terça-feira, 17 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado)

1. Mensagem do Jorge Picado, Engenheiro Agrónomo, na vida civil, reformado, residente em Aveiro; na vida militar, ex-Cap Mil (CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72):


Caros Amigos, Luís, Briote e Vinhal

Neste dia quente e soalheiro, que mais parece ser no pino de verão e não ainda de inverno, ao consultar os apontamentos verifiquei, que comemorava anos em que tinha conhecido pessoalmente o então General Spínola.

Aí vai a nota descritiva do facto, que julgo possa ter algum interesse, não por o ter conhecido, mas pelo que dele ouvi e me deixou meio "apalermado" então.
Como sempre deixo ao vosso critério o que fazer da notícia.
Abraços para todos os camaradas.
Jorge Picado


2. O Spínola que eu conheci (*) > Terça-feira, 17 de Março de 1970

Passam hoje 39 anos desde aquela longínqua terça-feira em que conheci finalmente o tão famoso, naquele tempo, Governador-Geral e Comandante-Chefe do CTI da Guiné.

Durante aqueles primeiros 22 dias de Mansoa já tinha ouvido falar, por diversas vezes, nesta personalidade, por aqueles que contavam quer boas quer menos boas histórias dele, tratando-o pelos mais diversos nomes. General Spínola, Com-Chefe, Governador, Caco Baldé ou simplesmente Caco e até Cavalo Branco, que era o indicativo, creio, de quando se deslocava de helicóptero.

Pois nesse dia, da semana e mês, realizou-se a visita a Mansoa de Suas Excelências, o Ministro do Ultramar, Dr. Silva Cunha (**) e o GG, Gen António de Spínola. Aquele, de visita ao CTIG, para observar e conhecer in loco os êxitos da aplicação das medidas militares e políticas determinadas nas Directivas do Com-Chefe, traduzidas no consagrado slogan “UMA GUINÉ MELHOR” deslocou-se a vários locais, incluindo também a sede do BCaç 2885, Mansoa, onde lhe foi preparado um “Banho de multidão” condigno.

Toda a “sociedade civil nativa”, daquelas redondezas (reordenamentos) foi mobilizada para vir receber e saudar o Homem Grande do Puto, mostrando ao mesmo tempo como “adoravam” o que o famoso Caco Baldé fazia para bem daquele Povo.

Dada a minha situação privilegiada, forças da CCaç dispersas, não tive que alinhar nas medidas de segurança adoptadas, como outros camaradas tiveram de fazer, no mato em patrulhamento ou emboscados para salvaguardar alguma desagradável surpresa do IN. As Altas Individualidades estavam ali para receber cumprimentos e manifestações de regozijo, mas não daquelas que o IN costumava fazer.

Consta da HU – História da Unidade, CAP II:

“Em 17MAR70, recebido o reforço de 2 GComb do Batalhão de BISSAU, são adoptadas mediadas especiais de segurança durante a visita de Sua Ex.ª o Ministro do Ultramar ao Concelho de MANSOA”.

É curiosa esta simples menção, pois nem se dignam indicar a companhia do GG e Com-Chefe. Seria usual?

Portanto fui apenas um digno observador, que devo ter feito parte dos que estiveram perfilados ao lado, enquanto se prestavam as honras militares devidas e, talvez, os cumprimentos da praxe. Pude assistir e ouvir os discursos respectivos, especialmente o do Com-Chefe e é por isso que redijo esta pequena nota.

Eis a razão desta minha evocação.

A certa altura do discurso, ouço, com espanto meu, o General dizer algo que, face a não ter presente a esta distância as palavras exactas, resumo em “se estar a viver um momento especial e já não faltar muito para o fim da guerra”!!!

Estava há 22 dias, como disse, em Mansoa, rodeado dos meus medos sobre o que me iria acontecer e eis que me apontam a perspectiva da guerra estar prestes a terminar?

Sinceramente, não percebi onde queria chegar com tais palavras. Para mim tudo aquilo não passava de mera propaganda. Pensei com os meus botões, afinal seria normal que estando a falar, não só para as POPs, mas também para os militares e na presença dum Ministro, tentasse exercer a sua APSICO, afim de levantar a moral dos soldados e convencer os gentios.

Mas não foram precisos muitos dias, para compreender tais afirmações. Trinta e quatro dias depois o sonho desmoronou-se. A 20 de Abril a noticia correu célere. Tinham sido mortos os 3 Majores e o Alferes Miliciano, na estrada para Jolmete. Era no seu trabalho que se alicerçava a crença do General.

Nota: A páginas 590 da publicação Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique , de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, editada pelo Diário de Noticias, escreve-se:

“1970.04 Referência, num discurso em Mansoa, feito por Spínola diante do Ministro do Ultramar, Silva Cunha, ao facto de a Guiné estar a viver um grande momento, por se aproximar o fim da guerra.”

Esta citação está incorrectamente datada, pois foi no dia que agora indico e não num dia indeterminado de Abril.

E já agora, antes de terminar e por mera coincidência: No mesmo dia e mês, 17MAR, mas do ano seguinte tenho a seguinte inscrição no mesmo intervalo da agenda: “Mansoa-Mansabá, 0700. Visita SEXA GG à estrada." (***)

Trocando por miúdos: Estava em 1971 na CART 2732 e tinha ido a Bissau em DO no dia 15. A 16 segui de Bissau para Mansoa de camioneta (?!) e a 17 apanhei uma coluna de Mansoa para Mansabá que saiu às 7 da manhã. Nesse dia o General Spínola visitou as obras na estrada Mansabá-Farim. Sobre este acontecimento talvez os amigos Carlos Vinhal ou Vítor Junqueiro possam esclarecer melhor.

Um abraço do Mansoa ao Cacheu do
Jorge Picado
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série (O Spínola que eu conheci):

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: O Spínola que eu conheci (1): Antes que me chamem spinolista... (Vasco da Gama)


(**) Joaquim Moreira da Silva Cunha nasceu em 1920. Começou como por secretário do Ministro das Colónias em 1944, num dos governos de Salazar, iniciando assim uma carreira que o levaria a subsecretário de Estado do Ultramar, em 1962, e depois a ministro, em Março de 1965 (cargo que ocupará até finais de 193).

(...) "Sempre ligado às questões coloniais, foi professor da antiga Escola Superior Colonial, dirigente da Mocidade Portuguesa para o Ultramar, vogal do Conselho Ultramarino, procurador à Câmara Corporativa e subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (Dezembro de 1962)".

Como ministro do Ultramar durante oito anos (1965-1973), é destacar a sua fidelidade e entusiasmona na defesa da política ultramarina do então Governo de Salazar e depoia de Marcelo Caetani. Participou na revisão constitucional de 1971, foi o impulsionador do mega-projecto de construção de Cahora Bassa, em Moçambique, apoiou a tentativa de Costa Gomes de aliciar Jonas Savimbi para fazer face ao avanço do MPLA no Leste de Angola, tal como apoiou a política de Spínola ("Por uma Guiné Melhor").

Já em plena crise desencadeada pelo Movimento dos Capitães, substituiu o general Sá Viana Rebelo na pasta da Defesa, em finais de 1973.

Fonte: Adapt de Guerra Colonial, dir. Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.


Natural de Santo Tirso, licenciou-se em Direito, em 1943, pela Faculdade de Direito da Universidade Lisboa. Doutorou-se tembém em Dierito, pela mesma Universidade, com uma tese sobre "O Sistema Português de Política Indígena. Subsídios para o seu estudo", hoje considerada uma obra de referência para quem quiser conhecer as perspectivas de reestruturação e evolução do sistema colonial no pós-Segunda Guerra Mundial.

(...) "Até à tomada de cargos de direcção no Ministério do Ultramar - -, realiza um percurso académico e político que tem como principais coordenadas: a actividade docente no ensino superior (cadeiras de Direito e Administração Colonial na Faculdade de Direito de Lisboa, no Instituto do Serviço Colonial e na Escola Superior Colonial - escola que se encontra na origem do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina) e o desempenho de funções no Centro Universitário da Mocidade Portuguesa de Lisboa, no Conselho Ultramarino e em várias comissões e associações científicas de índole colonialista.

"No que respeita à actividade governativa, integra o grupo de condutores da última fase da política colonial portuguesa, cabendo-lhe maior protagonismo no período de agudização da guerra de África e de execução dos últimos planos de fomento ultramarino.

"Atendendo à produção legislativa, às iniciativas do Ministério e à sua produção discursiva da época [vd Memória de África > Publicações de Silva Cunha] , podemos sugerir que a sua actuação é coordenada: em primeiro lugar, pela intensificação progressiva do 'esforço de guerra' nos planos militar, propagandístico, orçamental e de fomento das vias de comunicação, mas também no que toca à maior eficácia do sistema de repressão policial (que se inicia com o encerramento da Casa dos Estudantes do Império, em 1965, prossegue, por exemplo, com o Plano Geral de Contra-Subversão e termina com as remodelações dos Conselhos Provinciais de Segurança, em Setembro de 1973); em segundo lugar, pelas medidas tendentes a regulamentar e a dar execução às reformas de 1961-64, designadamente nos sectores do desenvolvimento económico e das infra-estruturas produtivas, da educação, da saúde e da assistência social" (...).

Fonte: Dicionário de História do Estado Novo, 2 vols, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996.

[Em linha] [Consult. 17 de Março de 2009] Guerra Colonial: 1961-1974.

(***) O Jorge Picado só chegou à fala com Spínola numa outra visita, já no destacamento de Cuti, no Natal desse ano (1970):

Vd. poste de 31 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3687: O meu Natal no mato (20): Visita de Natal do COMCHEFE a Cutia (Jorge Picado)

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