Foto: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados
1. Mensagem do Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Cor Pilav Ref)
Luís:
Para entrar na "fila de espera", envio-te este texto ligeirinho que, na minha óptica, embora não sendo escrito por nenhuma delas, me foi contado por uma das intervenientes, pelo que penso que talvez possas incluí-lo na série "As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas". Não gastes tudo de uma vez, que senão acabam-se-me as memórias...
(...) Embora eu goste de escolher os títulos dos meus textos, deixo ao teu critério a escolha do título para este trabalho, por recear que possa ser mal aceite aquele que eu escolhi. Embora eu tenha logo referido que este era um texto ligeirinho, um pouco 'revisteiro'....
Abraço. Miguel
2. As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (*) >
OS TOMATES DO CAPELÃO... E OUTRAS FRUTAS
por Miguel Pessoa
No meu tempo na Guiné, os tomates do capelão da BA12 eram muito cobiçados, muito por culpa das nossas enfermeiras pára-quedistas que, sempre que podiam, faziam uma colheita na horta que o padre A... mantinha junto à igreja da Base.
Era generalizada a opinião, entre quem deles se servia, de que os tomates do nosso capelão, embora pequenos, eram sumarentos e saborosos e enriqueciam qualquer salada. E sabe-se o gosto que o pessoal tinha por tudo o que lhe lembrasse a metrópole. E era vê-los a "deitar abaixo" uma saladinha feita com tomates fresquinhos, acabadinhos de apanhar...
É claro que o padre A... calculava perfeitamente quem eram os malandros (neste caso as malandras...) que lhe andavam a "derreter" a fruta, mas pactuava simpaticamente com a situação, dado ser por uma boa causa.
Mas não se ficava pelos tomates a razia que as enfermeiras pára-quedistas faziam na fruta da base. Para além da fruta que iam comprando ao responsável pela horta da Base, lá iam marchando de vez em quando uns limões, uma papaia, que o pessoal a alimentar era muito e de bom apetite.
Nem o cajueiro do Comandante escapava (do Comandante é um modo de dizer, que estava junto ao comando da Base), sendo que, um dia, havendo uma escada à mão, duas enfermeiras (de que não vou referir os nomes...) resolveram atacar o dito cujo. Estavam elas neste preparo, penduradas nos ramos altos, quando passa o Comandante da Base, com o seu séquito.
O facto é que o Comandante não reconheceu "as intrusas", pois se viam apenas as calças do camuflado, pelo que invectivou energicamente as duas "delinquentes", julgando que eram soldados da Polícia Aérea; e as duas no topo da árvore também não reconheceram a voz do Comandante, pelo que reagiram verbalmente em termos que não vou reproduzir aqui...
Tendo as partes procedido à identificação mútua, o incidente acabou por ficar sanado, pese embora o Comandante tenha prosseguido a sua viagem resmungado contra a lata daquele pessoal, sublinhado por um sorriso complacente dos militares que o acompanhavam.
Miguel Pessoa
3. Comentário de L.G.:
Miguel: Como tu me disseste ao telefone, e muito bem, de vez em quando temos que mudar de folhetim, de teleponto ou de registo, que isto de "sangue, suor e lágrimas" (sic) também chateia, cansa e até pode matar (o blogue, a nossa paciência, a pachorra dos nossos leitores ou seguidores)... E, nesse caso, nada como o humor de caserna, coisa que é muito própria, específica, única, como a própria expressão indica, dos militares da tropa...
O humor (talvez mais do que a sorte) é que protege os audazes... Que me perdoem os nossos camaradas dos comandos, se lhes estou a glosar a divisa Audaces fortuna juvat [A sorte protege os audazes].
O humor (temperado q.b., com uísque e água de Perrier) era, na Guiné, o nosso talismã, a nossa mezinha, o nosso amuleto mágico, contra as balas de amigos e inimigos, contra a costureirinha, contra a Kalash, contra o RPG, contra o Strela, contra o tédio, contra o desânimo, contra o medo, contra a desesperança dos dias, contra as abelhas, contra os mosquitos, contra o cozinheiro, contra o vagomestre, contra o sargento, contra o RDM, contra o capitão, contra o comandante, contra o Com-Chefe, contra Deus e o Diabo...
Temos, na Tabanca Grande, alguns seguidores deste deus menor do Olimpo. Convenhamos que o género não é fácil, é preciso talento para não cair na grosseria, na boçalidade, na alarvice, registos com que muitas vezes, mas injustamente, se confunde o humor de caserna... com a linguagem do carroceiro... ou de alguns instrutores que tivemos na recruta!... ("O instruendo não mexe nem que lhe passe um c... pela boca!).
Grande cultivador do género (humor de caserna) é o nosso Jorge Cabral a quem nunca, por nunca, ouvi dizer um palavrão, tanto lá como cá. Em contrapartida, eu que era um menino de coro passei a falar pior do que o carroceiro e o meu instrutor da tropa...
Tudo isto para te dizer que os tomates do quintal do capelão, surripiados pelas nossas queridas enfermeiras pára-quedistas, é uma história de cinco estrelas, que merece figurar numa próxima antologia do nosso humor bloguístico... Obrigado, a ti e à tua fonte... presumivelmente transmontana.
PS 1 - Convenhamos que há um humor de género... Isto é, o sentido de humor de homens e mulheres pode diferir... Não rimos da mesma maneira, nem pelos mesmos motivos... Não rimos das mesmas anedotas. De homens e mulheres militares, não sei, que eu na tropa só convivi com machos... De qualquer modo, acho que elas usam mais a inteligência emocional...
PS 2 - Quem se lembraria dos tomates do capelão ? Esta história, se lhe quiserem pôr alguma brejeirice, malícia ou picante - mas com elevação e elegância... - só podia nascer da cabecinha das nossas meninas, que, como sabem, eram originalmente enfermeiras civis, tendo entrado para a Força Aérea como militares graduadas (nem me perguntem qual é a diferença)... Por outro lado, para ter tomates e outros hortícolas, o nosso capelão sabia da poda, era de origem rural ou camponesa... Saber trabalhar uma horta não é para todos/as...
PS3 - Já quanto aos machos, a história pode ter outra leitura, a que é completamente alheio o autor que, pelas provas já dadas, é incapaz de, em condições normais, de dizer uma palavrão.
PS4 - É que, caros camaradas da Guiné, não podemos esquecer que, na nossa língua, o vocábulo tomate tem, no plural, uma conotação, um significado vernáculo; não se trata só dos frutos do tomateiro, como também dos testículos... que até são, no sul do país, um petisco muito apreciado, uma especialidade gastronómica (túbaros ou tomates de carneiro, por exemplo)...
PS5 - Como dizem os lexicógrafos, tomates (no plural) é um tabuísmo ("palavra, locução ou acepção tabus, consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas de maioria na maioria dos contextos")... Ou em termos mais simples, são os nossos palavrões... que por pudor só escrevemos, em público, por iniciais seguidas de três pontinhos (f... da p..., por exemplo).
PS6 - Não é (não foi) preciso pôr uma bolinha ao canto superior do poste, como fazem os senhores e as senhoras da nossa televisão (pública)... Mas se fosse preciso fazer um aviso ao público, poderia rezar assim: Avisa-se o respeitável público que nos lê (e vê) que a palavra "tomates do capelão" só quer dizer isso mesmo, os frutos do tomateiro que existe (ou existia) no quintal ou jardim do capelão...
PS7 - Espero que o Miguel, o capelão, as senhoras enfermeiras pára-quedistas e os demais camaradas que passaram pela BA 12, em Bissalanaca, me perdoem o excesso de explicações e o consequente abuso...do tempo de antena do editor. Mas se quiserem comentar a história (o texto e o contexto), façam favor, que o autor gosta e os editores apreciam...
PS8 - Já não era sem tempo: temos finalmente a nossa Força Aérea, no nosso blogue, a voar alto, valorosa e garbosa, por cima das nossas tropas, quer eu dizer, das nossas cabeças... Era bom que agora também aparecessem, com mais assiduidade, os furtivos fuzos e marinheiros... Para compor o ramalhete das NT...
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Nota de L.G.:
(*) Vd. postes da série As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas:
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)
24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3931: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (2): Elementos para a sua história (1961-1974) (Cor Manuel A. Bernardo)
28 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)
7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e transmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)
8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3999: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (5): Justamente recordadas no Dia Internacional da Mulher
14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4029: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (6): O anjo da guarda do Zé de Guidaje (Giselda Pessoa)