1. Mensagem do nosso camarada António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 16 de Junho de 2015:
Caro camarada,
Na sequência da colaboração prometida, junto envio mais um excerto do livro que publiquei recentemente sobre a Guiné.
Um abraço
António Melo de Carvalho
Do livro Paz e Guerra - Memórias da Guiné
Excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné* (2)
António Melo de Carvalho
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Na reacção às flagelações do IN, foi o 2.º GComb que mais se destacou. Por vezes em circunstâncias muito críticas, bem vivas ainda nas nossas memórias.
Mais de quarenta anos depois, em Braga. O corpo do Peixoto, durante a comissão um dos melhores cabos do 2.º GComb, comandante de uma das Equipas da Secção do Fur. Barata, tinha acabado de descer à terra. Cumpriu-se nesse dia o pressentimento que me transmitiu pessoalmente, à despedida no final do último encontro anual em Mira, em 2010. Foi dos que nunca faltou a esses encontros.
- "Meu capitão, é a última vez…" E acertou.
O recatado luto pelo nosso companheiro de guerra prolongou-se ao sabor de uma bica, num dos cafés na proximidade do cemitério. Partilhámos vivências várias. Umas ainda frescas e em primeira mão, outras repetidas, algumas já sumidas nos recônditos do consciente.
“…aquela em que o Barata saiu de calções e botas calçadas à pressa. Os primeiros cinquenta metros foram rápidos, mas depois tivemos que amochar, porque o fogo IN era muito intenso. Enquanto aguardava a cobertura do fogo de apoio ao nosso avanço, perpassou-me pela mente um “flash” de imagens dos contrastes da vida…”,
dizia-me então o Magalhães, antigo comandante do 2.º GComb,
“…uns mais pertinentes que outros. Pelos meus dez anos, a minha mãe fez-me a promessa de um bom chocolate se me portasse bem durante a próxima visita de uma pessoa amiga. Foi no início da década de 1950.
As reuniões familiares eram frequentes. Algumas vezes em casa dos meus pais, em Vilarinho das Paranheiras, concelho de Chaves, e noutras ocasiões em Casas Novas, freguesia de Redondelo, também do concelho de Chaves. Pois essa pessoa era agora o chefe máximo dos homens que estavam naquele momento a fazer-nos mergulhar pela terra dentro, em busca de protecção contra o intenso tiroteio das suas armas ligeiras, pensava eu. A chicotada ainda nos feria e irritava os ouvidos, apesar dos milhares que já nos tinham passado por cima. Por sorte os regos da mancarra foram abertos paralelamente à frente Sul do aquartelamento, de onde vinha o fogo mais intenso…”.
A direcção desses valados tinha a ver com o declive do terreno. Apesar de ser muito suave, o agricultor balanta sabia que tinha de preservar a terra da erosão das águas lançadas em torrentes na época das chuvas. O saber acumulado de gerações dizia para não se afastarem muito da configuração que nós na escola designamos por curvas de nível. Quando foi planeada a implantação do quartel, não se terá chegado a este detalhe, tão importante naquele momento de reacção ao ataque. E então os regos pareciam ter sido feitos mesmo à medida, tanto em profundidade, como em largura. As abundantes chuvas daquela terra assim o exigiam. Se o declive não se aproximasse do zero, as pesadas chuvas tropicais fariam desaparecer a terra em poucos anos.
Abençoado clima tropical que tanta água despejava no solo em tão pouco tempo, pensaria o Alf. Magalhães [foto actual à direita], enquanto sentia no corpo os salpicos da terra projectada pelo impacto dos tiros do IN.
“…Só nos terão detectado depois de termos progredido pelo menos duzentos metros. Por certo não esperavam este tipo de reacção.
O agora líder do PAIGC, matutava eu, aquando dos meus dez anos, era o namorado da minha prima Maria Helena. As nossas mães eram irmãs. A família tinha uma grande consideração por ele e tinham medo que não me portasse à altura. Mas quando o encarei, não resisti ao medo que o seu rosto me infundiu. Fugi apavorado. Nunca tinha estado tão perto de um africano. Ainda para mais com um tom de pele tão escuro. Lá me conseguiram acalmar. Apesar de o não merecer, deram-me a oportunidade de saborear o meu doce preferido. A pouco e pouco, o contacto com esse senhor acabou por se intensificar. Por incrível que pareça, com o passar do tempo, comecei até a apreciar as visitas do namorado da minha prima, integrando-me assim no ambiente de grande simpatia e cordialidade com que o engº Amílcar Cabral era recebido por toda a família. Acabei por me tornar no seu principal fã.
E a guerra não apagou esses laços com a família. Há registos que o comprovam. Nos princípios de Fevereiro de 1970, estava então a meio da comissão na Guiné, meu pai recebeu uma carta de condolências de Amílcar Cabral, com o carimbo dos correios de Paris e sem remetente, pouco depois da morte da minha mãe. Era tia e madrinha da mulher de Amílcar Cabral. Tenho pena de não ter comigo essa carta, hoje nas mãos de uma pessoa de família, porque ainda não se apagou da minha memória a confiança e admiração que aquela figura inspirava”.
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Nota do editor
(*) Poste anterior de 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14808: Bibliografia de uma guerra (73): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (1) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
"Mas quando o encarei, não resisti ao medo que o seu rosto me infundiu. Fugi apavorado".
Caro Antonio,
Eu acredito e nao he de estranhar, o mesmo aconteceu connosco em 1964/5 quando, pela primeira vez chegaram soldados brancos, sentados em cima de um Unimog, a nossa aldeia. Coisas da vida, e nos nem tiveramos a sorte de ser, minimamente, preparados para o que iria acontecer, aconteceu e foi um choque (cagaco, diriam voces) sem paralelo.
Com um abraco amigo,
Cherno AB
PS/_Sobre o referido acontecimento, poderas consultar, neste Blogue da TG, o Poste P4580, de 25/06/2009, das minhas memorias de infancia.
Cherno AB
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