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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26523: In Memoriam (534): O Alberto Leite Rodrigues que eu conheci (José Teixeira/Tabanca de Matosinhos)



O Alberto Leite Rodrigues que eu conheci

Por José Teixeira

Bastaram três meses de guerra ao Alberto Leite Rodrigues para ganhar uma Cruz de Guerra, da qual nunca falou aos seus amigos, e para o marcar para toda a vida. Foram umas curtas, mas dolorosas “férias” que acabaram com uma basucada nos queixos a caminho de Sinchã Jobel. Fora colocado por azar nos trilhos do famoso comandante Gazela e este não perdoava. Andou por lá o saudoso Marques Lopes e teve de recuar com feridos e mortos por duas vezes. O Alferes Fernando da Costa Fernandes que foi substituir o Marques Lopes, ferido em combate, numa terceira tentativa, caiu numa emboscada em 18 de dezembro de 1967 e não resistiu. Morreu a caminho de Sinchã Jobel.

O nosso saudoso e querido amigo Leite Rodrigues, teve um pouco mais de sorte, pois, ao tentar lá chegar, caiu de queixos, ficou com a língua em bocados, mas conseguiu levantar-se, e regressar a Portugal, ao fim de três meses de guerra, com uma cruz ao peito, mas estranhamente nunca nos falou dela.

Alferes Miliciano de Cavalaria ALBERTO BERNARDO AZEVEDO LEITE RODRIGUES
CCav 1748 / BCav 1905 - RC7 - GUINÉ
Cruz de Guerra de 4.ª CLASSE

Transcrição do Despacho publicado na OE n.º 1- 2.ª série, de 1972.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª classe, nos termos do artigo 12.° do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n." 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 03 de Novembro último, o Alferes Miliciano de Cavalaria, Alberto Bernardo Azevedo Leite Rodrigues, da Companhia de Cavalaria n.º 1748 / Batalhão de Cavalaria n.º 1905 - Regimento de Cavalaria n.º 7.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o 56, de 08 de Maio de /968, do Comando do Agrupamento n.o 1980):

Louvo o Alferes Miliciano de Cavalaria, Alberto Bernardo Azevedo Leite Rodrigues, da CCav 1748 / BCav 1905 - RC7, pela forma eficiente e dinâmica como soube comandar e instruir os homens do seu Gr Comb, tipo "comandos", quer na Metrópole, quer durante os três meses de permanência nesta Província.

Nas operações em que tomou parte, sempre se afirmou como um bom combatente,dotado de reais qualidades de coragem e decisão. Tendo sido ferido numa operação, com bastante gravidade, pelo que ficou impossibilitado de falar, longe de ficar abatido por tal facto, continuou a incutir coragem a todos com o seu exemplo, acorrendo a toda a parte onde a acção se tornava necessária.

Sendo-lhe aconselhado, atendendo a que estava ferido, que fosse para a retaguarda e não se expusesse repetidas vezes, indiferente ao perigo, voltou à frente para auxiliar e receber ordens do seu comandante de Companhia.

Disciplinado e disciplinador, bom camarada e bom chefe, conquistou o Alf. Leite Rodrigues a consideração e estima do seu comandante de Companhia, dos seus camaradas e dos seus subordinados, em todos deixando saudades.


Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo VII: Cruz de Guerra (1972/73), Lisboa, 1995, pág. 42
_____________

O Leite Rodrigues era um exímio contador de histórias, não só da guerra, mas também:

Contava ele que o avião que o trouxe, ferido, da Guiné, veio de noite de modo a chegar a Lisboa no escuro da alta madrugada, para não serem notados, e vinha carregado de feridos muito graves. O que estava em melhores condições era ele, que apenas vinha com uma fome de criar bicho, com a língua traçada e a boca selada com arames, pois os ossos do queixo ficaram em bocados. Entre os feridos, vinha um grande grupo de queimados em grau elevado, devido ao rebentamento de uma granada incendiária num embate com o inimigo, creio que em Bula. Todos embrulhados em gaze, pareciam múmias, era assustador e doloroso olhar para aquelas criaturas, comentava com ar pesado o Leite Rodrigues, nas suas lembranças, passados tantos anos…

Acompanhavam-nos duas zelosas enfermeiras, que tudo tentavam para lhes amenizar as dores. Às tantas ouve-se um gemido. – Senhora enfermeira quero mijar! E logo uma sorridente bata branca se aproximou, desapertou-lhe a carcela, e o pobre do rapaz aliviou-se. De seguida, todos os queimados, em carreirinha, apelaram às enfermeiras para os por a mijar… e foi assim durante o resto da noite. E, ele que nem falar podia, apreciava silenciosamente a paciência e o zelo das queridas enfermeiras.

Quando chegaram a Lisboa, desembarcaram e seguiram para o Hospital em ambulâncias militares, sem fazer o tradicional ninau! ninau!ninau!, para não incomodar os lisboetas.

Encaminharam-no para uma camarata, e atribuíram-lhe uma cama no R/C.
Ao pousar os seus haveres tocou em uma coisa dura, que tombou ruidosamente.

O Camarada que dormia no primeiro andar disparou:
– Deste-me cabo da perna, amanhã vou foder-te o juízo!

O Leite Rodrigues tentou dizer-lhe que foi sem querer, mas apenas consegui balbuciar, nh! nh! nh!
– Tu grunhas meu fdp! Quando me levantar vou te partir os queixos!

No dia seguinte de manhã, cruzaram o olhar calmamente, e descobriram que tinham sido colegas do mesmo pelotão na recruta em Mafra. Um abraço não esperado, sem palavras, mas sentido. Do Leite Rodrigues apenas se viam os olhos; o camarada chegara uns tempos antes vindo de Moçambique, sem uma perna que fora levada por uma mina antipessoal.

Tinha um prazer imenso em usar da palavra, nos almoços semanais da Tabanca de Matosinhos. Era exímio e profundo. Tocava-nos no coração e todos nós adorávamos ouvi-lo saudar um camarada em festa de aniversário, como o fez, em 12 de fevereiro, pela última vez para me saudar a mim, Zé Teixeira, na minha passagem para o 79. De surpresa, sem eu contar, ouvi soar da sua boa palavras tão lindas que ficarão gravadas eternamente.

Acolher alguém que vem pela primeira vez; para relembrar um acontecimento, uma passagem da história, saudar uma senhora, esposa de um camarada, que nos visita; uma pessoa ex-combatente, ou não, de alguma relevância que vem ao nosso encontro. Tantas e tantas vezes, que algum de nós, ia ter com o Leite Rodrigues a pedir para falar sobre um assunto de interesse.

Mas o que ele gostava mais, era falar da guerra, suas causas e consequências no tempo e ainda hoje, pelas marcas que nos deixou e que irão connosco para a cova. Falava com muito entusiasmo do Vinte e Cinco de Abril, sem paixões, mas com paixão e ardor. Relembrar o antes, o estado do povo e sobretudo de nós os jovens dessa altura. As razões da origem deste dia, como se foram acumulando. Como fomos preparando o terreno, até que chegou o momento em que os militares rebentaram com o regime, e ele estava lá como Capitão na GNR. Depois o povo fez o resto. Gostava de falar desse Vinte e Cinco de Abril que acabou com uma guerra estúpida, sem sentido, que estava a matar a juventude deste país e um povo. E todos nós fomos as suas vítimas.

Gostava de falar aos jovens e todos os anos, por altura do Vinte e Cinco de Abril, fazia um périplo pelas escolas de Vila do Conde, a convite de um tabanqueiro muito querido, Presidente da Associação local de Antigos Combatentes, o Manuel Nascimento Azevedo, para falar aos jovens do Grande Dia da Liberdade.

Foi este homem que acabamos de perder.

Há outras facetas da vida dele: O seu amor aos cavalos. A sua ligação ao Hipismo como atleta campeão olímpico e nacional por diversas vezes. A sua arte como professor de Hipismo e a escola que criou no Centro Hípico de Matosinhos Leça.

Mas, a marca que vai ficar mais patente em nós é o tempo em que convivemos com ele, desde 2006, pelo que aprendemos com ele, pelo prazer de ouvir as suas palavras de alento, que agora nos vão falhar, pela sua alegria e boa disposição contagiante, sobretudo pela sua presença.

Obrigado, Leite Rodrigues.
Zé Teixeira

A comemorar o seu aniversário no restaurante do Centro Hípico.
A saborear o almoço ao lado do tabanqueiro mor - Eduardo Moutinho Santos.
Outro aspeto da Tabanca de Matosinhos em dia de festa.
A amizade expressa no abraço ao camarada que uma vez por mês nos vem visitar e a quem o grupo paga o almoço.
Uma imagem da Tabanca de Matosinhos à quarta-feira
Talvez a falar do Vinte e Cinco de Abril.
O Leite Rodrigues a usar da palavra
A saudar o aniversariante no dia 12 de fevereiro.
No Aniversário do Leite Rodrigues no Restaurante do Centro Hípico, com o Nascimento Azevedo a fazer um brinde.
O abraço do José Fernando Couto
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Nota do editor

Vd. post de 22 de Fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26518: In Memoriam (533): Cap Cav Ref Alberto Bernardo Leite Rodrigues (1945-2025), ex-Alf Mil Cav da CCAV 1748 (1967/69): A Tabanca de Matosinhos fica doravante mais pobre (José Teixeira)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26316: Casos: a verdade sobre... (51): a terrível emboscada na estrada Ponte Caium-Piche, em 14/6/1973 (ex-sold cond auto, Florimundo Rocha, c. 1950-2024; ex-fur mill Ribeiro, natrural de Braga, CCAÇ 35446, Piche, 1972/74)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > Dezembro de 2015 > O que resta do célebre memorial do 3º Gr Com da CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974)), dedicado aos seus mortos: "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74" (***)...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços, morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio... A trágica ocorrência foi no dia 19 de fevereiro de 1973...  O 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em 14 de junho de 1973).

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A CCAÇ 3544 (Piche e Pontre Caium, 1972/74) pertencia 
ao BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74) (***)



Florimundo Rocha
(c. 1950-2024)
1. Morreu há dois meses o nosso camarada Florimundo Rocha (ex-sold cond auto, CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74, natural de Lagoa, membro da Tabanca Grande, desde 11/4/2011 [foto à direita, Ponte Caium, 1973] (*):

Ele era um dos sobreiventes dos ocupantes do Unimog 411 ("burrinho"), que ia à frente da pequena coluna  que foi emboscada em  14/6/73, a escassos quilómetros de Pixhe.  Ele era o condutor.

Em sua homenagem, voltamos aqui a reproduzir a reconstituição desse confronto com o IN, juntando a também a versão d0 fur mil Ribeiro (natural de Braga) que ia ao lado do condutor, e que foi gravemente ferido. (**)


I. O Rocha já não se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973.


Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o “burrinho do mato”, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa, Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos…

II. Também não pode precisar a hora exata, mas terá sido depois das 9 da manhã. "Foi seguramente da parte da manhã".

Antes de partirem para Piche, uns tinham jogado à bola, e outros (uma secção) tinham ido à lenha, como era habitual… Eram actividades que eles faziam pela fresca. Lembra-se que o Torrão nesse dia estava de serviço à lenha. Quanto ao futebol, costumavam jogar, de manhã, pela fresca. O Rocha não falhava um jogo, aliás veio continuar, depois da peluda, a jogar futebol, em clubes da 2ª e 3ª divisões, no Algarve. (Ele era naturaçl de Lagoa.)


III. Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras.


Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que “malta de Buruntuma [CCAÇ 3544], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]” também vinha atrás, numa terceira viatura…

O "Wolkswagen" (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele, no Unimog 411. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores.

IV. A distância entre a primeira viatura (o Unimog 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de “80 metros”. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o “burrinho” dava, em estrada alcatroada.

O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi “na curva” que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. “Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil”… Pelo número de efectivos (falava-se no fim “em mais de 200”), está visto que a emboscada “não era para eles”, mas sim para o pessoal de Piche.

V. Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na “zona de morte”, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. 

O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo (da estrada Ponte Caiuu- Piche).  O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN.

VI. A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… 

Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash…

VII. Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada.

 Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como “dormia todos os dias, como ainda hoje dorme” (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > Da esquerda para a direita: O 1º Cabo Pinto, e os soldados Ramos, Cristina (segurando granadas de morteiro 60), o "Wolkswagen#, o Fernandes, de pé (outro que morreu na emboscada de 14/6/1973) e o Silva ("que percorreu 18 km com um tiro no pé!")... Foto e legenda do Jacinto Cristina: falta identificar o condutor do Unimog 404.

Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


VIII. A única versão que até agora tínhamos desta emboscada, era a do Cristina (que ficou no destacamento e que, portanto, só pode contar o que lhe contaram os sobreviventes; ou do que se lembra dessas versões, e que já aqui resumimos, em tempos:

(...) “Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo ‘estimado em 400’ elementos IN (ou ‘turras, como a gente lhe chamava’)...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlô e o Fernandes foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.

(...) “Com as granadas de mão dos mortos, o 'Wolkswagen' conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levo um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento”...


IX… E voltamos ao monumento erigido à memória dos mortos da Ponte Caium (vd. foto acima). A ideia, não há dúvida, “foi do Alexandre”, do Carlos Alexandre, o "Peniche". que tinham conhecimentos de moldes por trabalhar na construção naval, na sua terra, Peniche.

 Ele, Rocha, também deu uma ajuda. Mas não lhe perguntem datas nem pormenores. Disse-lhe que o Cristina já não se lembrava de nada e que o Alexandre estava furioso por causa da amnésia dos camaradas.

X. Disse-me, por outro lado, que a filha ia mandar-nos as fotos pedidas, para poder entrar na nossa Tabanca Grande.

 Sentiu-se muito bem em falar comigo e contar toda esta tragédia. Estava mais calmo do que da primeira vez, em que me falou desta tragédia, emocionadíssimo. É um homem simples e franco. Pu-lo à vontade, mas ainda não consegui que ele me tratasse por tu… “Muito obrigado, o senhor (sic) tem aqui uma casa às suas ordens, quando vier a Lagoa”…

XI. Da nossa conversa, à noite ao telefone (foi ele que me ligou), fiquei a saber que, em janeiro de 1973, tinha vindo de férias à Metrópole. 

Estava, de regresso, em Piche quando se deu a tragédia que matou o furriel Cardoso, já em 19 de fevereiro de 1973. Só depois dessa data é que foi para a ponte, para onde ninguém gostava de ir. E por lá ficou até ao fim da comissão.

XII. Mas logo a seguir, aconteceu outra tragédia: a morte do Silva, apontador de canhão sem recuo… 

Morreu na sua viatura quando tentaram levá-lo, moribundo, até ao helicóptero, foram pela estrada fora, sem picar, sem segurança. Tarde demais. Um estúpido acidente, que marcou muito o grupo.

XIII. Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro “grande”, o 81…

O Rocha esclarece ainda que na foto de grupo [vd. poste P8029], não é o Santiago (que é da Covilhã), mas sim o Serra (que é de Barcelos), quem aparece à esquerda, de pé…

XIV. Nunca foi a um convívio do batalhão ou da companhia. Voltei a dar-lhe os contactos telefónicos do Jacinto Cristina. Tentara ligar para o fixo, mas ninguém atendeu. Em, contrapartida, já tinha falado com o Alexandre (ou o Alexandre com ele), o "Peniche"….

Sobre a ponte diz que era de boa construção, dos princípios dos anos 60. “Até se dizia que tinha sido construída pelo Amílcar Cabral”… Rectifiquei: o Cabral não era engenheiro de pontes, mas agrónomo… Não bate certo…

XV.  Outras memórias da ponte: O gen Spínola um dia aterrou lá, estavam a jogar futebol… Usavam todos barba e cabelo compridos. 

Não havia barbeiro. O Spínola deu uma piada qualquer, ia de heli para Buruntuma.

XVI. Despedi-me do Rocha, para o poupar, mas com a promessa de voltarmos a falar, com mais tempo e vagar. Percebo que lhe fazia bem. 

E que, por outro lado, só lhe interessa a verdade dos factos… Parece ter boa memória fotográfica.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > 3º Grupo de Combate (Os Fantasmas do Leste) > Destacamento da Ponte de Caium > 1973 > Álbum fotográfico do Florimundo Rocha >  A famosa equipa de futebol: 

"Em primeiro, ao centro, o Rocha, o dono da bola, à direita o José Alberto, à esquerda o Pinto [que o Jacinto Cristina voltou a reencontrar 38 anos depois]. 

"De pé, na segunda fila, à direita, o Barbeiro, o furriel Barroca, o Santiago que tem a fita na cabeça, e o furriel Ribeiro" (Legenda: Carlos Alexandre, Peniche).


Foto: © Florimundo Rocha (2011). Todos os direitos reservados .
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Reproduzimos a seguir o comentário do ex-fur mil Ribeiro, que vive hoje em Braga, e que pertencia ao 3º Gr Comb ("os Fantasmas do Leste") da CCAÇ 3546 (Piche e Ponte Caium, 1972/74), ao poste P8061 (****). 

É pena não haver mais versões,  que nos permitissem, por exemplo, confirmar a alegada participação de cubanos e a  crueldade dos tiros de misericórdia aos moribundos (cujos cadáveres terão sido depois retalhados com rajadas de Kalash, com requintes de selvageria) (*****).

A única informação de dispomos, do lado do exército, é a que é reproduzido pela CECA (2015):  não bate certo com as versões aqui apresentadas, que falam em quatro mortos (o 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos), quatro feridos graves, evacuados para o HM 241 (o fur mil Ribeiro, mais o   Algés, o Silva e o Rolo), e um Unimog 411 destruído por LGFog RPG...

Além disso, os militares emboscados não podiam perfazer dois grupos de combate: só havia um destacado na Ponte Caium (er alguns militares tiveram que lá ficar para assegurar a sua defesa, como foi o caso do Jacinto Cristina, que era municiador de morteiro 81, e o Sobral, que era o apontador)...  

Segundo o testemunho reproduzido a seguir, do ex-fur mil Ribeiro (e que bate certo com a informação que me deu em tempo o Jacinto Cristina), o destacamento da Ponte Caium foi a Piche com um "seção reforçada", num Unimog 411 (e uma Berliet de Camabajá (carregada com materiais de construção). 

Fazer uma coluna destas, numa distância de mais de 20 km, com um "burrinho" e uma secção, era temerário... Dá impressão que alguém (o comando do BCAÇ 3833, ou o comandante da CCAC 3546) quis "branquear" a situação... 

"Acção - 14Jun73

Pelas 08h45, na região de Copiró 
 [e não Capiró] sector L4, na área de Piche, 2 GComb / CCaç 3546 foram emboscados por um grupo inimigo que causou às NT 3 mortos, 2 feridos graves e 14 feridos ligeiros na região de Copiró. 1 viatura "Unimog" das NT ficou danificada."


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 302 (Com a devida vénia...).


3. Comentário do fur mil Ribeiro, 3º Gr Com / CCAÇ 3546 (****):

Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973:

Ponto nº I:

(…) “O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o ‘burrinho do mato’, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa. Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos” (…) (FR).


Quem ia de pé ao teu lado era eu, furriel Ribeiro; atrás, sentados do lado esquerdo (da morte), ia o Fernandes, o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram; e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta.


Ponto nº III :

(…) “Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que ‘malta de Buruntuma [CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]’ também vinha atrás, numa terceira viatura… O 'Wolkswagen' (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores” (…) (FR).


Nós fomos a Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso, do 1º pelotão, chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um Unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos. Não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma Berliet de Camajabá.

Ponto nº IV:

(…) “A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de ‘80 metros’. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o ‘burrinho’ dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi ‘na curva’ que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. ‘Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil’… Pelo número de efectivos (falava-se no fim ‘em mais de 200’), está visto que a emboscada ‘não era para eles’, mas sim para o pessoal de Piche. (…) (FR).


A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que, não se sabe porquê!, foi anulada em Nova Lamego.


Ponto nº V:

(…) “Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na ‘zona de morte’, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN. (…) (FR).


O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha.

 Ponto VII:

(…) Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como ‘dormia todos os dias, como ainda hoje dorme’ (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)… (FR).


Ó Rocha, não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu.


Ponto XIII:

(…) “Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro ‘grande’,  o 81” (…) (FR).


Os Furriéis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão; passada uma semana foi o pelotão com o furriel Barroca para a Ponte Caium e eu, furriel Ribeiro,  fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler […] (codificar e descodificar mensagens ). Estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o furriel Barroca.



4.  Comentário do editor:

Não temos aqté  agora (passados 13 anos!) qualquer contacto do Ribeiro (telemóvel, telefone, email...), a não ser este comentário. Dizem-nos que vive em Braga. Mas sabemos que é leitor do nosso blogue. 

Aproveitámos, na altura, em 2011,  para lhe agradecer os preciosos esclarecimentos adicionais que veio trazer sobre esta emboscada de que ele felizmente escapou, embora ferido com gravidade.

 Não é fácil "voltar ao passado" e reviver momentos terríveis como este. Mais um razão para o Ribeiro se juntar â nossa Tabanca Grande, composta na sua grande maioria por camaradas da Guiné, de diferentes épocas da guerra, de 1961 a 1974, e de diferentes lugares, de norte a sul, de leste a oeste... Continua  de pé o nosso convite,s e por acaso ele nos voltar a ler.
 




Guiné > Zona Leste >  Região de Gabu > Carta de Piche (1957) (escala 1/50 mil) > Local provável, assinalado a vermelho,  na zona de Copiró, da emboscada, levada a cabo por um forte dispositivoo do PAIGC, integrando "cubanos", a "três ou quatro quilómetros de Piche", a seguir a a um curva, do lado esquerdo da estrada (alcatroada) Ponte Caium-Piche, em 14 de junho de 1973. 

 O troço Ponte Caium-Buruntuma não estava alcatroado em 1974 (segundo o depoimento do Rocha). Repare-se que estamos perto da fronteira com a Guiné Conacri, na direcção sudeste (para onde terão retirado as forças do PAIGC, que seriam  c. de 200, segundo a versão do Rocha, um número de qualquer modo impossível de confirmar).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

__________

Notas do editor:



Vd. também poste de 24 de março de 2010 > Guiné 64/74 - P6042: Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina, natural de Ferreira do Alentejo, CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74): Foi soldado atirador, mas a guerra fê-lo padeiro...

(*****) Último poste da série > 4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26198: Facebook...ando (67): Joaquim Gregório Rocha, da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72): participou na trágica Op Abencerragem Candente (25-26 de novembro de 1970), era do 4º pelotão (do fur mil Cunha, uma das vítimas mortais), vive em França e manifestou, há dois anos, interesse em integrar a Tabanca Grande



Joaquim Gregório Rocha > O antigo militar da CART 2715 / BART 2917, "Os Fantasmas do Xime"  (Xime, 1970/72)... Não sabemos nem o seu posto nem a sua especialidade: aqui é fotografado como apontador ou municiador de morteiro 60... 







Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

Joaquim Gregório Rocha é emigrante,  de longa data... Vive em Onzain, Centre, France. Tem página no Facebook, e apenas duas ou três fotos da Guiné, Pertenceu à CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72).


1. Por onde param os camaradas da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72) que, juntamente com a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71),  fizeram a Op Abencerragem Candente, no subsetor do Xime, em 25 e 26 de novembro de 1970 ? 

Uma operação de trágica memória, que se saldou por um dos maiores desastres das NT, naquele subsetor do sector L1 (Bambadinca), região de Bafatá, em toda a guerra: 6 mortes, 9 feridos graves, com sequelas tremendas no "moral" do pessoal da CART 2715 que, dentro de mês e meio, iria perder o seu comandante, evacuado para o HM 241, com baixa psiquiátrica, o cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014) (membro da Tabanca Grande, nº 781, a título póstumo, entrado em 26/11/2018, 48 anos depois da  Op Abencerragem Candente,sobre a qual temos cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue).

Por onde param os "Fantasmas do Xime" ? 

2. Em 27/11/2022, 21:14.  recebemos uma mensagem, pelo formulário de contacto do Blogger, da parte do Joaquim Gregório Rocha:


(...) Obrigado.pelo teu poema, verdadeiro, passado perto da Ponta do Inglês. Eu fazia parte do 4º pelotão, o mesmo do malogrado furriel Cunha. Que descanse em paz. (...). Ia nessa operação. (...)

Caro amigo, gostava imenso de ser membro da Tabanca Grande. Eu estive no Xime de 70 a 72. (...)

Um grande abraço.

Joaquim Rocha Gregório | joaquimgregorio0@gmail.com (...)

 
3. Em 4/12/2022, 12:31, o nosso coeditor Carlos Vinhal mandou-lhe, em resposta, a seguinte mensagem:

Caro Joaquim Gregório:

Para te juntares à nossa tertúlia, manda-nos uma foto tua actual e outra do nosso tempo de Guiné, fardado, que permitam fazer fotos tipo passe para os nossos arquivos.

Queremos saber o teu posto, especialidade, Companhia e Batalhão (se for o caso), datas de ida e volta da Guiné, localidades por onde andaste, etc.

Podes, caso queiras, mandar-nos uma pequena história que te tenha marcado particularmente, com fotos legendadas, ou texto onde fales de ti para te conhecermos melhor. Caso queiras ver anunciado o teu aniversário, manda a tua data de nascimento para publicarmos o postalinho natalício.

Aqui podes inteirar-te dos objectivos do nosso blogue.

Ficamos na expectativa das tuas novas notícias. Em nome da tertúlia e dos editores em particular, deixo-te um abraço e votos de boa saúde.

O camarada e amigo
Carlos Vinhal


4. O Joaquim Gregório Rocha, com pena nossa, nunca nos chegou a responder. Mas as portas da Tabanca Grande continuam abertas. Sempre abertas. Para ele e para todos os camaradas da Guiné, onde quer que estejam, em Portugal ou na diáspora...

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26144: Facebook...ando (66): Sessão de apresentação do livro de poesia "Na Penumbnra  da Memória, Vivèwnciuas da Guerra Colonial",  da autoria de José Luís Loureiro, levada a efeito no passado dia 9 de Novembro de 2024, no Casino da Figueira da Foz (Antero Santos, ex-Fur Mil Inf)

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)



Guiné > Brá > Comandos do CTIG > c. 1964 > Emblema de braço do Grupo Fantasmas, que pertenceu ao alferes  mil 'comando' Maurício Saraiva.

Angola > CIC - Centro de Instrução de Comandos > 1963  > O alferes mil Maurício Saraiva em Angola, aquando da frequência do curso de Cmds; no CTIG  será depois promoviodo, por mérito, a tenente e a capitão. 
  

Fotos (e  legendas): © Virgínio Briote (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumer-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-cap mil CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tabanqueiro, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).



1. Alferes, tenente e depois cap mil 'comando' (até  chegar a cor inf, na reforma extraordinária), Maurício Saraiva (1939-2002) foi idolatrado por uns, odiado por outros, "um mal amado", no dizer do Virgínio Briote (*)... 

A nível operacional, começou por integrar a 4ª CCAÇ (Bedanda, 1961) e,  depois de frequentar o curso de comand0s (em Angola, sua terra, 1963), voltou ao CTIG como instrutor e também como comandante operacional. 

A seguir à da Op Tridente (jan - mnar de 1964), irá  comandar o  Grupo Fantasmas, de que fez parte, entre outros, o nosso querido e saudoso tabanqueiro Amadu Djaló (1940-2015).  Recorde-se que o sold cond auto Amadú Djaló alistou-se nos comandos do CTIG, a convite do Maurício Saraiva.

O Amadu Djaló frequentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Desse curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros. Deste curso sairam ainda  os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras

Interessa-nos conhecer melhor o percurso do nosso camarada Maurício Saraiva, no CTIG, embora saibamos que ele virá a ser gravemente ferido, por mina A/P, em Moçambique, em 1968, enquanto comandante da 9ª CCmds. (Altamente medalhado por feitos em combate, é agraciado em 1970 com o o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; passaria em 1973 à situação de reforma extraordinária: vd. o seu impressiomnante CV militar, no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

Mas demos voz também àqueles que o conheceram,  para além  do Virgínio Briote (*) e da família (**). Foi o caso do António Pinto (***),  ex-alf mil inf, BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65), um veterano de Madina do Boé e de Beli mas também um dos veteranos do nosso blogue. É mais um pequeno contributo para o seu "retrato" que o Virgínio Briote ainda há de fazer, se Deus lhe der vida e saúde... (****). 

 

António Pinto, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Pombal, 2007

Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência  da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije


por António Pinto 

(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. 

Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e,  finalmente,  ao Batalhão de Cavalaria nº 705.

Sobre Madina do Boé,  estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. 

Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.

Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:

Uma tarde estávamos no destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido,  dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. 

Era um grupo de comandos, chefiados pelo alferes  [Mauríco] Saraiva [um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus, (dizia-se)].

Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina.

 De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um furriel do destacamento, que estava a apertar as botas, tal era a sua pressa.

O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto), se uma mina rebentasse,  ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...

Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.

Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.

Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido (....)


______________

Notas do editor:

(*) 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (308): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)

(**) Vd. poste de 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11531: As Nossas Tropas - Quem foi quem (12): Maurício Leonel de Sousa Saraiva, ex-cap inf comando (Brá, 1965/67) (Luciana Saraiva Guerra)

Vd. também poste de:


(...) Tenho muito material sobre o cor Maurício Leonel Saraiva. Fotos, documentos e memórias de acontecimentos, histórias que corriam na altura, outras de que fui testemunha e uma ou outra em que até fui protagonista. Gostaria de fazer um trabalho sobre o Saraiva (já em tempos encomendado pelo Presidente da Associação de Comandos, mas que não pude levar adiante).

Foi ele, o Saraiva, que como tenente me convidou a concorrer aos comandos e, dois meses mais tarde, como capitão, foi meu director de instrução.(..:)


terça-feira, 20 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25861: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte VI: faltosos, refratários, desertores e... os do "sangue, suor e lágrimas"...




Emblema do BCAÇ 381 ("Diabos") (Angola, 1962/64), a que pertencia a CCAÇ 390 e o ex-1º cabo radiotelegrafista Francisco Manuel Ferreira de Sousa, que resgatou o corpo de um camarada, gravemente ferido em combate, nos Dembos, e  cujo depoimento se reproduz mais abaixo.

Emblema da excecional  coleção de brasóes, guiões e carchás de Carlos Coutinho / Portal UTW . Dos Veteranos da Guerra dfo Ultramar (com a devida vémia...)



 SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.



1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada  é dedicada a testemunhpos e depoimentos recolhos pelo autor (pp. 67/72).





Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 

Parte VI:  faltosos, refratários, desertores e... os do "sangue, suor e lágrimas"...  
(pp. 67/72)





Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



8. Testemunhos de ex-combatentes de Fafe participantes na Guerra (pp. 67/72)


Consegui recolher alguns depoimentos de ex-combatentes de Fafe que, após serem mobilizados e terem decidido não dar o “salto” para França, acabaram por cumprir uma Comissão de Serviço num dos três teatros de operações em África. 

É meu objetivo tentar contextualizar e responder às questões que levantei no número cinco do ponto seis deste texto, ou seja, através do seu testemunho, tentar perceber qual o enquadramento e envolvimento pessoal de cada um na orgânica e dinâmica das ações levadas a cabo pelas Unidades Militares onde estiveram destacados.

  • Testemunho 1

Quantos ficaram “aptos para todo o serviço militar” ou “livres do Serviço Militar” na sequência das “Inspeções Sanitárias”, por doença crónica ou “grande cunha”?



Não sabemos. Conhecemos, no entanto, um caso paradigmático de uma “grande cunha”. Trata-se de Albino Marinho Mota, à data defesa central do Sporting Clube de Fafe, 1.90 cm de altura, e aprovado nas provas para ingresso na Academia Militar, da qual veio a desistir. 

De acordo com o depoimento que recolhi em 29 de outubro de 2013, através do irmão, António Amável Marinho Mota, ex-furriel em Angola, o seu irmão Albino, jovem cheio de saúde, ficou livre de todo o serviço militar por “falta de robustez”, graças à “grande cunha” do Padre Albino, pároco de Antime, junto do médico,  seu amigo e responsável pelas Inspeção Militar em Fafe naquele ano. 

O médico era de Famalicão, local onde, anteriormente, o Padre Albino tinha exercido o sacerdócio.

  • Testemunho 2

Quantos decidiram “dar o salto” para o estrangeiro para fugirem à Guerra, antes de irem às inspeções, após serem “apurados para todo o serviço militar” ou depois de saberem que tinham sido mobilizados para o Ultramar?



Segundo António Mota e Fernando Ribeiro testemunharam na mesma data, havia em Fafe um grupo de cidadãos que deve ter “safado da tropa“ muita gente. Neste grupo integravam-se, entre outros, ,ajor Miguel Ferreira (Major do Ribeiro), brigadeiro da Cera, tenente José Campos e António Saldanha.

Fernando Ribeiro contou, ainda, que um tio dele, chamado Armindo Ribeiro e caseiro do major do Ribeiro, foi “safo da tropa” por ele. 

Disse, ainda, que acompanhou um amigo a Chaves, que tinha medo de ir sozinho, para levar um outro amigo até à fronteira para fugir a “salto” à tropa (não se lembra já do nome). Tem cinco cunhados e todos eles foram “a salto” para França, incluindo um com 17 anos para fugir à tropa e um outro que já tinha feito a tropa na Guiné.

Confirmaram os dois que o António Augusto Saldanha fazia do seu Café Avenida o centro de acolhimento aos fugitivos à tropa, dando ajuda e transportando-os no seu Ford até à fronteira.

  • Testemunho 3

Quantos viveram o drama de verem um seu camarada morrer, transportaram às costas um camarada morto, ferido ou estropiado, ou deram sangue no local para o salvar na sequência de uma emboscada ou rebentamento de mina?


  • Depoimento 1.

Testemunho recolhido em outubro de 2013 na casa do ex-combatente Francisco Manuel Ferreira de Sousa, em Regadas, e na presença da esposa.

O Francisco Manuel Ferreira de Sousa é natural de Felgueiras, Margaride. Após terminar o serviço militar casou e veio viver para Regadas, terra da esposa. Esteve emigrado durante quatro anos em França e, ao regressar a Portugal, empregou-se na fábrica da Bouça, em Felgueiras, onde trabalhou 27 anos, sendo, hoje, reformado.

Cumpriu uma comissão de serviço em Angola, com o posto de 1.º cabo e a especialidade de telegrafista condutor. Pertenceu ao Batalhão n.º 381, constituído pelas Companhias n.º 388, 389 e 390. Fez parte da 1.ª Companhia, a n.º 390, inserido no pelotão de transmissões que esteve sediado, primeiro, no Norte, em Pamgo Aluguen, desde 9 de dezembro 1962 e, depois, a partir de outubro de 1963, no Leste, em Vila Teixeira de Sousa (zonas onde atuei com o meu pelotão em 1971). 

Finda a Comissão, o seu Batalhão embarcou no Lobito a 21 de fevereiro de 1965 e chegou a Lisboa a 2 de março de 1965.

A sua companhia sofreu duas emboscadas graves:

(i)  A primeira em 29 de janeiro de 1963, na picada entre Pamgo Aluguen e o Úcua, resultando a morte de seis camaradas seus e a captura pelo inimigo de mais dois militares portugueses. As cabeças destes, disse, foram descobertas mais tarde pelas nossas tropas espetadas num pau (foram encontradas por acaso numa operação) e a um dos mortos, também encontrado, os “turras” esquartejaram-no.

(ii) A segunda emboscada ocorreu a 19 de agosto de 1963 e é sobre esse acontecimento que o Francisco Sousa escreveu um texto em 1965, tendo entregue uma cópia, talvez no ano 2000, na Delegação de Fafe da APVG. 

Guardei cópia do texto e em novembro de 2013, nas vésperas da minha comunicação, procurei-o na sua casa em Regadas, tendo-me confirmado o seu conteúdo e relatado, ainda, outros momentos marcantes da sua comissão em Angola. Esteve na Biblioteca Municipal onde, durante a minha comunicação, relatei a história na sua presença.

Pelo realismo e riqueza da descrição da ação, transcrevo o texto escrito pelo radiotelegrafista Francisco de Sousa, com sua autorização, tendo procedido a pequenos cortes devido à sua extensão, mas unicamente nas partes em que, por vezes, repete a mesma ideia.


“Um certo dia em Angola... 
Entre Rainha Santa e St.º António, Dembos"

por Francisco Manuel  Ferreira de Sousa 
(ex-1º cabo radiotelegrafista, 
CCAÇ 390 / BCAÇ 381, Angola, 1962/64)


A operação realiza-se a 19 de dezembro de 1963, na zona dos Dembos, no norte de Angola, entre as fazendas de café da Rainha Santa e de St.º António.

Por entre a espessa mata de uma das regiões do Norte de Angola, prosseguia em missão de serviço um grupo de homens composto por trinta e cinco soldados, entre os quais dois alferes e três sargentos, além do enfermeiro e telegrafista. (…)

O calor perturbava-os, a sede atacava-os, os assobios estranhos de certa ave desconhecida preocupava-os, (…) mas estes bravos homens nunca souberam perder a calma. Confiavam em si próprios e na sua melhor companhia, a “arma”. (…) 

A caminhada prossegue agora mais espinhosa! Teremos de alcançar o cimo deste morro” (…). 

Atingiram o cimo do morro à distância de cinquenta metros. A sede fazia-os desesperar. Descido o morro do lado oposto, o guia “preto” que os acompanhava disse,  a um por um, “menino tropa ter cuidado, mandioca ser bandido", e apontava com o indicador uma lavra de mandioca e milho, com cafeeiros. Estes eram os primeiros vestígios que se nos deparavam. (…) 

Quando deram por ela estavam no fim da descida. Deram todo um ai de alívio ao depararem com água, dizendo baixinho: "graças a Deus"! 

Mas ninguém tocou na água sem ordem, era turva e pantanosa, mas ninguém a recusou. Uns mergulharam a boca na água, outros enchiam e bebiam pelos quicos, ou seja, “bonés”, a sede era irresistível. 

Após terem apagado a sede, alguém falou, dizendo que preferia morrer do que voltar a sofrer a sede. E as lágrimas corriam-lhe pelas faces. Já estavam perto, já se pisava terreno da lavra e a escassos metros o início do objetivo.


“Vinte minutos de agonia sangrenta“


Atravessaram a lavra e encontraram a picada, que dava diretamente ao objetivo. O palpitar de um dos presentes era certo, não estava enganado, já não era a primeira vez que ali passava e alguém já tinha ali perto ficado ferido com um tiro de “canhangulo”. 

Caminhavam serenamente, quando surgiu a sombra negra. Um tiro isolado quebrou o silêncio, automaticamente todos se deitaram no solo. Ouve-se um segundo tiro e o silêncio voltou, os homens da primeira secção deviam estar em perigo. Meu dito meu feito, um terceiro tiro voltou a quebrar o silêncio, seguido de gritos de agonia. Era verdade que alguém estava ferido! 

As armas vomitavam rajadas contínuas! Ouve-se uma voz chamando pelo enfermeiro. O guia preto (Cunha) foi atingido num quadril e conseguiu recuar para a retaguarda dizendo: “está menino tropa ferido, deita sangue muito mesmo”. 

Soaram vozes provocando o inimigo com palavras impróprias, ouve-se um estrondo da primeira granada que rebentou, e o silêncio voltou. Mais dois estrondos de mais duas granadas lançadas. Com a arma tirada das mãos do ferido, ele ficou indefeso.

A desorientação era grande, os homens da frente recuaram e o ferido ficou só na zona de fogo. É preciso ir buscá-lo, alguém falou. Olharam-se, mas ninguém se decide, até que um mais corajoso, chamado Sanção, empunhou a sua arma e correu por entre o capim para buscar o ferido e, passados escassos momentos, chegou até nós com ele às costas. 

Ninguém falava. Ouviam-se gemidos de dor. Desabotoámo-lo. O sangue empoçava nas roupas. Os pensos individuais não eram o suficiente e o enfermeiro nada podia fazer. Estavam certos que aquele mártir morreria.

Alguém olhou em redor e nada via, a não ser o infeliz e mais quatro colegas. Os outros teriam recuado para a mata que ficava a uma dezena de metros. A coragem daqueles quatro aumentava! 

O telegrafista estava presente e, ajudado por outro, enlaçou o ferido, transportando-o cerca de vinte e poucos metros, mas o infeliz não podia mais, a sombra da morte aproximava-se dizendo: “Não posso mais, mas peço-vos que não me deixem aqui! Sei que vou morrer, mas paciência!” ,

Os quatro presentes tentavam animá-lo, mas nada resultava. Ele voltava a dizer: “Não me estejam a iludir, porque sei que morro! Mas não me deixem aqui! Falta-me o ar!” E nunca mais falou.

Novamente o telegrafista, olhando os seus colegas, disse: “Tenham calma! Ele aqui não ficará.” A vítima, olhando-o, tentou sorrir ao sentir-se confiante. Alguém
 [o Francisco, relatou-me]  correu imediatamente e, atravessando a alta lavra, encontrou o resto do grupo deitado, completamente desorientado. 

Os nervos aumentaram-lhe e disse: “Que cobardia é esta?! É preciso ir buscar o ferido ou então passaremos todos por cobardes.” 

Alguém se levantou, foram dois e com as lágrimas nos olhos disseram: “Tens razão. Deixemo-nos de ser cobardes!” E deram a correr como doidos e foram buscá-lo.

Entretanto, o alferes disse: “Ligar o rádio!” Mas o telegrafista respondeu: “Aqui é impossível. Tratemos primeiro em sair desta zona e depois será possível.” E ele concordou. 

Já se encontrava no meio de todos a vítima, ainda com vida, mas pouco tinha para durar! Não falava mais, ouvia, duas injeções para tentar vedar o sangue, mais pensos, mas nada resultou! O ferimento perfurou os pulmões. Todos os esforços eram insuficientes para lhe salvar a vida! Estava no fim! E com o último sorriso ao de leve, deu um suspiro, morrendo, assim, nos braços dos seus colegas! 

Pragas foram rogadas ao inimigo: “Aqueles malditos”, que nem se chegaram a ver! Eram só desabafos. “Não podemos ficar aqui, temos de seguir, mas agora em sentido contrário!” 

O problema maior era transportar o falecido, mas um outro maior ainda: tinham perdido a carta topográfica e não sabiam qual a direção a tomar. 

Fez-se uma maca com os camuflados e dois paus, e assim se transportou o falecido. Uma ideia: subir ao morro e no alto fazer ligação com o rádio. “Chegamos por volta das quatro horas, ter pronto helicóptero ou ambulância K. Entrem em contacto de quinze em quinze minutos”. 

Perguntaram: «Informem se há Maikes ou Foxtrotes” [Mortos ou Feridos]  ». Estavam mais à vontade por estarem em contacto, mas na verdade a preocupação ainda não tinha acabado, pois não sabiam qual a direção a tomar. 

Tomaram-se várias opiniões, mas ninguém tinha a certeza do que dizia, até que, por fim, por entre uma pequena clareira, avistaram ao longe uns morros carecas. Eram os de Stª Clara. Era precisamente o que interessava. No sopé dos mesmos existia o aquartelamento e a fazenda de Stª Clara. 

Todos se sentiram mais tranquilos, e alguém apontou, dizendo: “Sempre em frente!” Obedecendo à ordem, colocaram-se todos em fila indiana e retomaram a marcha, e todos com receio de voltarem a ser atacados.

O caminho tornava-se difícil. O calor aumentava, e o sangue coalhado nas roupas do falecido começou a cheirar. Uns viraram a cara, para não verem a vítima, outros enchiam-se de coragem, e era o que valia àqueles que a não tinham.

E assim após dez horas de caminhada, debaixo de sol escaldante, onde a sede era grande e o sofrimento incomparável, chegaram ao fim de mais um dos muitos dias de sofrimento. Paz à alma dos que morreram inocentes! Felizes aqueles que se libertaram do perigo! 

Tudo isto foi real, e para mim será inesquecível.

(Continua)

Próximo depoimento: Osvaldo de Fafe atira-se ao rio Tombar, na Guiné, para salvar um camarada da Lourinhã

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos, parênteses retos: LG)

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