Mostrar mensagens com a etiqueta poesia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta poesia. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26173: Nos 500 anos do nascimento do nosso poeta maior, Luís de Camões (c. 1524 - c.1579/1580) - Parte I: "Soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, é como as ondas do mar sobre flores e prados " (António Graça de Abreu. In "Diário Secreto de Pequim",. inédito, 12 de setembro de 1980)(



Camões (c. 1524 - c.1579/80)  e Engels (1820-1894)



António Graça de Abreu,
Pequim, 1980
António Graça de Abreu

(i) viveu na China, em Pequim e em Xangai, entre 1977 e 1983; 

(ii) foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras; 

(iii) na altura, ainda era, segundo julgamos saber, simpatisante ou militante do Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), o PC de P (m-l), fação Vilar (Eduíno Gomes), alegadamente o único (dos portugueses) reconhecido pela República Popular da China;

 (iv) ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74);

 (v) membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de três centenas e meia de  referências;

(vi) compulsivo viajante, tem "morança" em Cascais; 

(vii) é um cidadão do mundo, poeta, tradutor, reputado sinólog, escritor, autor de mais de 2 dezenas de títulos publicados;

 (viii) nasceu no Porto em 1947; 

(ix) é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro.
 

1. Mensagem do Antonio Graça de Abreu:

Data: 1 de novembro de 2024 01:05
 
Assunto: Camões, Engels e a China n
o meu 'Diário Secreto de Pequim0, inédito, escrito há 44 anos atrás.


Pequim, 12 de Setembro de 1980

No número deste Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda, a divulgação oficial de tudo o que é China comunista, elaborada aqui nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras (onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano), saiu um extenso texto meu. 

Antes da publicação, o que escrevi e que passo agora integralmente a transcrever, foi traduzido para chinês e levado à consideração, ou chamemos-lhe assim, foi à censura dos nossos poderosos chefes chineses. Não me cortaram uma só palavra, não limparam uma vírgula, passou tudo pelo entendimento do pente de quem manda. Aí vai o meu texto:


4º  Centenário de Luís de Camões comemorado na China

Nos últimos dias de Junho passado, tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo a comemoração do 4º Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).

Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.

Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa.

 Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa “amizade”.

O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que, no futuro, desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.

Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das “quatro modernizações”?

Os maiores poetas -  na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa -, os nossos maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.

Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no extravagante diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.

Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.

Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. 

De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou o ilustre peito lusitano e os que entre gente remota edificaram "Novo Reino que tanto sublimaram.”

 Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido “no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". 

Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.

Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. 

Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, “um socialista antes do tempo”, como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:

Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…


Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, “Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante”:

Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:

Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.


Camões, um colonialista? 

Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo, praticamente, nos últimos anos da sua atribulada existência, de esmolas, de caridade, de amigos.

Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava e se abria a todos os homens.

Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as “memórias da alegria”, essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.

O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que “é como ondas do mar sobre flores e prados” e depois confessa-lhe que, de manhã cedo, gosta de “se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo Os Lusíadas.” 

O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas?

Um historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:

“O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e ao amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos os homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra.”[1]

Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, “é como as ondas do mar sobre flores e prados.”

António Graça de Abreu
__________

[1] Jaime Cortesão, História dos Descobrimentos Portugueses, III vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 1979, pag. 219.

(Revisão / fixação de texto: LG / Não atualizámos a ortografia, do textro, que é de 1980)

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26144: Facebook...ando (66): Sessão de apresentação do livro de poesia "NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL", da autoria de José Luís Loureiro, levada a efeito no passado dia 9 de Novembro de 2024, no Casino da Figueira da Foz (Antero Santos, ex-Fur Mil Inf)


Obras sobre a Guerra do Ultramar

NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL
Poesia
Autor - José Luís Loureiro


Ontem, num dos salões do Casino da Figueira da Foz, decorreu a sessão de apresentação do livro de poesia do Combatente José Luís Loureiro, "NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL".

Foi uma cerimónia que contou com a presença na mesa da Sra. D. Isabel Tavares, escritora, poetisa e declamadora, além de ser Deputada Municipal na Assembleia Municipal da Figueira da Foz; de Antero Santos, autor do prefácio; de Vitor Carriço da Silva, autor do texto da badana e também do autor da obra, José Loureiro, que foram Combatentes na Guiné, em Moçambique e em Angola, respectivamente.

Na assistência estavam o Dr. Fernando Matos, administrador do Casino e esposa, o Dr. Jorge Lê, vários Combatentes de entre os quais destaco o Dr. Vasco Gama, residente em Buarcos, que foi comandante da CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã - 1972/74.

Abriu a sessão a D. Isabel Tavares. Depois dos convidados terem feito as suas considerações sobre a obra e de a D. Isabel Tavares ter declamado vários poemas, foi a vez do autor falar da mesma e dos seus estados de alma. Então a D. Isabel Tavares propôs um espaço de perguntas e respostas e aconteceu uma tertúlia entre todos os presentes sobre várias facetas da guerra no Teatro de Operações, sobre a forma como os Combatentes continuam a ser "destratados" pelos sucessivos governos e também sobre a regalia que foi decretada em 2021 sobre direito ao uso da bandeira nacional no velório e funeral dos Combatentes e que, tristemente, não é respeitada pela maioria das autarquias a quem compete a execução da medida. Foi muito positiva esta pequena tertúlia.

Quase a terminar, o José Loureiro agradeceu a presença de todos. Agradeceu também à Administração e Direcção do Casino, nas pessoas do Dr. Fernando Matos e Dr. Jorge Lê

Para finalizar a cerimónia, a administração do Casino presenteou-nos com um Porto de Honra e foi tempo de um animado convívio.


_____________

Fotos: José António Silva Teixeira
Fixação do texto e edição das fotos: Carlos Vinhal

_____________

Nota do editor

Último post da série de 11 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26033: Facebook...ando (65): Valter Santos, em Cucujães, relembrando coisas e gente do seu tempo, em Bissau, no HM 241 (1969/71)

domingo, 3 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024

 


1.  Para aqueles que não puderam estar presentes na sessão de apresentação do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, no passado dia 26 de setembro, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) (*),  o nosso amigo e camarada disponiblizou-nos os "slides" que elaborou para a ocasião.  

Perdemos a sua conversa ao vivo, mas temos ao menos o privilégio de poder aceder ao essencial daquilo que ele quis transmitir ao público sobre o lendário poeta e monge ligado ao Budismo chan (ou zen, como é conhecido no Japão), Han Shan, do séc. VIII (em chinês, quer dizer "Montanha Fria"),


Já agora esclarecemos os nossos leitores sobre o que é o CCCM e a sua missão:

(i) tem por missão produzir, promover e divulgar conhecimento sobre Macau enquanto plataforma entre Portugal e a República Popular da China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(ii) é, também, um espaço dedicado ao estudo e ensino da língua, cultura e história chinesas, e um centro de investigação científica e de formação contínua e avançada sobre as relações entre Portugal e a China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(iii) dotado de autonomia administrativa e património próprio, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O António Graça de Abreu não precisa de apresentações. Honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande desde 5/2/2007, e tem 354 referências no nosso blogue.


Templo de Han Shan, Suzhou, China (Suzhou é uma cidade a oeste de Xangai, no delta do rio Yangtzé, famosa pelos seus cnais,, pontes e jardins clássicos, classificados pela UNESCO com o património  material da humanidadfe em 1997 e 2000).


O António Graça de Abru no templo de Han Shan


Templo de Han Shan


A ponte de Fenqiao (séc. VIII), Suzhou


Famoso poema do poeta ZhangJi (766?-830?), "À noite, ancorando em Fengqiao"...





O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)


Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku. 
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.


Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan









No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar,  de forma exaustiva,  os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa. 

Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu. 

Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.

Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.

Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”,  que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.

Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua. 

É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.

Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.

Em carta pessoal, Eugénio de Andrade escrevia-me em novembro de 1993: 

Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:

 “Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias. 

"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”

Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses. 

Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.

Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”,  oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que  o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .

É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.

Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.

Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller»,  disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]




Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011




"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa



Capa do livro "Han Shan: Poemas": seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Edição bilingue. Lisboa, Grão-Falar, 2024 (*)


Lançamento do Livro "Poemas de Han Shan" | 19 de Outubro  | 17h00 | Casa do Comum | Bairro Alto, Lisboa (**)



“Lê os verdadeiros escritores, lê Balzac, Han Shan, Shakespeare, Dostoieveski.”

Jack Kerouac

O homem que um dia se chamou Han Shan, ninguém sabe quem foi. Quando alguém o via, considerava-o um doido, um pobre diabo. Vivia retirado na montanha Tiantai, sete léguas a oeste do distrito de Tangxing, num lugar chamado Han Shan (Montanha Fria), entre rochas e falésias. Daí descia frequentemente para o templo de Guoqing, ao encontro do seu amigo Shi De, encarregado da limpeza da cozinha do mosteiro que lhe guardava restos de comida em malgas feitas com cana de bambu.

Lu Qiuyin (Séc. IX)

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas do budismo chan, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo.

 António Graça de Abreu

____________

António Graça de Abreu

O escritor, tradutor e nosso
camarada António Graça
de Abreu com a esposa,
Hai Yuan

  • nasceu no Porto, em 1947; 
  • licenciado em Filologia Germânica, mestre em 
  • História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses
  • foi professor de Português em Pequim e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras;
  • viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983;
  • foi professor do ensino secundário e assistente convidado leccionando Sinologia no Instituto de Estudos Orientais  da Universidade Nova de Lisboa, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e na Universidade de Aveiro;
  • traduziu para português a peça de teatro Xi Xiang Ji (O Pavilhão do Ocidente), de Wang Shifu (1260?-1320?), editada em 1985 pelo Instituto Cultural de Macau;
  • e também as antologias Poemas de Li Bai, Poemas de Bai Juyi, Poemas de Wang Wei, Poemas de Han Shan e Poemas de Du Fu publicadas em Macau, respectivamente, em 1990, 1991, 1993, 2009 e 2015;
  • traduziu também o Tao Te Ching, editado em Portugal pela Vega Ed., 2013;
  • o seu livro Toda a China I e II, 2013 e 2014, é um extenso conjunto de textos sobre as suas muitas viagens e vivências exactamente por todo o território da República Popular da China, mais Taiwan, Hong Kong e Macau;
  • historiador e poeta, é também autor da biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808), co-autor dos dois volumes da Sinica Lusitana, 2001 e 2004, e dos livros de poesia China de Jade, China de Seda, Terra de Musgo e Alegria, China de Lótus, Cálice de Neblinas e Silêncios, A Cor das Cerejeiras e Lai Yong, Bernardo e outros Poemas;
  • publicou ainda o Diário da Guiné, o relato da sua experiência de guerra durante os anos 1972/1974; e dois livros de viagens, sobre as suas duas voltas ao mundo, Notícias Extravagantes de uma Volta ao Mundo e Odisseia Magnífica;
  •  entre 1996 e 2002 pertenceu ao Board da European Association of Chinese Studies (Heidelberg, Edimburgo e Turim);
  • com a tradução dos Poemas de Li Bai, obteve o Prémio Nacional de Tradução 1990, do PEN Clube Português/Associação Portuguesa de Tradutores.


(aberto, sábado, das 12h00 às 2h00)  

(...) A Casa do Comum, projecto da Ler Devagar e imaginado por José Pinho, inaugurado a 31 de outubro de 2023, no Bairro Alto, é um espaço que se propõe como um ponto de encontro da cidade com a cultura.

Num edifício com 3 pisos coexistem uma sala de espectáculos com possibilidade de apresentação de cinema, artes performativas, concertos e conferências, uma livraria generalista, uma livraria alfarrabista e um bar, devolvendo ao Bairro Alto a sua participação na cena cultural da cidade e restituindo aos residentes da cidade um espaço que alia a fruição cultural à vida social no centro histórico. (...)


_______________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 12 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26039: Agenda cultural (861): Convite para o lançamento do livro "CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA, de Joaquim Costa, a ter lugar no próximo dia 9 de Novembro, pelas 16h00, na Bibliotaca Municipal de Gondomar, Av. 25 de Abril. Apresentação do livro a cargo do Dr. Manuel Maria

domingo, 22 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa



Lançamento do Livro "Poemas de Han Shan" | 26 Setembro | 18h30 | CCCM

Informa-se que nesta iniciativa haverá captação de vídeo, áudio e fotografia e que os ficheiros captados poderão ser utilizados para fins de comunicação institucional e/ou promocional nos diversos canais, físicos e/ou digitais, do CCCM. O tratamento dos dados pessoais é realizado de Acordo com a Política de Proteção de Dados e de Privacidade, disponível em www.cccm.gov.pt. Para efeitos de informações ou de exercício de direitos, os titulares de dados deverão contactar dpo@cccm.gov.pt.
_____________

Nota do editor

Último post da série de 19 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25958: Agenda cultural (859): Convite para a sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, dia 10 de Outubro de 2024, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

Guiné 61/74 - P25966: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (36): "Terra e poesia"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"

Terra e poesia

Tenho falado com alguns poetas sobre o que entendem por poesia, poetas de muito nome. Cada um deles, diz-me o que sente, mas ninguém me diz que a poesia nasce como nasce a água da fonte.

O homem veio consultar-me. Sentia, sobretudo ao levantar da cama e com os esforços, uma dor em barra sobre a tábua do peito que o imobilizava por completo. Era um homem alto, seco, de carnes magras e duras, sem qualquer mazela que se visse. Nunca estivera doente, por isso, este bloqueamento o intrigava tanto, parecia que tinha a mó de um moinho em cima do peito, quebrando-lhe as costelas.

Não era homem de queixumes, mas coisa séria haveria de ser para o pôr naquele estado. Até já lhe haviam dito que o mal seria, sabe-se lá, uma angina de peito.

- O senhor tem, de facto, uma angina de peito.
- Sr. Doutor, eu nunca estive doente em oitenta anos de vida, sou um privilegiado, não tenho medo da morte, pois todos temos de morrer mais tarde ou mais cedo, mas tenho pena de deixar o trabalho, sem trabalhar não sei viver.
- Diga-me, Sr. Doutor, com a verdade que muito lhe agradeço, se poderei fazer alguma coisa. Faço-lhe esta pergunta porque sempre trabalhei no campo, casado com a natureza e beijado pelo nascer do sol. Tenho pena, porque a enxada nas minhas mãos era uma viola e eu fazia nascer da terra a música que queria.

_____________

Nota do editor

Último post da série de 15 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25946: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (35): "O Paquete"

domingo, 25 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25879: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (32): "Ciência e poesia"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Ciência e poesia

Encontrava-me num café de Paris, na Place de Contrescarpe, onde Edith Piaf, un petit oiseau, iniciara a sua carreira como cantora de rua.

Eu sonhava… Nessa altura não era proibido sonhar. Pelo contrário, era obrigatório sonhar.

À medida que a luz da manhã crescia, insubstancial e fria, eu descia a rue Mouffetard. À minha direita, descia Tchaikovsky e, à minha esquerda, subia Van Gogh.

Madrugavam ambos as suas inquietas e inflamadas personalidades nessa horizontal e fresca manhã do século dezanove.

- Bonjour, monsieur Van Gogh!
- Bonjour, monsieur Pyotr Ilitch!
- Bom-dia, rapaziada!
- Une merde, une merde, cochicharam os dois!

Sorridente e feliz, segui o meu caminho para a Salpêtrière. Estávamos nos primórdios da ecocardiografia, e debatia-se a soberania da famosa vertente E - F da válvula mitral.

A melodia e a cor entraram em mim pelas mãos da ciência. Para lá do frio, academismo, ciência e poesia confundem-se. A chama da poesia acende os dedos da paixão, onde mora o brilho da inspiração, na conquista da harmonia do saber a caminho do horizonte. A ciência enriquece a poesia. Ciência sem poesia é violino sem alma, mas disso nada entendiam nem Van Gogh nem Tchaikovsky.

Na entrada do anfiteatro, um busto holográfico de Hipócrates falava-nos mansamente. A mim piscou-me o olho e disse-me, por entre dentes: mon fils la vie de la science est le chemin pour la rencontre de nous mêmes.

_____________

Nota do editor

Último post da série de 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25854: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (31): "A luz era azul"

Guiné 61/74 - P25878: Facebook...ando (62): "Soldado Português", poema de Delfim Silvestre (2)

Guiné-Bissau > Cemitério Militar de Bissau > Talhão Central


Soldado português

Soldado que foi à guerra
Mãe, mulher abandonada
Criança cresce sem pai
De negro se veste a terra
Ao sentir-se ignorada
Por aquele que longe vai

Caixão embandeirado regressa
A terra fica rasgada
Fuzis disparam para o ar
A vida no luto tropeça
Fica a criança abandonada
Sem ter pai a quem amar

E na África esventrada
A luta dura de mais
Como duro é o sofrimento
Jazz no chão que não estrada
Quem morre por ideais
Ou simples padecimento

Partem jovens sem saber
Com tão poucas condições
Nem conhecer o papão
O que vai lá defender
Quem é que são os “mauzões”
A mando de uma nação

Isso sim aconteceu
Tantos foram e não voltaram
Sem poder voltar atrás
Ninguém ganhou ou perdeu
Salvo os que por lá ficaram
Pensando morrer pela paz

Autor:
Delfim Silvestre
2024
_____________

Nota do editor

Último post da série de 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25855: Facebook...ando (61): "Soldado Português", poema de Delfim Silvestre (1)

domingo, 18 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25855: Facebook...ando (61): "Soldado Português", poema de Delfim Silvestre (1)

Desconhece-se o autor do painel de azulejos que representa a partida, no T/T Niassa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, de um contingente militar com destino a África.


Soldado Português

Lembras Maria,
Como tudo aconteceu?

O dia em que ele partiu
Naquele cais da saudade
Para uma nova realidade
Que mal podia acabar.
Tinhas lhe passado a roupa
Que ele trouxera da tropa
E estava agora a envergar.

Era um belo soldado
O que olhavas fardado
A entrar para o navio
Ele partia sorridente
Era um sorriso diferente
Que te causou calafrio.
Ficaste em terra a acenar
Já ia no alto mar
E tu de lenço na mão
Acenavas sem parar
Esse barco a navegar
Com os filhos da nação.

Deixavam a sua terra
Para uma outra, em guerra
Que eles não conheciam
Mas obrigados partiam…
Tanto tempo se passou
O soldado não voltou
E continuavas a esperar
O amor que então partira
E que jamais regressara
Morrendo no ultramar.

Hoje olhas com amargura
Para aquela sepultura
Uma, outra e tanta vez
Manténs no rosto marcado
Saudades do teu amado
O soldado português.
Lembras Maria?

Autor:
2024

_____________

Notas do editor:

- Delfim Silvestre é um velho colega de trabalho e amigo que conheço há muitos, muitos anos.
- Desde muito novo ligado a associações de juventude, cedo mostrou inclinação por tudo o que fosse cultura, desde música, desenho, escrita, entre outras manifestações.
- Tem já publicados alguns livros de poesia e quase diariamente escreve no seu facebook.
- Tendo sido militar, a sua idade permitiu-lhe no entanto escapar à guerra que nos afligia ainda nos anos 70. Não deixa mesmo assim de mostar alguma sensibilidade por quem, como ele diz e bem, foi para aquela guerra obrigado. Do nosso grupo de cinco colegas de secção, dois foram para a Guiné e um para Angola.
- Tendo lido este seu poema dedicado a uma "Maria" que viu o seu amado ir e não voltar da guerra, pedi-lhe para publicar no nosso blogue ao que ele amavelmente acedeu

Último post da série de 7 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25722: Facebook...ando (60): Fotos do A. Marques Lopes (1944-2024): viagem no T/T Niassa, e chegada a BIssau, em maio de 1968, para a segunda parte da comissão, (CCÇ 3, Barro, 1968/69)

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25836: Verão 2024: olá, nós por cá todos bem (1): Um "haiku" à minha moda (António Graça de Abreu)


O poeta, algures no Império do Sol Nascente, s/l, s/d, com "o monte Fuji abrimdo-se em rendilhados de neve".

Fonte: Facebook do António Graça de Abreu > 12 de agosto de 2024,  23:19

1

. No tempo em que havia férias, em que fazia sentido haver férias, em que a rapaziada ainda trabalhava (alguns, como eu, que só me reformei quase a fazer os 71, no final do ano letivo de 2017/2018) ...), os editores do blogue pediam aos nossos leitores que lhes mandassem um "bate-estradas", um postal ilustrado dos destinos exóticos por onde a malta parava, ou simplesmemnte uma mensagem a dizer "Olá, nós por cá todos bem"...

Chegámoa até a criar algumas sérias mais apropriadas ao "dolce far niente" associado à canícula do verão:

  • "Passatempos de verão"
  • "No versão de 2015 mandem-nos um bate-estrada"
  • "O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje?"...

Hoje já não há férias, nem o "nosso querido mês de agosto", porque todos  os meses do ano parecem iguais... E depois, com as alterações climáticas, já não sabem0s se é verão ou inverno...

Dito isto, sabe-nos bem receber um miminho como este que o António Graça de Abreu nos manda de São Pedro do Estoril (ou já da China ?). 

Um "haiku". Aliás, vários "haikus a meu modo"...

Aprendem também com ele (e os poetas japoneses) a fazer um "haiku" (Vd. aqui,  "como fazer um haiku")

(...) "O Haiku teve a sua origem no Japão no séc. XVII. No princípio era considerado como um jogo de palavras ou ideias mas só com Matsuo Basho (1644-1694) é que passou a ser considerado como literatura. 

"Considerado poesia contemplativa, o Haiku valoriza a apenas três versos. natureza, as cores, as estações do ano, os contrastes e as surpresas. Desenvolveu-se num verso que é capaz de expressar sentimentos profundos pela natureza, incluindo os seres humanos. Isto responde à ideia tradicional japonesa que defende que o homem faz parte do mundo natural e deverá viver em harmonia com esse mundo". (...)

Tem 3 regras, simples: Regra n.º 1 – As quatro estações do ano; Regra n.º 2 – Reflete o teu mundo e o teu coração; Regra n.º3 – Capta um momento...

Nada melhor para estrear a nossa série de partilha de mensagens de "Verão 2024: olá, nós por cá todos bem" (subtítulo roubado a um filme do Fernandes Lopes, de 1977,  com música do Sérgio Godinho).

Caros leitores: mandem-nos "haikus à vossa moda", tanto pode ser uns versinhos, como um "postalito", ou meia dúzia de linhas com as vossas  impressões dos dias  que correm neste versão do nosso (des)contentamento... Aqui, hoje em Portugal ou nos arredores, tanto faz...: nas América(s), em Timor, na China, ou na Guiné, neste mundo ou no outro...

2. Mensagem do António Graça de Abreu, poeta, viajante, sinólogo, e sobretudo nosso amigo e camarada da Guiné (já não precisa de apresentação, já cá está há muito, tem 350 referências no nosso blogue):



Com Ueshima Onitsura, nascido em 1661, contemporâneo de Bashô.


Jantar com Onitsura,
o cricrilar do grilo,
o ronronar do gato.

Vem, outra vez
ao meu encontro.
Borboletas voando.

No céu, o monte Fuji,
abrindo-se em rendilhados de neve.
Todo o Japão.

Quantas sílabas
tem o cantar do cuco?
Neblina na lua.

Dia de Primavera,
o banho dos pardais
na areia do rio.

Na tepidez do Verão.
os deuses dançando
na brisa do entardecer.

O sonho de Outono,
acordo com o grasnar dos corvos.
A viagem para o vazio.

O Inverno gelado.
Duas ou três palavras
para aquecer a noite.



António Graça de Abreu, 12/8/2024