segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25072: Notas de leitura (1658): "Reflexos da Carta Secreta - Caso 12 de abril", por Samba Bari; Nimba Edições, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho 2022:

Queridos amigos,
O Dr. Samba Bari escreveu uma narrativa com bastante detalhe sobre os acontecimentos do golpe militar de 12 de abril de 2012, apoiado por uma parte da sociedade civil. O seu trabalho culmina com uma análise política quanto à doença crónica das insurreições militares que pautam a vida guineense depois do golpe de 14 de novembro de 1980, a partir desta data os militares sentiram carta branca para impor condições aos políticos.

 Como é público e notório, a Guiné-Bissau possui uma das Forças Armadas mais originais de África, tem mais chefes que soldados, é tudo uma questão de soldada, e na indigência ou na cupidez estes militares sentem-se à vontade para participar nos negócios da cocaína ou estar sempre a reclamar aumentos.

 É outra pecha do regime, nunca se encontrou solução idónea, depois da independência, para motivar os antigos combatentes a encontrar um rumo para a vida. Samba Bari dá-nos um bom registo de acontecimentos, pena é que não tenha levado a objetividade ao ponto de documentar as muitas alfinetadas que espeta em Carlos Gomes Júnior, isto de fazer reportagens requer distanciamento e absoluta isenção para que tais trabalhos se tornem documentos para a História.

Um abraço do
Mário



Tentar compreender a impunidade das insubordinações militares na Guiné-Bissau

Mário Beja Santos

Reflexos da Carta Secreta - Caso 12 de abril, por Samba Bari, Nimba Edições, 2021, é um relato detalhado dos acontecimentos de um golpe militar conduzido por António Indjai, um general ligado ao narcotráfico, tudo aconteceu em 2012 e não restam dúvidas que a vida guineense ainda não se restabeleceu deste doloroso caso insurrecional, onde, uma vez mais, vieram à tona apetites oligárquicos, casos de puro mercenarismo, em que uma organização regional (a CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados de África Ocidental) mostrou claramente que quer, pode e manda do que ocorrer em território da Guiné-Bissau.

Samba Bari, no final da sua narrativa, procura interpretar as causas do contínuo golpismo na Guiné-Bissau. O Estado independente nasceu sob um projeto ideológico de Amílcar Cabral, a condução política pertencia ao PAIGC, os militares estavam completamente integrados e subordinados – foi assim na luta armada depois de Cassacá, prosseguiu com Luís Cabral, após 1974. 

Nino Vieira, com a sua rebelião de novembro de 1980, potenciou os militares na ribalta política, tinha nascido a cultura do golpismo, das negociatas e cumplicidades de ocasião, da tentativa de predomínios étnicos nas Forças Armadas, a entrada das altas patentes militares em negócios corruptos e no narcotráfico. Este cenário estará presente no afastamento do presidente da República interino e do primeiro-ministro legítimo, em 2012.

Samba Bari não esquece o cenário violento que se seguiu à independência, a ferocidade contra antigos militares das forças coloniais, todos os responsáveis do PAIGC não estiveram isentos de culpas; em 1985, 

Nino Vieira desembaraçou-se do comandante Paulo Correia, tudo num quadro arrepiante de tortura e mentira, assim se chegará ao levantamento conduzido por Ansumane Mané e ao afastamento temporário de Nino Vieira e da sua claque. 

O período que se segue envolve tempos de derrisão com Kumba Ialá, destituições, assassinatos, incluindo o de Nino Vieira. É nesse tempo que chefia as Forças Armadas o vice-almirante Zamora Induta, tendo como ajunto o general António Indjai, o presidente da República eleito, Malam Bacai Sanhá, eleito em 2009, gera um período de estabilidade, mas o presidente está gravemente doente, irá falecer no início de janeiro de 2012.

 Segue-se o período eleitoral, o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior não consegue obter a fasquia dos 50%+1, iria à segunda volta com Kumba Yalá, este e outros derrotados insurgem-se perante os resultados eleitorais, reconhecidos pela comunidade internacional como legítimos. Entramos no quadro irrespirável do golpe.

Sem contestar a linha diacrónica utilizada por Samba Bari, confesso o meu desapontamento pelo teor acusativo que vai relevando para certas personalidades, o pior é que não consegue demonstrar documentalmente os fundamentos dessa franca hostilidade. Carlos Gomes Júnior, ou Cadogo, é no seu relato um verdadeiro bombo de festa, parece assumir as funções de um príncipe de Maquiavel, ora apoiando-se numa fação militar ou noutra, mas decididamente com provas provadas de que Indjai tinha ligações diretas ao narcotráfico. 

Aliás, os EUA, que tinham informações claras de quais os militares envolvidos com a droga, depois da nomeação de Indjai para o alto cargo de Chefe de Estado-maior das Forças Armadas, retiraram o seu apoio à reforma do setor da defesa e segurança, Indjai odiava Zamora Incuta, tudo fez para o destratar. A CEDEAO queixava-se repetidas vezes não haver progressos na Guiné-Bissau contra a impunidade, matava-se e não havia culpados, e era preocupante haver naquele ponto de África Ocidental um ponto de passagem de cocaína destinada à Europa, com envolvimento das altas patentes militares.

Estes acontecimentos decorrem num período em que Bacai Sanhá contava com o apoio de José Eduardo dos Santos, Angola garantia ajuda, que se concretizou, a CEDEAO não gostou, entendeu que era uma interferência na sua capoeira. 

Assim se chegará ao quadro bizarro de uma carta que terá sido escrita por Cadogo a José Eduardo dos Santos, depois mostrada pelos órgãos de comunicação social, nunca comprovada como fidedigna, e que terá espoletado a insurreição que conduziu à detenção dos altos dirigentes, a uma quase crise diplomática entre a Guiné e a Angola. Samba Bari esclarece que fez três entrevistas para este seu trabalho, ao Tenente-coronel Daba Naualna, porta-voz dos golpistas, a Manuel Serifo Nhamadjo, presidente da República de transição e a Idriça Djaló, político e analista, não se pode compreender não ter ouvido o Carlos Gomes Júnior, Zamora Induta e António Indjai, figuras de primeiro plano em toda esta trama, isto para já não falar no presidente da República interino, Raimundo Pereira. 

Nunca se documenta se houve ou não alguma fraude eleitoral ou se Kumba Ialá e outros candidatos não se sentiram imediatamente tentados a colaborar no golpe militar.

Saúda-se o modo como são descritos o golpe e o comportamento dos golpistas, não se entende porque é que não foi ouvida a fundo a direção do PAIGC, a força política predominante, e que o golpe expusera ao lamaçal. E fica claro que à CEDEAO era indiferente a essência do golpe, houve que manter internacionalmente as aparências e apoiar uma política de transição, a CEDEAO não queria investir mais apoios financeiros naquele quadro insurrecional, os doadores cortaram todos os apoios e os golpistas entraram na lista negra das Nações Unidas.

 A avidez aos cargos manifestou-se prontamente, abandonaram-se partidos, ir para ministro ou secretário de Estado tem imensas conveniências, abre portas a negócios, a despeito da suspensão de projetos financiados por doadores que podem permitir habilidades.

E no relato também são referidos os acontecimentos de 21 de outubro, um grupo de homens armados tentou tomar de assalto um regimento de elite em Bissau, mau sucedido. Foi preso o cabecilha, Pansau Ntchama, antigo subordinado de António Indjai. Como especular era fácil e demonstrar nunca acontece, as autoridades de transição atribuíram cumplicidades de Portugal, da CPLP e a Cadogo, seriam estes os três autores morais do atentado. 

O objetivo era derrubar o Governo de transição e trazer Cadogo de volta ao poder. O primeiro-ministro Rui Duarte Barros foi mais longe, tudo apontava para uma ação concertada entre elementos recrutados na zona de Casamansa e comandados pelo capitão Pansau Indjama. Toca de enviar uma carta ao Governo português exigindo extradição de Cadogo para Bissau para responder sobre o seu alegado envolvimento nos assassinatos ocorridos nos últimos anos na Guiné-Bissau.

A oposição aos golpistas não esteve propriamente de mãos atadas, formou uma frente, os seus líderes foram surrados, sequestrados, batidos, tiveram que vir fazer tratamento a Portugal. E Bari escreve: 

“Após o ataque armado de 21 de outubro, a situação do país piorou com relatos frequentes de violações graves aos direitos humanos, incluindo espancamento de cidadãos.

Para além disso, alguns elementos do grupo étnico Felupe foram acusados de apoiar o ataque. Os serviços militares de inteligência do país montaram operações de busca. E foi na sequência de uma dessas operações que aconteceu o rapto e tortura do líder da FRENAGOLPE, e Iancuba Djola N’djai, e o líder do Movimento Democrático da Guiné, Silvestre Alves.”

Vejamos como funciona a justiça na Guiné-Bissau com o julgamento de Pansau N’tchama: 

“No dia 26 de abril de 2013, em julgamento no Tribunal Superior Militar, Pansau N’tchama, Jorge Sambu e Braima Djedju foram acusados de crimes de traição à pátria e uso indevido de armas de fogo, condenados a 5 anos de reclusão efetiva. Mas em setembro de 2014 todos beneficiaram de indulto e foram libertados pelo presidente da República José Mário Vaz.”

A situação modificar-se-á com as eleições de 2014, José Mário Vaz é eleito presidente da República. A imprensa, de um modo geral, abona em prol da competência e integridade de Vaz. No entanto, Samba Bari escreve que ele foi peça central de acusação de um alegado caso de desvio de 12 milhões de dólares de ajuda orçamental doados por Angola ao governo do PAIGC de Cadogo. E depois das eleições, Vaz nomeia Domingos Simões Pereira, também do PAIGC, como primeiro-ministro, recomeçam as tricas e as faltas de respeito a nível institucional. Resta registar que foi o único mandato presidencial levado do princípio ao fim.
Os golpistas de 12 de abril de 2012 não esqueceram os roubos e as destruições
Militares no quartel de Amura, após o golpe de Estado
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25061: Notas de leitura (1657): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (7) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Como vêem, é tudo simples.
Não entende bem, mas também não é necessário...
Mas eu sou estrangeiro e desejo que na Guiné haja muita "prosperidade"...
Um ab.
António J. P. Costa