazendo consigo aquilo a que se poderia chamar troféus de guerra, exatamente 22 corpos transportados em cima de macas improvisadas de ramos de árvores.

O estado dos seus corpos era sobretudo confrangedor e arrepiante, membros dependurados, cabeças dilaceradas, uns quantos ainda com parte do uniforme, outros completamente nus.

Chegados às imediações, a população saiu pela porta de armas ao encontro dos militares, pontapeando os corpos. Esta talvez fosse a única forma de vingança pelas mortes causadas aos seus entes queridos, em ataques anteriores.

Quando já dentro do aquartelamento, foi dada ordem para que todos os corpos fossem encaminhados para a Mesquita de Canquelifá, local de culto no qual os homens grandes praticavam as suas orações, virados para Meca.

Para efetuar a segurança durante a noite, foi escalado um pelotão da nossa companhia.

Às 17h30, quando tudo estava aparentemente calmo, eis que surge novo ataque de curta duração, com misseis, procurando assim destruir o pouco que ainda restava, como retaliação pelas suas baixas há duas ou três horas.

Às 18h00, e a pedido do então alferes Fernando de Sousa Henriques, foram reunidos uns quantos militares, de caráter voluntário, para fazer segurança a 3 viaturas (2 Unimogs e 1 Berliet) na ida ao local do confronto para recuperação do material capturado. 

Eu também fiz parte deste grupo de voluntários, à semelhança do nosso presado cantineiro José Esteves, a residir para os lados de Vila Real, que para os amigos reservava sempre,  no canto mais à direita da arca frigorífica, aquela “bazuca” fresquinha.

Ordem de partida foi dada: saída pela porta de armas lado pista de aterragem dos meios aéreos, abrigo 5.

Após progressão na ordem de 1,5 km foi desencadeado novo tiroteio. Toda a coluna parou para se poder proteger, de realçar o facto de já nos encontrarmos perto do local onde se tinha dado o conflito. 

Sem sabermos o que de facto estava a acontecer, procurei estabelecer contacto com o posto de rádio de Canquelifá, o que só foi possível volvido algum tempo, o suficiente para o alferes Henriques se zangar e, num gesto brusco, me retirar o auscultador da mão, aludindo que eu ainda não sabia trabalhar com o rádio, o bem conhecido Racal. (Estas situações são as chamadas incongruências de uma guerra.)

A informação que proveio de Canquelifá, e recebida por este superior, foi exatamente, que o IN voltou ao local na tentativa de recuperar os mortos que,  como atrás referi,  eram 22 corpos.

Na posse destes elementos, e tendo em consideração que as armas se tinham calado, fomos progredindo mais uns metros com toda a serenidade, pois estava na nossa frente posicionada uma companhia formada por elementos cuja maioria era africana, fazendo proteção ao material capturado, embora a informação da nossa aproximação já tivesse fluido antecipadamente.

Foi um tanto quanto arriscada esta operação de encontro, frente a frente de uma força com a outra, tendo culminado com total êxito, pois o local era de vegetação densa.

Feita a inversão das viaturas, procedeu-se ao carregamento do material capturado, constando de cerca de 360 granadas de morteiro 120 mm, 2 morteiros do mesmo calibre completos, montados sobre rodas e outros tantos incompletos, 1 prato, mais 1 tripé.

Tratou-se na realidade de uma operação de muito risco para todos quantos voluntariamente acederam ao pedido do então saudoso alferes 
[Fernando de Sousa] Henriques.

A chegada a Canquelifá já foi tardia, por volta das 23h00, todo o regresso foi feito na escuridão da densa vegetação, apenas a viatura mais da frente acendia esporadicamente os seus mínimos, de salientar o facto de um dos veículos, creio que um Unimog, ter furado um pneu, também não me recordo se à ida, ou no regresso, é facto, assim circulou até à chegada a Canquelifá. Foi uma autêntica odisseia, sem paralelo.

Não posso deixar de realçar uma situação ocorrida já dentro de Canquelifá tendo por protagonistas a minha pessoa, o então carismático furriel mecânico Pais e um militar africano da companhia de Comandos.

Tendo este em seu poder uma pequena arma, que mais se assemelhava à nossa pistola Walter, que procurava vendê-la, alegando tê-la capturado horas antes, na operação, a um elemento feminino do PAIGC, que procurava atingi-lo, protegida por uma árvore, tendo este com a sua perspicácia evitado tal, apontando-lhe a sua G3 e dando-lhe ordem para baixar a arma.

Posteriormente tentou dialogar com ela em várias línguas, sem entendimento possível, tendo finalizado o seu diálogo apontando com a mão esquerda para o seu peito onde sustentava o seu crachá, dizendo-lhe:

−  Comando Africano não perdoa!  
− e utilizando a sua arma G3, fez uma rajada em cruz no peito da mulher, caindo esta junto à árvore.

O corpo dela foi resgatado pelo PAIGC durante o segundo confronto com a companhia dos comandos.

Relativamente à pistola, o negócio estava terminado, cujo valor para mim era de 100 pesos, tendo o Furriel Pais, valorizado para o dobro, não tenho a certeza da concretização da compra por este.

Dando continuidade ao episódio dos 22 corpos que se encontravam a repousar na grande Mesquita de Canquelifá, começaria por realçar o pedido de 2 voluntários pelo Capitão Cristo, cerca das 8h00 já do dia 22 março 1974, com a pretensão de retirarem os corpos para o exterior da mesma, onde previamente tinham sido colocados uma quantidade necessária de bidões vazios,vasilhame chegado, uns com vinho da Manutenção Militar, outros de combustível para a Mecânica, a fim de os corpos serem sentados no chão, encostados aos aludidos bidões.

 De seguida, procederam à lavagem dos seus rostos ensanguentados, recorrendo para o efeito de uma lata com água e uma vassourita de piaçaba.

A dupla de voluntários então surgida era composta pelos:

(i) o nosso Oliveira, mais conhecido pelo “Mata vacas”, pois tratava-se na realidade de um homem de coragem, se bem me recordo retalhava uma vaca, depois de morta, na sua totalidade em cerca de 20 minutos, trabalho que sempre realizou em prol da alimentação da Companhia, em toda a sua comissão, por ser esta a sua profissão na vida à paisana;

-(ii)  segundo voluntário, com alguma margem de incerteza, creio ter sido o carismático “Azambuja”, nome próprio, José Cruz, cozinheiro oficial da CCAÇ 3545, mas que não exerceu.

Realizada operação definida pelo comandante Cristo, cerca das 9h00 chegaram, 1 helitransporte escoltado por 1 helicanhão, para garantir a segurança da sua aterragem. Na placa da pista a segurança era assegurada por um pelotão, como acontecia em situações semelhantes.

Apeados os ocupantes de várias patentes, pertencentes ao Comando Territorial da Guiné, dirigiram-se ao centro, no qual se encontravam os corpos, sendo a primeira missão fotografar individualmente os mesmos por um fotocine vindo de Bissau para o efeito.

De seguida foram transportados num Unimog, também individualmente, sendo-lhes colocado junto ao corpo uma garrafa vazia de cerveja, que continha um ou mais documentos escritos no preciso momento, de conteúdo confidencial.

Reunidos os respetivos requisitos, seguiram destino pista da aviação, onde foram enterrados nos próprios buracos dos foguetões por estes lançados sobre Canquelifá nos dias últimos, não tendo atingido o objetivo por eles planeado.

De realçar o facto de ter sido escalado um pelotão naquele dia e no seguinte, para carga e transporte de terras em Unimog para serem tapados os buracos, entenda-se sepultura dos corpos.

Assim ficou encerrado mais um capítulo de uma guerra subversiva que muitas lágrimas provocaram aos intervenientes de ambas as partes.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto,negritos: LG)



Quartel de Canquelifá >  7Jan1974 > Dois corpos, já cadáveres, de elementos da guerrilha capturados durante a “Acção Minotauro”, levada a cabo por um bigrupo da CCAÇ 21. (***)

Por ausência de identificação, supõe-se que o primeiro elemento, em primeiro plano, seja o Tenente Ramón Maestre Infante (cubano) e, o outro, Jaime Mota (cabo-verdiano). 

Foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia.  Cortesia do nosso coeditor Jorge Araújo (***)
____________

Notas do editor


(*)  Últimos dois  postes da série > 



Vd. também poste de 10 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25053: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI: Canquelifá, a ferro e fogo, no 1º trimestre de 1974

9 comentários:

Valdemar Silva disse...

Então a pistola, a que foi negociada, não teria de fazer parte do armamento apreendido ao IN ?

No ataque de Dezembro de 1969, também feito da lado da Mata Sagrada, o pelotão da minha CART11 estava espalhado pelo lado da entrada a defender uma investida pelo cavalo de frisa, em que veio a ser ferido o 1º.cabo metropolitano Paiva.
Nesse ataque também acertaram nas instalações da messe, junto do mapa feito no chão com garrafas, tendo sido incendiadas. Com a presença de três pelotões da minha CART11, soldados fulas, houve um período sem ataques a Canquelifá.

Esse ataque de 1974 já fazia parte da estratégia de empurrar as NT para fora das tabancas junto da fronteira.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, quando regressaram da Op Mar Verde alguns comandos africanos (da 1a.companhia, ainda não havia o Batalhão) trouxeram "roncos" de Conacri...

Lembro-me de um trombone de varas... e de se oferecerem para venda espingardas automáticas Kalash a 500 pesos...

Em Bambadinca houve o bom senso de ninguém as comprar... Ainda não havia felizmente o "culto da Kalash", desgraçadamente uma arma-fetiche entre o lumpen de todo o mundo... Dos oprimidos, dos terroristas, dos pseudo-revolucionarios, dos psicopatas, dos traficantes de droga, etc.

O exército tinha uma tabela com os prémios (coletivos) do armamento, ligeiro e pesado, apreendido ao PAIGC... Por isso o nosso 'comando' que abateu a enfermeira do PAIGC em Canquelifá, sabia quantia valia em março de 1974 a pistola, com toda a certeza uma CESKA...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A reconstituição da batalha de Canquelifá é um trabalho precioso feito pelo nosso camarada José Peixoto, muitos anos depois. Estamos-lhe agradecidos.

Há pormenores, todavia, em que ele pode ter sido traído pela memória. Precisamos de consultar outras fontes de informação e de fazer a sua triangulação.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Pereira, que vive em Almada e é vizinho do Jorge Araújo, pode-nos dar uma ajuda na elucidação de alguns factos passados nesta época em Canquelifá. Ele foi furriel na CAAÇ 3545, o José Peixoto deve-se lembrar dele...

Simplesmente, o nosso Jorge Araújo só volta em março dos Emiratos Árabes Unidos... Vamos trocando mails, mas ele ainda não pode esforçar muito a vista, a que foi operado. Felizmente está a recuperar bem.

Valdemar Silva disse...

Luís, não percebi bem ou, então, o armamento apanhado ao PAIGC era para "quem o apanhava"?
Não teria de ser, forçosamente, entregue no Cmd da Companhia/Batalhão ?
Todos sabemos que havia uma "tabela de preços" a pagar a quem capturava armamento do IN, além do mais, julgo, que as nossas munições 7,62 mm da G3 serviam para a Kalas.
Observei, directamente, a ser "facturado" à milícia de Nova Lamego, que saía meia hora antes da coluna para Cabuca, pela detecção/levantamento na picagem de uma mina anticarro. A minha rapaziada comentava que os da milícia saíam mais cedo colocavam as minas e depois simulavam a detecção para receber o patacão. Eles é que sabiam como era por alguns terem sido, anteriormente, milícias e uns diziam que sim outros que não por terem que esconder as minas em que sítio? Das várias minas anticarro que foram detectadas e levantadas todas eram feitas de uma carga de trotil com um disparador dentro duma caixa parecida com a caixa da nossa ração de combate.
A minha CART11 teve dois acionamentos de minas anticarro, com um morto e cinco feridos na estrada perto de Canquelifá e outro na estrada para Cabuca com vários feridos civis e nosso condutor saiu ileso.
Estranhamente, como foi o caso, o condutor da GMC podia safar-se quando a mina era colocada para atingir Unimogs. O rodado da frente da GMC era muito mais estreito e tentava passar por dentro do rodado marcado na picada.

Valdemar Queiroz

Abilio Duarte disse...

Quando passei férias no Resort & Hotel Spa de Canquelifá, a minha suite era o abrigo 14.

Só recordando...não levem a mal.

Para levar porrada, era um sitio ideal.

Abílio Duarte ( C.Art./C.Caç.11)

Valdemar Silva disse...

Aquilo é que foi Duarte.
Quase uma semana a comer arroz com javali, devido à época das chuvas não haver colunas.
O meu abrigo era em frente da pista de aviação e dos comandos dos fornilhos, não me lembro do nº. da porta.
Foi nesse lado que apareceu um turra a arrastar um canhão e nós à espera para o abater e afinal era um burro a puxar o pau em que estava preso. Calhando esse burro, coitado, veio a ser o que foi abatido com balas da Mannlicher quando estupidamente tentávamos acertar num pássaro que lhe comia carraças da barriga. Acertámos na barriga com vários tiros sem nos apercebermos e o burro veio a morrer e tivemos que pagar o preço de dois burros.
Gostei de ter estado em Canquelifá, até atravessámos as festas do final do Ramadão.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Joaquim Luis Fernandes disse...

E aqui está mais uma descrição de uma operação tardia, decidida a ir atrás do prejuízo e em desespero de causa!
Nestas circunstâncias, o que é que andávamos por lá a fazer? a sofrer privações e a servir de carne para canhão?

Pelo que vou lendo e ouvindo, não vislumbro uma linha estratégica de contra-guerrilha,coerente e consequente, na atuação dos altos comandos do QG em Bissau, nestes anos 1973/74

Com Spínola,até 1973, ainda se compreendia a sua opção pela via defensiva, de minimizar as ações ofensivas, após fracassada a ousada Op.Mar Verde, em que a passada foi maior do que a perna. Depois dessa operação e não conseguindo o principal objetivo, o do golpe de estado em Conácri, caiu na real: A Guerra na Guiné não teria desfecho militar possível e só restava a ação política, em que, doravante, empenhou os seus principais recursos.

Com o assassínio de Amílcar Cabral, o seu interlocutor possível para negociar a paz, a surpresa do que se seguiu nos meses seguintes, com os misseis Strela e as batalhas dos 3G, com os dramas que suscitaram e, perante o insuficiente apoio do governo em Lisboa, não restou a Spinola, senão virar as costas à sua Missão na Guiné e deixá-la entregue aos seus subalternos e ao General Bettencourt Rodrigues que o substituiu.

E seguiu-se um tempo sem rumo e sem objetivos claros, quase de inação ofensiva: Sofreu-se muito e em vão, com elevado número de mortos e feridos. As operações ofensivas, de último recurso, não contavam com o reconhecimento prévio dos alvos a atingir. As guarnições fronteiriças ficavam isoladas e entregues a si próprias e pouco mais tinham para se defender do que as valas e os abrigos.

Esta a minha opinião. Se estou enganado, quem tiver melhor informação que me corrija,

Cordialmente
JLFernandes

Valdemar Silva disse...

JL Fernandes, já em finais do ano 1970 notava-se a acção do IN a obrigar cada vez mais a NT, milícias e a população em abandonar destacamentos e a população as tabancas.
Foi o início da população e NT "recuar" para tabancas e localidades com mais recursos de defesa e deixando mais uma zona de terra sem ninguém, que começou no Boé no início de 1969.

Valdemar Queiroz