1. Parte V de "3 anos nas Forças Armadas", série do nosso camarada Tibério Borges (ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72).
3 anos nas Forças Armadas (5)
Invasão à Guiné Konakry
Estava eu de férias em S. Miguel quando ao ler os jornais comecei a ver toda a literatura Salazarista. Histórias rocambolescas. Eu que estava despolitizado, achei ridículo. Eu que estava na Guiné e nada daquilo condizia com a realidade.
Ao regressar a Cacine estava o grupo de comandos africanos que tinha tomado parte na operação. Segundo diziam eles, esperava-se retaliação por parte de Konakry. O que é certo é que o tempo se foi passando e nada aconteceu. Segundo contaram, a operação foi nocturna, em barcos. Não destruíram os Migs, libertaram os militares prisioneiros portugueses mas deixaram lá um pelotão que fugiu para se aliar as tropas de Sekou, e não apanharam Amílcar Cabral. As informações que o General Spínola possuía saíram algumas incertas mas na generalidade foram bem sucedidos.
A Operação Mar Verde é uma acção singular entre todas as realizadas durante a guerra, nos três teatros de operações. Na clássica divisão dos manuais militares, que consideram três grandes grupos de operações - convencionais, especiais e irregulares -, ela pertence ao grupo das irregulares, e foi neste âmbito a de maior envergadura, complexidade e impacte internacional.
Foi realizada para obter efeitos políticos directos através da execução de um golpe de Estado em país estrangeiro, a Guiné-Conacri, por militares portugueses a actuarem com uniformes e equipamentos das forças desse país e em conjunto com elementos estrangeiros oposicionistas ao Governo, prevendo a eliminação de um chefe de Estado, Sekou Touré.
Como escreve o comandante da operação, o capitão-tenente da Marinha Portuguesa Alpoim Calvão, no seu livro "De Conacri ao MDLP", que constitui a base de informações que sobre ela se conhece, a proposta que fez ao Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné tinha por objectivo principal a execução de um golpe de Estado na Guiné-Conacri, sendo os objectivos secundários a captura do líder do PAIGC, Amílcar Cabral, e a libertação dos militares portugueses prisioneiros que se encontravam em Conacry.
A operação, que nunca foi assumida por Portugal, aproveitou a existência de oposicionistas ao regime de Sekou Touré, disponíveis para participarem numa acção deste género, e visou a instalação, em Conacri, de um regime mais favorável às posições portuguesas. Para atingir este fim, foram equacionadas duas alternativas, uma prevendo a instalação no território da Guiné-Bissau de bases a partir das quais esses oposicionistas pudessem realizar acções de guerrilha no seu país, e a outra considerando o lançamento de uma operação rápida e decisiva. A análise de vantagens e inconvenientes levou os autores da proposta a optar pela segunda alternativa.
Seguiu-se um período de preparação essencialmente de âmbito político e das informações estratégicas, que envolveu o Governo de Lisboa, o Governo da Guiné e os serviços de informações de vários países, com a participação decisiva da DGS.
Por fim, realizou-se a operação militar propriamente dita, com o planeamento, a reunião dos meios, o gizar da manobra e a execução.
Este Comando às refeições comia um peixe grande inteiro e uma terrina de arroz.
Entre Cacine e Cameconde
O patrulhamento diário entre Cacine e Cameconde, passando pela Tabanca Nova, era uma tarefa diária de um dos dois pelotões sediados em Cacine. Esta tarefa abrangia todos os quatro pelotões ao dar-se a rotação mensal de Cacine para Cameconde. O maior perigo era transformar esta obrigação em rotina. Normalmente o perigo aparece durante a rotina e como tal era preciso estar sempre alerta.
O pelotão de milícias era o primeiro neste trajecto pois a picagem da rota estava à sua responsabilidade. Saíam da aldeia, onde moravam, mais cedo do que o pelotão de soldados que depois da formatura tomavam os seus lugares quer nos Unimogs ou Daimlers, quer na GMC que ia com lastro de sacos de areia, não fosse alguma mina rebentar.
A situação estratégica de Cacine era favorável a não acontecer algo de grave a não ser por flagelações e mesmo assim ficava fora do alcance das armas da altura. Aquela zona mais aberta no terreno estreitava para além da Tabanca nova, predominando uma floresta densa e intransponível. No meio duma floresta densa abria-se um círculo no qual residia o destacamento de Cameconde. Este era a defesa da retaguarda de Cacine que virada para o rio tinha como defesa natural as águas. Para entrar em Cacine pela retaguarda teria que se passar por Cameconde que numa hipótese de ataque a Cacine as hostes inimigas ficariam encurraladas. Esta deve ter sido a razão mais forte de Cacine nunca ter sido atacado.
Tabanca Nova ou Aldeia Nova
Entre Cacine e Cameconde existia um pequeno aldeamento que foi denominado Aldeia Nova em virtude da política do General Spínola albergar toda a população em novos modelos de tabancas. Estas eram feitas de blocos, palha misturada com barro ou terra, cobertas com chapas de zinco. Muitos nativos depois cobriram o zinco com a cobertura das suas tão naturais palhotas pois o calor em chapa de zinco dava para esturrar.
Nesta localidade fazíamos sempre uma breve paragem. Aconteceu numa dessas paragens que o soldado que ia na GMC tendo por responsabilidade a metralhadora Browning disparou uma rajada que por sorte não apanhou ninguém.
Cameconde
Cameconde era o último reduto do Sul da Guiné. Para além de Cameconde ficavam uns trilhos que iam dar a terras fora do nosso controlo (Cacoca ou Quitafine). Este destacamento já ficava ao alcance dos morteiros dos turras e como tal ao anoitecer chegava a hora “sexual”. Banho tomado, ouvido à escuta e todos os dias era esta tensão do ser ou não atacado à morteirada. Este destacamento possuía bons abrigos, feitos de betão ou cimento armado, uma boa camada de areia por cima e com troncos de árvores o que de certa forma dava para proteger de granadas que viessem a cair em cima.
Este destacamento ficava no meio do mato numa clareira aberta mesmo para implantar tropas neste ponto estratégico. Num ângulo do trilho que vinha da aldeia nova e que se desviava para o interior, Cameconde era uma autêntica prisão no meio da floresta. A guerra morava nesta zona.
Os patrulhamentos faziam-se no trilho que dava para além de Cameconde. Tudo era verde, um verde bonito, com as mais diversas aves a chilrear, bonitas, com os bandos de macacos que repentinamente nos assustavam e que ao longe pareciam cães a ladrar.
No início todos os ruídos eram estranhos mas aos poucos fomo-nos habituando ao mundo que nos rodeava. Lembro-me uma vez que ao ver um bando de macacos empoleirados nas árvores atirei um tiro acertando na mão dum deles. Toda a gente se atirou para o chão. E como gostava de desvendar fomos sempre em frente até uma zona em que ouvimos gente a falar. Segundo o comandante das milícias era uma aldeia que ficava ali.
Acordando depois de uma noite protegido com o mosquiteiro e a
ventoinha ao fundo da cama e por dentro do mosquiteiro, tal era o calor.
Muitas vezes acordava repentinamente com a ventoinha a bater-me nos
pés. Outras vezes acordava com os pés fora do mosquiteiro e cheios de
mosquitos. Sei que tomava os meus comprimidos e nunca apanhei doenças
tropicais.
O corte do cabelo era obrigatório e para
isso havia barbeiro na companhia. Cercados, sem nada para fazer, as
brincadeiras faziam parte do dia a dia. Imitar o barbeiro era uma delas.
Como nem sempre a cerveja sabia bem, dependia do momento, antes de sair para um patrulhamento colocava no congelador do frigorífico, que trabalhava a petróleo, umas três latas de leite, vindos da Holanda.
Em Cameconde havia a artilharia pesada, o obus 14, um meio essencial na nossa defesa e que segundo informações que tínhamos metia muito respeito ao outro lado da barricada. Atingia uma distância muito boa e para bater zonas mais perto dispúnhamos do morteiro 80 e 60, cujas granadas varriam a zona periférica do destacamento. Para colocar a granada no obus 14 eram normalmente dois homens que o faziam. Era um rebuçado com 45 kg. Estas armas de artilharia estavam protegidas com bidões cheios de terra ou areia.
Na nossa companhia os diversos sectores, artilharia, Daimler e companhia que englobava comunicações, mecânica e pelotões, eram independentes na rendição. Evidentemente todos sob o comando do capitão.
Como tinha a especialidade de minas e armadilhas, o paiol estava por minha conta. A requisição de munições era feita na medida das necessidades, com antecedência. Ao chegar a Cacine havia muitas munições fora de prazo e já com ferrugem pelo que adquiri novo material. Com o material velho comecei a minar Cameconde, um nada dentro da floresta.
E chegou a nossa vez de sermos rendidos.
(Continua)
Texto e fotos: © Tibério Borges
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Nota do editor
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