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segunda-feira, 8 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25727: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (2): "Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça que queria ser padre"



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) 
(Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, 
Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Dedicatória autografada: "Para o Luís Graça, com muita amizade. 
A.Marques Lopes, 17.09.15"



Beja  > Penedo Gordo > 30 de setembro de 1951 > O A. Marques Lopes, 
aos sete anos, com a mãe e um "canito" ao colo.


"Lembranças de Julho de 1995. Eduardo, era o meu pai, avô do Francisco, morreu há 26 anos: Hélder António, meu sobrinho, filho do Fernando Vale, morreu há dois meses; Fernando Vale, meu cunhado, morreu há 13 anos. Francisco, meu filho, está vivinho da costa com 29 anos." (A. Marques Lopes, página do Facebook, 24 de dezembro e 2023, 18:57)

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2023). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


"O MEU HISTORIAL", por A. Marques Lopes (Lisboa, 1944-Matosinhos,2024)

(i) 1944-1951 – Nascido em Lisboa, na Mouraria, acabou por ir viver no Alentejo, até aos 7 anos (Penedo Gordo, arredores de Beja), por razões de saúde da mãe;

(ii) 1951/1955  – Instrução Primária nas Oficinas de S. José, em Lisboa;

(iii) 1955/1964  – Seminário;

(iv) 1964/1965 – Trabalha nos Armazéns da AGPL (Administração Geral do Porto de Lisboa) e frequenta a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

(v) janeiro 1966/julho 1966 - COM (Curso de Oficiais Milicianos) na EPI (Escola Prática de Infantaria) em Mafra, onde tiru a especialidade de atirador de infantaria ( o seueu instrutor foi o tenente Chung Su-Sing);

(vi) julho 1966 /  dezembro 1966 – Aspirante no RI1 (Regimento de Infantaria nº 1) na Amadora;

(vii) dezembro 1966 / abril 1967 –  Instrutor de um pelotão da CART 1690 (Companhia de Artilharia nº 1690) em Torres Novas e Oeiras, unidade mobilizada para o Ultramar;

(viii) 15abril1967  – Chegada à Guiné como alferes da CART1690; a companhia foi colocada, logo no dia seguinte, na zona do Oio (Geba, Banjara, Cantacunda e Camamudo);

(ix) agosto 1967 – Ferido por uma mina AC/: nesse período tinha participado, como comandante de um Grupo de Combate, em oito operações: numa delas (24 de junho de 1967) foi dado como “desaparecido em combate”;

(x) setembro1967– Evacuado para o HMP (Hospital Militar Principal), de Lisboa por ferimentos em combate;

(xi) maio1968 – Reenviado para a Guiné e colocado na CCAÇ 3 (Companhia de Caçadores nº 3, de naturais da Guiné) em Barro, a 3 kms. do Senegal; participou em 36 operações como comandante de um Grupo de Combate;

(xii) março 1969  – Regresso à Metrópole e passagem à disponibilidade; depois disso e até ao 25 de Abril teve participação em acções contra o regime e a guerra colonial;

(xiii) reingresso no Exército por disposições estabelecidas após o 25 de Abril (Decreto-lei 43/76 do Conselho da Revolução); passagem à Reforma Extraordinária como Coronel em 2000;

(xiv) Membro da Direcção da Delegação do Norte da Associação 25 de Abril.

Fonte: Adapt. de A. Marques Lopes (página do Facebook, 2 de abril de 2024, 17:15)

  

O melhor de... A. Marques Lopes (1944 - 2024) (2) > 

Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça 
que queria ser padre


O pai e a mãe, bem como os seus avós, bisavós e trisavós nasceram todos no Alentejo, no Baixo, e talvez os de antes também, mas isso não sabia ao certo. Já falara sobre isso, sobre as raízes e a árvore genealógica da família, mas o pai riu-se dizendo-lhe que essa árvore era um chaparro com raízes fundas, como há muitos nos montados. 

Lembravam-se dos seus antepassados diretos mais chegados mas não conseguiam ir muito longe. A mãe foi ceifeira que andava à calma , lembrava-se bem desta canção, e o pai foi tratorista nos campos dos latifundiários, rasgando-os com aivecas . Pensa que foi por isso que lhe acrescentaram a alcunha Aiveca ao nome próprio, sendo conhecido lá na terra como Eduardo Aiveca. 

Mas a vida era má, contaram-lhe da miséria e da fome passada, razão por que tinham vindo para Lisboa na tentativa de encontrar melhor. Foi por isso que nascera na maternidade Magalhães Coutinho, ali para os lados da Estefânia. O pai quis pôr-lhe o nome de António Aiveca mas o registo civil do Socorro não deixou acrescentar Aiveca,  pois não era o apelido que ele tinha no bilhete de identidade. Mas a família sempre o tratou assim e assumiu esse nome toda a vida. 

Até porque, após o nascimento, só passara um anito na Rua da Mouraria. A mãe adoeceu dos pulmões e o médico disse-lhe para ir apanhar ares para o campo, lá para baixo. Fora com ela, ainda bebé, e ali ficou sete anos. Lá na terra sempre foi tratado por António Aiveca, o filho do Eduardo Aiveca. Não desgostava do nome.

Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça que queria ser padre. Não havia pároco a residir no Penedo Gordo, devido à extrema miséria dos assalariados rurais que constituíam a grande maioria da população da aldeia e porque a maior parte deles não ligava grande coisa às questões da religião. Só aos domingos é que o seminário de Beja mandava um padre para que os crentes pudessem cumprir os seus deveres dominicais. 

Nessa altura ia à igreja com a avó Rosário. Os avôs Salustiano e João, materno e paterno, não ligavam, nem os tios, a mãe não ia porque estava doente, dizia ela, mas sempre lhe pareceu a ele que também não ligava muito àquilo. A avó Violante, a mãe do seu pai, nunca a vira na igreja. Mas ele gostava de ver o senhor prior com aquelas vestes bonitas, as campainhas, a solenidade, e o respeito de todos os que lá estavam impressionavam-no muito. Todas aquelas cores, luzes e sons eram uma maravilha. Os revérberos do sol através dos vidros coloridos das janelas exerciam o mesmo efeito que qualquer coisa extraterrestre poderia exercer, encantamento, espanto e redobrado respeito. 

Era bonito, também queria ser padre. Tanto insistiu com a mãe que esta, num dia que teve de ir a Beja, levou-o ao seminário para lá ficar. O reitor ficou encantado, sorriu e afagou-lhe a cabeça. Mas recomendou-lhe, depois, com ar sério que tinha primeiro de tirar a 4ª classe e deu-lhe uma mancheia de rebuçados. Deixou-o contente e muito esperançado de um dia poder igualmente viver no meio de tantas maravilhas, numa casa enorme e bonita como aquela e ter sempre à mão quantos rebuçados quisesse.

Estas lembranças ainda agora eram agradáveis e o faziam sorrir. Mas queria ver mais algumas páginas.

A. Marques Lopes, quando 
jovem

Quando completara sete anos regressou a Lisboa. No período seguinte, até completar a instrução primária, andou pelas ruas da capital. O seu fascínio e bulício substituíram o anterior encantamento das luzes e colorido da igreja da aldeia alentejana. Não foi, no entanto, porque deixasse de estar em contacto com padres e igrejas. Pelo contrário. Através de umas senhoras protectoras dos pobrezinhos entrou para uma escola dirigida por padres. O contacto com as coisas sagradas passou a obrigatório. Missa diária, oração diária, e grandes castigos para quem faltasse. 

Mas o contacto com a cidade foi mais forte. Grandes e belas gazetas deram-lhe muitas tardes de brincadeira no jardim da Estrela, no Parque Eduardo VII, no Castelo de S. Jorge, por toda esta Lisboa, enfim. Com outros gazeteiros mais afoitos foram grandes caminhadas para tomar 
banho, em cuecas, na praia de Algés.

Na altura, os pais moravam numa parte de casa em Campo de Ourique. Sempre que conseguia uns tostões enfiava-se no Paris ou no Europa para ver filmes de aventuras. Mas o ambiente preferido era o jardim da Parada , aquele jardim era maravilhoso. Pequeno, mas cheio de gente, de rãs, de peixes e de carros a abarrotar de gelados era um jardim enorme para os miúdos. Permitia brincadeiras de índios e cowboys, polícias e ladrões, provas de resistência em corridas à volta do jardim, torneios de caricas nas bordas dos passeios, sessões de anedotas picantes promovidas pelos mais espigadotes, histórias de bruxas e lobisomens. Havia também jogos mais suaves com as miúdas da mesma idade, o jardim da Celeste, mais um par de jarras que na roda entrou, a vida do marujinho é uma vida amargurada, jogar aos casados…
 
Tinha saudades disso. Muitas recordações deixara naquele jardim. Célia, Maria João, Maria Emília, não conseguia esquecê-las. Nem queria. Principalmente a Célia com aquela trança caída sobre o peito, vestido de fantasia e olhos gaiatos. 

É triste ver tudo isso já atrás sem poder voltar, principalmente nos momentos em que a tristeza e o desalento ferem o coração e em que a vida real, com as suas vicissitudes, tortura o pensamento. Quem lhe dera voltar a ser criança como fora naquela altura, para não ser atormentado por pensamentos em luta, como estava agora.

A. Marques Lopes

(Seleção, revisão/fixação de texto, negritos, para efeitos de publicação deste poste: LG) (Com a devida vénia...)

PS - António Aiveca é o protagonista do livro "Cabra Cega", um "alter ego", do autor, que usou outro "alter ego", João Gaspar Carrasqueira, para "assinar" a obra... 

O recurso a pseudónimos literários é muito frequente entre militares: Carlos Vale Ferraz (cor cav 'cmd' ref Carlos Matos Fomes), Manuell Andrezo (ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, 1933-2024), João Gaspar Carrasqueira (cor inf DFA António Marques Lopes, 1944-2024)... E tantos mais, militares e civis: Carlos Selvagem (maj cav Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos, 1890-1973), Miguel Torga (médico Adolfo Correia da Rocha, 1907-1995), Júlio Dinis (médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho, 1839-1871), etc.

Nos últimos meses de vida, o António escreveu imenso no seu Facebook, e retomou algumas das melhoras páginas do seu livro autobiográfico, "Cabra Cega", entretanto publicado também no Brasil, com o seu nome verdadeiro, A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (São Paulo: Paperblur, 2019).
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25720: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (1): O meu cruzeiro no N/M "Ana Mafalda": ficámos contentes por saber que era só até à Guiné, e não até Timor...

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25578: Efemérides (439): Inauguração do Monumento aos Antigos Combatentes do Concelho de Beja, levado a efeito no passado dia 9 de Maio de 2024 (José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp)


1. Mensagem do nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu, 1973/74), com data de 28 de Maio de 2024:

Inauguração do Monumento aos Antigos Combatentes do Concelho de Beja

Homenagem os Antigos Combatentes

Realizou-se no pretérito dia 9 de maio, 2024, feriado municipal da cidade de Beja, a inauguração do Monumento aos Antigos Combatentes da Guerra Colonial – Angola, Moçambique e Guiné -, onde perpetuamente nele permanecerão registados os nomes dos mortos naturais do concelho.

O evento mereceu as honras oficiais, civis e militares, tendo-se verificado a presença de muitos antigos camaradas que lutaram nas três frentes do conflito ultramarino, tendo também sido homenageados dois dos antigos camaradas e sócios da Liga dos Combatentes.

Sendo o momento de imagens não irei, por isso, alargar-me com o texto, mas deixar-vos um conjunto de fotografias que enalteceram o tão prestigioso evento. Resta, porém, dizer-vos que houve discursos, nomeadamente do presidente da câmara municipal de Beja, Paulo Arsénio, e também por parte da Liga dos Combatentes.

Abraço, camaradas
José Saúde


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Nota do editor

Último post da série de 29 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25577: Efemérides (438): 10 de Junho, Dia de Portugal - Homenagem Nacional aos Combatentes, Igreja de Santa Maria de Belém, nos Jerónimos e junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa

sábado, 18 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24860: (In)citações (259): Depois da "mina A/P" que me atirou, em 29/10/2023, para um leito de hospital, com o fémur partido, estou de regresso à vida, à luta, a escrita, enquanto a a recuperação prossegue (José Saúde, Beja)


Beja > Hospital distrital > Outubro de 2023  > O Zé Saúde no "estaleiro!... E a agradecer aos amigos e camaradas que se têm interessado pelo seu estado de saúde... Ele, um "ranger", de rija têmpera, está de volta à vida, à luta, à escrita...

Foto (e legenda): © José Saúde (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego / Gabu, 1973/74), natural da Aldeia Nova de São Bento , Serpa; a viver en Beja; jornalista e escritor; tem página no Facebook):

Data - quarta, 8/11/2023, 17:30

Assunto - Recortes do meu acidente

Camaradas,

Eis o franco e imprescindível ânimo deste antigo combatente por terras vermelhas da Guiné, cotejando, por isso, que um impedimento casual jamais derrubará este vosso velho camarada. Partirei um dia para um outro lugar, mas até lá vou passando por entre ventos e tempestades e não abicando de princípios legados pelos meus antepassados.

Aliás, o percurso da minha vida até ao dia 27 de julho de 2006, data esta encaixada com a visita do meu AVC, um mal que veio para ficar, instalando-se “envergonhadamente” neste já débil corpinho, um corpinho que tinha sido até aí pautado por um viver isento de “malazengas”, sendo que no presente foi o rebentar de uma “granada antipessoal” que me atirou para o leito hospitalar.

Neste profícuo caminhar ao cimo do planeta chamado Terra, e sempre com a missão no exercer o equilíbrio físico que a vida obviamente nos impõe, aconteceu que fui apanhado numa “emboscada” que me levou ao caminhar sobre uma ténue linha, mas onde ânsia do momento supera o nosso evidente acreditar.

Aqui vos deixo camaradas um texto que oportunamente subscrevi, tendo dele recebido centenas de profícuas opiniões.

Uf, que horror…

E o inesperado, um acontecimento sempre distante dos nossos pensamentos, aconteceu! Domingo, 29 de outubro de 2023, cerca das 11h30, dirigia-me a um encontro/convívio com amigos, porém, ao descer do carro cai e desde logo me apercebi que o impacto com a velha pedra lusitana me teria provocado irreparáveis danos.

Mesmo assim, a minha força física e mental, levou-me a pedir auxílio, sendo então socorrido por um amigo que me transportou para o interior do carro, seguindo-se a condução, não obstante as dores sentidas, para junto à residência, onde habito, casa própria do meu genro, Paulo Paixão e da minha filha Rita Saúde, sucedendo o meu pedido de socorro para o 112. Aí, e sem me poder mexer, acompanhou-me o meu cunhado, Joaquim Lança.

Depois telefonei à minha filha Marta e as preocupações logo se fizeram sentir, ouviu-se o sinal de alerta. Veio a ida para o hospital, o internamento e a operação ao fémur. Tive alta na passada sexta-feira, encontro-me em convalescença e aguardam-me dias de uma certeza recuperação.

Camaradas, a recuperação prossegue.
José Saúde
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24570: (In)citações (258): Reflexão extemporânea entre dois copos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24847: Notas de leitura (1633): “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, por Elidérico Viegas; Arandis Editora, Outubro de 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Colaborador desde o n.º 0 do jornal tavirense de nome Postal, li em número recente a publicação de um livro de um camarada nosso que fez comissão entre 1971 e 1973 em Empada e Bissau. Pedi-lhe o livro, foi célere a responder, fiz a recensão para Tavira e considero que esta tem todos os condimentos para chegar aos meus confrades. Elidérico Viegas é uma personalidade algarvia com o nome ligado à vida turística. Entendeu agora passar a escrito as suas memórias, elas seguem o curso que qualquer um de nós seguiu: assentou praça nas Caldas da Rainha, especialidade em Tavira, cabo miliciano colocado no RI3, em Beja, ingressa na Amadora na formação da CCAÇ 3373; viagem no Niassa, instrução de aperfeiçoamento operacional em Bolama, ida para Empada, quartel isolado só com saída para Bolama entre os rios Buba e Tombali. Registou 36 flagelações em Empada, sem consequências maiores. Certamente focado num público de não ex-combatentes, tece considerações sobre a população, descreve o quartel, as dependências administrativas, um quotidiano com lavadeiras, viaturas e mecânicos, a horta, ação psicológica, enfim, todos os serviços próprios de qualquer unidade, dá-nos conta dos patrulhamentos e da vida operacional em geral. Referencia os diferentes oficiais e sargentos, continua a guardar um ódio de estimação ao capitão. E depois a vida mais serena no Comando de Defesa de Bissau. Deplora a indiferença com que o sistema político trata os ex-combatentes. É este, em suma, o testemunho que nos entrega.

Um abraço do
Mário



Os equívocos e os paradoxos em torno da guerra colonial, uma História adventícia

Mário Beja Santos

Colaborador desde o n.º 0 do Postal, um jornal tavirense que tem décadas, fundado pelo meu amigo Henrique Dias Freire, tomei nota da publicação por um antigo combatente da Guiné de um seu livro relativo à sua comissão na Guiné, isto na edição de 3 de novembro passado. Teço agora comentários ao livro que ele amavelmente me enviou. Elidérico Viegas foi furriel-miliciano da CCAÇ 3373, Os Catedráticos, companhia independente, desembarcaram em Bissau em 7 de abril de 1971, foram diretos a Empada, no sul da colónia, entre os rios de Tombali e Buba.

Procede à apresentação do seu livro um artigo publicado no Postal com as suas reflexões. Confesso que não partilho uma boa parte das suas opiniões e explico porquê. Escreve que “O facto de não haver muita coisa escrita sobre esse período difícil da nossa história recente, e das obras conhecidas serem geralmente ficcionadas, incentivou-me a escrever este livro”

O que não corresponde à verdade, há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, abarcando investigação histórica, ensaio, romance, novela, poesia, diários e memórias; os antigos combatentes movimentam-se ainda hoje à volta de reuniões anuais, são encontros por todo o país, aparecem antigos combatentes, filhos e netos; há blogues, entre os dedicado à Guiné, porventura o mais influente de todos os blogues de antigos combatentes, chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde irei informar os leitores desta narrativa do Elidérico Viegas; além disso, a imprensa periódica e não periódica é atraída por depoimentos dos antigos combatentes, há mesmo publicações de delegações da Liga dos Combatentes onde eles conversam entre si, eu colaboro numa delas, O Combatente da Estrela, obviamente gente da Serra e arredores. E lembro que a guerra colonial é objeto de estudos universitários, e não só em Portugal.

Diz mais adiante no seu artigo que “É preciso que aqueles que combateram na guerra colonial escrevam as verdades sobre uma guerra que o poder político teima em ignorar, sobretudo os milicianos, aqueles que verdadeiramente estiveram na linha da frente dos combates na Guiné, Angola e Moçambique. Portugal não pode esquecer nem ver apagados 13 anos da nossa história.”

Nfão estão apagados estes 13 anos, estão profusamente documentados, obviamente que a questão ideológica da colonização/descolonização ainda separa muita gente quanto à profundidade das motivações do fim da guerra, o êxodo que se seguiu e o quadro horrível de execuções praticadas em novos países independentes.

Concordo com Elidérico Viegas que é nossa obrigação contribuir com o dever de memória, e ainda bem que ele se acometeu a escrever numa literatura memorial singela, tocante e afetiva, o que viveu na Guiné entre 1971 e 1973. Oxalá o seu relato “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, Arandis Editora (arandiseditora@gmail.com), outubro de 2023, passe por muitas mãos, seja alvo de muitos encontros com antigos combatentes e até conversas em estabelecimentos de ensino. Porque a sua narrativa possui um chamamento universal, é um registo que qualquer um de nós, antigo combatente, pode gizar e adaptar à experiência vivida. No seu caso: recruta nas Caldas da Rainha, no curso de sargentos-milicianos, a descoberta de novos relacionamentos, a aspereza de tais aprendizagens, o juramento de bandeira, segue-se a instrução em Tavira, intercalam-se muitas lembranças da juventude, a promoção a cabo-miliciano, a colocação no quartel de Beja, a formação da CCAÇ 3373 no Regimento de Infantaria 1 na Amadora, o batismo da Companhia como “Os Catedráticos”, mais tardes Os Catedráticos de Empada, a viagem para a Guiné; ele conta que precedia a viagem a compra dos uniformes (“Comprei, em segunda mão, por pouco mais de 500 escudos, os uniformes que me haviam sido fornecidos aquando da minha incorporação nas Caldas da Rainha”), ala que se faz tarde, já está a bordo do Niassa, seguem-se as surpresas que reservam Bissau, os bafos quentes e tropicais; no dia seguinte, aparece o general Spínola e depois a viagem da Companhia para ir substituir os Leões de Empada. 

Sente-se tudo quanto vai escrever se destina fundamentalmente a um público não combatente, já que a generalidade das observações que faz sobre a Guiné são, de um modo geral, conhecidas pelos antigos combatentes.

Dentro deste contexto que tem um discurso universalizante, vê-se que o autor tem o afã em nos transmitir usos e costumes, um pouco da história da colónia, pretende que o leitor se sinta inserido naquele ambiente e conheça a gente do local onde ele penou, e por isso vai falar das bolanhas que rodeiam Empada, do Rio Grande de Buba, da fauna, das duas estações do ano, a caracterização do quartel de Empada, do posto administrativo e da escola primária, da companhia de Milícia ali existente, ficamos a saber que Empada se encontrava isolada e sem acesso a outros aquartelamentos, podia-se ir até Bolama de barco. 

Entramos na esfera do quotidiano, a importância da lavadeira (“As lavadeiras eram verdadeiros entrepostos comerciais, comercializavam de tudo um pouco – galinhas e ovos, entre outros produtos, que trocavam por conservas e Coca-Cola”), o abastecimento de água, a fonte Frondosa que tinha sido renovada em 1946, exercia esse papel vital; e havia o hastear e o arrear da bandeira, os cães, a horta, a enfermaria, o departamento de ação psicológica, o papel da Força Aérea, quem era quem dentro do quartel de Empada, desde o vague-metre, as transmissões, a secretaria, o capelão.

E para que o leitor não se esqueça que havia guerra, Empada conhecia muitas flagelações, o autor comenta: 

“Parece impossível não ter havido baixas nas mais de três dúzias de ataques que o inimigo levou a cabo durante o ano em que permanecemos em Empada. Pura sorte, digo eu.” 

Descreve a vida operacional e a organização dos pelotões, ficamos a saber dos seus ódios de estimação, sobretudo com o comandante da Companhia, hoje é comportamento raro, no início da literatura da guerra havia uso e costume de proceder a assassinatos de caráter, o tempo ensina-nos a desvalorizar estas nódoas negras do passado, e até se dá a circunstância de que estes homens não estimados têm família.

O grande cometimento militar em que estiveram envolvidos foi a Grande Emboscada, a força de centenas de guerrilheiros foi dizimada, entre os mortos encontrava-se o comissário político Quintino Gomes. Volta-se ao quotidiano, a vida da messe de sargentos, aos petiscos, as madrinhas de guerra. E de Empada vem-se para Bissau para o COMBIS (Comando de Defesa de Bissau), uma vida muito mais amena, com patrulhamentos guarda ao palácio, descreve-se a vida de Bissau e o regresso no Uíge. 

No final da sua narrativa observa que Portugal precisa de reconciliar-se com o passado mais recente da sua História, fala na sorte dos antigos combatentes e no imperativo de os dignificar.

Questiono-me muitas vezes se existe algum propósito deliberado em esquecer a guerra colonial e acabo sempre por concluir que o facto de ela estar associada ao fim do império e à criação de novos Estados independentes, todas as decisões políticas deliberadas em torno do seu reconhecimento, os conflitos violentíssimos que ocorreram em Angola e Moçambique e que levaram ao êxodo das populações, por exemplo, precisam da cura da História, a serenidade da interpretação dos factos. 

Em meio universitário, consegue-se chegar à proeza de se aprovar uma tese de doutoramento, num fenómeno que dá pelo nome de pós-colonialismo, de uma senhora expender apreciações grosseiras sobre o que se passou com a perseguição e execução de Comandos guineenses sem ter tido o mínimo de cuidado em basear-se nos documentos sobre o comportamento dos políticos e dos militares na sequência dos Acordos de Argel. Isto só para sublinhar que ainda há muita manipulação no tratamento dos factos históricos, inevitavelmente envenena as consciências. Procuro assim também responder às preocupações de Elidérico Viegas.
Fonte Frondosa, Empada, a dar água desde 1946
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 – P23673: Agenda cultural (815): Apresentação do meu 11.º livro "Bola de Trapos - Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo, 1904 a 2022", Edições Colibri, no próximo dia 11 de Outubro, pelas 19h00, na Bibiloteca Municipal José Saramago, em Beja (José Saúde)


Capa do livro do Jose Saúde: "Bola de trapos: crónicas desportivas do Baixo Alentejo, 1904-2022". 
Lisboa: Edições Colibri, 2022


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

Somos, hoje, seres humanos que o tempo paulatinamente se encarregou em transformar os nossos corpos, corpos outrora esbeltos, jovens esguios que partiram rumo à desconhecida guerra da Guiné, onde a peleja no terreno nos fora literalmente comum. Sim, sobrevivemos, mas houve outros camaradas que, infelizmente, por lá perderam a vida, outros, de lá vieram estropiados e são muitos aqueles que presentemente convivem com tão nefastas situações, outros, com a mente extorquida dos horríveis sons das armas, enfim, fomos, afinal, “carne para canhão”, restando agora um oceano de recordações. Somos, também, usados septuagenários, em particular, onde a memória jamais será extorquida de cenas vividas no palco da guerrilha.

Camaradas, não obstante o meu AVC que já leva 16 anos de existência, e com o lado direito remetido ao silêncio, lá vou passando entre os pingos da chuva, reencontrando-me com o universo da escrita, debitando textos e lançando obras que visam deixar memórias para as gerações presentes e vindouras conhecerem as histórias de um passado repleto de saudade.

Neste contexto, no próximo dia 11 de outubro, terça-feira, 19h00, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja, será lançado o meu 11º livro intitulado “Bola de trapos – Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo 1904 a 2022”, com a chancela da Edições Colibri, cujo editor é Fernando Mão de Ferro.

Fica o meu convite a todos os camaradas e amigos, assim como a sua introdução – Memórias desportivas -, e o texto de abertura da obra - A bola de trapos -.

Camaradas e amigos, espero por vós.


A bola de trapos

Viajo pelas sumptuosas asas do vento, dou por mim a recordar hilariantes recordações desportivas que o tempo jamais ousará apagar da consciência de pessoas que teimam relembrar o evoluir do extraordinário prodígio, mas nas suas diversificadas vertentes. Ao longo de uma maratona da escrita, que já vai extensa, cerca de 40 anos dedicados ao jornalismo, procurei trazer à estampa convicções semanais para que o leitor se identifique com os conteúdos desportivos que, por força de uma razão maior, tendem cair no limbo do esquecimento caso não haja bem-aventurados temerários que se predisponham em assumir o tão meticuloso desfecho. Memórias benéficas, em meu entender, que o imensurável prazo da persistência humana vai consumindo num painel assumidamente cada vez mais restrito.

Admito que a audácia não foi, e nem tão-pouco o é, talhada pelo prisma da facilidade, uma vez que debitar narrativas num determinado contexto requer a aquisição de conhecimentos e, sobretudo, de certezas no momento em que o autor se debruça sobre os conteúdos dos específicos textos por ele elaborados. Reconheça-se, porém, que a minuciosidade como os temas são trabalhados mostra, obviamente, o seu respeitoso saber.

Olhando para um amarelecido baú que contém muitas centenas (mais de um milhar) de narrativas desta essência, deparo-me com profícuas realidades que tornam o fenómeno mais sólido no exato momento em que se desenrolam pequenos fios de perseverantes meadas, sendo o resultado final resultante em proveitosos artigos que nos conduzem a saberes circunscritos num espólio que, sob a minha pena, acondiciono nesta existência terrena.

Iniciei-me no trabalho jornalístico em meados da década de 1980. “O ÁS” foi a rampa de lançamento que me transpôs para outros patamares regionais e nacionais, passando, depois, pelo “Diário do Alentejo” (“DA”), onde me mantenho como colaborador, sendo que em ambos os periódicos fiz questão em debitar crónicas pessoais sobre a autenticidade do desporto regional no Baixo Alentejo, desde os seus primórdios.

Comecei com “O ponto de vista”, seguindo-se o editorial no jornal “O ÁS”, como diretor, “Opinião” e “Bola de trapos” no “DA”. Todas, ou quase todas as semanas a minha cabeça não descansa na procura de um assunto que mereça reverência e, naturalmente, lugar num meio onde a exiguidade da velha notícia desportiva tende a escassear.

Sei que a predisposição para abarcar a responsabilidade de tamanha aventura terá um dia o seu fim. Mas, enquanto o toque do hastear da bandeira não soar, manter-me-ei hirto na missão que outrora assumi, subscrevendo pequenos textos que espero que sejam do agrado de todos.

Nesta conjuntura, deixo-vos mais uma obra intitulada “Bola de trapos”, cuja temática assentam em realidades desportivas na região
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A bola de trapos


Num indelével sentimento onde a dócil melancolia esbarra numa mente que usufrui, por enquanto, a possibilidade em recordar imagens de outrora que se multiplicaram em hábitos desportivos de crianças alinhadas com o prazer do jogo, revejo o normal habitat da miudagem e a sua frenética luta em despiques com a célebre bola de trapos. 

Somos originários desses obsoletos tempos. Recordo, com uma saudade imensa, a algazarra dos rapazes de rua, assim como os saudáveis desafios em terrenos vadios, agora transfigurados em betão armado, e logo à tona da memória aparecem reproduções das manhãs domingueiras que envolviam jogatanas de futebol, sendo as balizas demarcadas com duas pedras num campo substancialmente irregular. Naquele tempo as bolas de borracha eram escassas e por vezes lá aparecia o menino mimado, filho de gentes da alta sociedade, que presunçosamente metia inveja ao resto da moçada, com uma bola de borracha amarela, marca “Pirelle”, debaixo do braço. 

A redondinha era sinónimo de excêntricos prazeres e sobretudo de entrega dos “putos” ao duelo. O menino, que não jogava patavina, mas tinha que fazer parte infalível de uma das equipas porque era o dono da bola, cedo se apercebia que a raia miúda não lhe passava a redondinha e toca a interromper o entusiasmante dérbi da pequenada. De rabo alçado lá fugia que nem uma flecha rumo à sua mansão. A ralé, pouco importunada com a leviana atitude do garoto, jogava mãos à bola de trapos e o jogo prosseguia. 

Aliás, as oportunidades em dar uns chutos numa esfera de borracha eram, nesses tempos, coisa rara. A bola de trapos, feita com uma meia roubada à mãe, afigurava-se como uma preciosidade que a ralé juvenil muito se regozijava. Lembro, também, as bexigas de porco recolhidas pela malta em épocas das matanças no matadouro da terra. 

Tudo isto é conversa do passado, é verdade, mas um passado onde despertaram craques que percorreram enormes percursos futebolísticos quer em termos nacionais quer internacionais. Hoje, olhamos para a realidade presente e logo damos conta que tudo desliza para o mundo da facilidade. As crianças de agora têm outros mecanismos competitivos, vestem equipamentos de marca, calçam botas de qualidade, as bolas são excecionais, jogam em campos relvados, ou sintéticos, e têm um público, geralmente familiar, a puxar pela equipa. Nós jogávamos em agrestes terreiros infestados com ervas daninhas onde residiam cacos de vidro, sendo que alguns dos nossos companheiros jogavam descalços, os fatos de treino era a roupa domingueira, para quem a tinha, não havia assistência aos jogos e fugíamos das forças da ordem sempre que o polícia de giro detetasse as nossas presenças. Bem-haja a conquista da liberdade e o progresso que a Revolução dos Cravos facultou!



Abraços camaradas e amigos, 

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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 Nota de M.R.: 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22926: Agenda cultural (796): Próxima apresentação do último livro do José Saúde ("Aldeia Nova de São Bento"): Beja, Biblioteca Municipal de Beja José Saramago, 3ª feira, dia 25 de janeiro de 2022, pelas 21h00


Próxima apresentação do último livro do José Saúde: Beja, Biblioteca Municipal de Beja José Saramago, 3ª feira.dia 25 de janeiro de 2022


I. Mensagem de José Saúde, jornalista e escritor, ex-fur mil op esp, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), membro da nossa Tabanca Grande, com mais de 210 referências no nosso blogue:


Data - 16/01/2022, 10:44

Assunto - Apresentação do livro na Casa do Alentejo em Lisboa, no passado dia 15... No dia 25,às 22h00, será na Biblioteca Municipal de Beja


1. Guiné: tudo vale a pena quando a alma não é pequena! Esforço e dedicação na peleja de um antigo combatente no mundo da escrita

Camaradas,

Somos pequenas gotas de orvalho que definham escrupulosamente em cada momento que a vida, por enquanto, ainda nos reserva. Somos, também, descendentes de criaturas humanas que, em cada ciclo das suas vidas, foram dando à luz novos seres.

As cidades, vilas, aldeias e lugares desenvolveram-se e o universo rural, sendo o caso que cito neste meu último livro, procurou novos rumos. Dá-se então o êxodo da retirada de gentes da terra que os viu nascer. Não para “paraísos fiscais”, mas na procura de novas oportunidades de trabalho. De homens que partiam a salto para países estrangeiros. Indivíduos que não sabiam ler nem escrever e que fizeram parte da sua juventude desprovidos de um par de sapatos, ou seja, andavam descalços.

Os tempos de outrora não foram fáceis. O contrabando era um meio de sustento para uma casa cheia do nada. Vazias. As lutas dos trabalhadores rurais para um melhor salário, nem que fossem uns magros tostões, foram muitas.

Depois, sim depois, surge o interesse das antigas profissões. Das ceifeiras e mondadeiras; dos almocreves; dos abegões; dos sapateiros e ferreiros; dos pastores e vaqueiros; dos ferradores e dos lobos que desciam ao povoado para se alimentarem dos cascos das bestas; das festas, ou romarias; da feira que trazia o negócio do gado; de homens que muito dizem ao seu torrão sagrado; enfim, uma panóplia de temas que abordo neste meu décimo livro, que dá pelo nome da “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Memórias”, que fala, também, a origem do povoado e quem afinal somos e de onde viemos.



Lisboa > Casa do Alentejo > 15 de janeiro de 2022> O José Saúde autografando um exemplo do seu décimo livro, “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Memórias” (Lisboa, Edições Colibr, 2021). Vd aqui um pequeno vídeo da sessão de autógrafos,, na página do Facebook do autor.

Foto (e legenda): © José Saúde (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. No pretérito sábado, 15 de janeiro de 2022, estive na Casa do Alentejo em Lisboa, Portas de Santo Antão, e gratifiquei-me com a imensidão de gentes que entre as 15 e as 16 horas fizeram questão de ali se deslocarem para adquirir a nova obra.
 

É óbvio que o tempo que atravessamos obedece a cuidados sanitários. Por isso entravam, davam-me dois “dedos de conversa” e lá partiam com o “brinquedo” debaixo do braço.

Fica a minha gratidão pela sua presença em Lisboa, adiantando que no próximo dia 25 de janeiro, terça-feira, pelas 21 horas, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja, farei mais uma apresentação deste meu livro.

Abraço, camaradas
Zé Saúde
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Nota do editor:

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Guiné 61/74 – P22630: (Ex)citações (395): 8º Encontro Ranger, 1º Turno de 1973, em Beja (José Saúde)



Beja > Taberna A Pipa > 2 de outubro de 2021 > 8º Encontro  Ranger, 1º Turni de 1973 


Fotos (e legendas): © JoséSaúde (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem:



8º Encontro Ranger, 1º Turno de 1973, em Beja

Beja foi a cidade que acolheu camaradas e alguns dos seus familiares.

Foi em Beja, cidade fundada 400 anos a.C. pelos celtas, e mais tarde denominada como Pax Júlia aquando da sua conquista pelo Império Romano, sendo o imperador Augusto o comandante das tropas, que no passado 2 de outubro, sábado, que se realizou o 8º Encontro Ranger, 1º Turno de 1973.

Após uma pausa, pois a Covid-19 assim o determinou, foi na Taberna “A Pipa”, propriedade da Chefe Saudade e do Jorge Maldonado, com a ajuda da funcionária Silvina, que o grupo de camaradas rangers se juntaram (41 contando com os seus familiares) e dissecaram pedaços de uma história que ficou marcada pela nossa presença na guerra colonial.

Na verdade, a Guiné, como foi o nosso caso, por lá passaram uma imensidão de camaradas que jamais esquecerão o mar de tréguas a que fomos então submetidos. Sim porque estes momentos, onde a amizade prolifera, leva-nos a uma viagem no tempo e recordar os climas difíceis que nós, jovens na casa dos 20, 21, 22, ou 23, obrigatoriamente suportámos.




Que a história, biografia e narração de factos, nunca esqueça de uma peleja (recente) onde se cruzaram gerações e que ditou números de mortos e feridos que citarei com o rigor extraído de fontes fidedignas e que relato no meu nono livro “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74”,  edição da Editora Colibri:



“A guerra de além-mar mobilizou mais de 800 mil combatentes, dizem os respetivos cadastros. Segundo dados oferecidos pelo Estado-Maior General das Forças Armadas, terão morrido na Guerra de África 8831 militares portugueses, sendo que em Angola se registaram 3455 mortes, em Moçambique 3136 e na Guiné 2240.

"Especificando o conteúdo de falecimentos nos três ramos das Forças Armadas, conclui-se: Exército, 8290; Força Aérea, 346 e Marinha de Guerra, 195.




"No que concerne à componente dos feridos, observa-se que cerca de 30.000 foram evacuados entre os demais de 100.000 registados nos censos militares.

"Um outro dado considerado importante, tendo em conta a diversidade de patentes dos antigos combatentes na guerra, certifica-se que a listagem atesta: 1 general, 2 brigadeiros, 3 coronéis, 15 tenentes-coronéis, 22 majores, 100 capitães, 40 tenentes, 300 alferes, 900 sargentos e furriéis, 1600 cabos, 5500 soldados e marinheiros”.

 Um abraço, camaradas

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74)
 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21602: Da Suécia com Saudade (85): A base aérea de Beja e o apoio alemão ao esforço de guerra de Portugal em África (José Belo)



José Belo, ex-alf mil, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampaté e Empada, 
1968/70); cap inf ref, jurista,  autor da série "Da Suécia com Saudade;  vive na Suécia 
há mais de 4 décadas; régulo da Tabanca da Lapónia; tem 180 referências no nosso blogue: 


1. Mensagem de José Belo:

Date: terça, 10/11/2020 à(s) 01:39
Subject: A base aérea de Beja e o apoio alemão

A localizacão estratégica da planície alentejana, longe de um possível teatro de guerra, foi decisiva para a instalação de uma estrutura militar de grandes dimensões que deveria funcionar como plataforma entre a Europa e os Estados Unidos no caso de uma ofensiva militar soviética sobre a Alemanha.

A instalação desta base teve papel preponderante no auxílio alemão a Portugal, destacando-se o fornecimento de equipamentos militares,sem os quais seria muito difícil a Portugal enfrentar as guerras em África. "garantindo ao mesmo tempo o tratamento em hospitais alemães de militares portugueses gravemente feridos em combate!.

Quando foi conhecido o teor do acordo entre os dois países de imediato surgiram críticas por parte dos governos africanos, obrigando o governo alemäo a "prestar mais atençã à sua posicäo externa de solidariedade com os justos anseios dos povos africanos".

A partir de 1964 assistiu-se a um progressivo arrefecimento nas relacöes luso-alemãs,  designadamente no campo militar, com reflexos na utilização prevista para a base de Beja.

Dá-se ento uma alteraÇÃo no conceito estratégico de defesa da NATO.

A obtenção de paridade nuclear entre as duas superpotências em 1966 relegava para segundo plano a rede de apoio logístico na retaguarda que tinha sido concebido para Beja.  (Será detalhe interessante o facto de o governo espanhol só autorizar a passagem de aeronaves alemãs pelo seu espaco aéreo com destino a Beja desde que os pedidos fossem solicitados com uma semana de antecedência e "caso a caso").

Foi programado alojar em Beja 5.250 cidadãos da RFA [República Federal Allemã],entre militares,funcionários,e respectivas famílias.

Näo era possível antecipar do ponto de vista humano as consequências resultantes deste súbito acréscimo de população estrangeira com um "nível de vida e culturalmente superior ao da grande maioria dos residentes da cidade".

Esperavam-se profundas transformações na ordem sócio-económica local.

E, quase espelhando problemas com as bajudas-lavadeiras na Guiné..., uma das preocupações residia no relacionamento dos militares estrangeiros com as... mulheres de Beja!

A comissäo luso-alemã que presidia à instalação do projeto militar, reclamava um código de conduta que "deveria servir de guia aos forasteiros quanto aos costumes locais". Principalmente quanto às relações com as mulheres, pois "seriam mais susceptíveis de causar conflitos com a população masculina". (G'anda alentejanos!)

As famílias abastadas de Beja foram confrontadas com o alastramento do "fenómeno militar alemão".
Não estavam a conseguir garantir a continuidade do "pessoal para servicos domésticos do sexo feminino a que habitualmente se dá a designação de...criadas de servir". (E o ditador lá voltou a "meter água" junto dos seus amigos do latifúndio. )

Os alemães ofereciam um salário mensal de 1.500 escudos que contrastava com os 300 escudos pagos pelas famílias abastadas.[em 1965, equivaleriam, a preços de hoje a cerca de 590 euros, e 118 euros, respectivamente, ou seja, os alemãs pagavam cinco vezes mais].

Por outro lado as instalacöes destinadas ao pessoal alemäo "näo deveriam incluir instalações para as criadas de servir." Estas exigências locais, entre outras, foram recusadas.

Em 1966 chegou à Base o primeiro contingente militar alemäo. Ali se mantiveram até 1993.

A estrutura militar que os alemães ergueram em Beja estava preparada para receber aeronaves de grande porte.

A própria NASA selecionou a pista como alternativa de aterragem para o Space Shuttle. Foram pistas classificadas como as de maior extensão a nível europeu.

Com uma área de mais de 800 hectares, tem condições para receber aeronaves de grande porte para além de 60 aviões tipo C-130 e mais de 300 aviões F-16.

Esta capacidade de acolher grandes meios aéreos é de importäncia extrema como base de retaguarda.
Concluídas muitas décadas desde o arranque de um projecto dimensionado para fazer face a um determinado contexto geoestratégico, cresceram as dificuldades com a manutencäo desta estrutura de grande dimensão pelos elevados custos envolvidos.

As restrições orcamentais impostas pelo governo reduziram a actividade militar na FAP e vieram a reflectir-se na manutenção e funcionamento desta Base.

Mas, e à distância no tempo, talvez seja melhor concentrarmo-nos no sério problema então surgido com as...criadas de servir!

Adaptação / condensação: J. Belo

Fontes: "Folha de S. Paulo", jornal "Público", Ana Mónica Fonseca, historiadora ("Política Externa Portuguesa/Dez anos de relaçöes luso-alemäs 1958-1968").
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21524: Da Suécia com Saudade (84): Ainda as “anedotas” do outro lado da “Cortina de Ferro”: recordações da Deutsche Demokratische Republik (José Belo)

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21119: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (33): Beja, antiga Pax Júlia, cidade por onde vi passar muitos camaradas de armas (José Saúde)

Brasão de Beja
1. Mensagem de José Saúde,  ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CCS / BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74); jornalista reformado, natural de Aldeia Nova, Serpa, a viver em Beja:


Date: sexta, 19/06/2020 à(s) 17:16

Subject: Beja, antiga Pax Júlia, cidade por onde passaram muitos camaradas

Luís, meu amigo

Envio-te um texto sobre Beja e o seu quartel - RI 3 - por onde passaram diversos camaradas, sendo que muitos deles tiveram como destino a Guiné.


Entendes que seja útil o contexto da prosa?

Abraço, Zé Saúde



Beja, antiga Pax Júlia, cidade por onde passaram muitos camaradas, jovens militares que tiveram como destino a Guiné

por José Saúde

Recorro a ímpetos da história e vejo-me absorvido pelos primórdios de uma cidade que foi fundada 400 anos a.C. pelo povo celta. Relata também a história que os Cónios, denominados como Conistorgis, foram uma plebe que por esses recuados tempos coabitaram no burgo. No século III a.C. foram os cartagineses que estabeleceram o maior tempo de permanência no lugar sendo, contudo, a civilização romana aquela que romanizou as populações ali existentes.
O nome de Pax Júlia surge intrinsecamente ligado ao período do Império Romano. Pax Júlia teve, aliás, honras de metrópole de grandiosidade na Península Ibérica e albergou uma das três jurisdições romanas da Lusitânia. O Imperador Augusto terá sido o homem que deu origem ao nome de Pax Júlia. 
No ano de 1162 os cristãos reconquistaram definitivamente o burgo, em 1524 recebeu o foral e antes, 1517, já tinha sido elevada a cidade. 
Poder-se-á afirmar, com segurança, que Beja foi berço de notáveis famílias de pedagogos e humanistas na era do Renascimento. Diogo de Gouveia, Francisco Xavier, conselheiro dos reis D. Manuel I e de D. João III de Portugal, André de Gouveia e António de Gouveia, sintetizam algumas das figuras que brilharam no palco do humanismo em Portugal.
Relata ainda a história que a primeira restauração dos muros de Beja teve lugar no reinado de D. Afonso III com recursos oriundos, por 10 anos, de dois terços dos dízimos das igrejas existentes, à época, na velhinha urbe. 
Diz a lenda que Beja foi uma pequena localidade de cabanas rodeada por matagais e uma serpente assassina apresentava-se como um dos maiores problemas para a população, sendo que a solução do dilema passou por assassinar a serpente. O feito levou à morte de um touro que envenenado habitava com a serpente na floresta. Neste contexto, eis-nos perante o brasão da cidade onde existe a presença de uma cabeça de touro.

1ª página do jornal "República", 2 de janeiro de 1962. Recorte recolhida da Internet, com a devida vénia: Sol Sapo, 23 de fevereiro de 2017

A história do Regimento de Infantaria (RI1), em Beja, é longa e a sua origem remonta a 1648. Claro que seria demasiado fastidioso penetrarmos no campo da pormenorização. Mas há um feito de aventureirismo que marcou o Estado Novo: o assalto ao quartel, na noite de 31 de dezembro de 1961 para o 1 de janeiro de 1962.
Tinha eu 11 anos e lembro-me desse acontecimento. Morava na Rua Ramalho Ortigão nº 1, uma transversal localizada quase defronte ao quartel dos Bombeiros Voluntários de Beja cuja corporação se situa na Avenida Fialho de Almeida, uma rua que era, nesses tempos, uma das poucas vias que dava acesso ao quartel, sendo simultaneamente a estrada que ligava a velha Pax Júlia a outros pontos ao sul do país.
A missão teve como um dos principais protagonistas o capitão Varela Gomes [1924 - 2018]. O assalto ao quartel, conhecido como Regimento de Infantaria 3 (RI3), tinha como incumbência uma ação contra o Regime. 
Na aventureira intentona participaram ainda Manuel Serra, que já tinha chefiado os civis no Golpe da Sé, o major Francisco Vasconcelos Pestana, o capitão Pedroso Marques, o tenente Brissos de Carvalho e Fernando Piteira Santos.
No golpe estiveram envolvidos alguns civis e o objetivo não correu de acordo com os planos previamente delineamentos. Houve "negas" de última hora, dois mortos, ao que se soube, e o golpe falhou. O major Galapez, segundo comandante do quartel, fez resistência e Varela Gomes foi gravemente ferido.
 Com o rebentamento da guerrilha no Ultramar, primeiro em Angola. seguindo-se Moçambique e Guiné, o RI3 foi um antro onde foram depositados milhares de camaradas cujo destinou de alguns foi a Guerra Colonial. Beja apresentava-se como uma rampa de lançamento para jovens militares que tiveram como destino a Guiné.
Na década de 1960 e princípios dos anos 70, tive a oportunidade de ver magotes de rapazes que chegavam à velha Pax Júlia para se iniciarem, como mancebos, no serviço militar obrigatório.
Envergando uma farda verde, uma boina que por vezes pouco ou nada se enquadrava com o perímetro da cabeça, de cabelo rapado e calçando umas botas militares de delgada memória, o jovem, feito militar à força, passeava-se pela cidade e regozijava-se pelo estatuto de homem valente. Enchia o peito de ar e sentia-se como um herói. Por outro lado, a plebe via com alguma tristeza o futuro próximo do rapazinho recém-chegado às fileiras do exército, sabendo de antemão que o seu porvir passava consequentemente pela fatídica guerra.
Alguns arranjavam namoricos, outros madrinhas de guerra tendo em conta a sua mais que provável ida para o Ultramar, outros passeavam-se, vaidosos, pela cidade, outros encantavam-se com as suas presenças em cafés e cervejarias onde o povo amavelmente os recebia, enfim, eram os tempos de um permanente corrupio de recrutas "encaixados" em débeis fardamentos que em nada se enquadravam com o seu corpo.
Mas, o momento passava pelo enfâse no descobrir de novas paragens, sendo que no íntimo do seu ego existia quiçá a postura de um novo herói que meses depois estaria nas linhas da frente na guerra de além-mar.
E foram muitos os camaradas que passaram pelo quartel de Beja em tempo de recruta e que mais tarde cruzaram a agoirenta rota da Guiné. Muitos deles perderam a vida nas frentes de combate, outros numa infeliz situação quando nada o fazia prever, outros viram-se fisicamente debilitados, sento também muitos os que felizmente chegaram são e salvos à terra natal após um conflito armado em solo guineense, onde certamente não faltaram os refinamentos das presumíveis tenebrosidades.
Camaradas, este recuo ao passado é, tão-só, o recordar muitos de vocês que transitaram pelo então RI3, em Beja, seguindo-se uma especialidade que vos atirou, depois, para as trincheiras de uma guerrilha e precisamente numa Guiné onde as nossas memórias são, de facto, imensas.
Abraços, camaradas.
José Saúde 
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de março de  2020 > Guiné 61/74 - P20782: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (32): O tempo de serviço militar passado em Lisboa (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TSF)