Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia, um turista no seu exótico bungalow... do Cantanhez
Foto: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados
Imagens digitalizadas: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados
1. Reproduzimos acima duas cartas que foram apreendidas, aquando de uma "operação para lá da bolanha de Cafal/Balanta", no Cantanhez, já em 1973.
Foi o Manuel Maia, ex-Fur Mil, membro da Tabanca de Matosinhos que as fez chegar até nós, em 24 de Fevereiro último. Diz ele que uma está "escrita em árabe enquanto a outra está em crioulo". Na realidade, não se trata do idioma árabe (que poucos guineenses sabiam, na época da luta armada), mas sim de um idioma local (provavelmente mandinga ou beafada), arabizado...
Em relação à segunda carta, não se pode dizer que seja redigida em crioulo, será mais justo dizer que é em português. É uma carta (terna) de um jovem militante do PAIGC, Umaru Camará, que está a trabalhar na base de Kandiafara (ou Candjafara), na Guiné-Conacri, aparentemente em tarefas de apoio (administrativo ou logístico), antes de seguir para a região do Gabu, frente leste...
O destinatário é seu pai, Ansumane Camará, um apelido tipicamente mandinga. É seguramente gente escolarizada. Há um outro irmão, mais velho, no PAIGC, Laminá Camará. Não se sabe onde vive a família: Bafatá ? Gabú ? Conacri ? Cantanhez ? Provavelmente, Cantanhez, onde a carta foi encontrada pelas NT, três anos e meio depois de ter sida redigida...
A carta (uma página) está escrita em papel quadriculado, e o seu autor revela uma boa caligrafia. Pormenor que me chamou a atenção: o nosso jovem, que trata o pai com muita deferência (estamos numa sociedade patriarcal), não se esquece de mandar cumprimentos para a Mãe, Djassi, de seu apelido...
Em resumo: os homens que os portugueses combatiam, os famigerados turras, também tinham pai, mãe e irmãos, como eles... E também tinham saudades de casa, como os tugas...
Tentativa de fixação e revisão do texto: L.G.
27-9-69, PAIGC, Candjafara
Querido meu pai , Ansumane Camará, apresento-lhe, a seguir, os máximos cumprimentos, fraternais e combativos.
Meu pai, antes de começar a falar-lhe, vou pedir ao Senhor Deus (?), para que aumenta em sete vezes mais a saúde para a família da minha casa.
Meu pai, hoje é pena, eu que estava debaixo das tuas ordens, que nunca, nunca pensava que ia estar longe de ti, durante dois, três ou mais anos (…), mas se virmos bem, tudo isso é por causa da luta pelo progresso do nosso povo de Guiné e Cabo Verde.
Meu pai, vou-lhe pedindo sempre crescimento (?) na nossa vida. Eu não sei falar muito mas tu sabes (?) que estamos aqui, eu com o meu irmão grande Laminá Camará. É pena dois irmãos estarmos o mesmo trabalho. Eu agora trabalho como civil. É um trabalho de louco (?), não é coisa separada as em conjunto (?) [Parte rasurada].
Meu pai deve arranjar jeito sobre a nossa causa (…) Eu durmo todas as noites. Sobre a nossa vida, pai, eu fico aqui em Candjafara. (…) Ainda estamos sempre bem mas a direcção do Partido diz-me o que vou fazer. Só três meses depois é que vou regressar ao Gabu, frente leste.
Mas antes de isso, queria ver-te, pai (?), só isso, não tenho mais oportunidade de falar muito.
Abraço para a família de casa, cumprimentos para a Mãe Lisca (?) Djassi. Sou eu, Umaru Camará (?).
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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