Camarada,
Envio-te uma crónica que vai ser publicada amanhã no semanário CARDEAL SARAIVA, de Ponte de Lima. Dá-lhe o tratamento que entenderes, por favor.
O mesmo trabalho foi enviado pra UTW, para mais ampla difusão.
Aproveito para te dizer que o teu blog tem sido muitíssimo útil para as minhas pesquisas para a obra que poderá chamar-se "Participação limiana na Guerra do Ultramar", em vários volumes.
O primeiro refere-se apenas aos 52 Heróis Limianos que a guerra provocou.
Darei sempre notícias sobre ela.
Parabéns pela vossa extraordinária generosidade, que vai deixar para os nossos descendentes um acervo gigantesco de informação sobre a Guerra do Ultramar.
Abraço para todos do
Mário Leitão
Ex-Furriel da Farmácia Militar de Luanda
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O Furriel Júlio de Lemos morreu há 50 anos
O Furriel Júlio Lemos, no final de uma operação complicada (em que a retirada exigiu cobertura aérea de morteiros, solicitada por via rádio a um pelotão de apoio da mesma companhia de caçadores) e quando a sua unidade de combate se preparava para proceder ao atravessamento do rio Bissilon (Bissilão), afluente do Rio Louvado, na região de Tite, tomou a iniciativa de efectuar a travessia a nado, com outro camarada de Guimarães. Algo correu mal. Nunca mais foi encontrado, mesmo depois das buscas efectuadas por meios navais. Tal facto terá estado relacionado com o seu pesado equipamento e com o efeito do macaréu, verificado no momento, que agravaram as condições lodosas características daqueles rios.
(Adaptado dos testemunhos que os seus camaradas publicaram no sítio da Internet “Luís Graça e Camaradas da Guiné”)
Ponte de Lima, 12 de Agosto de 2015
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No dia 12 de Julho de 1965 o Furriel Júlio de Lemos Pereira Martins morreu no decurso de uma operação, desaparecendo no leito lodoso de um rio guineense. Foi precisamente há 50 anos, mas parece que foi ontem que o drama da sua morte abalou a pacatez da nossa Vila. Recordo-me da tarde em que o comércio limiano fechou meias portas em sinal de pesar, como então se fazia. Eu tinha 16 anos e vinha da Vila Morais, de um ensaio para as récitas que o Teatro Académico Limiano fazia naquele tempo, nas férias grandes. Ao passar junto do mictório que dantes existia na parede nascente do quintal do então “Asilo dos Velhos” (a escassos metros do local onde está hoje a estátua de Norton de Matos), vi um grupo anormal de pessoas junto às portas do Restaurante GAIO, propriedade de seu tio Manuel Lemos, irmão de sua mãe Maria da Conceição Lemos(1). Aproximei-me e senti pessoas a chorar, algumas convulsivamente, ao mesmo tempo que ouvi alguém dizer “o Júlio LAIPUM morreu na guerra!”.
Esta cena e o ar pesado que se respirava na Pharmacia Brito, onde não se falava de outra coisa, ficaram gravados na minha memória e fizeram-me recordar aquele rapaz do Externato Cardeal Saraiva, sete anos mais velho do que eu, que fez parte do grupo de “matulões do 5.º ano” que me baptizou em Outubro de 1958, quando eu entrei para a 4.ª classe e admissão aos liceus: Júlio de Lemos, Júlio Vilar, Henrique Ramalho, Celso Barbosa, João Carvalho, Carlos Torres (TITÁ), Horácio, Alberto “TALENTE” e outros. E foi a partir desse acontecimento que eu passei a conhecer a realidade da guerra que se travava nas províncias ultramarinas e a compreender as aflições em que minha Mãe vivia, ao pensar que o filho mais velho (meu irmão Afonso Manuel) iria às inspecções militares no ano seguinte. Numa das fotografias, Júlio Martins aparece em primeiro plano (segundo a contar da esquerda) com um grupo de estudantes do externato, tirada aos 15 anos de idade (1957).
Furriel Júlio de Lemos
Ontem, quarta-feira, 12 de Julho, um grupo de amigos do Furriel Júlio de Lemos participou numa missa por sua alma, na Igreja Matriz. Foi um lindo momento de oração pelo descanso eterno de um Amigo de juventude que só viveu 23 anos, ao qual se seguiu uma romagem de saudade até ao Memorial dos Heróis do Ultramar, junto aos Paços do Marquês, onde lhe prestaram homenagem e depositaram flores(2).
Aqui fica para a posteridade a nostalgia que nesta hora a todos nos invade. Que os vindouros saibam que o drama da Guerra do Ultramar foi uma coisa medonha que se abateu sobre os seus intervenientes e suas famílias, e que marcou as nossas vidas para sempre. Descanso eterno para o Furriel Júlio de Lemos, da Companhia de Caçadores 797, que operou no teatro de guerra da Guiné Portuguesa!
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Notas:
(1) Ver a crónica “Chico LAIPUM”, no C. Saraiva n.º 4505, de 12/12/2013.
(2) Relacionadas com o Furriel Júlio de Lemos, com a sua família e com outros temas da Guerra do Ultramar, a rubrica Gente Limiana já publicou: “Andam a morrer Veteranos”, CS n.º 4390, de 17/06/2011;
“Em nome da Pátria”, CS n.º 4394, de 15/07/2011;
“Os Mancebos de 66”, CS n.º 4430, de 20/04/2012;
“O Milo e o Zé”, CS n.º 4445, de 10/08/2012;
“As inspecções militares de 1962”, CS n.º4446, de 24/08/2012;
“Encontro dos Inspeccionados de 66”, CS n. º 4447, de 31/08/2012;
“Reunião dos Apurados de 62”, CS n.º 4457, de 23/11/2012;
“Heróis esquecidos”, CS n.º 4491, de 16/08/2013;
“Não voltaram todos”, CS n.º 4492, de 23/08/2013;
“Missão cumprida”, CS n.º 4493, de 19/09/2013;
“Páginas da História Limiana”, CS n.º 4519, de 03/04/2014;
“Dia do Combatente Limiano”, CS n.º 4540, de 04/09/2014;
“Morreram tão novos!”, CS n.º 4573, de 28/06/2015;
“Foram à guerra e não voltaram”, CS n.º 4574, de 04/07/2015.
(Artigo de Mário Leitão, publicado no semanário “Cardeal Saraiva” de 13/08/2015)
(gentelimiana@gmail.com)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14854: Efemérides (194): No passado dia 20 de Junho, em São Miguel, foram inauguradas as obras de conservação e renovação do Museu Militar Militar dos Açores e impostas ao nosso camarada Carlos Cordeiro, a Medalha Comemorativa das Campanhas e a Medalha de Cobre de Comportamento Exemplar (José Câmara)
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