terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25074: As mulheres que afinal foram à guerra (20): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas" (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso grão-tabanqueiro Mário Fitas







Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car (a página já não existe) (reprodução com a devida vénia...)


1. O nosso querido amigo e camarada Mário Beja Santos, nosso correspondente permanente (que é um verdadeiro "rato de biblioteca", no bom sentido do termo) mandou-nos esta "preciosidade"  

Data - segunda, 15/01/2024, 13:58

Assunto - Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas Campanhã • OLX Portugal

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car

Abrimos o link, no portal do OLX (passe publicidade..., é um sítio "on line", uma verdaderia "feira da ladra digital"  onde tudo se compra e vende: velharias, livros, móveis, documentos, etc.), e fomos saber algo mais :

Anúncio publicado em 2 de janeiro de 2024

Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas 

470 € | Negociável

Descrição:

"Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. E m bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291.

O anúncio estava "on line" esta manhã... Depois do almoço já não consegui abri-lo. O maço de aerogramas já tem outro dono... Esperemos que os saiba estimar e faça bom uso deles...


2. Comentário do editor LG.:

É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)

O remetente pode já ter morrido. Os aerogramas foram remetidos a uma senhora que ele tratava (pelo que conseguimos reconhecer nalgumas imagens de que fizemos um "print screen", com pouca resolução) como "menina", "meu amor", "minha mulherzinha"... Tanto podia ser uma namorada, como uma esposa ou até uma madrinha de guerra...  

Muito provavelmente,  um dos dois terá morrido e os herdeiros "mandaram para o lixo" ou puseram à venda na "feira da Vandoma" o maço de aerogramas...agora na posse de um tal Jorge, de Campanhã, Porto, que os quer vender por 470 euros (valor "negociável").. Aliás, a esta hora, já os vendeu..

Fica aqui mais uma veemente  apelo: camaradas e amigos, não mandam para o lixo as vossas cartas e aerogramas, dirigidas em muitos casos "às nossas mulheres que, afinal, também foram à guerra"... Façam-nas chegar aos vossos netos, bisnetos e trisnetos... 

Recorde-se que a nossa amiga  Alice Carneiro disponibilizou a sua coleção de cartas e areogramas da guerra colonial (cerca de três centenas e meia, que lhe foram envidadas por irmãos, familiares, vizinhos, "afilhados", etc., dos três teatros de operações da guerra colonial) para um projeto de investigação, chamado FLY. Todos os documentos foram devidamente digitalizados, sendo depois devolvidos à proprietária (e, no caso das cartas do mano, José Ferreira Carneiro, fiel depositária). 

Citámos aqui, há uns anos, a investigadora e doutoranda Leonor Tavares, da Equipa FLY, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (*):

(...) "O projecto FLY - Cartas Esquecidas (1900-1974) é um projecto que procura recolher, digitalizar e editar cartas do século XX dos contextos de prisão, exílio, guerra (colonial e mundial) e emigração. Este projecto continua o projecto CARDS - Cartas Desconhecidas (1500-1900) que já conta com 2000 cartas transcritas. Os dois projectos estão neste momento parcialmente disponíveis no site http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/.

"O objectivo do projecto FLY é recolher e editar 2000 cartas dos contextos referidos, sendo que se estipulou um total de 700 cartas para o contexto da guerra colonial. Este arquivo digital (composto pelas 2000 cartas do projecto CARDS e as 2000 do projecto FLY) estará disponível para investigadores de várias áreas (principalmente as áreas da Linguística, da História e da Sociologia), para que os documentos (as cartas) sejam imortalizados como objectos históricos de grande relevância linguística. Os estudos que podem ser feitos a respeito deste tipo de documentos compreendem, entre muitas outras hipóteses, aspectos relacionados com a sintaxe, a fonologia, a pragmática, a história cultural e/ou social e aspectos da sociologia das migrações, das desigualdades e classes sociais.

"O projecto FLY compromete-se a omitir todos os dados pessoais dos intervenientes nas cartas, nas transcrições e nas imagens disponibilizadas on-line. (...)".

Recolha de cartas portugueses do Século XX (1900 a 1974) > Apelo

“Se guarda em sua casa cartas particulares e deseja que ela sejam dignificadas enquanto objeto de conhecimento, por favor contacte os investigadores do projeto FLY 1900-1974 (Cartas Esquecidas).”

Rita Marquilhas
Centro de Linguística da Universidade de Lisboa
Avenida Professor Gama Pinto, 2, 1649-003 Lisboa
Telefone : 21 790 49 57 | Fax : 21 796 56 22

Email : fly@clul.ul.pt
Endereço do site : http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/

(Parece-me que o projeto já acabou em meados de 2013. 

Descrição:

O projeto FLY 1900-1974 corresponde a uma campanha de recolha, edição eletrónica e estudo interdisciplinar de um conjunto de documentos do século XX produzidos na esfera privada e escritos por autores de todos os estratos sociais. Trata-se de uma amostra de 2.000 cartas portuguesas compostas em contexto de guerra, emigração, prisão ou exílio entre 1900 e 1974, amostra essa que tem o duplo formato de corpus linguístico e de edição crítica disponibilizada na internet e comentada nas perspetivas histórica, linguística e sociológica. O FLY oferecerá ao público neste endereço, e até finais de 2013, a edição electrónica de 2.000 cartas particulares do século XX acompanhadas de indexação linguística, histórica e sociológica.

10 comentários:

Carlos Vinhal disse...

É no mínimo triste e lamentável, uma falta de respeito até pela memória de quem já partiu, esta correspondência andar por aí perdida, ou como diz o povo, nas bocas do mundo.
Muita desta correspondência terá carácter muito intimista e a reserva de sentimentos de uma juventude que sofria longe de quem amava, fosse da mãe, esposa ou namorada. Por isto mesmo, aqui há uns anos, queimei toda a correspondência trocada entre mim e a minha mulher, na altura noiva, mais de mil cartas e aerogramas.
Tudo se vende hoje em dia, até a memória das pessoas.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

José Botelho Colaço disse...

Também queimei toda a correspondência que se relacionasse com este passado, queria esquecer tudo, pôr fim a todo um passado de guerra, só não tive coragem de fazer o mesmo ás fotos, hoje sinto alguma frustração, se todos assim pensassem as fontes que alimentam a história a base seria de cinzas. Colaço.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Já por várias vezes chamei a vossa atenção par um projecto do Arquivo Histórico Militar.
Chama-se "Faltam Elementos" e resume-se a enviar, se possível tratados pelo próprio, de todos os documentos de todos os tipos que possam (e devam) ser arquivados no AHM.
Uma carta não é assim muito cara e basta acrescentar a identificação do dono dos documentos e a autorização para utilização e estudo do AHM.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Escreveu aqui a investigadora Sílvia Espírito-Santo, que tem estudado o MNF- Movimento Nacional Feminino:


(...) Com pouco mais de um mês de existência, o MNF já tinha percebido a importância que um serviço postal gratuito podia ter para os militares, pelo que solicita ao governo a isenção de franquia postal para a correspondência entre estes e seus familiares; a resposta seria dada pela Portaria nº18 545 de 23 de Junho de 1961 – e revista pela de 513/71 – que atribuía à comissão central do MNF a exclusividade na edição de impressos próprios para esse fim.

Surgem por esta via dois tipos de aerogramas: os amarelos, gratuitos para militares e os azuis vendidos a familiares e madrinhas de guerra pelo preço unitário de $20 (vinte centavos); determinava ainda a Portaria que a entrega destes devia ser feita em mão nos CTT a fim de garantir a sua utilização apenas pelos autorizados.

Até 1971, o MNF editou 200 milhões de aerogramas (até 1974 o número ascenderia aos 376 milhões), sendo distribuídos, nesse ano, 26 058 010 amarelos e vendidos apenas 15 900 145 azuis – apesar da Portaria 513/71 ter feito cessar as restrições estabelecidas à aquisição apenas por familiares e madrinhas de guerra –, num total de 41 958 155; números que decrescem em relação ao ano anterior, registando-se uma quebra de 1 700 000 na venda dos azuis, embora a distribuição dos amarelos tivesse aumentado para 5 800 00 (...).

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/03/guine-6174-p23119-bibliografia-50.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No poste P23119 deixámos estes comentários, eu e a Sílvia:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/03/guine-6174-p23119-bibliografia-50.html

(i) Tabanca Grande Luís Graça disse...

376 milhões de aerogramas distribuidos...Mesmo que 20% não se tenha usado, temos 300 milhões de aerogramas amarelos e azuis escritos...A grande maioria já se perdeu irremediavelmente. È pena, são documentos de uma época, de uma geração, de uma sociedade... Os amarelos, sobretudo, continuam a interessar-nos... Os que os nossos camaradas mandaram para a família, os amigos, as namoradas, as noivas, as madrinhas de guerra...

Reforçamos aqui o apelo do nosso blogue para que os salvem e os divulguem...

28 de março de 2022 às 12:38

(ii) Anónimo disse...
Sílvia Espírito-Santo (by email)
31 mar 2022 15:02

Obrigada Luis pelo envio do link.

O apelo para a preservação dos aerogramas é uma óptima ideia. Até porque há pouca noção da sua importância como fonte histórica.

Acho, sem certezas, que há uma instituição privada no norte que tem um razoável acervo de aerogramas.

Abr amigo
Sílvia

31 de março de 2022 às 16:57

António J. P. Costa disse...

O pedido anterior deveria ser colocado em local bem visível na página do blog repetidamente divulgado nos encontros das U/E/O.
Um Ab.

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Na realidade não sabemos "quem" colocou o espólio à venda.
Sabemos quem o esteve a vender mas faltam indicações sobre o que motivou tal ato.
Desavenças? Desinteresse? Necessidades?
Tudo isto (e mais alguma) são motivações possíveis.

Seja como for, não posso deixar de concordar, lamentando, com o que o Carlos Vinhal refere,
Também percebo muito bem o Colaço.
E estou de acordo com o que escreve o A. J. Pereira da Costa quanto a publicitar de modo visível a possibilidade de, quem quiser desfazer-se dessas "recordações", poder remeter isso para o AHM.

Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

É interessante verificar, julgo eu, que a maioria que fez desaparecer tudo o que estivesse relacionado com o tempo que passou na guerra, agora, já com idade avançada, tem pena que assim tivesse feito.

Este caso concreto, se forem todos da mesma pessoa, provavelmente teria sido um descendente que não se interessou dos aerogramas e teve a ideia de os vender. E já vai em 490 euros.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Há o filme "Cartas da Guerra".
Pode ser que um dia se faça um filme "Aerogramas de Guerra" deste maço de aerogramas.
Deste volume ou de outro, um dia pode ser, mas ainda está tudo muito recente.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
A morada do Arquivo Histórico Militar e:

Largo do Outeirinho da Amendoeira, 1100-386 Lisboa

Se puderem mandem o espólio estudado e ordenado. É um trabalho chato, (ou talvez não) mas permite recordar e evita que se perca informação. Os esclarecimentos devem ser escritos a lápis, pois não se sabe como se vai comportar a tinta ao longo do tempo. O envio em carta ou saqueta dos CTT é barato.
Um ab.
António J. P. Costa