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quarta-feira, 18 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26931: Manuscrito(s) (Luís Graça) (269): o azul, o preto e o vermelho, aliás, carmesim








Lisboa > 8 de junho de 2025 > O mês da feira do livro e dos jacarandás

Fotos: © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O azul, o preto e o vermelho, aliás, carmesim

por Luís Graça



Não gostavas de escrever a azul.
Também não gostavas de escrever a vermelho.
Sempre gostaste de escrever a preto.
Em papel liso.

Sempre detestaste as linhas
mas nem sempre havia papel liso
nem esferográficas pretas.

Vermelho, não, carmesim (*),
como se dizia antigamente,
no tempo em que o vermelho era proibido
nas repartições públicas do Estado de Direito.
E muito menos
nos registos paroquiais 
de batizados, casamentos e óbitos.

Carmesim e não vermelho,
era a cor das vestes dos cardeais.
Carmesim flamejante.

Também se usava o carmesim
nas provas tipográficas dos livros 
no tempo em que os tipógrafos eram anarcossindicalistas
e tinham três ódios de estimação:
Deus, o Rei e o Capital.

Branca e azul era a bandeira.
Depois passou a ser verde e vermelha,
Por pudor dizia-se verde-rubra.
Rubra da cor das faces das moçoilas do povo
que era pouco republicano
e muito temente a Deus.
Rubra como o tomate saloio.

Deus que, nesse tempo,
escrevia direito por linhas tortas.
Mas sempre a azul,  celestial.
Deus, Pátria e Família
também só podiam ser escritos a azul.
Era a única tinta que se usava
na tua Escola Conde Ferreira.

Gostavas de escrever à mão.
Mas às vezes não tinhas esferográficas pretas,  à mão.
E, depois, nem todas as esferográfica pretas prestavam.
Nem todas eram válidas e fiáveis.
Cmo as escalas,
biométricas, psicométricas e até sociométricas,
deviam ser.

Ficavas pior que estragado 
quando o bico (ou a ponta ?)
arranhava o papel liso do teu bloco de notas gráfico.
Dizia-se bico (e náo ponta) no tempo da Bic.
Gostavas da Bic, passe a publicidade.
Mas depois a Bic passou a ser feita em países
que eram pouco fiáveis mas que tinham futuro.

O teu país era fiável,
no tempo em que o ouro se mordia com os dentes.
Mas  depois, dizia-se, deixou de ter  futuro.
Há 500 anos que perdia a bússola
e passava a navegar à bolina,
em linguagem náutica.
Ou à deriva,
 em termos mais comesinhos.

Do azul só gostavas das flores dos jacarandás.
Não gostavas do azul
no tempo em que se embrulhava um homem 
em papel selado.
Que era azul, e tinha linhas,
25 linhas.
E não havia tira-linhas, só tira-nódoas.

Não gostavas do papel selado.
Azul, de 25 linhas.
Não gostavas do azul 
nem do vermelho, aliás, carmesim.
Do tempo em que os coronéis da censura
usavam lápis azuis e vermelhos, aliás, carmesins.

Quando foste para a tropa,
gostavas do preto.
Usavas boina preta, 
camisola preta, 
calças pretas, 
luvas pretas...
E esferográfica preta.

Mas depois, disseram-te, 
que era  politicamente incorreto,  o preto.
Por causa não-sei-quê-de-conotações-racistas.
Dizia-se negro, e não preto.
Mas houve uma altura em que o preto dava  jeito.
E, depois, dizia o capelão,
no princípio era o mundo.
E o mundo era a preto e negro.

Ainda te lembravas das fitas 
a preto e vermelho, aliás, carmesim,
com que batias à máquina
poemas sem pés nem cabeça,
só com tronco e braços decepados.
No tempo em que era proibido escrever a vermelho,´
por isso dizia-se carmesim.
E até os sinais de proibição do código da estrada
eram a carmesim.
Não se podia dizer nem escrever
vermelho.

E os próprios jornais, sobretudo os do reviralho,
só podiam publicar títulos de caixa alta
a carmesim.
Em dias de festa.
Ficava cara a impressão.
O preto não era cor, logo era mais barato.
Mas o azul também não vendia jornais.

O preto era a ausência de cor.
Não havia o preto na paleta das cores do arco-íris,
explicava-te o teu professor de química.

Os espanhóis, esses, eram daltónicos
e  foram mais pragmáticos:
só havia os rojos e os blancos.
E mataram-se uns aos outros.


Lisboa, Feira do Livro, 8 de junho de 2025


© Luís Graça (2025)

Nota do autor:

(*) carmesim

carmesim
(car·me·sim)

Imagem

Gradação muito carregada da cor vermelha.

nome masculino

1. Gradação muito carregada da cor vermelha.

adjectivo de dois géneros

2. Que tem essa cor.

Origem etimológica: árabe qirmezi, tingido de vermelho, de qirmiz, vermelhão, encarnado.

"carmesim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/carmesim.
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de março de 2025  > Guiné 61/74 - P26599: Manuscrito(s) (Luís Graça) (268): A velha Amura dos tugas, agora panteão nacional...

terça-feira, 20 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26822: Lembrete (52): Há já 59 magníficos inscritos para o 61º almoço-convívio da Tabanca da Linha, 5ª feira, dia 29 de maio, em Algés... Prazo-limite de inscrição: até ao fim de 2ª feira, dia 26


Jorge Rosales (1939-2019) |  José Manuel Matos Dinis (1948- 2021): Sempre presentes!



Cascais > Estrada do Guincho > Restaurante Oitavos > 20 de novembro de 2014 >  XVII Almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o almoço (antecipado) de Natal. Reuniu 55 convivas, o dobro do habitual naquele tempo. Sem publicidade, sem alardes. O pestisco foi o consagrado e aclamado arroz de marisco da casa (Restaurante e Casa de Chá,  "Oitavos").

 O sítio era encantador, rodeado de verde, de mar e de chuva... Ao fim da tarde, o sol apareceu, a dar um ar de sorriso... natalício. 

Acima pode ver-se a magnífica mariscada que, durante uns tempos, foi um dos "ex-libris" ou ícones do serviço de "catering" da Tabanca da Linha... O segredo estava bem guardado, dizia o "régulo" da tabanca, o Jorge Rosales (1939-2019), quando a gente lhe perguntava quem eram o fornecedor e o cozinheiro...

 O Manuel Resende, na época, era apenas o fotógrafo privativo da Tabanca da Linha... A morte do "régulo" Jorge Rosales (em 2019) e do seu "secretário" José Manuel Matos Dinis (em 2021)  foi um duro golpe para os os "mangníficos"...

O Manuel Resende tem sido, desde então, um digno sucessor!... E no próximo dia 29 de maio volta a chamar-nos a capítulo!...Ele está esperançado que o segundo e último piso do Restaurante Caravela d'Ouro, em Algés, se encha (lotação: 80/100 lugares). À data de hoje, já somos 59 os inscritos. (*). 

Aproveitamos para "matar saudades" dos dois régulos anteriores, republicando os versinhos natalícios que  fizemos à Tabanca Grande em 2014.


Fotos (e legenda): © Manuel Resende (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Bluís Graça & Camaradas da Guiné]


Homenagem à Magnífica Tabanca da Linha


É uma espécie em extinção,
Mas já foi raça danada,
Sem saúde nem patacão,
Quer apenas ser lembrada.

É malta, não é gentinha,
È feita de sangue, carne e osso,
São a Tabanca da Linha,
Uns pró fino, outros pró grosso.

Calcorreando montes e vales,
Pois é régulo e comandante,
A malta segue o Rosales
E mais o seu ajudante.

Dois rapazes dos Estoris,
Que vieram ao mundo p’ra sofrer,
O mais reguila é o Dinis,
E o mais pisco p’ra comer.

Dois cavaleiros andantes,
Qual Quixote e Sancho Pança,
Andaram sempre a penantes.
Na Guiné espetaram lança.

De Bissau a Buruntuma.
De Porto Gole a Bissá,
Perderam-se os dois na bruma,
Mas têm tabanca cá.

É uma tabanca real,
De pura e nobre linhagem,
Onde Guiné e Portugal
Fazem sua mestiçagem.

Em nome da Tabanca Grande,
Saúdo os Reais Tabanqueiros
Que, sem que ninguém lhes mande,
São bravos e leais companheiros.

Almoço-convívio de Natal
Oitavos, estrada do Guincho, Cascais,

Luís Graça
20/11/2014




Já são 59 os inscritos para o próximo convívio, dia 29, 5ª feira. (*). Fica aqui o lembrete: prazo de inscrição até ao final de 2ª feira, dia 26. Inscrições: 
Manuel Resende | Tel - 919458210
Mail - magnificatabancadalinha2@gmail.com
 

___________________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 7 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26243: Lembrete (51): Apresentação do livro "Encruzilhadas no Império", de Paulo Cordeiro Salgado, dia 9 de Dezembro de 2024, pelas 18 horas, na UNICEPE, Praça de Carlos Alberto, 128 - Porto

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26797: Facebook...ando (77): 24º encontro anual da 26ª CCmds (Brá, 1970/72), na Quinta do Paúl, Ortigosa, Leiria ... Homenagem poética à "Geração Afro" (Angelino Santos Silva)


 
1. Com a devida vénia, transcrevemos o texto "Tertúlias de Combatentes: Conversas", publicado no Facebook da Tabanca Grande,
 pelo Angelino Silva, nosso grão-tabanqueiro nº 897, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds (Brá, 1970/72), poeta e escritor, com vários livros publicados,  natural de Paredes (*)

A propósito do encontro anual da sua companhia, deixa-nos também mais um belo poema seu, a que chamou "Geração Afro", de homenagem a todos os combatentes da guerra colonial. 

Recorde-se que a 26ª CCmds, passou por Bula, Teixeira Pinto e Bissau, em 1970/72, Foi mobilizada pelo CIOE - Lamego, tendo como cmdt o Cap Inf Cmd Alberto Freire de Matos. Embarcou  em 25mar70, chegou a Bissau  em 31mar70 e regressou a  27dez71. O Angelino é até agora o primeiro e único representante da 26ª CCmds na Tabanca Grande.


A Geração Afro, 

por Angelino Silva



No passado sábado, 10 de maio, realizou-se o 24º Encontro Nacional da 26ª Companhia de Comandos, que fez a sua Comissão de Serviço na Província Ultramarina da Guiné-Bissau.

Como vem sendo habitual, o evento realizou-se na Quinta do Paúl, em Leiria.
Os Encontros Anuais, que todos Combatentes vão realizando um pouco por todo o país, ficam-nos gravados na memória. E na pele.

Iniciaram-se quando nós, jovens e generosos cidadãos, depois de uma presença de dois anos em África, regressamos da Guerra Colonial Portuguesa, que no período entre 1961 e 1974/75, teve como palco Angola, Guiné e Moçambique, províncias ultramarinas pertencentes ao grande império colonial português.

Imbuídos do mais genuíno e nobre patriotismo, embarcamos para o Ultramar, tentando prolongar um Império Colonial que levava cinco séculos de existência. Não temos qualquer complexo quanto ao nosso desempenho em África. 50 anos passados, chegamos a uma altura da Vida, que temos menos Tempo para viver. É a Lei do Tempo e da Vida. E, claro, somos cada vez menos nesses Encontros.


Dos mais de 1 milhão de Combatentes que prestámos serviço nas três províncias ultramarinas em guerra, estima-se em 400 mil os ainda sobreviventes, hoje. Amanhã seremos menos. E se em tempos chorámos a morte de alguns camaradas estendidos ao nosso lado, hoje choramos a morte dos que nos deixaram depois do regresso e que as redes sociais nos vão dando conta. É é nestes Encontros que a dor fica mais impregnada na pele. No momento de Homenagem, não conseguimos conter as lágrimas.

E temos consciência, de que dia-a-dia seremos menos. E que os momentos marcantes destes Encontros – outrora, de conversas sobre as nossas vidas em África – são agora de lembrança e homenagem a quem nos vai deixando. 

É muito importante não deixar cair estas reuniões. Mantê-las, deve ser o nosso último Combate e propósito, para dizermos aos 30 governos de “democracia”, que nunca reconheceram o nosso esforço em África, que, se não fossemos nós, eles nunca seriam governantes. Devemos isto aos nossos camaradas que na guerra morreram. E também, aos camaradas que nestes 50 anos já nos deixaram, sem terem visto reconhecido o seu sacrifício em África.

Daqui a uma década seremos pouco mais do que um punhado. Porém, se ainda houver dois camaradas a realizar um Encontro Anual, o nosso esforço ficará registado para memória futura, quanto à raça, a força e generosidade da Geração Afro, que em tempos idos demandou por terras africanas para manter um Império impossível: a História de Portugal dará conta desse Sacrifício.

Abraço a todos Combatentes.
.
Deixo-vos com o poema,

GERAÇÃO AFRO


Já lá fui e voltei, 
já lá fomos e voltámos.
Percorremos o lado negro da vida,
tropeçámos na face má da sorte
e andámos por trilhos e picadas da morte.
Talvez com sorte, digo eu,
muita sorte dizemos nós,
quando em passos cuidados e tremidos
caminhámos sem rumo e sem norte,
lutando para segurar a vida,
matando para sacudir a morte.

Já lá fui e lutei,
já lá fomos e lutámos,
já lá sorrimos e penámos.
E abrimos a caixa de Pandora
e, antes de virmos embora,
enfrentámos medos e emboscadas,
carregámos sonhos e granadas,
corremos perigo e aflição,
bebemos água da bolanha,
comemos colados ao chão,
adormecemos de arma na mão,
socorremos camaradas feridos,
beijámos rostos estendidos,
cerrámos os punhos cantando,
festejámos a vida chorando,
deixámos os sonhos esquecidos,
zangámo-nos com Deus e o Diabo,
apertámos a raiva mordida na mão
e levámos a cabo heróica missão,
deixámos África
e regressámos a casa,
mais leves de coração.

Já lá fui e voltei,
já lá fomos e voltámos
e pouco pedimos em troca,
apenas… respeito e consideração.

Da vida e das mãos se faz uma nação, 
das lágrimas de um povo se faz História,
da Geração Africana se fará Memória.


Angelino dos Santos Silva,
Combatente na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau,
“Homenagem aos Combatentes da Guerra Colonial" (**)

Fonte: Facebook da Tabanca Grande  > 12 de maio de 2025, 17:28 (ver também o pequeno vídeo de 39 segundos, que acompanha a postagem)

(Revisão / fixação de tecto para efeitos de publicação no nosso blogue: LG)
_______________


Notas do editor:

domingo, 2 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26542: Manuscrito(s) (Luís Graça) (266): Olhó Robô!...Concurso: um soneto escrito pela IA, a pedido do avô...em homenagem à Rosinha


1. No passado dia 23, a minha segunda neta, Rosinha, fez um mês de vida. Fiz-lhe um soneto na véspera (como fiz todos os meses, à Clarinha, nascida antes da pandemia, e durante os seus dois primeiros anos de vidam entre novembro de 2019 e novembro de 2021).

Mas no próprio dia, no passado domingo,  dia 23,  lembrei-me de "medir" os meus dotes poéticos com o "robô"... Tontices!... E partilhei o resultado com a família e os amigos.

Data -  Domingo, 23/02/2025, 10:42

Assunto - Concurso - Um soneto escrito pelo "robô", a pedido do avô...em homenagem à Rosinha

Parabéns, Rosinha, a ti e aos teus papás, à mana, aos avós, aos amigos/as...Vamos fazer um concurso de sonetos... Eu já fiz o meu ontem e vai ser lido ao almoço, no restaurante Foz, na Lourinhã.

Está um dia magnífico para celebrar o teu primeiro mês de vida....O "robô" fez hoje o soneto dele, a meu pedido. Depois mando o meu, para o júri, que são vocês...

Aqui está o pedido que eu fiz ao Gemini IA, agora mesmo... Ele fez o soneto em segundos, eu levei duas horas...

"Bom dia, sou um avô de 78 anos, Luís, tenho uma segunda neta, que faz hoje 1 mês que nasceu. Vou-lhe cantar os parabéns, no Restaurante Foz, à beira-mar, na Lourinhã... A Rosa é a segunda filha do casal João Graça e Catarina Klut. Tem uma irmã, Clara, de cinco anos... Moram no Bairro da Graça, em Lisboa. Ajuda-me a fazer um soneto, com o título 'Para a Rosa Klut Graça, do Bairro da Graça, no 1º mês do seu 1º aniversário'... 

"O primeiro verso da primeira estrofe começa assim: 'Faz um mês hoje, que emoção!, nasceu a Rosa'... Se possível, faz um soneto em dodecassílabos (ou alexandrinos) (12 sílabas métricas em cada verso), a rimar segundo o esquema ABBA. Obrigado. Avô Luís e avó Chita"...

Resposta do robô (Gemini IA, da Google):

Bom dia, Avô Luís e Avó Chita! Que alegria poder ajudá-los a celebrar o primeiro mês da pequena Rosa Klut Graça, em especial com o seu pedido de um soneto em versos de doze sílabas! Aqui está a vossa homenagem, com o título e o primeiro verso que me forneceu:


Para a Rosa Klut Graça, do Bairro da Graça, 
no 1º mês do seu 1º aniversário

Faz um mês hoje, que emoção!, nasceu a Rosa,
Um botão que se abre em cores de esperança,
No lar da Graça, a vida em festa se engalança,
Com João e Catarina, a Clara, tão formosa.

No Foz, à beira-mar, a alma se alvoroça,
Com a brisa salgada, a doce lembrança,
Do amor que em cada olhar se lança,
Na família unida, a alegria que se adossa.

Rosa Klut Graça, flor que a vida semeou,
Que a felicidade te guie em cada passo,
E a doçura do teu sorriso nos enlevou.

Que a Lourinhã, em festa, te abençoe,
E que este soneto, um abraço, um regaço,
Seja a canção que o teu futuro constrói.

Fonte: Gemini IA / Google (com a devida vénia...)


Comentário meu: "Olha o raio do robô!... Vai-me tirar o emprego!... Avô Luís".

2. Segue-se agora o soneto que eu tinha feito na véspera, dia 22: 

Senhores e senhoras do júri:

Este é o soneto que eu fiz ontem, sem qualquer ajuda da IA, e que li hoje à Rosinha...Espero que daqui a uns anos ela possa saber distinguir o soneto do avô e o soneto do robô... Formalmente os dois estão mais ou menos corretos: 4 estrofes (2 quadras e 2 tercetos), cada verso com 12 sílabas métricas (dodecassílabos), e a rimar seguindo o esquema ABBA, nas quadras (o 1º verso rima com o 4º, o 2º com o 3º).

Não devo ser juiz em causa própria, mas não posso deixar em claro duas "calinadas gritantes" do robô:


(i) (...) No lar da Graça, a vida em festa se engalança,
Com João e Catarina, a Clara, tão formosa.


Ora o verbo "engalançar" não existe na nossa língua...

(ii) (...) No Foz, à beira-mar, a alma se alvoroça,
Com a brisa salgada, a doce lembrança,
Do amor que em cada olhar se lança,
Na família unida, a alegria que
se adossa.

(iii)  Por exemplo: 

(...) Do-a-mor-que-em-ca-da-o-lhar-se-lan....ça 

 (...) Que- a-Lou-ri-nhã-em-fes-ta-te-a-ben-ço...e

(só têm 11 sílabas métricas..)

(iv) No último terceto a rima é "forçada: abençoe/ constrói...

Alvoraçar-se, verbo pronomial, quer dizer "sentir alvoroço, grande agitação produzida por um grupo de pessoas"... "Alvoroça" é para rimar com "adossa"., O verbo adossar, pronomial, vem do francês "adosser", quer dizer, encostar-se, apoiar-se (por exemplo à parede)...

Fico por aqui para não ser aborrecido... e chamaram-me presunçoso De qualquer modo, a IA (inteligência artificial) pode dar-nos pistas, ideias, formas, ferramentas... para a gente se aventurar a escrever poesia (incluindo um soneto alexandrino para a neta)... Mas ainda não engana ninguém... Vocês, humanos,  é que têm a última palavra... O júri é soberano... Bj / abraços. Luís

______________

Para a Rosa Klut Graça,
do Bairro da Graça,
no 1º mês do seu 1º aniversário



Faz um mês hoje, que emoção!, nasceu a Rosa,
e eu nunca vi, juro, um bebé tão rosado,
disse o pai João, pois claro, todo babado,
ou não fora ela tão linda e amorosa.

A mana Clara diz que é uma gracinha,
uma tripla graça: logo no apelido,
depois por morar em bairro que é tão querido,
e, mais do que tudo, por ser muito fofinha.

A mamã, coitada, não tem mãos a medir,
nem quatro braços para enlaçar as filhotas,
cada vez mais provas de amor a exigir.

O que vale é o papá, agora empresário:
"Amanhã, elas já serão umas garotas,
vovó, paga lá a conta... do aniversário!".

Dito, em voz alta, com humor e amor,
no Restaurante Foz,
Praia da Areia Branca, Lourinhã,
23/2/2025, 15h30
O avô Luís Graça, poeta em risco de ficar desempregado
(faz versos de nascimento, aniversário, batizado, 1ª comunhão, crisma, festa de formatura, casamento, bodas de prata, ouro e platina, festa de família, divórcio, hospitalização... e falecimento)

3. Alguns comentários (omito os autores):


(i) (...) As coisas de que o Gemini IA é capaz! Obrigado pela partilha. Beijinhos (...).

(ii) (...) A tua poesia ganhou claramente. O IA soa a português de há 2 séculos. Abraço e obrigado (...).

(iii) (...) Não é nada mau mas ainda consigo gostar mais dos teus, de um avô exímio. O tempo que dispensas, faz o doce milagre do pensamento genuíno. Continua na tua senda de um avô que sempre nos surpreende com um miminho. Beijinhos, Luís, pelo teu dom de poeta avô para a Rosinha e para a Clarinha (...).

(iv) (...) Minhas queridas: um bom dia, para todos e para a Rosinha, que já tem direito a soneto feito pela "concorrência"! (Desculpem as "trumpices", mas o gajo é "amaricano"...)-

(v) (...) Boa , avós, babados, abençoados, com o (a) rebento! Cá do fundo, de onde arrancamos as coisas boas, desejo-vos tudo de bom.(...).

_______________

Nota do 
editor:

Último poste da série > 16 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26501: Manuscrito(s) (Luís Graça) (265): Que o Nhinte-Camatchol, o Grande Irã, te proteja, Guiné-Bissau!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26395: (In)citações (260): Em louvor das nossas "tabancas" (ou tertúlias de antigos combatentes) (Angelino Santos Silva, escritor, natural de Paredes, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds, Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/72)

1. Reprodução, com a devida vénia, de postagem no Facebook da Tabanca Grande, com data de 10 do corrente, às 23:00,  da autoria do nosso camarada Angelino Santos Silva, natural de Recarei, Paredes, escritor, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds, Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/72, e que será o nosso próximo grão-tabanqueiro, passando (finalmente!) a sentar-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 897.

Frequenta, com alguma regularidade, as Tabancas do Norte, com destaque para a Tabanca de Matosinhos,
a Tabanca da Maia, e o Bando do Café Progresso. (E julgamos que também a Tabanca dos Melros,
 em Fânzeres, Gondomar.)


Tertúlias de combatentes
 
por Angelino Santos Silva


A Geração que entre 1961 e 1974/75 demandou por terras de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para cumprir a Missão de Defender a Pátria, uma vez regressada a casa, criou um evento social até aí desconhecido nos hábitos dos portugueses: pelo menos uma vez por ano encontram-se algures num ponto intermédio do país, de modo a reunirem o maior número de Combatentes e aí confraternizarem, falando das suas vivências em África. 

Desde início criaram o hábito de levarem as esposas, depois filhos e depois netos, incluindo genros e noras. E assim tem sido a saga dos Combatentes ao longo de mais de 50 anos, após regresso definitivo a casa.

Há gente, que estando um pouco afastada destes “Encontros”,  estranha e se interroga, como o tema “Guerra” pode aproximar, direi, apaixonar tanta gente para, ano após ano conversarem alegremente de uma vida onde é suposto ter havido “sangue, suor e lágrimas”. E morte. 

E houve tudo isto. E mais. Houve cansaço, dor, mutilados, febres e outras doenças, especialmente maleitas “apanhadas pelo clima”, quando a cabeça não aguentava a pressão de viver num ambiente de guerra. Mas também houve alegrias, bebedeiras, sorrisos, cantorias e camaradagem. E algo comum a todos, que nos fez esquecer agruras e raivas por vermos um camarada mutilado ou morto ao nosso lado: o facto de termos 22, 23, 24 anos e a força de sermos jovens. Como esquecer, como não falar, como não confraternizar pela vida fora, pelo menos uma vez por ano?

Talvez pelas condições específicas da luta na Guiné-Bissau, os camaradas Combatentes que estiveram nesta Província, ao longo dos anos foram criando grupos que designam por Tabanca. E todos se mantêm ligados, quer pelas redes sociais, quer pelos “Encontros Anuais “ e há mesmo quem se encontre todos os meses e semanas. Eu, que fiz a guerra na Guiné, percebo como é importante para nós.

Das várias Tabancas que conheço e/ou participo, no passado dia 8 estive a confraternizar na Tabanca – O Bando do Café Progresso,  das Caldas à Guiné. Trata-se de um grupo simpático que há alguns anos se reúne religiosamente todos os meses. Como todos os grupos que conheço, este é também um grupo eclético pelo que nas conversas entre camaradas, além da vida da tropa, fala-se de outros temas, de A a Z, conforme o momento.

Desta vez o Ferreira marcou o encontro para a terra – que nela vive – mas esqueceu-se de nos avisar, que só um GPS concebido pela NASA nos levaria lá, sem a ajuda de um forasteiro que encontrássemos pelo caminho. Mas chegamos. E valeu a pena.

Boa comida nos serviram no restaurante. As “entradas” foram diversas e de boa qualidade e as tripas muito bem confecionadas e do agrado de todos. Desta vez a tertúlia teve a presença de algumas senhoras e cavalheiros da terra do Ferreira, gente simpática e alegre. Rosinha, dona do restaurante - porque coincidiu com o seu aniversário - prendou-nos com um belíssimo bolo e brindou-nos com alguns fados. 

Logo a seguir à refeição e antes das cantorias e conversas, foram declamados dois poemas: "Sextante", dito de forma magistral por Ricardo Figueiredo; e "Geração Africana", por mim. Algumas lágrimas surgiram ao canto do olho dos mais sensíveis.

Da próxima que lá for, vou de barco até a eclusa da barragem, subo e vou a correr por lá acima até chegar à Rua da Marroca, local do restaurante da Rosinha.

Um abarço, saúde om ano para todos Combatentes e suas família.
Angelino dos Santos Silva

Combatente na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau

PS - Deixo-vos com os dois poemas :

SEXTANTE

Tracei a vida a régua e esquadro
como se fora uma quadricula
estudei ângulos, revi a deriva
e lancei as sortes no xadrez da vida

Nas contas usei a tabuada
mexi números, tracei a equação
somei pelos dedos da mão
dividi a sorte pela raiz quadrada
e fui à vida de bota fardada

Em águas turvas naveguei
por mar em tempos navegado
ao chão da selva cheguei
dormi sem cama, comi sem mesa
joguei às escondidas de arma na mão
e nesta complicada equação
pisei a linha e perdi o norte

Quis o sextante livrar-me da morte
voltei à vida sem trunfos na mão
lancei os dados em busca da sorte
ganhei ao xadrez, perdi ao gamão
nos cálculos imperfeitos da equação

Traz-me o sextante nesta aflição
realinho a quadricula a régua e esquadro
cálculo o risco, sou enganado
consulto as linhas da palma da mão
e aguardo as sortes da equação

E a vida se faz, fazendo
umas vezes parada, outras correndo
em matemáticas de contas incertas
umas vezes erradas, outras certas
e as contas desta equação
apenas se fecham nas tábuas de um caixão.


GERAÇÃO AFRICANA

Já lá fui e voltei
Já lá fomos e voltamos.

Percorremos o lado negro da vida
tropeçamos na face má da sorte
e andamos por trilhos e picadas da morte.

Talvez com sorte digo eu
muita sorte dizemos nós
quando em passos cuidados e tremidos
caminhamos sem rumo e sem norte
lutando para segurar a vida
matando para sacudir a morte.

Já lá fui e lutei
Já lá fomos e lutamos
Já lá sorrimos e penamos.

E abrimos a caixa de pandora
e antes de virmos embora
enfrentamos medos e emboscadas
carregamos sonhos e granadas
corremos perigo e aflição
bebemos água da bolanha
comemos colados ao chão
adormecemos de arma na mão
socorremos camaradas feridos
beijamos rostos estendidos
cerramos os punhos cantando
festejamos a vida chorando
deixamos os sonhos esquecidos
zangamo-nos com deus e o diabo
apertamos a raiva mordida na mão
e levamos a cabo heroica missão
deixamos áfrica
e regressamos a casa
mais leves de coração.

Já lá fui e voltei
Já lá fomos e voltamos
E pouco pedimos em troca.

Apenas… respeito e consideração.
Da vida e das mãos se faz uma nação.
Das lágrimas de um povo se faz História.
Da Geração Africana se fará Memória.

Poemas da autoria de Angelino Santos Silva, 
disponíveis na sua página do Facebook)

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26173: Nos 500 anos do nascimento do nosso poeta maior, Luís de Camões (c. 1524 - c.1579/1580) - Parte I: "Soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, é como as ondas do mar sobre flores e prados " (António Graça de Abreu. In "Diário Secreto de Pequim",. inédito, 12 de setembro de 1980)(



Camões (c. 1524 - c.1579/80)  e Engels (1820-1894)



António Graça de Abreu,
Pequim, 1980
António Graça de Abreu

(i) viveu na China, em Pequim e em Xangai, entre 1977 e 1983; 

(ii) foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras; 

(iii) na altura, ainda era, segundo julgamos saber, simpatisante ou militante do Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), o PC de P (m-l), fação Vilar (Eduíno Gomes), alegadamente o único (dos portugueses) reconhecido pela República Popular da China;

 (iv) ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74);

 (v) membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de três centenas e meia de  referências;

(vi) compulsivo viajante, tem "morança" em Cascais; 

(vii) é um cidadão do mundo, poeta, tradutor, reputado sinólog, escritor, autor de mais de 2 dezenas de títulos publicados;

 (viii) nasceu no Porto em 1947; 

(ix) é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro.
 

1. Mensagem do Antonio Graça de Abreu:

Data: 1 de novembro de 2024 01:05
 
Assunto: Camões, Engels e a China n
o meu 'Diário Secreto de Pequim0, inédito, escrito há 44 anos atrás.


Pequim, 12 de Setembro de 1980

No número deste Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda, a divulgação oficial de tudo o que é China comunista, elaborada aqui nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras (onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano), saiu um extenso texto meu. 

Antes da publicação, o que escrevi e que passo agora integralmente a transcrever, foi traduzido para chinês e levado à consideração, ou chamemos-lhe assim, foi à censura dos nossos poderosos chefes chineses. Não me cortaram uma só palavra, não limparam uma vírgula, passou tudo pelo entendimento do pente de quem manda. Aí vai o meu texto:


4º  Centenário de Luís de Camões comemorado na China

Nos últimos dias de Junho passado, tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo a comemoração do 4º Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).

Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.

Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa.

 Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa “amizade”.

O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que, no futuro, desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.

Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das “quatro modernizações”?

Os maiores poetas -  na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa -, os nossos maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.

Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no extravagante diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.

Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.

Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. 

De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou o ilustre peito lusitano e os que entre gente remota edificaram "Novo Reino que tanto sublimaram.”

 Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido “no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". 

Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.

Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. 

Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, “um socialista antes do tempo”, como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:

Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…


Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, “Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante”:

Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:

Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.


Camões, um colonialista? 

Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo, praticamente, nos últimos anos da sua atribulada existência, de esmolas, de caridade, de amigos.

Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava e se abria a todos os homens.

Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as “memórias da alegria”, essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.

O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que “é como ondas do mar sobre flores e prados” e depois confessa-lhe que, de manhã cedo, gosta de “se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo Os Lusíadas.” 

O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas?

Um historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:

“O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e ao amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos os homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra.”[1]

Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, “é como as ondas do mar sobre flores e prados.”

António Graça de Abreu
__________

[1] Jaime Cortesão, História dos Descobrimentos Portugueses, III vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 1979, pag. 219.

(Revisão / fixação de texto: LG / Não atualizámos a ortografia, do textro, que é de 1980)

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26144: Facebook...ando (66): Sessão de apresentação do livro de poesia "NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL", da autoria de José Luís Loureiro, levada a efeito no passado dia 9 de Novembro de 2024, no Casino da Figueira da Foz (Antero Santos, ex-Fur Mil Inf)


Obras sobre a Guerra do Ultramar

NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL
Poesia
Autor - José Luís Loureiro


Ontem, num dos salões do Casino da Figueira da Foz, decorreu a sessão de apresentação do livro de poesia do Combatente José Luís Loureiro, "NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL".

Foi uma cerimónia que contou com a presença na mesa da Sra. D. Isabel Tavares, escritora, poetisa e declamadora, além de ser Deputada Municipal na Assembleia Municipal da Figueira da Foz; de Antero Santos, autor do prefácio; de Vitor Carriço da Silva, autor do texto da badana e também do autor da obra, José Loureiro, que foram Combatentes na Guiné, em Moçambique e em Angola, respectivamente.

Na assistência estavam o Dr. Fernando Matos, administrador do Casino e esposa, o Dr. Jorge Lê, vários Combatentes de entre os quais destaco o Dr. Vasco Gama, residente em Buarcos, que foi comandante da CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã - 1972/74.

Abriu a sessão a D. Isabel Tavares. Depois dos convidados terem feito as suas considerações sobre a obra e de a D. Isabel Tavares ter declamado vários poemas, foi a vez do autor falar da mesma e dos seus estados de alma. Então a D. Isabel Tavares propôs um espaço de perguntas e respostas e aconteceu uma tertúlia entre todos os presentes sobre várias facetas da guerra no Teatro de Operações, sobre a forma como os Combatentes continuam a ser "destratados" pelos sucessivos governos e também sobre a regalia que foi decretada em 2021 sobre direito ao uso da bandeira nacional no velório e funeral dos Combatentes e que, tristemente, não é respeitada pela maioria das autarquias a quem compete a execução da medida. Foi muito positiva esta pequena tertúlia.

Quase a terminar, o José Loureiro agradeceu a presença de todos. Agradeceu também à Administração e Direcção do Casino, nas pessoas do Dr. Fernando Matos e Dr. Jorge Lê

Para finalizar a cerimónia, a administração do Casino presenteou-nos com um Porto de Honra e foi tempo de um animado convívio.


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Fotos: José António Silva Teixeira
Fixação do texto e edição das fotos: Carlos Vinhal

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Nota do editor

Último post da série de 11 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26033: Facebook...ando (65): Valter Santos, em Cucujães, relembrando coisas e gente do seu tempo, em Bissau, no HM 241 (1969/71)

domingo, 3 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024

 


1.  Para aqueles que não puderam estar presentes na sessão de apresentação do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, no passado dia 26 de setembro, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) (*),  o nosso amigo e camarada disponiblizou-nos os "slides" que elaborou para a ocasião.  

Perdemos a sua conversa ao vivo, mas temos ao menos o privilégio de poder aceder ao essencial daquilo que ele quis transmitir ao público sobre o lendário poeta e monge ligado ao Budismo chan (ou zen, como é conhecido no Japão), Han Shan, do séc. VIII (em chinês, quer dizer "Montanha Fria"),


Já agora esclarecemos os nossos leitores sobre o que é o CCCM e a sua missão:

(i) tem por missão produzir, promover e divulgar conhecimento sobre Macau enquanto plataforma entre Portugal e a República Popular da China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(ii) é, também, um espaço dedicado ao estudo e ensino da língua, cultura e história chinesas, e um centro de investigação científica e de formação contínua e avançada sobre as relações entre Portugal e a China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(iii) dotado de autonomia administrativa e património próprio, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O António Graça de Abreu não precisa de apresentações. Honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande desde 5/2/2007, e tem 354 referências no nosso blogue.


Templo de Han Shan, Suzhou, China (Suzhou é uma cidade a oeste de Xangai, no delta do rio Yangtzé, famosa pelos seus cnais,, pontes e jardins clássicos, classificados pela UNESCO com o património  material da humanidadfe em 1997 e 2000).


O António Graça de Abru no templo de Han Shan


Templo de Han Shan


A ponte de Fenqiao (séc. VIII), Suzhou


Famoso poema do poeta ZhangJi (766?-830?), "À noite, ancorando em Fengqiao"...





O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)


Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku. 
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.


Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan









No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar,  de forma exaustiva,  os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa. 

Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu. 

Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.

Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.

Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”,  que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.

Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua. 

É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.

Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.

Em carta pessoal, Eugénio de Andrade escrevia-me em novembro de 1993: 

Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:

 “Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias. 

"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”

Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses. 

Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.

Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”,  oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que  o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .

É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.

Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.

Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller»,  disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]




Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011




"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa