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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24942: Agenda cultural (848): dia 14, no Centro Científico e Cultural de Macau, o nosso camarada António Graça de Abreu vai apresentar o seu trabalho de tradução dos 170 poemas do poeta chinês 苏东坡 ( Su Dongpo, 1037-1101), "um dos grandes génios da poesia universal"


Su Dongpo 苏东坡


1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), sínólogo, tradutor, escritor:

Data - terça, 5/12, 13:54 (há 5 dias)

Assunto -Lançamento Poemas de Su Dongpo


Su Dongpo 苏东坡


Eça de Queirós (1845-1900), um dos Vencidos da Vida, também escreveu:

 "Para um homem o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente, a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirou." 

O meu ideal íntimo não é mais acreditar na bondade dos homens, é, trespassado pela desilusão, mas não vencido nem gotejando lágrimas, viver ainda memórias da alegria (desculpa Eugénio de Andrade!) e, de quando em quando, cantar essa mesma alegria. 

Tenho por companhia os grandes poetas chineses, seis já por mim traduzidos para português, Li Bai, Wang Wei, Du Fu, Han Shan, Bai Juyi, mais uma Antologia com quinhentos poemas chineses. 

Na próxima semana vou apresentar no Centro Científico e Cultural de Macau, o meu novo poeta, o sexto, em novo livro, Su Dongpo (1037-1101), 50 páginas de um elaborado prefácio, 170 poemas de um dos grandes génios da poesia universal. 

Foram três anos de trabalho. Fascínios, enriquecimento, duro labor, a magia das palavras. Que maravilha!

Estão todos convidados. O livro, publicado pela Editora Grão-Falar, de Carlos Morais José, será apresentado pela sinóloga Ana Cristina Alves. Eu próprio vos levarei também a conversar com Su Dongpo.

António Graça de Abreu

Centro Científico e Cultural de Macau, Rua da Junqueira, 30, Quinta-feira, 14 de Dezembro, às 17,30. Sejam Bem Vindos.


水调 歌头
丙辰中秋
欢饮达旦
大醉
作此篇,
兼怀子由
明月几时有?
把酒问青天。
不知天上宫阙  
                                             


今夕是何年 
                                                           。


我欲乘风归去,
又恐琼楼玉宇,
高处不胜寒。
起舞弄清影,
何似在人间。
转朱阁,
低绮户,
照无眠。
不应有恨,
何事长向别时圆?
人有悲欢离合,
月有阴晴圆缺,
此事古难全。
但愿人长久,
千里共蝉娟。



Festa do Meio Outono


Na Festa do Meio Outono,
bebi alegremente até de madrugada e escrevi este poema pensando no meu irmão Su Zhe.


A lua brilhante, quando nasceu?
De taça na mão, questiono a escuridão azulada do céu.
Esta noite nem sei qual o ano
que se vive lá em cima, nos palácios celestiais.
Gostava de poder voar com o vento
mas receio as torres de cristal, as cortes de jade,
entre alturas glaciais congelaria até à morte.
Melhor dançar na companhia da minha pobre sombra,
voltear à vontade pelo mundo dos homens.
Caminho em volta do pavilhão carmesim,
olho através de cortinados de gaze.
A lua brilha, não quer adormecer
nada entende de tristezas
porque permanece cheia quando da separação dos amantes?
Nas gentes, a dor da despedida, a alegria do reencontro,
a lua clara ou escura, minguando, crescendo.
A imperfeição existe desde o início dos séculos.
Meu único desejo, uma vida longa,
separados por duzentas léguas, fruindo o luar.

Su Dongpo, em 1076.

_____________

Nota do editor:

Ultimo poste da série > 10 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24939: Agenda cultural (847): Convite do Centro Científico e Cultural de Macau: 5ª feira, 14, às 17h30, lançamento do livro "Poemas de Su Dongpo" (1037-1101), tradução, introdução e notas de António Graça de Abreu

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24776: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (4): Qaqortoq, uma pequena vila piscatória de 3 três mil habitantes, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)


Foto nº 26


Foto nº 27


Foto nº 28


Foto nº 29


Foto nº 30


Foto nº 31


Foto nº 32


Qaqortoq, Gronelândia, agosto de 2023


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (4): Qaqortoq, uma pequena vila piscatória de 3 três mil habitantes

por António Graça de Abreu (*)


A vilazinha gronelandesa, com apenas 3.050 habitantes, chama-se Qaqortoq, nome não fácil de memorizar apesar de contar apenas três sílabas (Foto nº 26). Situa-se no extremo sul da Gronelândia, na margem direita de mais um fiorde, a uns seis quilómetros do mar. Como não tem cais de acostagem para grandes navios como o “Poesia”, da MSC, estacionamos o barcalhão a uns dois quilómetros do pequeno porto e tomamos três lanchas, as baleeiras do navio em serviço para a ligação a terra.

Qaqortoq, que em dinamarquês se assume como Julianehab, foi um dos primeiros lugares da Gronelândia a ser povoado por vikings no século X. Depois vieram os esquimós-inuites, os noruegueses e os dinamarqueses. 

Protegido dos ventos, porto de pescadores e caçadores de focas (Fotos nº 29 e 30) desempenhou o seu papel na pequena economia gronelandesa, assumindo-se hoje como o quarto maior aglomerado populacional do país. Vi chegar do mar, onde ainda pululam icebergues, duas ou três traineiras carregadas de salmões, enormes, fresquíssimos. Um caçador de focas, com duas espingardas a tiracolo, regressava também da sua jornada num glaciar próximo. 

Qaqortoq vive muito do negócio de transformação da pele de foca em casacos, luvas, botas, sapatos, algo proibido no Canadá e nos Estados Unidos da América. Não há proibição na Europa e os pobres animais que me dizem não estar em extinção, são por aqui impiedosamente abatidos.

Entretanto, porque Qaqortoq -- um dos lugares menos poluídos do mundo --, se transformou também num destino turístico, uma senhora esquimó, com quem meti conversa, fala-me na chegada de 35 navios de cruzeiro por ano. (Fotos nºs 31 e  e 32).

Não será muita gente, mas o turismo terá algum significado na vida económica da terra que cresce, em presépio, subindo por duas encostas, para norte e para sul, com as casinhas pintadas nas cores fortes comuns a toda a Gronelândia. Duas igrejas protestantes, três ou quatro supermercados bem abastecidos, um hotel com bom aspecto, mas com quartos nada baratos, tudo acima dos 250 euros por noite e o aviso cá fora de que lá dentro não há hi-fi para turistas de passagem.

Um campo de futebol com relvado sintético e informam-me que os qaqortoquianos são bons de bola, já foram campeões da Gronelândia por quatro vezes. Grande futebol se jogará por aqui! (Foto nº 27)

Por cima da vila, encravado entre montanhas de pedra, existe o grande lago Tasersuaq (Foto nº 28) que congela no Inverno e é óptimo para patinagem. Logo ao lado fica a zona onde se faz ski durante parte do ano. Agora as pistas encontram-se cobertas de vegetação, mas a partir de Outubro tudo estará atapetado com neve e gelo.

Caminho junto ao mar. Os pescadores aproveitam a placidez do Verão, com o Atlântico Norte azul e calmo, consertando os barcos, preparando redes e anzóis para novas pescarias. O sossego do dia, onze graus de temperatura, o silêncio avassalador envolvendo tudo.

Na pesquisa da Gronelândia na Net, encontro um poeta Gronelandês que creio ser um dos mais famosos autores do país. Chama-se Aqqaluk Lynge, nasceu em 1947 e tem um
poema que fala em caçar animais. Traduzi do inglês, assim:

Ouvir os mais velhos

Caçadores de gansos, um encontro na terra.
Ele diz: “Hoje é domingo,
ninguém deve dar um tiro.”
Assim falam os mais velhos
e nós ouvimos os mais velhos,
às vezes.

Vem um bando de gansos,
lutando contra o vento.
Ele pega na espingarda e dispara,
um ganso cai,
os outros continuam voando.
Sim, hoje é domingo.

Um bando de perdizes brancas
salta em círculos, à nossa volta,
não fazem nenhum ruído.
“Têm medo”, diz a pessoa mais velha,
“as corujas saíram para caçar,
as perdizes procuram a protecção dos homens,
nós não as caçamos.”
É o que dizem os mais velhos,
e nós ouvimos os mais velhos,
às vezes.


António Graça de Abreu
_____________________

António Graça de Abreu:

(i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; 

(ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 5/2/2007; 

(iii) tem c. 330 referências no blogue; 

(iv) é escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); 

(v) no nosso blogue, é autor de diversas séries:

  • Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo;
  • Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (em coautoria com Constantino Ferreira);
  • Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983";
  • Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias;
  • Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)

(Revisão / fixação de texto / negritos, e edição e numeração de fotos, para publicação deste poste no blogue: LG)

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de outubro de  2023 > Guine 61/74 - P24732: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (3): Nuuk, a minúscula capital da maior ilha do mundo, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

 


Lourinhã > Praia de Vale de Frades > 14 de agosto de 2018 > Paisagens jurássicas > A Alice, ao fundo, virada para as Berlengas, o Cabo Carvoeiro, o forte de Paimogo...  


Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Querida Chita:

 Há dias escrevi uns versinhos,

por ocasião da efeméride do nosso casamento,

em 7 de agosto de 1976, 

versinhos esses que não cheguei a acabar (*)…

Acabo-os hoje, no dia do teu 78º aniversário (**):

 

Há já quarenta e sete

Que estamos os dois casados,

Mas um só,  de namorados,

Que fique aqui de lembrete.

 

Teve momentos bonitos,

Alegrias e tristezas,

Dúvidas e incertezas,

Sorrisos e alguns gritos.

 

Eu não estou arrependido,

Feito o deve e o haver,

Que posso amanhã morrer,

Fica aqui o registo devido.

 

Gostei do nosso casório,

Lá na Quinta de Candoz,

Com os pais,  manos e nós,

Só faltou o foguetório.

 

E tu também, aposto,

Com o "anho" à maneira,

Houve “bailo” lá na eira,

 Nesse querido mês de Agosto.

 

Tu escolheste a pousada,

Lá no alto do Marão,

Eu roubei teu coração,

Tu dizes que foste enganada.

Querias Braga para morar,

Ou o Porto, ali mais perto,

Não, eu não fui mais esperto,

Se a Lisboa fomos parar.


São teus filhos alfacinhas,

De Lisboa gostam de sê-lo,

O teu amor não vão perdê-lo,

São eternas criancinhas.

 

E, a juntar à Joana e João,

Há agora uma Clarinha,

Que, diz a avó, babadinha,

Não lhe cabe no coração.

 

Setenta e oito degraus,

Muitos anos e canseiras,

Mutos erros e asneiras,

Nesta escada de calhaus.

 

Não vale a pena parar,

A vida é p’ra se viver,

Com momentos p’ra sofrer,

É tudo sempre a somar.

 

Se for a dois, tem mais graça,

Tu e eu, mesmo de muletas,

Fui-me abaixo das calhetas,

Tenho esperança, isto passa.

 

A melhor prenda que te dei,

Foi ontem os seiscentos passos,

Para ti podem ser escassos,

Mas foram os que eu andei.

 

Do ginásio ao café,

Sem muletas nem encosto,

Deu-me ânimo e gosto,

Ter andado tanto a pé.

 

E p´ró ano, fica agendado,

Irmos a uma ilha, os dois,

Mas sem muletas, pois, pois,

Provando que estou... curado.

 

Teu Nhicas.

 Praia da Areia Branca, 7 e 18 de agosto de 2023.

 

_______________

Notas do editor:

(*) +Ultimo poste da série > 12 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24550: Manuscrito(s) (Luís Graça) (226): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte IVB: Enfermagem, Misoginia e Sexismo

(**) Vd. poste de 18 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24562: Parabéns a você (2194): Maria Alice Carneiro, amiga Grã-Tabanqueira

terça-feira, 20 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24418: (In)citações (251): Sigamos o alce, que vem pachorrentamente pastar à porta do Joseph Belo, à hora do jantar...





Suécia > Lapónia : s/d> O alce que vem pachorrentamente pastar à porta do Joseph Belo, à hora do jantar...

Foto (e legenda): © José Colaço (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Joseph Belo, o luso-sueco José Belo que foi alf mil inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, capitão do exército português reformado, e que, se não fora o nosso blogue, já há muito  teria cortado o "cordão umbilical" emocional que o liga à terra onde nasceu... 

Autoexilado, depois de também ter dado a sua quota-parte para o triunfo da liberdade e da democracia em Portugal, é de estranhar que ninguém se tenha lembrado dele, muito menos o Presidente da República que, sendo por inerência da sua função, o Grão-Mestre de todas as Ordens Honoríficas Portuguesas, está a distribuir por estes dias (na véspera dos 50 anos do 25 de Abril) a Ordem da Liberdade, Grande Oficial, a todos os "militares de Abril"...

Data . 12 jun 2023, 15h19

Assunto - Email desgarrados

Caro Luís:

Estou a receber E-mails de camaradas do blogue que me não são dirigidos.

Algum erro nas “computações” terá certamente surgido.

Um grande abraço, JBelo

PS - E aproveitando….aqui segue um alce a comer calmamente nas traseiras da minha casa. Na Lapónia,  o jantar vem literalmente bater à nossa porta! (*)


2. Comentário do editor LG:

Zé: foi lapso meu... Costumo dar-te conhecimento, mas em bbc ("blind carbon copy") e não em cc,  de algumas coisas que te podem interessar....I'm sorry.

Aproveitaste, e a gente agradece, para fazeres "prova de vida"...Depois da saudável "hibernação",  vem aí o solstício do verão. Dizem que o mês de Junho é a época que suecos/as atingem o pico da felicidade... 

Cada povo "adverte-se" (como diz o Zé Povinho do Norte) como pode... A gente cá na parvónia tem as festas dos santos populares, o tintol e a sardinha assada. Mas não há "almoços grátis", segundo a máxima famosa de um economista cá da praça que chegou a presidente da República. Tu, tens mais sorte, tens o jantar que te vem "literalmente bater á porta",,, Já em tempos. em plena pandemia de Covid-19, nos tinhas falado do alce, "o rei das florestas escandinavas" (**)

Na altura, escreveste, à laia de desabafo : "Cada vez menos sei se estas coisas 'exóticas' que me rodeiam, aí dizem algo que valha a pena ser lido.São realidades tão dísparas das portuguesas que muitas vezes me pergunto o que eu pensaria delas se aí tivesse continuado a viver. As análises editoriais são, quanto a mim, fundamentais quanto a este tipo de participação 'fora de contextos'...". Mas, olha, pelo tipo e número de comentários (21), o poste foi lido com muito interesse e muita gente...

Podíamos, parodiando o Alexandre O'Neil, seguir o conselho, não de seguir o "cherno" (do outro, que só queria o poder, a qualquer preço), mas o teu "alce", que vem pachorrentamenmte pastar à tua porta, à hora do jantar... O poeta, lá no Olimpo, não levará a mal esta paródia, ele que era por excelência um provocador, um iconoclasta, com a sua meia costela de irlandês...


Sigamos o alce

Sigamos o alce,minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos,até, do alce um beijo,
Senão já com amor, com alegria...

Em cada um de nós circula o alce,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em floresta silenciosa de passado
Circula o alce: traído
Animal recalcado...

Sigamos, pois,o alce ,antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando,mentido o alce a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...

Poema original: 
"Sigamos o cherne", de Alexandre O'Neil (1924-1986)
In: "No Reino da Dinamarac" (1958)
(Adapt. de LG... Com a devida vénia...)

Guiné 61/74 - P24417: Convívios (966): Aquele que foi, historicamente, o último encontro da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), realizado em 5/11/2022, em Alenquer: os versos de despedida do Francisco Santos (o "Xico" do Montijo)


Alenquer, Restaurante D. Nuno > 5 de novembro de 2022 > CCAÇ 557 (Cachil,
Bissau, Bafatá, 1963/65): o último encontro, o último bolo...

Foto (e legenda): © José Colaço (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Colaç0 (ex-Sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):

Data: 19 jun 2023, 14:12:

Assunto: o último encontro da CCAÇ 557

Luís, cada vez temos menos assunto para dar vida ao nosso blogue, então lembrei-me de enviar estes versinhos que o nosso poeta popular Francisco dos Santos (o nosso Xico do Montijo) nos brindou naquele que terá sido no último almoço de convívio da CCaç 557 realizado em Alenquer (os entas não perdoam)

Abraço

Nota: Se achares que merece honras de blogue tens toda a liberdade para fazeres o melhor que entenderes.



Último Convívio da CCaç 557
 
Eu já doente, sou Xico, 
Mas parado ainda consigo, 
Porque, sem escrever, não fico,
Para este grupo amigo.

Nesta ida a Alenquer,
Encontros não temos mais,
Só aparece quem puder 
P'rás despedidas finais.

Neste encontro eu aconselho,
De todo o meu coração,
Não esqueçam do Coelho  (#)
Nem do nosso capitão,

Com a nossa missão cumprida,
Nunca esqueço a minha gente,
Pois com esta despedida
Ninguém irá ficar contente.

Eu estou muito esquecido
Sobre a façanha de então,
Sei que o grupo era unido,
Do soldado ao capitão.

Nosso encontro vai acabar,
Fica a saudade destes dias,
Mas podemos comunicar
Com as novas tecnologias.

Francisco Santos
Do fundo do coração,
Antigo radiotelegrafista,
Um grande abração,
Quem sabe até à vista !!?...

Francisco Santos 
(o "Xico do Montijo"),
ex-1º cabo radiotelegrafista (**)

(#) Um dos incansáveis organizadores 
dos convívios anuais da companhia
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23725: Convívios (947): Almoço anual de confraternização dos militares da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), no dia 5 de Novembro de 2022, no restaurante D. Nuno, em Alenquer (José Colaço)

(**) Último poste da série > 13 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24395: Convívios (965): Almoço / Convívio da CCAÇ 2701 - "Os 3'S do Saltinho", a levar a efeito no próximo dia 17 de Junho de 2023, em Cantanhede (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72)

domingo, 14 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24313: (In)citações (241): "Reflexão (Ainda sobre a poesia)", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO (Ainda sobre a poesia)

adão cruz

Dizia Daniel Barenboim, que a música não é o som. Todos sabemos que a música se exprime através do som, mas o som, em si mesmo, não é música, é apenas o meio através do qual se pode transmitir a mensagem da música. Todos conhecemos as notas musicais, todos somos capazes de as dedilhar nas teclas de um piano, mas daí à música vai um abismo. Todos conhecemos as letras e as palavras, todos somos capazes de juntar palavras e com elas comunicar, de forma mais ou menos primária, mas daí a fazer arte literária vai um abismo.

Todos nós possuímos no nosso cérebro o mesmo esquema neural do sentimento, já que é o esquema neural da nossa espécie. Mas o padrão neural do sentimento, o padrão sentimental de cada um, que vai encaixar no nosso esquema neural, é completamente diferente em cada um de nós. Todos, de uma maneira geral, temos o mesmo esquema de vida, mas os nossos padrões de vida são diferentes, desde a camisa à profundidade do nosso íntimo.

Cada um de nós vai criando os padrões dos seus próprios sentimentos, através de uma curva de vivência e aprendizagem de uma vida inteira. Uma pessoa que tenha tido uma vida repleta de amor tem um padrão do sentimento do amor muito diferente do padrão de uma pessoa que nunca amou ou nunca foi amada. Uma pessoa que toda a vida viveu na miséria, no meio de agruras e dificuldades de toda a ordem, tem um sentimento de carência totalmente diferente do sentimento da pessoa que nunca teve dificuldades e sempre viveu na abundância.

Então, poderemos tentar dizer, cautelosamente, o que será um poeta…

Ser poeta não é ser um agente da banalização da palavra e da poesia, que é o que tantas vezes se vê, mas ser dono de um sentimento poético consolidado, muito apurado e afinado, construído através de uma vivência de amor e dedicação à poesia, vivendo a poesia de uma forma indissociável do viver da vida. No entanto, para além desta aprendizagem de uma vida inteira, é fundamental na construção do sentimento poético uma formação cultural global do ser humano, tão profunda quanto possível, a par de uma segura formação ética e estética. Obviamente que me refiro, muito especialmente, à formação na universidade da vida e não em qualquer fábrica de intelectualismos.

Só assim se entende que o sentimento poético e o sentimento artístico podem enriquecer e enobrecer todos os nossos processos de humanização, podem criar grandes afinidades com a consciência, revolucionar as inquietas questões da nossa mente, aproximar-nos de todos os mecanismos de identificação da verdade e ajudar-nos na difícil procura do caminho da harmonia.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24267: (In)citações (240): O meu 25 de Abril de 2023 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

terça-feira, 25 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24250: Efemérides (387): "25 de Abril", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68

25 DE ABRIL

Um cravo vermelho
cristal de vida no céu de chumbo
cada dia um mundo limpo e perfumado
graças a ti flor da minha idade.
Caminho da esperança às portas da cidade
todo o mel e todos os frutos ali à mão.
Graças a ti cravo vermelho que venceste a solidão
veio o tempo ao nosso encontro
e a manhã despertou agitando as árvores.
E a noite se fez de estrelas
que desceram aos cantos do jardim.
Um cravo vermelho e quente
mais que tudo amando a vida
em qualquer língua entendida.
O mundo tinha o sabor de uma maçã
e os olhos inacabados eram cravos vermelhos.
Não havia cárceres nem torturas
apenas o calor de uma fogueira
na praça do entusiasmo
e uma jovem mulher
dormindo um sono de criança
nos telhados da revolução.
O seu rosto era uma nuvem
dourada pelo sol e pela lua
os cabelos trigueiros uma seara
e nos lábios
a canção de Abril que encheu a rua.
Hoje…
Hoje não sei se é dor se alegria
o que sonho
quando abro ao sol as portas de Abril.
Não sei se é dor
tristeza ou alegria
aquilo que sinto neste dia
em que Abril faz tantos anos
de saudade e nostalgia.
Anos de luminoso tremor
corações ao alto
quadros verdes de sonho e raiva
de sol e chuva em celeste azul
luzindo nos olhos de uma gaivota
branca gaivota de penas mansas
voando solitária dentro de mim
à volta de um cravo vermelho
que me ficou dentro do peito.
Abro as janelas a medo
neste areal de céu escuro
contra o mundo
a idade e o cansaço
e não sei se é vida ou amargura
a estreiteza deste espaço.
Sei que um rio de negras águas
cavalga as margens do meu ser
por entre as fendas da secura
ameaçando afogar a democracia
às mãos de nova ditadura.


adão Cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24249: Efemérides (386): Homenagem aos combatentes do concelho da Lourinhã, no dia 25 de Abril de 2023

domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24243: Blogpoesia (790): Reflexão, simplista, sobre a Poesia (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)


REFLEXÃO, SIMPLISTA, SOBRE A POESIA

adão Cruz

É muito difícil saber o que é a poesia. Sempre duvidei de quem diz que sabe o que é a poesia. Tenho lido e ouvido tanta coisa sobre poesia e muito pouca coisa me convence. Isto não retira a qualquer um de nós o direito que temos a expor o nosso pensamento.

Com a proximidade cada vez maior entre as Humanidades e a Ciência, muito especialmente as Neurociências, uma ampla janela se abre, como nunca se abriu, para o entendimento da natureza e do conceito de poesia.

O Ser Humano é uma estrutura muito complexa de sentimentos, uma infinidade de sentimentos, em sentido neurobiológico, obviamente. Desde os sentimentos mais comuns e mais conhecidos, como o sentimento do amor e do ódio, o sentimento da alegria e da tristeza, o sentimento da coragem e do medo, até sentimentos menos experimentados como o sentimento da beleza, o sentimento poético e o sentimento artístico. Sim, porque eu penso que beleza, a poesia e a arte, à luz das Neurociências, não são mais do que sentimentos.

Sem ter a veleidade de pretender impor conceitos de poesia, sinto a necessidade de a entender e de me entender no seu complexo e maravilhoso mundo, tão levianamente tratado por tantos devaneios pretensamente filosóficos. Embora nascendo embrionariamente connosco, os sentimentos têm de ser vivenciados, construídos, apurados e consolidados ao longo da vida, mais ou menos profundamente e de forma diferente em cada um de nós. Comparada com a assombrosa e constante neuroplasticidade cerebral do nosso dia-a-dia, a programação genética é uma componente muito menos decisiva na construção daquilo que somos e na elaboração da nossa mente.

Parece-me, desta forma, que o sentimento poético é um sentimento muito profundo e ao mesmo tempo muito subtil, uma espécie de essencialidade harmoniosa da vida, provavelmente de uma neuronalidade muito delicada. A poesia não é, a meu ver, um sentimento de cópia, mas a simbolização, a evocação e a invocação ao mais alto nível, da beleza e da nobreza da realidade. Para quem possui este sentimento bem enraizado, a expressão poética pode ser entendida não só como harmonia verbal, em que todos os materiais fonéticos e simbólicos se diluem num resultado de suprema fruição estética, mas também como seiva ou brisa mágica que percorre transversalmente qualquer forma de expressão artística. Daí que o chamado poema, considerado a matriz literária onde habitualmente nasce e germina a poesia, pode ser estéril ou constituir mesmo a negação do sentimento poético. A poesia pode ter uma presença mais viva num texto em prosa do que num poema, ou ser muito mais sentida numa pintura ou numa peça musical do que em qualquer forma de expressão literária.

Apesar de demasiado simplista, atrevo-me a concluir através desta reflexão, que é um erro pretender que o sentimento poético chegue às pessoas da noite para o dia, por artes mágicas, como se de uma prenda banal se tratasse. Dito por outras palavras, penso que, não sendo negativa, pode ser enganadora e não racionalmente formadora, a pretensão de levar às pessoas a poesia ou sentimento poético através de celebrações, festividades e dias mundiais.

Dizia Schiller, que o vulgar é tudo aquilo que não desperta outro interesse que não seja o sensível. A arte e a poesia não devem descer ao puramente sensível, à mera receptividade sensorial, à fugaz captação de estímulos incapazes de serem trabalhados condignamente nas complexas oficinas neuronais da nossa mente. Mesmo que seja um lugar-comum dizê-lo, só criando na sociedade, através de verdadeiras políticas culturais, as condições que permitam entender a natureza e a profundidade da poesia e da arte, elas poderão ser sentidas como elemento essencial da vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24237: Blogpoesia (789): "Dia de enganos", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 19 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24154: Os nossos seres, saberes e lazeres (562): Os meus livros. Ao todo, quinze (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

1. Em mensagem do dia 17 de Março de 2023, o nosso camarada Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), enviou-nos uma listagem dos seus livros publicados, cujos temas vão desde a Medicina à poesia, passando pelo Conto e pela pintura.
Felizmente o nosso blogue tem já muitas publicações dos seus trabalhos de pintura, normalmente ilustrando os seus apreciados poemas. Alguns dos livros mais antigos estão há muito esgotados.


Os meus livros.
Ao todo, quinze. Falta o primeiro, escrito há largos anos, do qual tenho um exemplar, mas não sei onde pára. Era um livro de cardiologia, com o título "Cirurgia geral no doente cardíaco".

Por ordem cronológica:


1 - Cirurgia geral no doente cardíaco.
2 - ESTA ÁGUA QUE AQUI VEM DAR (Poemas e pintura)
3 - VEM COMIGO COMER AMENDOIM (Contos e poemas)
4 - PALAVRAS E CORES (pintura e poemas)
5 - ADÃO CRUZ - Tempo, Sonho e Razão (Pintura e texto).
6 - ADÃO CRUZ - Hora a hora rente ao tempo (Pintura e texto).
7 - ADÃO CRUZ - Um gesto de silêncio (Pintura e poemas).
8 - Poemas do lusco-fusco (Poemas).
9 - Poemas do ser e não ser (poemas).
10 - Poemas estoricônticos (Poemas).
11 - VAI O RIO NO ESTUÁRIO - Poemas de braços abertos (Poemas).
12 - VAI O RIO NO ESTUÀRIO - Cores de braços abertos (Pintura e texto).
13 - CENAS DO PARAÍSO (Contos).
14 - CONTOS DO SER E NÃO SER (Contos).
15 - Entre as mãos e o sonho (Poemas).
Adão Cruz
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24152: Os nossos seres, saberes e lazeres (561): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (94): Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23931: Boas festas 2022/23 (12): Mensagem do nosso camarada António Graça Abreu, com oferta de dois poemas breves, do poeta chinês Su Dongpo (1037-1101)

O escritor e tradutor
António Graça
de Abreu com a esposa,
Hai Yuan

1. Do nosso António Graça de Abreu, que regressou há algumas semanas de um cruxeiro à África do Sul (Durban, Cidade do Cabo...) (vem moderadamemte otimisma sobre a classe média negra que lá, sob o  regime de Mandela,  se está a desenvolver, contrastando com a miséria social que continua por essa África subsariana fora que se libertou do colonialismo há 50/60 anos)... 

Deseja-nos a todos boas festas e as melhoras do editor e fundador do blogue, com a oferta de dois "jueju" do grande poeta chinês Su Dongpo (1037-1101), traduzidos primorosamente por ele:


Data - 29 de dezembro de 2022, 00:59  
Assunto  - Dois jueju, poemas breves, vinte caracteres,  
de Su Dongpo (1037-1101)



Vazio e silêncio


欲令诗语妙

无厌空且静

静故了群动

空故纳万境




Para a maravilha do poema,

o melhor é o vazio e o silêncio.

Em silêncio, floresce tudo o que se move,

o vazio alberga dez mil imagens.




我心空无物

斯文定何间

君看古井水

万象自往还




O meu coração vazio, suportando coisa nenhuma,

não importam as comezinhas coisas do mundo.

Olhem a água de um velho poço,

dez mil imagens aparecem, desaparecem. 
[1]

Nota do tradutor:

[1] A propósito destes versos, do silêncio e da água no velho poço, escreve He Qing, letrado chinês nosso contemporâneo:

Le vide et le silence sont considérés comme le principe premier de la poésie. Plus um poème sonne vide et silencieux, plus il gagne en valeur esthétique.

(…) On peut imaginer ce silence, cette immobilité, cette limpidité, cette fraicheur, cette profondeur temporelle de l’eau d’un puits ancien, et se figurer que cette eau silencieux reflète, sereinement, les vols d’oiseaux, les voyages des nuages. les vibrations de la lumière du soleil, les oscilations des brins d’herbes et des branches des arbres, les mille couleurs de la nature. Dans cette image poétique reside non seulement la plus grande sagesse chinoise, mais aussi l’état ideal de l’ésthétique chinoise: rester ancré dans le silence le plus profund et contempler les mouvements les plus intimes de l’univers…

Tr. do Google, fr / pt (LG):

O vazio e o silêncio são considerados o princípio primordail da poesia. Quanto mais um poema soa a vazio e silêncio, mais ele ganha em valor estético. (…) Pode-se imaginar este silêncio, esta imobilidade, esta limpidez, esta frescura, esta profundidade temporal da água de um velho poço, e imaginar que esta água silenciosa reflite, serenamente, os voos dos pássaros, as viagens das nuvens. as vibrações da luz solar, as oscilações dos fios de ervas e galhos de árvores, as mil cores da natureza. Nesta imagem poética reside não só a maior sabedoria chinesa, mas também o estado ideal da estética chinesa: permanecer ancorado no silêncio mais profundo e contemplar os movimentos mais íntimos do universo

Fonte: He Ding, Images du Silence, Pensée et Art Chinois, Paris, L’Harmattan, 1999, pag. 80.

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Nota do editor:

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23768: Manuscrito(s) (Luís Graça) (214): a (ha)ver navios


Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI  (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade).

Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo,  e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira

Fonte: Saúde e Trabalho . Página de Luís Graça > Textos, 59 > O Hospital Real de Todos os Santos - Parte I (2000)


 a (ha)ver navios

por luís graça 


do alto do jardim das janelas verdes

enxergavas o tejo 

e a sua desmedida desmemória,

e, sob o ecrã, branco de cal, da história,

os navios negreiros zarpando do cais

da rocha conde d’óbidos.


garbosos os soldados imperiais,

alinhados de popa à proa de lisboa,

em chumbo, derretidos.

meninos de sua mãe, tão queridos, 

escrevia o fernando pessoa,

no último aerograma 

que veio na carreira das índias.


e na margem esquerda do estuário

o cristo-rei no seu monstruário,

em louça de barcelos,

fingindo abraçar 

os náufragos e os cativos

dos reinos dos algarves e d'além-mar.

 

quebradas as cadeias do alto império

 e os seus frágeis elos,

ai pobre de quem se deixava ficar para trás,

sem honra nem glória nem epitáfio,

na vala comum do esquecimento dos quatro guês,

em gandembel, guidaje, guileje, gadamael.


remir os cativos, uma e outra vez, 

era então obra de misericórdia,

a última missão, disse o capitão.

oxalá inshallah enxalé

bons ventos os trouxessem,

aos pobres dos vivos,

do campo da batalha de alcácer quibir,

a três mil e oitocentos quilómetros da guiné.


lembravas-te que eram de verde-escuro as janelas

e rubra de sangue a bandeira

do último cruzeiro,

da última cruzada,

da última armada invencível.

via-se a espuma da autoestrada da globalização

a perder-se de vista na última encruzilhada,

no  bugio de todos os azimutes.


perdeste a última carreira das índias,

fernando, menino, pessoa, de sua mãe,

quando nem navios havia já para (ha)ver

e subitamente o estuário do tejo

estava reduzido aos cais das colunas

e às lipitutianas dimensões da tua banheira

de criança.


brincavas, na inocência da tua segurança, 

com navios de casca de noz,

foi quando veio o tsunami, a dor e o luto.

desististe então de rebobinar o filme da tua vida,

que, de fissura em fissura,

se podia contar, 

sem cortes da censura,

num minuto.


lisboa, 28 set 2022 / lourinhã, 1 nov 2022

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Nota do editor:

Último poste da série >  8 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23244: Manuscrito(s) (Luís Graça) (213): Memória dos lugares: a rua da tua infância...