1. Mensagem de António Matos, com data de 15 de Março de 2009:
Caro Luís Graça,
se achares graça à estória, pois que faça parte do acervo deste nosso blog.
Um abraço,
António
O Silva cagou-se...
Como se torna saboroso recordar estórias daquele tempo...
Como é gratificante podermos contar na primeira pessoa uma aventura ou retrato da vida dum militar compulsivamente transformado em combatente pela integridade física que queria preservar por achar cedo morrer por causa alheia...
Como é ridiculamente transtornante pensarmos que uma linha muito ténue separou a alegria e o ímpeto da vida, do estoiro duma bala no crâneo...
Como é infantil o facto de um traque deixado sair ao sabor dum momento de extremo stress podia ter ocasionado uma tragédia de contornos difíceis de contabilizar...
Como é difícil imaginar a mágoa que hoje podia assoberbar as mentes de pais extremosos que recordavam filhos caídos numa guerra...
A estória que vos venho relatar tem a ver com uma passada nos Açores aquando da formação da Companhia 2790, num exercício preparatório da realidade ultramarina, mas que teve a versão real mais tarde, em plena Guiné, aquando duma Operação ao Choquemone.
Estávamos nos Arrifes, em 1970.
Fazíamos uma progressão em direcção a um determinado objectivo que pretendíamos tomar.
Deslocávamo-nos em formação de um Grupo de Combate.
O treino consistia numa deslocação silenciosa tendo em vista a tomada dum objectivo sem que o inimigo, por perto, nos localizasse.
O terreno era pródigo em material estaladiço sob a pressão dos pés em andamento pelo que as instruções iam no sentido de não se fazerem ouvir as consequências dos constantes crache-crache que iam acontecendo.
A conclusão seria confrontar os soldados com um cenário de guerra onde a referenciação das nossas tropas podia transformar-se numa carnificina.
Tudo corria bem.
Os soldados interiorizavam o exercício...
A páginas tantas, um soldado protagonizava uma cena de descontrolo gástrico que se evidenciou numa hilariante e ruidosa situação provocada por um flato intestinal - o Silva cagou-se!
É por demais desnecessário recordar a cena que, do ponto de vista pedagógico, serviu de emenda a quantos a temeram.
No silêncio da noite e perante a ânsia de chegarmos a local seguro após uma Operação no TO da Guiné, éramos confrontados com o insólito duma descarga de gás intestinal em estado de grande tensão por parte dum soldado, que teve como efeito a perca de qualquer concentração defensiva para se transformar na mais estridente das gargalhadas colectivas jamais ouvidas...
O Silva cagou-se e, a partir daí, foi cognominado de Silva Cagão!
Tudo acabou em bem uma vez que ou o inimigo não se encontrava por ali ou, atacado por idêntico estado de euforia, não teria tido capacidade de reacção.
Nunca mais o Silva se livrou do apelido.
Justiça seja feita. O Silva, verdadeiro sósia do John Wayne, viria mais tarde a ser um dos grandes heróis desconhecidos da guerra do ultramar ao afrontar, de peito feito às balas, um conjunto de malfeitores maltrapilhos que emboscaram o Pelotão, mas que viram nesse Homem e na sua coragem a impossibilidade de darem o grito do Ipiranga sem que levassem para casa a marca da sua pontaria e sangue frio.
Como açoreano e eventualmente imigrado nas terras do tio Sam, jamais o localizei.
Lamento.
António Matos
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3567: Humor de caserna (7): O Pastilhas e a bajuda (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Esta fez-me lembrar a estória do "Passarinho", nome por que era conhecido um FurMil da CCaç 1439 a que estive adido no Enxalé. Começaram a chamar-lhe esse nome quando um dia em pleno mato fazia as suas necessidades e passou um grande susto devido ao ruido provocado por um passareco qualquer. Quando se realizou o primeiro encontro da companhia em Leiria, passados trinta e tal anos do regresso, já estava um grupo no ponto de encontro quando o vimos aproximar-se com a esposa e todos começaram: Olha o passarinho, olha o passarinho... A esposa com um ar muito intrigado vira-se para ele e diz: Nunca me contaste que te chamavam passarinho!!!
Abraços Henrique Matos
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