Queridos amigos,
Tratava-se de uma excursão para seniores organizada pelos serviços de ação sociais da administração pública, o primeiro destino era Arraiolos, anteviam-se mundos e fundos, desde tapetes, espaço museológico, igrejas, passeio pelo centro histórico, e inevitavelmente uma subida ao castelo. Era dia de greve da função pública, os visitantes ficaram por conta própria, a ver Arraiolos por fora. Cada um por si, e de vez em quando lá nos íamos encontrando rua acima rua abaixo, como adoro a tapeçaria de Arraiolos, não me fez mossa nenhuma andar a bisbilhotar pelas lojas, a contemplar as fachadas, o asseio é irrepreensível, há muita casa recuperada e muita casa abandonada, o estado do castelo magoou-me, conhecia as fotografias turísticas, há ali sérios indícios de poder haver derrocada. Agora, está na hora de partir para o segundo e último destino do programa, o Museu Agrícola da Atalaia, no Montijo, o guia informa que há um espaço valioso de recuperação da memória da agricultura da região em Tinta Nova da Atalaia, tem museu desde 2009. Para lá vamos, e depois haverá uma visita breve ao santuário, tudo acabará quando o autocarro nos despejar em Sete Rios.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): Em Arraiolos, o dia era de greve, por ali se cirandou entre casas de alvura e azul, os belos tapetes e as ruínas do castelo
Mário Beja Santos
Em 27 de outubro de 2023, parti em autocarro de excursão, o primeiro destino era Arraiolos. Chegados à vila, confirmou-se que era dia de greve, os edifícios que estava previsto visitar encerrados, logo o Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos. Nesse dia abria as portas ao público uma mostra gastronómica, um festival de empadas e a feira de tapetes, aí essa hora estaríamos noutro destino. Bem procurei numa papelaria comprar uma publicação que me ajudasse a ver por fora o que não poderia ver por dentro, que não, isso de livros e brochuras era no Centro de Interpretação, mesmo bilhetes postais da Pousada, da Igreja da Misericórdia ou do Solar da Sempre Noiva, era ali que poderia adquirir. Felizmente tirara notas de enciclopédias, o suficiente para saber que fora D. João I a doar Arraiolos a D. Nuno Álvares Pereira, conde de terra e Condestável de Portugal. Esperava ver a Igreja da Misericórdia e a sua riqueza azulejar, ficará para a próxima. Aqui vos deixo a fachada do Centro Interpretativo, de grande beleza e o pelourinho, monumento nacional.
Entrada do Centro Interpretativo
O pelourinho de Arraiolos e a fachada do Centro Interpretativo
Procurei esmiuçar alguns dados do passado, consultei a enciclopédia Verbo, são dados publicados em 1964, ao tempo o concelho tinha uma população total residente que se aproximava dos 13 mil habitantes, fábricas de moagem, de telha, de tapetes (muito florescente nos séculos XVII e XVIII), lagares de azeite e a importante indústria de carnes. A vila já existia nos começos do século XIII; a enciclopédia recomenda a visita à Igreja da Misericórdia, ao hospital com portal manuelino, ao pelourinho, coluna torcida em mármore de Estremoz erguido em 1634. O castelo foi mandado construir por D. Dinis em 1310, possui portas ogivais.
A alteração de programa justifica que se vá farejar a rica tapeçaria de Arraiolos, bem documentada a partir da primeira metade do século XVIII. Por mera curiosidade, respigo o que Calvet de Magalhães escreve sobre estes tão prodigiosos tapetes: “São bordados a fios contados de lã de diversas cores sobre tela de linho, de grossaria, estopa ou canhamaço, que as tecedeiras locais teciam, sendo as lãs tosquiadas, lavadas, cardadas, tintas e fiadas pelas próprias bordadeiras. Os tapetes são executados com ponto cruzado, de forma a atapetar inteiramente o fundo do campo e a barra, conhecido pelo ‘ponto de Arraiolos’ e que noutras regiões do mundo é conhecido pelo ‘ponto entrançado eslavo’ e ‘ponto grego’. Os motivos dos tapetes são persas e, como arte popular que é, inspira-se no solo, utilizando como base os seus objetivos mais comuns, tais como pássaros, árvores, figuras humanas, etc. A composição consta de um centro, campo e bordadura. O campo é, geralmente, preenchido ou por duas albarradas ou ramos enfolhados dispostos simetricamente em relação às cabeceiras; o campo é decorado considerando-se que é ilimitado e decorado por motivos soltos alternados ou repetidos; a bordadura é cheia com linha ou linhas sinuosas ou ainda quebradas, decorados com elementos florais ou elementos geométricos, enchendo os espaços que linhas sinuosas em ziguezague, percorrendo a bordadura, deixam livres, com repetições ou alternâncias ornamentais de motivos geométricos.” Vamos então visitar onde se fazem tapetes e mostrá-los.
Tapeceira em atividade, as visitantes não escondem o seu pasmo por ver nascer tanta beleza
Dois motivos ornamentais distintos
É a alvura da caiação, o azul cintilante, a limpeza irrepreensível das ruas, que logo prendem o olhar, sabe-se rapidamente que se está perante uma premissa maior da cultura alentejana.O que nos faz deter diante desta fachada é o respeito pela coisa antiga, nada de tapar as memórias do passado, seja ao nível dos rés-do-chão seja do primeiro andar, fazem-se obras mas não se esconde a elegância dos arcos, das colunas e das suas bases, assim se respeita a memória de quem teceu tão elegantes elementos.
Este castelo mandado fazer por D. Dinis, no início do século XIV, é motivo de preocupação, são mais do que evidentes os sinais de ruína, e, no entanto, é muito gracioso no seu ponto alto, nas suas muralhas quase circulares, no seu Paço onde chegou a viver D. Nuno Álvares Pereira, carece de intervenção urgente, há mesmo panos na muralha que podem dar origem a acidentes, era bom que trouxessem aqui o Sr. Ministro da Cultura, este monumento nacional merecia melhor sorte.
Consta de uma inscrição o seguinte acerca das muralhas e da história do castelo: “O recinto amuralhado de Arraiolos, construído sob responsabilidade de João Simão entre 1306 e cerca de 1310, tem planta quase circular, aproveitando a forma muito regular da colina. Nele abrem-se duas portas: a da Vila (destruída), junto à Torre de Menagem, e a de Santarém. Várias vezes restaurado, a última das quais em 1944, nele se conservam a Torre do Relógio da época manuelina e o adarve, quase todo circulável, permitindo ao visitante desfrutar de uma vastíssima paisagem envolvente.”
Retenho agora o que diz outra legenda sobre o Castelo-Paço: “Erguida na mesma época da muralha, tem planta retangular com torres angulares de defesa. Além da Torre de Menagem, faziam parte deste antigo castelo-paço os aposentos do alcaide, a casa da guarda e o pátio de armas. Todas as construções interiores estão hoje reduzidas aos alicerces. D. Nuno Álvares Pereira, segundo Conde de Arraiolos, fronteiro-mor do Alentejo e Condestável de Portugal, passou neste Paço largas temporadas.”
Igreja do Salvador no Castelo de Arraiolos
Uma vista das planícies alentejanas da muralha do castelo
Era impossível ficar indiferente à postura do cão. Estava dentro da sua alcofa, neste estranho ambiente do que terá sido uma loja, ele vive num estado circundado por um biombo, deverão achar graça os donos a tê-lo em exibição. Saltou da alcofa e pôs-se a jeito para a fotografia, olhou bem para a câmara, é cão com pedigree, tenho a certeza.Prestes a partir para novo destino, desta vez a Atalaia do Montijo, rendi-me a esta linha tão aprumada do casario em azul e branco, as suas varandas, o seu toque antigo, e, como sempre, a limpeza dos arruamentos, inexcedível.
E despeço-me com o monumento ao pintor mais conceituado de Arraiolos, Dordio Gomes, conhece-o bem, o meu padrinho tinha um óleo de cavalos na sala de jantar, era um regalo para a vista, e quando fui trabalhar para o Ministério do Comércio Interno, numa ampla sala onde no passado funcionara o Conselho da Agricultura, as paredes estavam pejadas de quadros seus. Aqui relembro Dordio Gomes, distintíssimo artista. Aqui finda a viagem a Arraiolos, partimos para a região do Montijo.
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Nota do editor
Último post da série de 23 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)