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quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)



Guiné > Brá > Comandos do CTIG > c. 1964 > Emblema de braço do Grupo Fantasmas, que pertenceu ao alferes  mil 'comando' Maurício Saraiva.

Angola > CIC - Centro de Instrução de Comandos > 1963  > O alferes mil Maurício Saraiva em Angola, aquando da frequência do curso de Cmds; no CTIG  será depois promoviodo, por mérito, a tenente e a capitão. 
  

Fotos (e  legendas): © Virgínio Briote (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumer-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-cap mil CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tabanqueiro, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).



1. Alferes, tenente e depois cap mil 'comando' (até  chegar a cor inf, na reforma extraordinária), Maurício Saraiva (1939-2002) foi idolatrado por uns, odiado por outros, "um mal amado", no dizer do Virgínio Briote (*)... 

A nível operacional, começou por integrar a 4ª CCAÇ (Bedanda, 1961) e,  depois de frequentar o curso de comand0s (em Angola, sua terra, 1963), voltou ao CTIG como instrutor e também como comandante operacional. 

A seguir à da Op Tridente (jan - mnar de 1964), irá  comandar o  Grupo Fantasmas, de que fez parte, entre outros, o nosso querido e saudoso tabanqueiro Amadu Djaló (1940-2015).  Recorde-se que o sold cond auto Amadú Djaló alistou-se nos comandos do CTIG, a convite do Maurício Saraiva.

O Amadu Djaló frequentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Desse curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros. Deste curso sairam ainda  os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras

Interessa-nos conhecer melhor o percurso do nosso camarada Maurício Saraiva, no CTIG, embora saibamos que ele virá a ser gravemente ferido, por mina A/P, em Moçambique, em 1968, enquanto comandante da 9ª CCmds. (Altamente medalhado por feitos em combate, é agraciado em 1970 com o o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; passaria em 1973 à situação de reforma extraordinária: vd. o seu impressiomnante CV militar, no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

Mas demos voz também àqueles que o conheceram,  para além  do Virgínio Briote (*) e da família (**). Foi o caso do António Pinto (***),  ex-alf mil inf, BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65), um veterano de Madina do Boé e de Beli mas também um dos veteranos do nosso blogue. É mais um pequeno contributo para o seu "retrato" que o Virgínio Briote ainda há de fazer, se Deus lhe der vida e saúde... (****). 

 

António Pinto, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Pombal, 2007

Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência  da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije


por António Pinto 

(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. 

Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e,  finalmente,  ao Batalhão de Cavalaria nº 705.

Sobre Madina do Boé,  estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. 

Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.

Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:

Uma tarde estávamos no destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido,  dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. 

Era um grupo de comandos, chefiados pelo alferes  [Mauríco] Saraiva [um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus, (dizia-se)].

Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina.

 De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um furriel do destacamento, que estava a apertar as botas, tal era a sua pressa.

O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto), se uma mina rebentasse,  ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...

Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.

Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.

Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido (....)


______________

Notas do editor:

(*) 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (308): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)

(**) Vd. poste de 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11531: As Nossas Tropas - Quem foi quem (12): Maurício Leonel de Sousa Saraiva, ex-cap inf comando (Brá, 1965/67) (Luciana Saraiva Guerra)

Vd. também poste de:


(...) Tenho muito material sobre o cor Maurício Leonel Saraiva. Fotos, documentos e memórias de acontecimentos, histórias que corriam na altura, outras de que fui testemunha e uma ou outra em que até fui protagonista. Gostaria de fazer um trabalho sobre o Saraiva (já em tempos encomendado pelo Presidente da Associação de Comandos, mas que não pude levar adiante).

Foi ele, o Saraiva, que como tenente me convidou a concorrer aos comandos e, dois meses mais tarde, como capitão, foi meu director de instrução.(..:)


terça-feira, 20 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25861: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte VI: faltosos, refratários, desertores e... os do "sangue, suor e lágrimas"...




Emblema do BCAÇ 381 ("Diabos") (Angola, 1962/64), a que pertencia a CCAÇ 390 e o ex-1º cabo radiotelegrafista Francisco Manuel Ferreira de Sousa, que resgatou o corpo de um camarada, gravemente ferido em combate, nos Dembos, e  cujo depoimento se reproduz mais abaixo.

Emblema da excecional  coleção de brasóes, guiões e carchás de Carlos Coutinho / Portal UTW . Dos Veteranos da Guerra dfo Ultramar (com a devida vémia...)



 SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.



1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada  é dedicada a testemunhpos e depoimentos recolhos pelo autor (pp. 67/72).





Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 

Parte VI:  faltosos, refratários, desertores e... os do "sangue, suor e lágrimas"...  
(pp. 67/72)





Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



8. Testemunhos de ex-combatentes de Fafe participantes na Guerra (pp. 67/72)


Consegui recolher alguns depoimentos de ex-combatentes de Fafe que, após serem mobilizados e terem decidido não dar o “salto” para França, acabaram por cumprir uma Comissão de Serviço num dos três teatros de operações em África. 

É meu objetivo tentar contextualizar e responder às questões que levantei no número cinco do ponto seis deste texto, ou seja, através do seu testemunho, tentar perceber qual o enquadramento e envolvimento pessoal de cada um na orgânica e dinâmica das ações levadas a cabo pelas Unidades Militares onde estiveram destacados.

  • Testemunho 1

Quantos ficaram “aptos para todo o serviço militar” ou “livres do Serviço Militar” na sequência das “Inspeções Sanitárias”, por doença crónica ou “grande cunha”?



Não sabemos. Conhecemos, no entanto, um caso paradigmático de uma “grande cunha”. Trata-se de Albino Marinho Mota, à data defesa central do Sporting Clube de Fafe, 1.90 cm de altura, e aprovado nas provas para ingresso na Academia Militar, da qual veio a desistir. 

De acordo com o depoimento que recolhi em 29 de outubro de 2013, através do irmão, António Amável Marinho Mota, ex-furriel em Angola, o seu irmão Albino, jovem cheio de saúde, ficou livre de todo o serviço militar por “falta de robustez”, graças à “grande cunha” do Padre Albino, pároco de Antime, junto do médico,  seu amigo e responsável pelas Inspeção Militar em Fafe naquele ano. 

O médico era de Famalicão, local onde, anteriormente, o Padre Albino tinha exercido o sacerdócio.

  • Testemunho 2

Quantos decidiram “dar o salto” para o estrangeiro para fugirem à Guerra, antes de irem às inspeções, após serem “apurados para todo o serviço militar” ou depois de saberem que tinham sido mobilizados para o Ultramar?



Segundo António Mota e Fernando Ribeiro testemunharam na mesma data, havia em Fafe um grupo de cidadãos que deve ter “safado da tropa“ muita gente. Neste grupo integravam-se, entre outros, ,ajor Miguel Ferreira (Major do Ribeiro), brigadeiro da Cera, tenente José Campos e António Saldanha.

Fernando Ribeiro contou, ainda, que um tio dele, chamado Armindo Ribeiro e caseiro do major do Ribeiro, foi “safo da tropa” por ele. 

Disse, ainda, que acompanhou um amigo a Chaves, que tinha medo de ir sozinho, para levar um outro amigo até à fronteira para fugir a “salto” à tropa (não se lembra já do nome). Tem cinco cunhados e todos eles foram “a salto” para França, incluindo um com 17 anos para fugir à tropa e um outro que já tinha feito a tropa na Guiné.

Confirmaram os dois que o António Augusto Saldanha fazia do seu Café Avenida o centro de acolhimento aos fugitivos à tropa, dando ajuda e transportando-os no seu Ford até à fronteira.

  • Testemunho 3

Quantos viveram o drama de verem um seu camarada morrer, transportaram às costas um camarada morto, ferido ou estropiado, ou deram sangue no local para o salvar na sequência de uma emboscada ou rebentamento de mina?


  • Depoimento 1.

Testemunho recolhido em outubro de 2013 na casa do ex-combatente Francisco Manuel Ferreira de Sousa, em Regadas, e na presença da esposa.

O Francisco Manuel Ferreira de Sousa é natural de Felgueiras, Margaride. Após terminar o serviço militar casou e veio viver para Regadas, terra da esposa. Esteve emigrado durante quatro anos em França e, ao regressar a Portugal, empregou-se na fábrica da Bouça, em Felgueiras, onde trabalhou 27 anos, sendo, hoje, reformado.

Cumpriu uma comissão de serviço em Angola, com o posto de 1.º cabo e a especialidade de telegrafista condutor. Pertenceu ao Batalhão n.º 381, constituído pelas Companhias n.º 388, 389 e 390. Fez parte da 1.ª Companhia, a n.º 390, inserido no pelotão de transmissões que esteve sediado, primeiro, no Norte, em Pamgo Aluguen, desde 9 de dezembro 1962 e, depois, a partir de outubro de 1963, no Leste, em Vila Teixeira de Sousa (zonas onde atuei com o meu pelotão em 1971). 

Finda a Comissão, o seu Batalhão embarcou no Lobito a 21 de fevereiro de 1965 e chegou a Lisboa a 2 de março de 1965.

A sua companhia sofreu duas emboscadas graves:

(i)  A primeira em 29 de janeiro de 1963, na picada entre Pamgo Aluguen e o Úcua, resultando a morte de seis camaradas seus e a captura pelo inimigo de mais dois militares portugueses. As cabeças destes, disse, foram descobertas mais tarde pelas nossas tropas espetadas num pau (foram encontradas por acaso numa operação) e a um dos mortos, também encontrado, os “turras” esquartejaram-no.

(ii) A segunda emboscada ocorreu a 19 de agosto de 1963 e é sobre esse acontecimento que o Francisco Sousa escreveu um texto em 1965, tendo entregue uma cópia, talvez no ano 2000, na Delegação de Fafe da APVG. 

Guardei cópia do texto e em novembro de 2013, nas vésperas da minha comunicação, procurei-o na sua casa em Regadas, tendo-me confirmado o seu conteúdo e relatado, ainda, outros momentos marcantes da sua comissão em Angola. Esteve na Biblioteca Municipal onde, durante a minha comunicação, relatei a história na sua presença.

Pelo realismo e riqueza da descrição da ação, transcrevo o texto escrito pelo radiotelegrafista Francisco de Sousa, com sua autorização, tendo procedido a pequenos cortes devido à sua extensão, mas unicamente nas partes em que, por vezes, repete a mesma ideia.


“Um certo dia em Angola... 
Entre Rainha Santa e St.º António, Dembos"

por Francisco Manuel  Ferreira de Sousa 
(ex-1º cabo radiotelegrafista, 
CCAÇ 390 / BCAÇ 381, Angola, 1962/64)


A operação realiza-se a 19 de dezembro de 1963, na zona dos Dembos, no norte de Angola, entre as fazendas de café da Rainha Santa e de St.º António.

Por entre a espessa mata de uma das regiões do Norte de Angola, prosseguia em missão de serviço um grupo de homens composto por trinta e cinco soldados, entre os quais dois alferes e três sargentos, além do enfermeiro e telegrafista. (…)

O calor perturbava-os, a sede atacava-os, os assobios estranhos de certa ave desconhecida preocupava-os, (…) mas estes bravos homens nunca souberam perder a calma. Confiavam em si próprios e na sua melhor companhia, a “arma”. (…) 

A caminhada prossegue agora mais espinhosa! Teremos de alcançar o cimo deste morro” (…). 

Atingiram o cimo do morro à distância de cinquenta metros. A sede fazia-os desesperar. Descido o morro do lado oposto, o guia “preto” que os acompanhava disse,  a um por um, “menino tropa ter cuidado, mandioca ser bandido", e apontava com o indicador uma lavra de mandioca e milho, com cafeeiros. Estes eram os primeiros vestígios que se nos deparavam. (…) 

Quando deram por ela estavam no fim da descida. Deram todo um ai de alívio ao depararem com água, dizendo baixinho: "graças a Deus"! 

Mas ninguém tocou na água sem ordem, era turva e pantanosa, mas ninguém a recusou. Uns mergulharam a boca na água, outros enchiam e bebiam pelos quicos, ou seja, “bonés”, a sede era irresistível. 

Após terem apagado a sede, alguém falou, dizendo que preferia morrer do que voltar a sofrer a sede. E as lágrimas corriam-lhe pelas faces. Já estavam perto, já se pisava terreno da lavra e a escassos metros o início do objetivo.


“Vinte minutos de agonia sangrenta“


Atravessaram a lavra e encontraram a picada, que dava diretamente ao objetivo. O palpitar de um dos presentes era certo, não estava enganado, já não era a primeira vez que ali passava e alguém já tinha ali perto ficado ferido com um tiro de “canhangulo”. 

Caminhavam serenamente, quando surgiu a sombra negra. Um tiro isolado quebrou o silêncio, automaticamente todos se deitaram no solo. Ouve-se um segundo tiro e o silêncio voltou, os homens da primeira secção deviam estar em perigo. Meu dito meu feito, um terceiro tiro voltou a quebrar o silêncio, seguido de gritos de agonia. Era verdade que alguém estava ferido! 

As armas vomitavam rajadas contínuas! Ouve-se uma voz chamando pelo enfermeiro. O guia preto (Cunha) foi atingido num quadril e conseguiu recuar para a retaguarda dizendo: “está menino tropa ferido, deita sangue muito mesmo”. 

Soaram vozes provocando o inimigo com palavras impróprias, ouve-se um estrondo da primeira granada que rebentou, e o silêncio voltou. Mais dois estrondos de mais duas granadas lançadas. Com a arma tirada das mãos do ferido, ele ficou indefeso.

A desorientação era grande, os homens da frente recuaram e o ferido ficou só na zona de fogo. É preciso ir buscá-lo, alguém falou. Olharam-se, mas ninguém se decide, até que um mais corajoso, chamado Sanção, empunhou a sua arma e correu por entre o capim para buscar o ferido e, passados escassos momentos, chegou até nós com ele às costas. 

Ninguém falava. Ouviam-se gemidos de dor. Desabotoámo-lo. O sangue empoçava nas roupas. Os pensos individuais não eram o suficiente e o enfermeiro nada podia fazer. Estavam certos que aquele mártir morreria.

Alguém olhou em redor e nada via, a não ser o infeliz e mais quatro colegas. Os outros teriam recuado para a mata que ficava a uma dezena de metros. A coragem daqueles quatro aumentava! 

O telegrafista estava presente e, ajudado por outro, enlaçou o ferido, transportando-o cerca de vinte e poucos metros, mas o infeliz não podia mais, a sombra da morte aproximava-se dizendo: “Não posso mais, mas peço-vos que não me deixem aqui! Sei que vou morrer, mas paciência!” ,

Os quatro presentes tentavam animá-lo, mas nada resultava. Ele voltava a dizer: “Não me estejam a iludir, porque sei que morro! Mas não me deixem aqui! Falta-me o ar!” E nunca mais falou.

Novamente o telegrafista, olhando os seus colegas, disse: “Tenham calma! Ele aqui não ficará.” A vítima, olhando-o, tentou sorrir ao sentir-se confiante. Alguém
 [o Francisco, relatou-me]  correu imediatamente e, atravessando a alta lavra, encontrou o resto do grupo deitado, completamente desorientado. 

Os nervos aumentaram-lhe e disse: “Que cobardia é esta?! É preciso ir buscar o ferido ou então passaremos todos por cobardes.” 

Alguém se levantou, foram dois e com as lágrimas nos olhos disseram: “Tens razão. Deixemo-nos de ser cobardes!” E deram a correr como doidos e foram buscá-lo.

Entretanto, o alferes disse: “Ligar o rádio!” Mas o telegrafista respondeu: “Aqui é impossível. Tratemos primeiro em sair desta zona e depois será possível.” E ele concordou. 

Já se encontrava no meio de todos a vítima, ainda com vida, mas pouco tinha para durar! Não falava mais, ouvia, duas injeções para tentar vedar o sangue, mais pensos, mas nada resultou! O ferimento perfurou os pulmões. Todos os esforços eram insuficientes para lhe salvar a vida! Estava no fim! E com o último sorriso ao de leve, deu um suspiro, morrendo, assim, nos braços dos seus colegas! 

Pragas foram rogadas ao inimigo: “Aqueles malditos”, que nem se chegaram a ver! Eram só desabafos. “Não podemos ficar aqui, temos de seguir, mas agora em sentido contrário!” 

O problema maior era transportar o falecido, mas um outro maior ainda: tinham perdido a carta topográfica e não sabiam qual a direção a tomar. 

Fez-se uma maca com os camuflados e dois paus, e assim se transportou o falecido. Uma ideia: subir ao morro e no alto fazer ligação com o rádio. “Chegamos por volta das quatro horas, ter pronto helicóptero ou ambulância K. Entrem em contacto de quinze em quinze minutos”. 

Perguntaram: «Informem se há Maikes ou Foxtrotes” [Mortos ou Feridos]  ». Estavam mais à vontade por estarem em contacto, mas na verdade a preocupação ainda não tinha acabado, pois não sabiam qual a direção a tomar. 

Tomaram-se várias opiniões, mas ninguém tinha a certeza do que dizia, até que, por fim, por entre uma pequena clareira, avistaram ao longe uns morros carecas. Eram os de Stª Clara. Era precisamente o que interessava. No sopé dos mesmos existia o aquartelamento e a fazenda de Stª Clara. 

Todos se sentiram mais tranquilos, e alguém apontou, dizendo: “Sempre em frente!” Obedecendo à ordem, colocaram-se todos em fila indiana e retomaram a marcha, e todos com receio de voltarem a ser atacados.

O caminho tornava-se difícil. O calor aumentava, e o sangue coalhado nas roupas do falecido começou a cheirar. Uns viraram a cara, para não verem a vítima, outros enchiam-se de coragem, e era o que valia àqueles que a não tinham.

E assim após dez horas de caminhada, debaixo de sol escaldante, onde a sede era grande e o sofrimento incomparável, chegaram ao fim de mais um dos muitos dias de sofrimento. Paz à alma dos que morreram inocentes! Felizes aqueles que se libertaram do perigo! 

Tudo isto foi real, e para mim será inesquecível.

(Continua)

Próximo depoimento: Osvaldo de Fafe atira-se ao rio Tombar, na Guiné, para salvar um camarada da Lourinhã

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos, parênteses retos: LG)

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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25838: Em busca de... (326): Camaradas do malogrado Fur Mil Op Esp Dinis César de Castro, da CCAÇ 2589 / BCAÇ 2885, que morreu em combate, no dia 12 de Outubro de 1970, durante a emboscada a uma coluna auto no itinerário Mansoa-Infandre

1. Mensagem de Ana Marques Ribeiro, enviada ao nosso Blogue através do Formulário de Contacto do Blogger em 10 de Agosto de 2024:

Boa tarde, caro Sr. Luís Graça.
Sou amiga da prima do Furriel Miliciano Dinis César de Castro, morto na emboscada de 12 de Outubro de 1970, no trajecto Braia-Infandre, na Guiné-Bissau.
Os membros da família que o conheceram, em número muito escasso e pouco dados às novas tecnologias (daí ser eu quem descobriu este blog nestas férias e quem está a redigir este pedido), gostaria de entrar em contacto com alguns dos combatentes que o conheceram e que, eventualmente, possam ter registos fotográficos e testemunhos sobre a última parte da sua brevíssima vida.
Desde já, agradeço tudo o que puder fazer para dar informações aos primos, já idosos, que não esquecem o rapaz muito simpático, brincalhão , amigo do seu amigo, sempre bem disposto, alegre, e um filho único que nutria uma grande veneração pela sua mãe. A sua morte foi uma perda irreparável para a família.

Cumprimentos,
Ana Marques Ribeiro


********************

2. Comentário do editor CV:

Cara Ana Marques Ribeiro,
Muito nos sensibilizou a sua mensagem onde procura camaradas do malogrado Fur Mil Op Esp, Dinis César de Castro, que caiu em combate no dia 12 de Outubro de 1970, numa emboscada a uma coluna auto no itinerário Mansoa-Braia-Infandre.
Estou a publicar este post no sentido de se encontrar camaradas que queiram de algum modo lembrá-lo.

Entretanto pode encontar os textos publicados no nosso Blogue, referentes à fatídica emboscada à coluna auto no itinerário Braia-Infandre, de que resultou a sua morte, assim como à condecoração com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe com que foi agraciado, a título póstumo, clicando aqui: Dinis César de Castro.
Poderá assim informar os primos do Dinis das circunstâncias que levaram à sua morte e que eventualmente desconheçam.

Este dossiê foi elaborado pelo nosso camarada Afonso Sousa, ex-Fur Mil TRMS da CART 2412, a quem estamos gratos pelo seu trabalho de pesquisa.

Lembremos agora, a transcrição do Despacho publicado no OE n.º 022 - 3.ª Série, de 1971:

Furriel Milicianio de Infantaria Dinis César de Castro, CCaç 2589/BCaç 2885 - RI 15, Guiné > Cruz de Guerra de 4.ª Classe (Título póstumo)

"Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª classe, a título póstumo, nos termos do artigo 12.° do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 21 de Junho findo, o Furriel Miliciano de Infantaria, Dinis César de Castro, da Companhia de Caçadores n.º 2589/Batalhão de Caçadores n.º 2885 - Regimento de Infantaria n.º 15.

Transcrição do louvor que originou a condecoração (Publicado na OS n. 024, de 17 de Junho de 1971, do QG/CTIG):

Que, por despacho de 09Jun71, o Brigadeiro Comandante Militar louvou, a título póstumo, o Furriel Miliciano, n.º 15398468, Dinis César de Castro, da CCaç 2589/BCaç 2885, porque, numa emboscada levada a efeito por um grupo inimigo numericamente muito superior e tendo a viatura em que seguia ficado na 'zona de morte', patenteou invulgares qualidades de coragem, decisão, sangue-frio e muita serenidade debaixo de fogo.

Ligeiramente ferido num braço logo aos primeiros tiros, reagiu prontamente, tentando a todo o custo aproximar-se da testa da coluna, onde o número de baixas era mais elevado, sendo mortalmente atingido quando prestava ajuda a um camarada que se vira cercado por quatro elementos inimigos.

Com o seu acto, pleno de generosidade, demonstrou o Furriel Castro uma compreensão nítida dos seus deveres que o levaram até à dádiva da sua própria vida, o que além de constituir exemplo inesquecível, ficará a merecer a maior admiração e o respeito de todos."

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo VI: Cruz de Guerra (1970-1971). Lisboa, 1994, pág. 491.

Guiné > Região do Oio > Trajecto Mansoa - Braia - Infandre > 12 de Outubro de 1970
Infogravura: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Vamos dar conhecimento da sua mensagem aos nossos camaradas, ex-Cap Mil Jorge Picado, ao tempo Comandante da CCAÇ 2589 a que pertencia o Dinis e ao ex-Fur Mil Sapador César Dias, que pertencia à CCS do Batalhão 2885. Pode ser que se lembrem dele.

Por uma questão de salvaguarda da sua privacidade, não publico os seus contactos. Quem a quiser contactar pode e deve utilizar os endereços do Blogue para nós encaminharmos para si.

Muito obrigado por se nos dirigir e creia-nos ao seu dispôr.
Carlos Vinhal
Coeditor

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Nota do editor

Último post da série de 27 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25453: Em busca de... (325): O ex-cap inf Manuel Figueiras, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); cor inf ref, morava em Faro em 2005 (Humberto Reis, ex-fir mil op esp, CCAÇ 12, 1969/71)

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25486: Louvores e Condecorações (15): Cruz de Guerra de 4ª classe, a título póstumo, para o fur mil op esp / ranger Dinis César de Castro, da CCAÇ 2589 / BCAÇ 2885, morto na emboscada de 12/10/1970, na estrada Braia - Infandre


Cruz de Guerra de 4ª Classe. Imagem:
cortesia do Portal UTW - Dos Veteranos da
Guerra do Ultramar


1. Já referimos as cirunstâncias da morte, em combate, do fur mil op esp / ranger Dinis César de Castro,  CCAÇ 2589 / BCAÇ 2885, na emboscada do dia  12 de outubro de 1970, no troço de estrada Braia-Infandre.  (*)

O nosso camarada Dinis César de Castro era natural de Castrejo, Bragança, e o seus restos mortais foram inumados no cemitério do Prado do Repouso (Porto). 

Segundo o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, o Dinis foi  um dos 20  "rangers", saídos do CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, que morreram no TO da Guiné.

Escreveu o nosso camarada Afonso Sousa (*), baseando-se no testemunho de vários camaradas que participaram no socorro às vítimas (a começar pelo fur mil  António Silva Gomes, do Pel Caç Nat 58,  que veio do destacamento de Braia, bem como de outros  como  o 1º cabo enf do HM 241, António Oliveira,  e o 2º srgt mil Augusto Ali Jaló (comandante da coluna, será ferido com gravidade; "na cerimónia do 10 de junho de 1970, em Bissau, foi condecorado com a medalha de cobre de Serviços Distintos com Palma; em Agosto, seguinte, foi promovido a 2.º sargento"):

(...)  O furriel Dinis César de Castro foi capturado, tendo-lhe sido exigido que tirasse a farda. Recusou-se, com grande determinação e enorme sentido de patriotismo. Foi cruelmente rasgado, de lado a lado, com rajada de metralhadora. 

Este incomensurável gesto de patriotismo haveria de ser reconhecido pelo Estado português,  quando, na cerimónia do 10 de Junho de 1971,  Dinis César de Castro foi condecorado, a título póstumo,  com a Cruz de Guerra. (...)

Recorde-se a medalha da Cruz de Guerra destina-se a galardoar "actos ou feitos praticados em combate" (sic), sendo a atribuição de qualquer das classes da Cruz de Guerra (1ª, 2ª 3ª e 4ª) "dependende(nte) da posição hierárquica da entidade que confere o louvor, sendo condição essencial, justificativa da concessão de qualquer das classes desta condecoração, que os louvores respectivos refiram actos ou feitos praticados em combate, demonstrativos de coragem, decisão, serena energia debaixo do fogo, sangue-frio e outras qualidades que honrem o militar em frente do inimigo." (Portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar).

 

Furriel Milicianio de Infantaria Dinis César de Castro, CCaç 2589/BCaç 2885 - RI 15,  Guiné  > Cruz de Guerra de 4ª Classe (Título póstumo) (**)

Transcrição do Despacho publicado na OE nº 022 - 3ª série, de 1971.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, a título póstumo, nos termos do artigo 12.° do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 21 de Junho findo, o Furriel Miliciano de Infantaria, Dinis César de Castro, da Companhia de Caçadores n.º 2589/Batalhão de Caçadores n.º 2885 - Regimento de Infantaria n.º 15.

Transcrição do louvor que originou a condecoração (Publicado na OS n. 024, de 17 de Junho de 1971, do QG/CTIG):

Que, por despacho de 09Jun71, o Brigadeiro Comandante Militar louvou, a título póstumo, o Furriel Miliciano, n.º 15398468, Dinis César de Castro, da CCaç 2589/BCaç 2885, porque, numa emboscada levada a efeito por um grupo inimigo numericamente muito superior e tendo a viatura em que seguia ficado na 'zona de morte', patenteou invulgares qualidades de coragem, decisão, sangue-frio e muita serenidade debaixo de fogo.

Ligeiramente ferido num braço logo aos primeiros tiros, reagiu prontamente, tentando a todo o custo aproximar-se da testa da coluna, onde o número de baixas era mais elevado, sendo mortalmente atingido quando prestava ajuda a um camarada que se vira cercado por quatro elementos inimigos.

Com o seu acto, pleno de generosidade, demonstrou o Furriel Castro uma compreensão nítida dos seus deveres que o levaram até à dádiva da sua própria vida, o que além de constituir exemplo inesquecível, ficará a merecer a maior admiração e o respeito de todos.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo VI: Cruz de Guerra (1970-1971). Lisboa, 1994, pág. 491.

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sábado, 4 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)


O José da Cruz Mamede, de Casal Comba, Mealhada, morto em 12 de outubro de 1970:  foto de álbum da família. Cortesia de Lucília da Cruz Mamede (2007). A legenda é do Afonso Sousa.

Entretanto, por pesquisa na Net, ficámos a saber que a Câmara Municipal da Mealhada, em reunião ordinária de 26 de junho de 2021, aprovou por unanimidade "a alteração toponímica, na localidade de Casal Comba, da atual 'Rua de Traz das Eiras' para 'Rua José da Cruz Mamede'. Por ser esta a rua onde nasceu e viveu o homenageado antes da sua mobilização para a Guerra Colonial e onde viveu a sua família." 


1. A pedido da irmã, Lucília Cruz Mamede (Casal Comba, Mealhada) do nosso infortunado camarada, o ex-1.º cabo, de rendição individual, José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58, morto na emboscada de Infandre, em 12 de outubro de 1970, o nosso camarada Afonso Sousa, depois de dois anos de pesquisa (desde setembro de  2005) (*), organizou este dossiê (**), que merece honras de antologia e de ser republicado por ocasião dos 20 anos de existência do nosso blogue. (***)

O Afonso Sousa é um histórico do nosso blogue, é um dos primeiros de nós a  integrar a nossa tertúlia (logo em junho de 2005): tem 63 referências, foi fur mil trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), vive em Maceda, Ovar (a 70 km a noroeste da Mealhada, ambos os concelhos pertencendo ao distrito de Aveiro).


O fatídico dia 12 de Outubro de 1970: 
a emboscada de Infandre

por Afonso Sousa

“Recordar é manter a memória colectiva 
ao transmitir os factos do passado às novas gerações”.

 
I. Sete horas da manhã. Militares do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589, acantonados em Infandre (cerca de 10 km a NW de Mansoa), partem deste aquartelamento em direcção a Mansoa, em 2 viaturas Unimog, a fim de efectuarem mais um reabastecimento da Unidade.

Para a deteção de minas, um grupo de militares segue à frente das viaturas, fazendo a habitual picagem da estrada (de terra batida). Duas horas depois a coluna chega a Mansoa.

As viaturas são colocadas nas posições de reabastecimento. Alguns dos militares, como sempre o fazem (sempre que se deslocam à vila), procuram de imediato o único estabelecimento de comidas onde poderão refrear todo o seu justificado apetite pelo esforço destas 2 horas de marcha.

II. Encaminham-se, como sempre, para a Casa Simões, ali mesmo ao lado da Igreja de Mansoa. 

O Simões havia também cumprido o seu serviço militar na PM (Polícia MIlitar). em Bissau, e resolveu continuar na Guiné, abrindo em Mansoa um pequeno restaurante, sobretudo para apoio à comunidade militar desta zona. Por aqui, ele estava na boca de quase todos. Os que vinham da periferia não hesitavam em fazer uma visita ao restaurante. Assim aconteceu com estes militares do aquartelamento de Infandre. Era como que reviver, por instantes, sabores e momentos da saudosa Metrópole.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Igreja > Aqui estiveram as urnas dos militares mortos na emboscada de 12 de outubro de1970 , para as devidas honras e formalidades


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Casa Simões > Na esplanada do restaurante almoçam os fur mil César Dias e Caetano


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  O fur mil César Dias (à direita) e o 1º cabo Brogueira


IV. Reconfortados, estes militares lá voltaram ao espaço do reabastecimento. A operação de carga conclui-se. 

Eram cerca de 11 e meia. Ia começar a viagem de regresso a Infandre. Alguns civis, como de costume, acomodam-se nas viaturas, com as suas compras. A velocidade ronda os 50 - 60 km/h. 

Por volta das 11,45h a coluna está à vista do aquartelamento de Braia. Resolvem parar para um cumprimento rápido aos seus vizinhos e camaradas amigos e tomarem uma bebida. Deixam as viaturas sobre a direita da picada e vão até ao interior do fortim. A visita é rápida, não mais que 10 minutos.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > O fortim do destacamento


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Efectivos do destacamemto > Parte do 3.º Pelotão da CCAÇ 2589 ("Os Peras") mais quatro elementos do Pel Caç Nat 58 (um deles é o fur A Silva Gomes). Os restantes elementos destes dois Pelotões, juntamente com um Grupo de Milícia, constituiam o efectivo.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > 
Interior do aquartelamento (Messe). O fur mil António Silva Gomes, de perfil, a ler um jornal ou revista.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Em posição de continência,  o fur A Silva Gomes,  do Pel Caç Nat 58


V. É agora quase meio-dia. Vão retomar o caminho rumo a Infandre. Faltam apenas pouco mais que 4 Km.

Decorrem cerca de 5 minutos, após a partida. Os militares de Braia ouvem um intenso tiroteio para o lado do caminho que a coluna de Infandre seguia. Pressentiram, de imediato, que estava a ser atacada. A sua reacção foi instantânea. As duas viaturas do fortim, puseram-se estrada fora, a toda a velocidade. 

A estrada descreve uma curva à direita. Há um fardo de palha (talvez colmo) na estrada. Contornam-no. Cerca de trezentos metros depois da curva avistam-se as duas viaturas do aquartelamento de Infandre. Estão paradas na estrada. Em cima delas, nativos de armas apontadas ripostam à progressão dos homens de Braia. 

Estes saltam das viaturas e começam a progressão de forma mais cautelosa, pelas bermas da picada, junto ao capim. O furriel António Silva Gomes refere que teve necessidade de reposicionar-se para não ser atingido. Alguém lhe estava a chamar a atenção para isso. A nossa reacção foi determinada e eficaz. Os elementos do PAIGC começam a evadir-se no mato. 

Os militares socorristas aproximam-se. Junto às duas viaturas o ambiente é desolador, dramático... Militares mortos e feridos, no chão, em redor das duas viaturas. Os feridos em estado desesperado. Começam a ouvir-se o estrondo das granadas dos obuses de Mansoa que caíam para o lado da fuga do inimigo. Alguém já tinha dado o alerta. Procura-se o socorro possível aos feridos e estabelece-se a comunicação para as necessárias evacuações. 

O cenário é dantesco e de profunda emoção e tristeza. Um pelotão inteiro está ali, naquele pequeno espaço, completamente abatido. Os olhos humedecidos são de tristeza e de raiva. O inimigo tinha atingido os seus desígnios de forma cruel e bárbara. Diz o furriel António Silva Gomes: 

− Deparámos depois que a cerca de 50 metros, para o lado contrário da emboscada, junto a um bagabaga, aí se haviam escondido cinco dos nossos militares, sobreviventes sem ferimentos, que de forma instantânea e algo feliz conseguiram evadir-se através do alto capim, para o outro lado da picada.

Entretanto chegavam também, em socorro, militares de Infandre. Estes demoraram mais porque tiveram que fazer a deslocação a pé (as duas únicas viaturas existentes eram as que tinham sido emboscadas).

VI. Introduzo aqui um parêntesis para referir que tive, entretanto, conhecimento que o 1.º cabo enfermeiro António Oliveira, do Hospital Militar 241 de Bissau, chegou exactamente ao local da emboscada, por volta das 12,30h. 

Ele era um dos elementos que integrava a equipa do helicóptero que procedeu à evacuação dos feridos de maior gravidade.

Por ironia do destino, o Oliveira também é da Mealhada e morava a pouco mais de 2 km do José da Cruz Mamede. Este tinha estado a gozar férias em Bissau onde, conforme combinação prévia, deveria ter visitado o António Oliveira, no Hospital Militar. Por qualquer circunstância,  o José não esteve com ele e voltou a Infandre uns dias antes da fatídica emboscada.

O António Oliveira reconheceu, no capim, o seu amigo.  Estava do lado esquerdo (conforme a orientação das viaturas), a cerca de 10/15 metros da berma da estrada. Já estava sem vida. À minha observação para a distância a que se situava em relação ao local exacto da emboscada, disse-me que, provavelmente, ainda se terá arrastado naquele espaço, enquanto as forças lho permitiram.

Quanto ao Serifo Djaló, que morreu em Bissau, cinco dias depois, e o Natcha que morreu em 20 de novembro, confirma que se tratavam de elementos apanhados nesta emboscada e que haviam sido evacuados para Bissau.

Dada a quantidade de feridos, deram instruções imediatas para que de Bissau, partissem 2 ambulâncias, por estrada. Os 3 ou 4 feridos de maior gravidade, foram, de imediato, evacuados de helicóptero.

Refere que, antes de procederem à descida, no local, um T6 procedeu a bombardeamentos no enfiamento de Morés e Canquebo.

O António Oliveira não põe de lado a hipótese da coluna ter parado entre o fortim de Braia e a zona da emboscada, para dar boleia a alguém da população. Continua, por isso, a haver alguma dúvida se terão parado, para esse efeito. 

A paragem poderia ser tácita com os elementos do PAIGC. Por ora, é ainda uma questão difícil de investigar ou concluir. Sobre esta questão, o ex-furriel António Silva Gomes (um dos socorristas de Braia) afirma de forma quase peremptória que não houve qualquer paragem, dado que entre a saída de Braia e o momento da emboscada, apenas decorreu um intervalo de cinco minutos.

Quem sabe se algum daqueles 5 militares que estavam ilesos, atrás de um bagabaga, poderiam ajudar a esclarecer o assunto.

O problema é que ainda não se descobriu os seus nomes. Supõe-se que um deles terá sido o 1.º cabo Costa (Laureano Augusto Costa ?) que esteve emigrado em França e que acaba de regressar à sua terra, em Mirandela. O seu depoimento seria de grande interesse, mas não foi ainda possível contactá-lo.

VII. Segundo o António Oliveira, quem esteve também no local, nesse momento ou no dia seguinte, foi o Marcelino da Mata. 

O seu testemunho também poderia ajudar na pormenorização de uma ou outra questão sobre as quais pareça subsistir ainda alguma dúvida ou menor clarificação, como, por exemplo, esta: o ex-furriel César Dias diz que só no dia seguinte (13 de outubro) foram evacuados, de Mansoa, 6 elementos do Pel Caç Nat 58. 

O cabo enf António Oliveira diz que, de imediato (12 de outubro), foram chamadas ambulâncias, de Bissau, para procederem à evacuação de todos os feridos que o transporte de helicóptero não pôde contemplar.

Falta saber, quanto ao atado de palha, deixado na estrada (logo após a curva, pouco mais de 1 km à frente de Braia), se foi ou não aí colocado pelo IN e, em caso afirmativo, se o terá feito antes ou depois da passagem da coluna emboscada.

Os taipais das viaturas encontravam-se muito esburacados por força das rajadas, feitas quase à queima-roupa, já que a emboscada foi executada por elementos do PAIGC, camuflados no alto capim (lado N), a escassos 2 metros da borda da picada. Os nossos militares estimaram que seriam cerca de 100 guerrilheiros, com um relevante potencial de armamento.

O furriel Dinis César de Castro foi capturado, tendo-lhe sido exigido que tirasse a farda. Recusou-se, com grande determinação e enorme sentido de patriotismo. Foi cruelmente rasgado, de lado a lado, com rajada de metralhadora. 

Este incomensurável gesto de patriotismo haveria de ser reconhecido pelo Estado português, quando, na cerimónia do 10 de Junho de 1971, Dinis César de Castro foi condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra.

VIII. Introduzo aqui um testemunho, recente, de alguém que, na altura, seguiu e viveu este acontecimento:


"12-10-1970 é uma data que recordo com tristeza. Como muitas outras, era mais uma coluna a passar naquele itinerário, (Braia-Infandre), mas daquela vez havia à volta duma centena de guerrilheiros emboscados com morteiros, lança-granadas-foguete e armas automáticas. Chegaram mesmo a lutar corpo a corpo. 

"Sofremos 10 mortos (entre os quais, do Pel Caç Nat 58, o 1.º cabo José Mamede, o 1.º cabo Joaquim Baná e os soldados Cumba, Seidi, Mundi, e Baldée da CCAÇ 2589 o meu amigo Furriel Mil de Op Esp Dinis Castro, e os soldados Joaquim M Silva, Joaquim J Silva, Duarte Gualdino, a quem presto sentida homenagem), 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. 

"Recorri aos documentos que guardo com muito carinho, e mais uma vez fiquei emocionado" (Furriel mil César Dias – CCS / BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)


IX. Em 20 de Novembro de 1970, o furriel Carlos Fortunato, da CCAÇ 13, que se dirigia para Bissau para participar na Operação Mar Verde, passou no local da emboscada e viu, espetada num tronco, uma granada de RPG-7, que não tinha explodido. Estimava em cerca de 3 Km a distância até Braia. E, de facto, esse cálculo não estava muito longe da realidade.

Mais duas informações, entretanto recolhidas:

- Às 18,35h do próprio dia 12 de outubro de 1970, o IN flagelou Mansoa, com canhão sem recuo, a partir de Cussanja (junto ao Rio Geba) - 4,4 Km a SE de Mansoa, no entroncamento da estrada Mansoa-Cussaná-Cussanja com a estrada de Jugudul-Porto Gole. Cussanja, pela sua situação, junto à margem do Rio Geba, o IN tinha-a como um ponto privilegiado para flagelações de Mansoa. 

Tudo indica que esta flagelação terá surgido como retaliação aos bombardeamentos aéreos feitos pelas nossas tropas, logo a seguir à emboscada e teriam como objectivo surpreender os efectivos de Mansoa que estavam preocupados com a recolha dos mortos e feridos e com todas as acções inerentes ao desfecho da emboscada. Cussanja ficava precisamente do lado oposto de Braia/Infandre, a NW de Mansoa.

As pesquisas levam-nos, por vezes, a resultados surpreendentes, como é este caso que me acaba de ser relatado pelo 1.º Cabo Luís Camões, à altura, em Mansoa: 

O condutor de uma das duas viaturas emboscadas, quase dado como desaparecido, surgiu, à noite, em Mansoa (com a sua G3), depois de ter percorrido, pela mata, cerca de 9 km, previsivelmente em puro sofrimento (*). Falta averiguar o seu nome e se ainda permanece entre nós para, neste caso, procurar obter o seu testemunho e o porquê deste seu arriscado procedimento. (Pertencia à CCaç 2589 e estava adstrito ao Pel Caç Nat 58, em Infandre.)

X. O trajeto e os momentos do fatídico dia 12 de outubro de 1970

Momentos:
  • 7:00  >  Saída de Infandre
  • 9:00 >  Chegada a Mansoa
  • 9:30 - 10:00 >  Alguns dos elementos da coluna fazem a habitual visita à Casa Simões 
  • 10:00 - 11:30 >  Carregamento do reabastecimento
  • 11:50 >  Chegada a Braia
  • 11: 45 - 11:55 > Paragem em Braia
  • 12:00 >  Emboscada
  • 12: 04 >  Ajuda de Braia (chegada a 300 m do local da emboscada)
  • 12: 10 > Termo dos confrontos – evasão dos guerrilheiros do PAIGC

Distâncias:
  • Braia ao local da emboscada: 2,26 Km (0,8 Km na parte recta)
  • Braia a Infandre: 4,69 Km
  • Local da emboscada a Infandre: 2,43 Km
  • Infandre – Mansoa: 9,56 Km
  • Infandre – Namedão: 8 Km

Guiné > Região do Oio > Mansoa (1954) > Carta de 1/50 mil >  Trajeto Infandre - Braia - Mansoa, em 12 de outubro de 1970


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Estrada Mansoa - Braia -Infandre > 
Reta de 800 metros, entre a estrada da emboscada e a entrada do aquartelamento de Infandre


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > 
Local: a cerca de 500 metros do cruzamento para Infandre. Deslocação de uma das viaturas de Infandre, para apanhar lenha precisamente junto à estrada, a cerca de 1500 metros, onde, mais tarde, havia de acontecer a emboscada


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > s/d > Estrada Mansoa-Bissorã, algures, após o antigo fortim de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Uma 
 coluna da CCAÇ 13 acaba de atravessar a bolanha e o rio Braia e aproxima-se do aquartelamento de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >
Uma coluna da CCAÇ 13 após atravessar a bolanha, junto ao Rio Braia


XI. Mortos e feridos

A trágica ocorrência redundou em 10 mortos, 9 feridos, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. (6 mortos e 6 feridos eram do Pel Caç Nat 58 e os restantes da CCAÇ 2589 e população) . 

Dois dos feridos do Pel Caç Nat 58  vieram depois a falecer em Bissau, o que elevou o número de mortos, do Pel Caç Nat 58, para oito.

Listagem de mortos do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589

As listas dos combatentes falecidos no Ultramar, que podem ser consultas no site da APAV, ou da Liga dos Combatentes, nem sempre são rigorosas, neste caso omitiram o falecimento do sold Joaquim Manuel da Silva da CCAÇ 2589 (12/10/1970).

Lista dos mortos do Pel Caç Nat 58
  • Bomboro Joaquim - 21-08-1969
  • Joaquim da Silva Magalhães, 1.º Cabo - 30-08-1969
  • José da Cruz Mamede, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Joaquim Banam, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Idrissa Seidi, Sold - 12-10-1970
  • Tangina Mute, Sold - 12-10-1970
  • Betaquete Cumbá, Sold - 12-10-1970
  • Gilberto Mamadú Baldé, Sold - 12-10-1970
  • Serifo Djaló, Sold - 17-10-1970
  • Natcha Quefique, Sold - 20-11-1970

Lista dos mortos da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885
  • José Luciano Veríssimo Franco - 29-05-1969
  • António José Penhasco da Costa - 09-11-1969
  • Joaquim Moreira Marques - 09-11-1969
  • Dinis César de Castro, fur mil - 12-10-1970
  • Duarte Ribeiro Gualdino, sold - 12-10-1970
  • Joaquim João da Silva, sold - 12-10-1970
Em 20-11-1970, o fur mil Henrique Martins de Brito, do Pel Caç Nat 58, foi evacuado para a Metrópole.

Feridos do Pel Caç Nat 58 evacuados de Mansoa, para o HM241 de Bissau, no dia seguinte ao da emboscada:
  • Augusto Ali Jaló – 2.º sarg mil
  • Jamba Seidi – 1.º cabo
  • Malam Dabó – Sold
  • Serifo Djaló – Sold (viria a falecer 4 dias depois – 17-10-1970)
  • Jorge Cantibar – Sold
  • Samba Canté – Sold

XII. Notas e esclarecimentos adicionais:

(i) Justificação do espaço de 5 minutos entre a saída da coluna de Braia e o momento da emboscada:
  • Saída do fortim, chegada às viaturas e pô-las em movimento: 2 minutos;
  • Percurso de 2,26 Km (à velocidade provável de 50 km/h): 2,71 minutos (total: +/- 5 minutos).
Tem este cálculo o objectivo de comprovar (e confirmar testemunhos) de que neste espaço de 2,26 km a coluna não fez qualquer paragem e que o molho de palha encontrado na estrada, pelos militares de Braia, terá, eventual e estrategicamente, ali sido colocado por algum dos guerrilheiros do PAIGC, logo após a passagem da coluna, talvez com o objectivo de confundir ou surpreender os homens de Braia ou moderar a passagem das suas viaturas.

(ii) O José da Cruz Mamede (n.º 17762169), desembarcou em Bissau em 21/11/69. Veio, em rendição individual, para substituir o 1.º cabo Joaquim da Silva Magalhães (n.º 01779368), falecido em combate (Pel Caç Nat  58) em 30/8/69. O Manuel João Mimoso Belo (Sacavém) foi posteriormente para Infandre, para substituir o José da Cruz Mamede.

(iii) O Pel Caç Nat 58 chegou a Infandre a 16/11/69, para substituir o Pel Caç Nat 62, que foi extinto.

Durante a permanência em Infandre, o Pel Caç Nat 58 sofreu 16 confrontos, entre flagelações e emboscadas.

Era comandante do Pel Caç Nat 58 o alferes Eduardo Ribeiro Manuel Cardoso Guerra que não esteve envolvido neste acontecimento, visto não ter feito parte da coluna de reabastecimento. Consta-se que, posteriormente, foi evacuado para a Metrópole, não se sabe se por doença ou por ferimentos em combate.

(iv) À data da emboscada, era esta a distribuição dos efectivos militares, nestes 2 destacamentos:
  • Infandre: 2 Sec do Pel Caç Nat 58 + 1 Sec de um 1 Gr Comb da CCAÇ 2589 + Grupo de Milícia;
  • Braia: 2 Sec de um Pel da CCAÇ 2589 + 1 Sec do Pel Caç Nat 58.
(v) O Henrique Martins de Brito, furriel, mais tarde (20/11/70), viria a ser evacuado para a Metrópole, não se sabe se em consequência de ferimentos, nesta emboscada.

(vi) Em Mansoa estava sediado o BCAÇ 2885 (RI 15 – Tomar – Maio de 1969 a Fevereiro de 1971). Rendição do BCAÇ 2885 pelo BCAÇ 3832 (RI 2 – Abrantes - Janeiro de 1971 a Janeiro de 1973.
 
(vii) Testemunho que  obtive, em 2007,  de um dos feridos na emboscada :

O Augusto Ali Jaló,  então 2.º sargento, era o comandante desta coluna de reabastecimento. Localizei-o na zona de Lisboa. Tive com ele uma agradável conversação, no sentido de tentar obter a clarificação de algumas destas questões. Nesta coluna, o Augusto seguia na viatura da frente, a mesma onde também seguia o José Mamede. Ao eclodir da emboscada, saltou da viatura. Não foi atingido mas sofreu um severo trautamatismo craneano e uma grave contusão no joelho esquerdo. O helicóptero que se apresentou no local, 20 minutos depois da emboscada, levou o Jaló para Bissau, juntamente com outros 3 dos feridos mais graves. Esteve 3 meses, com gesso, no Hospital de Bissau.

Quanto à sua condecoração, confirma-se. Na cerimónia do 10 de junho de 1970, em Bissau, foi condecorado com a medalha de cobre de Serviços Distintos com Palma. Em Agosto, seguinte, foi promovido a 2.º Sargento.

Outras clarificações:

O furriel Henrique Martins de Brito, evacuado para a Metrópole 8 dias depois da emboscada, não participou nesta coluna de reabastecimento. A sua evacuação terá derivado de doença.

O molho de palha (molho de "fundo", segundo o Jaló) que estava na estrada, após a curva, foi deixado por algum elemento da população, logo após ouvir a 1.ª detonação da emboscada. Não se tratou, por isso, de qualquer estratagema do PAIGC. Quando a coluna passou não estava lá.

Confirma o Augusto Jaló que não pararam para dar qualquer boleia o que, de todo, dissipa algumas dúvidas que ainda existiam sobre esta questão.

E revela ainda: na zona da emboscada, os guerrilheiros haviam colocado uma mina antcarro mas, à vista da coluna e à sua aproximação ao sítio da mina, os guerrilheiros anteciparam-se com uma roquetada. O condutor da 1.ª viatura (onde ia o Jaló), desviou-se ligeiramente para a direita e, por felicidade, contornou a mina, não a accionando. De contrário a tragédia teria sido ainda maior. 

O José Mamede ia do lado direito dessa 1.ª viatura (lado da emboscada e lado do Morés). Foi atingido e ainda encetou um movimento de refúgio para o lado esquerdo. Morreu a cerca de 15 metros da estrada. Foi aí que o seu conterrâneo e amigo António Oliveira (1.º cabo enf do HM241 de Bissau) o encontrou, após a descida do helicóptero que veio proceder à evacuação dos feridos de maior gravidade, entre eles o Jaló.

Confirma também o Augusto que uma secção do Pel Caç Nat  58 fez a picagem entre Infandre e Mansoa e que alguns dos elementos da coluna estiveram a comer na Casa do Simões e na Tasca da Emília de Sá. (Em 2007, o Simões era o gerente e proprietário de “O Painel – Restaurante Simões, Lda”, próximo da Curia.)

O Jaló, como responsável da coluna, não pôde deslocar-se a estes estabelecimentos, de visita costumada, por estar envolvido na orientação do reabastecimento.

Sobre os 5 militares que se protegeram atrás de um bagabaga, não sabe dizer quem eram, dado que estava muito ferido e foi, de seguida, evacuado para Bissau. O mesmo e pelas mesmas circunstâncias, quanto ao condutor que, à noite, apareceu em Mansoa, apenas acompanhado da sua G3.

Os militares mortos foram levados para Mansoa, onde estiveram na igreja local, para as habituais formalidades.

Outros testemunhos poderão, ainda, vir a ser obtidos, no sentido de chegar a um registo factual, tão exaustivo quanto possível, sobre este trágico acontecimento.


XIII. Agradecimentos

A todos os que, de alguma forma, contribuíram com as suas informações ou testemunhos, para que se pudesse encontrar a clarificação possível sobre esta trágica ocorrência.

Entre esses, permito-me destacar:
  • César Dias (fur mil sapador, CCS BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71):procedeu a um armadilhamento na zona Braia-Infandre (por estas alturas);
  • António Silva Gomes (fur mil, Pel Caç Nat 58,  Braia, 1970);
  • “Kimbas do Olossato” (onde coloquei esta 1.ª mensagem, em setembro de 2005, questionando se alguém poderia informar onde estaria sediado o Pel Caç Nat 58, em Outubro de 1970); página descontimuada: capturada pelo Arquivo.pt:  https://arquivo.pt/wayback/20140926210228/http://kimbas.no.sapo.pt/ ;
  • Benjamim Durães (fur mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72); foi crucial para o seguimento da pesquisa; foi ele que, após ter visto a minha mensagem (de 2005) no sítio Kimbas do Olossato, se me dirigiu, em 18/3/2007, para me fornecer o guião do Pel Caç Nat 58;
  • Manuel João Mimoso Belo (1.º Cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970);
  • Dinis Pinto Silva (1.º cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970; depois da comissão: professor em Infandre);
  • Manuel Simões (Restaurante Simões dos Leitões – Tamengos (junto à Curia, Anadia), telefone 231202031);
  • Carlos Fortunato (Fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71); criador do sítio  da CCAÇ 13: https://arquivo.pt/wayback/20140926233410/http://leoesnegros.com.sapo.pt/ ). Na página da CCAÇ 13, Leões Negros, existe uma subpágina dedicada a este tema, com o título Pel Caç Nat 58;
  •  Luís Graça (editor do maior Blog sobre a Guerra na Guiné: Luís Graça & Camaradas da Guiné;
  • Paulo Raposo (alf mil, CCAÇ 2405/BCAÇ 2852, Mansoa e Dulombi, 1968/70);
  • Joaquim Mexia Alves (alf mil, CART 3492,  Pel Caç Nat 52 e  CCAÇ 15, 1971/73);
  • Jorge Cabral;
  • Augusto Ali Jaló;
  • Eduardo Ribeiro (fur mil op esp / ranger, CCS/BCAÇ 4612; mais conhecido por Pira de Mansoa);
  • Artur Conceição;
  • Paulo Reis (Inglaterra) pcv_reis@yahoo.co.uk – jornalista em missão de pesquisa nos arquivos do CTIG);
  • Aniceto Henrique Afonso (na altura, ten cor, Director do Arquivo Histórico Militar (Exército), ahm@exercito.pt ;
  • António Oliveira (1.º Cabo Enfermeiro,  HM241 de Bissau); fez parte da equipa heli-transportada que procedeu à evacuação de alguns dos feridos, a partir do local da emboscada;
  • Lucília da Cruz Mamede (irmã do falecido José da Cruz Mamede), Mealhada.
Nenhuma pesquisa deste género poderá dar-se por finalizada enquanto subsistirem dúvidas, omissões, imprecisões ou desencontro de informações.

Pese embora toda a boa vontade, interesse e persuasão, como esforço investigativo, a exactidão, pela exaustão e cruzamento dos relatos, o fundamento dos conceitos ou a isenção, são factores determinantes que conduzem à autêntica realidade. Enquanto não se atingir esse patamar, teremos sempre e apenas relatos próximos ou tendentes a essa certeza, por onde, eventualmente, perpassam ainda algumas interrogações.

Vem a propósito referir que o Carlos Fortunato contava voltar a Infandre (provavelmente ainda no ano de 2007) e propunha-se encontrar alguém que tivesse estado envolvido nesta sinistra emboscada, que vitimou, praticamente, um pelotão. Não sabemos se o conseguiu fazer  esse papel de repórter, quase quarenta anos depois de haver calcado aquelas paragens, envergando a farda do exército português. Era sua intenção ir à procura de outros eventuais pormenores, testemunhos e justificações e trazer mais algumas imagens da realidade presente destas terras de Mansoa.

Fotos cedidas por gentileza de:
  • António Silva Gomes (Lisboa), ex-fur mil Pel Caç Nat 58;
  • Joaquim Carlos Fortunato (Lisboa), ex-fur mil, CCAÇ 13;
  • César V. Dias (Santiago do Cacém), ex-fur mil, CSS/BCAÇ 2885 (Mansoa);
  • Lucília Cruz Mamede  (Casal Comba – Mealhada), irmã do falecido José da Cruz Mamede
Com o meu especial agradecimento.

Fotos (e legendas) : © António S. Gomes, J.Carlos Fortunato, César Dias e Lucília Cruz Mamede, Afonso Sousa (2007). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

(Revisão / fxação de texto, reedição das fotos: CV/LG)
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Notas de CV / LG:

(*) Vd. postes de 3 de Abril de 2007:


(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

Vd. também poste de 3 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)