quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25080: Historiografia da presença portuguesa em África (404): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
O Tenente da Armada Real que está à frente da comissão delimitadora das fronteiras luso-francesas é um homem culto, aberto a sentir-se surpreendido pelas belezas africanas, profundamente magoado com as velhacarias perpetradas pelos franceses, foram hábeis a barrar-nos o caminho para o Futa-Djalon, continuando a beneficiar de poderem comerciar no Forreá. Descreve tudo quanto observa, nem vai faltar um ataque de abelhas, já estiveram no Cantanhez, apercebe-se que Dandum não oferece qualquer saída para chegar ao Futa, continuam em território francês onde igualmente se observam devastações a cargo dos Biafadas contra Fulas, ali o ódio não tem fronteiras entre território português ou francês. A missão prossegue, um dos delegados franceses já foi a Bissau fazer partir o material e os abastecimentos que têm a povoação de Geba como destino.

Um abraço do
Mário



Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (2)

Mário Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8.ª série, números 11 e 12, 1888-1889, acolhem um documento de grande valor histórico intitulado “Viagem à Guiné Portugueza”, o seu autor é E. J. da Costa Oliveira, Oficial da Armada Real, Comissário do Governo para a delimitação das possessões franco-portuguesas da costa ocidental de África. Fez-se a viagem de Bolama até ao Sul, o Tenente Costa Oliveira não esconde o seu deslumbramento com tanta beleza natural e vai perseguir com as suas ricas observações que permitem ao leitor de hoje perceber o que era a vida no Sul não só da Guiné portuguesa como da Guiné francesa.

Logo um dado sobre a hospitalidade: “Na Guiné, como todos sabem, a nenhum estranho é permitida a entradas nas tabancas ou praças sem prévia autorização dos chefes; por isso, quando o régulo Sayon soube da nossa chegada aos seus domínios, enviou uma enorme embaixada para nos cumprimentar e introduzir na povoação, onde nos esperava com a sua corte.” Descreve a receção que se pautou pela pompa e circunstância, fala-se do Cantanhez que o oficial da armada irá visitar e apresenta-se o rio Cacine: “É como o rio Grande de Bolola, um enorme esteiro ou braço de mar aonde vão desaguar numerosos ribeiros. A borracha é principalmente o produto indígena que ali se permuta por bertanjil (pano azul de algodão), armas de fogo, etc.”

Chegou a hora de fazer um comentário bastante crítico ao comportamento dos negociadores franceses que nos quisera vedar as saídas para o Futa-Djalon:
“Cortada a Guiné portuguesa na fronteira Este do Futa-Djalon pelo meridiano dos 16º O de Paris, cercada pelos outros dois lados pelos franceses ou tribo da sua proteção, e cumprindo-se o Tratado de 1881 com almami do Futa, a quem Mudi-Yaiá obedece, devemos ter a certeza que o comércio em grande escala deriva para todo o território francês, se não fizermos imediatamente um esforço inaudito para obstar à corrente apenas começada.”

E não deixa de comentar que Mamadu Paté obedece a Mudi-Yaiá. Partiu a expedição para Kandiafará. Foram acompanhados o primeiro-ministro do rei Talibé, o bom Ciré e pelo marabu Abakari abalaram de Amadu-Bubu no dia 24 ao amanhecer e depois de uma penosa marcha devido a inúmeros esteiros e pequenos regatos que tiveram de vadear, de vaza mole e por povoados de crocodilos, alcançaram Kakondo e ali pernoitaram. Observa que saindo do Kakondo o país começa a elevar-se suavemente para Este, a vegetação é mais robusta e variada, anuncia a feracidade do solo, os campos estão trabalhados pela mão do homem e veem-se grandes pilhas de maçaroca de milho miúdo defendidas do cacimbe da noite por coberturas de palha, e não deixa de comentar que esta abundância e bem-estar pode ser alterada a qualquer momento pelas correrias dos Biafadas que não deixam os Fulas em descanso.

Veja-se agora esta descrição de Costa Oliveira:
“Anseio inexcedível, principalmente em Kandembel – a povoação mais bonita que atravessámos – a originalidade dos vestuários das raparigas Fulas, abundância de magnífica água, gado vacum e outros animais domésticos, campos imensos cobertos de lindíssimas flores, centenares de rolas e outras aves de penas brilhantes e de variadas cores, voando de árvore para árvore em bandos enormes, um céu azul puríssimo, iluminado por um sol de fogo e uma brisa fresca e embalsamada, tornam esta região a mais formosa que percorremos em toda a nossa viagem no sertão. Embevecidos nesta paisagem ridente e encantadora, caminhámos até ao pôr do sol e, descendo uma ladeira bastante íngreme, avistámos de repente e a pouca distância as primeiras cubatas de Simbely.
Simbely está situada em território francês e na margem esquerda de um ribeiro que vai desaguar ao Cogon, perto de Kandiafará. Fulas e Biafadas tinham reunido os seus homens de guerra para mutuamente se desagravarem de ofensas por eles reputadas graves, mas realmente sem nenhuma importância. Era o ódio de raça, a mira no roubo e nada mais que impelia Mamadu Paté, rei do Forreá, e Mamadu Jolá, chefe dos Biafadas, a marchar à frente dos seus exércitos, a caminho de Buba, aonde se havia de decidir o pleito, que aparentemente tanto os magoava.”


Refere que pernoitaram em Simbely, o acolhimento foi corretíssimo. Nada mais consta desta viagem até Kandiafará que demorou 14 dias, foram respeitados pelos chefes das povoações por onde transitaram; encontram os membros da comissão francesa antes de entrar em Kandiafará que ele descreverá deste modo:
“Kandiafará, situada na margem direita do Cogon ou Compony, deve ser um lugar insalubre por causa dos pântanos que o rodeiam. Todos, à exceção de M. Galibert, sofriam de febres paludosas, a ponto de M. Noury ter de se recolher à cama com uma espécie de perniciosa. Foi carinhosamente assistido por todos e pelo nosso enfermeiro que recebeu ordem de pôr à sua disposição a nossa ambulância.” Depois de apresentar Dandum, hoje povoação portuguesa, volta a criticar o comportamento dos franceses que guardaram para si apenas a estrada de Kadé, mais uma outra forma de impedir o acesso dos portugueses ao Futa-Djalon e tece o seguinte comentário: “Eis aqui os estupendos resultados de se fazerem tratados de delimitação sem o conhecimento prévio do que se pretende delimitar!” E aproveita a circunstância para também denunciar o comportamento dos régulos do Futa-Djalon que estabeleceram acordos de exclusividade com os franceses, para efeitos comerciais. E volta a tecer as suas críticas: “Que diferença de procedimentos! Uns, os franceses, estabelecem que é proibido a qualquer súbdito de outros países o viajar e comerciar livremente no território Futa; nós, abrimos o Forreá a todo o comércio e garantimos até a segurança dos agentes e suas mercadorias!”

Os membros da comissão francesa continuavam doentes, resolveu-se partir numa pequena caravana.

A 1 de março de 1888 as duas comissões delimitadoras partiram de Kandiafará para o interior a fim de determinarem o curso médio dos rios Cogon e Kolibá, M. Galibert partiu para Bissau para fazer conduzir a Geba a carga de mantimentos pertencentes à expedição francesa.

Inevitavelmente iria aparecer um ataque de abelhas: “As abelhas tinham atacado a caravana, e era forçoso ceder-lhes o acampamento, que elas disputavam com pertinácia! De repente desapareceram e julgando eu o incidente acabado atravesso a ponte. Ainda não tinha chegado perto de M. Brosselard e já as abelhas voltavam a atacar-nos com mais fúria e em enxames mais numerosos! O burro, completamente coberto daqueles terríveis himenópteros, saltava, corria, deitava-se no chão, espojava-se, levantava-se para se tornar a deitar, coitado, parecia doido! Nós todos corríamos em diversas direções, fugindo para longe.” Lá se fizeram algumas fogueiras e o fumo afugentou as abelhas. Após o almoço, Costa Oliveira e M. Brosselard foram visitar o rio Cogon que distava do acampamento cerca de 2 km: “É um formoso rio, o Cogon! As suas margens altas de mais de 3 metros são tapadas por densa vegetação e árvores seculares. Deve ter, neste lugar, uns 200 metros de largo e ser bastante profundo, pois mesmo na margem não teria menos de 2 a 3 metros.”

Levantaram acampamento e abalaram para Kumataly, uma importante povoação fortificada.

Carta da Guiné Portuguesa, século XIX, Arquivo Histórico-Ultramarino
Carta da província da Guiné, 1912
Carta da colónia da Guiné, 1933

(continua)
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Nota do editor

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