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quinta-feira, 7 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18719: Ser solidário (212): Gostaria de saber as companhias que passaram e estiveram sediadas em Candamã e quando é que costumam celebrar o convívio anual (Luís Branquinho Crespo)



1. Mensagem do nosso camarada Luís Branquinho Crespo (ex-Alf Mil da CART 2413, Xitole e Saltinho, 1968/70), com data de 26 de Maio de 2018:

Meus Caros Amigos

A associação a que pertenço com alguns amigos e amigas e que constituí chamada de Associação Humanitária Para a Cooperação e Desenvolvimento, Resgatar Sorrisos, e já constituída em ONGD, iniciou em Março a construção de uma Escola para a 5.ª e 6.ª Classes em Candamã[1], junto a Bambadinca e entre esta localidade e o Xitole.

Com uma equipa de vários homens fizemos as fundações, colocámos ferro, depositámos brita, cimentámos as fundações, fizemos subir pilares e com a ajuda da população a escola vai crescendo.

Sei, porque no local ainda existem restos físicos da passagem de militares nossos pela zona (há registos gravados em pedra de por lá terem passado em 1969 os Viriatos), gostaria de saber as companhias que passaram e estiveram sediadas nessa tabanca e quando é que costumam celebrar o convívio anual e com quem posso contactar, indicando-me o nome e telemóvel ou modo de os obter.

Estou convicto e convencido que tinham todo o interesse em saber do nosso projecto e talvez até queiram colaborar.

Será que os meus amigos podem ajudar e responder informando-me do nome e dos possíveis contactos?

Aguardo pelas v/ informações.
Desde já o meu agradecimento.

Um abraço meu e o reconhecimento da
RESGATAR SORRISOS (ONGD)[2]

Atentamente
Luís Branquinho Crespo

Infografia: Projeto da escola de Candamã, Bambadinca, Bafatá, Guiné-Bissau. 
Luís Branquinho Crespo (2018)

********************

2. Ontem mesmo, dia 6, recebemos do camarada José Martins, nosso consultor para assuntos militares, a seguinte mensagem:

Boa noite 
Nas minhas notas só tenho com passagem por Candamã:

CCAÇ 1551 de Maio a Novembro de 1966
CCAÇ 1550 de Janeiro de 1967 a Janeiro de 1968
CART 2339 de Setembro de 1968 a Novembro de 1969
CCAÇ 2404 de Novembro de 1969 a Março de 1970

Sendo Candamã um destacamento de nível pelotão/pelotão reforçado, há "espaços de tempo" entre a saída e entrada de nova unidade, o que pode não ter acontecido na realidade. As minhas notas são baseadas nas informações do Volume VII da CECA, pelo que pode haver omissões. 

Nota:
Sábado é apresentado no Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes (15h30), mais um "Caderno de Estudos Leirienses", sobre a Grande Guerra, em que existem textos de, pelo menos, dois tabanqueiros, que têm ligações afectivas a Leiria. 

Abraço 
Zé Martins
____________

Notas do editor:

[1] - Vd. poste de 22 de janeiro de 2018 Guiné 61/74 - P18240: Ser solidário (209): Construção de Escola em Candamã, iniciativa da Associação Humanitária Resgatar Sorrisos (Mário Beja Santos / Luís Branquinho Crespo)

[2] - Vd. poste de 24 de fevereiro de 2018 Guiné 61/74 - P18351: Ser solidário (210): A ONGD Resgatar Sorrisos apresenta-se à Tabanca Grande e agradece desde já quaisquer apoios para poder construir a escola de Candamã (, no antigo subsetor de Mansambo) (Luís Branquinho Crespo)

Último poste da série de 14 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18414: Ser solidário (211): Concentração cívica (hoje, 4ª feira, às 18h00, no antigo Hospital Militar Principal, Estrela, Lisboa) e petição pública a favor do apoio social e clínico aos militares e seus agregados familiares, incluindo os antigos combatentes da Guerra em África

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)



Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias". Leiria, Textiverso, 2017, 181 pp. (Prefácio de António Graça de Abreu). [Preço, com envio através do correio: € 15,80 já com portes, podendo esse valor ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3.]



1. Esta é a viagem que muitos daqueles de nós, que estivemos na Guiné, entre 1961 e 1974, gostaríamos de ter feito (ou ainda fazer) no tempo útil das nossas vidas… E este é o livro que gostaríamos de ter escrito (ou ainda escrever), no regresso a casa…

”Turismo de saudade ?”… Não, não gosto do termo. Prefiro antes, talvez, expressões como “fazer o ajuste de contas com o passado”, “exorcizar os fantasmas da guerra colonial na Guiné”, “recompor o puzzle esburacado da memória”…

Quarenta anos depois de regressar a casa, são e salvo, mas provavelmente com a morte na alma, como muitos de nós, o advogado leiriense Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 54 (Xitole e Saltinho, 1968/70), voltou aos lugares onde deixou a sua juventude. Foi lá que completou os seus 25 anos, em 22 de dezembro de 1969.

Como muitos outros ex-combatentes que seguiram as mesmas peugadas, voltando à Guiné (uma, duas, três e até, nalguns casos, em missões humanitárias ou não), o autor partiu de avião e voltou por terra, de jipe, com mais dois ex-camaradas, em março de 2010. Atravessou sete países: Guiné-Bissau, Senegal, Mauritânia, Sará Ocidental, Marrocos, Espanha e Portugal. 

Convenhamos que foi uma aventura com alguns riscos calculados… Sete anos depois deu à estampa este livro de 181 páginas, e 21 capítulos. Não é um romance, não é um diário, não é uma crónica de viagem, não é uma biografia, não é um ensaio, não é um documento memorialístico, não é um longo poema, não é um solilóquio… É tudo isto um pouco, é algo mais, é uma mistura de géneros. É também uma ponte lusófona entre dois povos cujos destinos a história aproximou e afastou…

O jurista não matou o poeta da juventude (“Cidade sem fim”, Leiria, 1963). Como também o ex-combatente não impediu o viajante de redescobrir os cheiros e os sabores da “primeira vez“, nem o homem de sentir empatia e compaixão pelos guineenses de ontem e de hoje e de tentar compreender, mais do que explicar, os erros, os bloqueios, os paradoxos e as perplexidades do presente que estão a hipotecar o futuro da Guiné-Bissau.

Não sei qual foi o “making of” deste livro. Mas imagino: o autor deve ter feito o seu “diário de bordo”, além do “registo fotográfico” desta viagem de regresso à Guiné que em grande parte compartilhou com mais dois ex-combatentes, a par de pesquisas no nosso blogue e exploração de outras fontes.

Luís Branquinho Crespo coloca-se decididamente na pele de “viajante” e não de “turista”. Citando Paulo Bowles, uma viagem “é sempre uma experiência íntima” (p. 27). E, como alguém disse, e eu gosto de repetir, um turista é uma espécie de “estúpido em férias”: não vai à descoberta, vai para onde lhe mandam, com tempo e hora marcada...

Para se sentir mais confortável na elaboração da narrativa dessa experiência única (que é voltar à terra onde se viveu e combateu durante quase dois anos, a milhares de quilómetros de casa), ele coloca-se na pele de uma personagem, o Carlos Viegas, hoje contabilista, e que vivia em São Martinho do Porto, Alcobaça, à data da sua mobilização para a Guiné. É, obviamente, o “alter ego” de Luís Branquinho Crespo. De jipe, a que ele chama “toca-toca”, vai percorrer grande parte da Guiné, de Bissau ao Saltinho, com incursões pelo leste (Xime, Bambadinca, Bafatá, Xitole), pelo sul (Contabane, Mampatá, Quebo, Guileje, Cacine) e pelo norte (Varela).

O mesmo “toca-toca” levá-lo-á de regresso a casa, com mais dois companheiros de aventura: o Joaquim (que é o “retrato físico e psicológico” do nosso conhecido António Camilo, comerciante em Lagoa, a quem a revista "Visão" chamou o "o bom gigantye") e o Xavier (de quem se sabe pouco: é enfermeiro em Montemor-O-Novo)… Três almas inquietas, divididas entre o passado e o presente, exorcizando velhos e novos fantasmas..

Esta trilogia, com mais alguns personagens secundários mas fortes (a Fá de Varela, o Braima Bá, o Matias, a Maria, o António Pouca Sorte, o Aníbal do Pelicano, o Dauda, o Tchuto Axon, o Pepito de Iemberém…), podia ser a base da arquitetura de um poderoso romance, se o autor quisesse (e pudesse) enveredar pela ficção… Se o pano de fundo da história fossem os náufragos do império e da luta de libertação…

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no livro que me ofereceu.

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no exemplar do  livro que me ofereceu.(*)

Tinha feito uma primeira leitura em diagonal do livro, quando me chegou à mão, pelo correio, amável oferta do autor. Só há dias o li, na praia, de uma só penada, numa tarde.

2. Na realidade, é uma narrativa que nos toca e nos agarra, àqueles de nós que conheceram a Guiné, a de antes e/ou a depois da independência. O meu destaque vai para dois ou três capítulos fortes: cap 7. António Pouca Sorte; cap 13. ‘A gente tem a alma aberta como ostra comida’; cap 19. Janela do tamanho de porta de partida… É tudo horizonte… E, depois do horizonte, horizonte há…

O António Pouca Sorte, “mais preto que branco”, nascido na serra do Caldeirão em 1965, é uma história de vida pungente, de um homem, fugido à justiça portuguesa, que acabou por se perder pelos matos, bolanhas e rias da Guiné, um tangomau ou lançado dos tempos modernos, sem identidade nem memória (cap. 7).

O dramático relato do Braima Bá é o de um homem que, tendo servido o exército colonial, desde 1964 até ao fim da guerra (, onde acaba integrado no batalhão de comandos africanos), e que vai conhecer “o corredor da morte” do Cumeré, a fuga, o exílio, o opróbio, e que no final da vida ainda tem “a alma abertu suma ostra ora ku i kumedo” (p. 116) (cap. 13).

Por fim, no regresso a casa (cap. 19), Carlos, Joaquim e Xavier visitam a ilha de Goré, em frente a Dacar, capital do Senegal, e obrigatoriamente a casa dos escravos: “por ali passaram 12,5 milhões de homens na direcção das Américas por uma porta estreita que só para o mar” (p. 151)… “Ao Carlos, ao Joauqim e ao Xavier a palavra tornou-se muda e tolda-se-lhes a vista e as pernas tremiam-lhes: quem ali não se lembra de Auschwitz, Birkenau, Bremem, Essen, Treblinka”… (p. 151 “Os negreiros árabes ali os descarregavam” (p. 152)…”Ali está uma parte da miséria da humanidade” (p. 153)…

[A ilha de Gorée está classificada pela UNESCO como património mundial da humanidade´e foi recentemente visitada, incluindo a Casa dos Escravos, pelo nosso Presidente da República em visita oficial ao Senegal].

(Continua) (**)
_______________


2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presença do Presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

18 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

(**) Último poste da série > 4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17648: Notas de leitura (983): Um belo conto de Abdulai Sila, “O Reencontro” (Mário Beja Santos)

terça-feira, 6 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17437: Notas de leitura (965): Guiné: um rio de memórias, "alegres e doridas"... Porque regressar é preciso: "costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente"... E quem o reafirma é o Luís Branquinho Crespo, que lá voltou quarenta e tal anos depois...



Dedicatória autografada para o nosso editor: "Para Juís Graça, aqui lhe ofereço estas memórias da Guiné, alegres e doridas. [Luís Branquinho]. 17.05.2017"



Contracapa: texto e  foto do autor


Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias".
Leiria, Textiverso, 2017. 


O autor escreveu a seguinte dedicatória no livro: 

"A todos os que ficaram para lá do mar como o Braima Bá e o António Pouca Sorte", duas figuram que personificam aqui os perdedores de todas as guerras. 





Ficha técnica do livro do nosso camarada Luís Branquinho Crespo, “ Guiné – Um Rio de Memórias” . Preço, com envio através do correio: € 15,80 já com portes, podendo esse valor ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3.






1. Excerto, com a devida vénia ao autor e editor, das pp. 95/96. Dá para perceber o estilo incisivo,  seco, frases curtas, às vezes quase telegráficas,  de repórter à Hemingway, do nosso Luís Branquinho Crespo que regressa à Guiné em 2010, mais de quarenta anos depois de ter feito a guerra como alf mil, na CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70). (É advogado desde os anos 70, em Leiria, e passou recentemente a integrar a nossa Tabanca Grande, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 744).

É um livro que se lê num fôlego: 21 capítulos, não chega às 180 pp. Veja-se o índice, e logo um "rio de memórias" começa a fluir, nomeadamente para aqueles, como eu conheceram, no leste, o setor L1, o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole... e lidaram quase dois anos com as gentes da Guiné, na paz e na guerra...

Veja-se como o autor, numa pincelada magistral, descreve a aproximação de uma "mulher grande" até ao jipe dos viajantes: " (...) o Carlos, que ia na parte de trás do Toca-Toca, viu-a chegar com aquele jeito manso, bamboleante e sorridente, com que as mulheres do mato, em pose erótica e alegre, sabem dar ao corpo" (p. 95).

É um livro que deve ser lido neste verão, tempo propício para os viajantes, os que partem,os que regressam, por todos aqueles nossos camaradas que já voltaram à Guiné e por todos aqueles que não tencionam, por esta ou aquela razão, lá voltar. Ou que nunca pensaram sequer nessa possibilidade.

A viagem de Carlos Viegas ("alter ego" do autor),  Xavier e Joaquim  termina com esta frase, que tem muito de sabedoria popular e de verdade psicofisiológica: "Costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente" (p.175).

Estou grato ao autor pelo envio deste exemplar autografado. Prometi fazer-lhe, com tempo e vagar, uma mais detalhada nota de leitura, complementando a já feita, "just in time", pelo nosso crítico literário, o Mário Beja Santos, e outras que entretanto possam aparecer. ( **).

Obrigado, Luís, por estas memórias "alegres e doridas" da "nossa" Guiné...  A viagem segue dentro de momentos, por que ao fim e cabo a vida não é mais do que uma viagem pela "picada fora"...  (LG).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série > 5 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Luís Branquinho Crespo tinha fundadas razões para regressar ao Xitole e ao Saltinho. Não é uma viagem solitária, vem em grupo, concede a este um papel subalterno, a romagem pertence-lhe, encontrar-se-á com gente abandonada, um guineense que combateu do lado português e um português que anda por ali aos tombos, não muito conformado mas resignado à, procura de raízes.
Acima de tudo, o que comove da leitura de um texto despretensioso é a entrega da intimidade, onde os pontos mais altos da chamada literatura dos regressos.

Um abraço do
Mário


Tem mais dores aquele que nunca regressa completamente

Beja Santos

Meu prezado Luís Branquinho Crespo,
Agradeço-lhe do coração o envio que me fez do seu livro que li com natural emoção. Nesse ano de 2010, ambos visitámos a Guiné, o Luís ansiava chegar ao Xitole e ao Saltinho, o meu “chão” era o Cuor e também Xime-Bambadinca, foi neste território que vivi 25 meses a fio; seguramente que nos cruzámos, já que vivemos por ali entre 1968 e 1970, Bambadinca era o nosso posto de abastecimento e quando fui viver para Bambadinca, em Novembro de 1969, pelo menos comandei três colunas ao Xitole, certo e seguro cruzámos as nossas vidas. De tal modo, que em 2010 percorri Bambadinca a Xitole, lendo o que escreveu tudo se reavivou na minha memória. Independentemente do prazer que tive em ler o seu livro, que tomei por um despretensioso bloco de notas de impressões de viagem a um retorno tão desejado, não tenho palavras para lhe agradecer o encontro de memórias que me proporcionou. Vamos agora especificamente ao seu livro “Guiné, Um rio de memórias”, que o nosso blogue tão justamente tem referido(1). Primeiro, fez bem, muito bem mesmo, em arquitetar Braima Bá e António Pouca Sorte, náufragos numa guerra e num país novo, que teve uma alvorada promissora e hoje depende de doadores e de um terrível noticiário que mete drogas e governos que não pode governar. As suas memórias inscrevem-se naquilo que Margarida Calafate Ribeiro crismou de literatura de regressos, e tem razão, o que ali aconteceu foi um dos marcos miliários que fez do menino um homem, e todas aquelas experiências foram decisivas, calejaram antigos combatentes em pessoas preparadas para destrinçar com mais rapidez entre o essencial e o acessório.

Segundo, gosto muito da sua viagem com seres humanos que não ter responsabilidade no seu regresso, fez bem, igualmente, em desenhá-los como turistas ou acompanhantes das alegrias e dores do regresso. E usou da simplicidade recordando a Bissau do seu tempo e a Bissau de 2010. Assim chegamos ao encontro com Braima Bá, ele tem muito para contar, fez muitos anos de guerra, fugiu ao terror das matanças da tropa africana que acreditou em Portugal, a despeito de um ódio velho Braima irá mostrar que está do lado da nação guineense, no conflito político-militar de 1998-1999. O quadro da guerra de guerrilhas e o que se passou depois da independência está resumido, parte-se para o Saltinho, anseia-se pelo Corubal.

Terceiro, tece-se no seu rio de memórias uma ida a Guileje e o encontro com António Pouca Sorte, alguém que tentou triunfar nos negócios em Portugal e na Guiné e que vive agora num rio de esquecimento, é imagem de tanta peregrinação de alguém que já não sabe qual a certeza do lugar em que vive. Quem viaja consigo percorre outros lugares, como Bambadinca, mas é o Xitole e o Saltinho os pontos fulcrais da sua literatura de regressos, aí serão retomadas as dores da guerra, a que chama labaredas lembranças, a invocação dos mortos, como se mobilava a solidão naqueles lugares ermos. A contrastar as emoções, o ver como esse mundo se desmoronou, casas em ruínas, ruínas do quartel do Xitole e ali mesmo a decomposição da autoridade do tempo presente, como anotou: A casa dos sargentos era, agora, o posto de polícia do Xitole, onde vivia um que fazia de polícia e tinha acabado de se levantar.

Fazia de conta que era a autoridade. De manhã e à tarde apresentava os olhos cheios de remela e continuava sem fato apropriado, nem boné, nem relógio que lhe comandasse o início de qualquer serviço. Com a irregularidade de se apresentar ao serviço não tinha nem podia ter alguma autoridade. Vestia calções, tufados, velhos e sujos e calçava sapatilhas desbotas na cor e muito usadas”.

Haverá mais observações sobre estados de ruína. E viaja-se até ao Saltinho, pressente-se que o coração anda alvoratado, são lembranças fortes.

Quarto, finda a romagem, há que fazer conceções ou turismo, viagens a Bafatá e a Buba, mas ainda um regresso ao Saltinho, volta-se a falar de Braima Bá e dos fuzilamentos dos Comandos, das operações que ambos viveram, cabe a Braima Bá o relato do fim da guerra e o desabafo de que não houvera reconciliação entre guineenses, continuam zangados, guardam velhos ajustes de contas, de prepotências e traições. Em dado momento, o bloco de notas faz-se uma enorme reflexão sobre o passado e o presente da Guiné, um belo texto.

Quinto, agora começa a viagem de regresso por terra, ao longo do Senegal, da Mauritânia, atravessasse o território Sarauí, mais à frente Marraquexe, depois de outras paragens chega-se a Portugal, os turistas irradiam para os respetivos poisos. E no termo da viagem o narrador despede-se de si e dos outros escrevendo: “Costuma dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente”. Às vezes questiono quais as grandes categorias de motivações para se fazerem estas viagens: ajuda humanitária para um povo amável, a quem apraz a nossa presença e o nosso cuidado; o regresso aos locais onde se cresceu e onde se deixaram fidelidades; o sentido da visitação para encontrar ambientes que para muitos foi uma autêntica descoberta de um continente, com aqueles cursos infindáveis de água, um tempo radicalmente divido em duas estações, os assombros dos tornados, das trombas de água, dos solos lunares… E junta-se o pretexto para encontrar gente que combateu ao nosso lado. Seja qual for a motivação dominante, racha o coração aproximarem-se de nós a pedir pensões, a pedir empregos em Portugal, para trazermos os filhos, para aqui estudarem ou serem futebolistas, estenderem a mão a pedir uma magra ajuda, porque se passa fome. Se somos fracos, se já nos informaram o que nos espera, negamos o propósito do regresso; se ali combatemos verdadeiramente ao lado de quem em nós confiou de pedra e cal, é inevitável o regresso, há quem confie que é uma honra merecida ali chegarmos com um beijo, um afago, o peso etéreo de um abraço que vale milhões de palavras. Também por isso se honra o passado comum lavrando estas memórias.
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Notas do editor

(1) - Vd. poste de 21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presena do presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

Último poste da série de 29 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17406: Notas de leitura (962): “Arcanjos e Bons Demónios, Crónicas da Guerra de África 1961-75”, por Daniel Gouveia, 4.ª edição, DG Edições, 2011 (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 21 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presença do Presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente


Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias".
 Leiria, Textiverso, 2017


Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > Da esquerda para a direita, eng Carlos Fernandes, escritor,especialista em história local e regional (ele próprio natural das Cortes, tal como o Branquinho Crespo, e aqui presente na qualidade de editor),  o  dr. António Graça de Abreu, apresentador da obra, o  dr. Luís Branquinho Crespo, autor, o  dr. Raul Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria,  e José Cunha, presidente da União de Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes



Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) >  O  dr. Raúl Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria,   ele próprio antigo combatente na Guiné, aqui no uso da palavra. (Nasceu em Abrantes, em 1948, é presidente da autarquia leiriense , desde 2009).


Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > O eng Carlos Fernandes, representante da editora,  no uso da palavra.



Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > O dr. António Graça de Abreu, membro da nossa Tabanca Grande, apresentador da obra, e o  dr. Luís Branquinho Crespo, autor.


Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) >  Aspeto da assistência


Leiria > Celeiro da Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > Sessão de autógrafos, com o Luís Branquinho Crespo, à direita. (Ex-alf mil, CART 2413, Xitole e Saltinho, 1968/70, advogado em Leiria, passou a integrar a nossa Tabanca Grande desde 18/5/2017, com o nº 744).

Fotos : © Luís Branquinho Crespo (2017). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem, de 18 do corrente, emviada pelo António Graça de Abreu,membro da nossa Tabanca Grande;


Meu caro Luís:

Segue o meu prefácio às "Memórias" do Luís Branquinho Crespo.

Na apresentação do livro, baseei-me neste meu texto, mais umas notas e improvisos. Saímo-nos todos muito bem, para uma sala cheia, aí com 60 pessoas. 

Para publicar no blogue, faltam as fotos do acontecimento. Espero que o Branquinho tas envie em breve. Esteve lá o Presidente da Câmara, dr. Raul Castro, nosso camarada da Guiné, e mais gente grada e de qualidade, de Leiria e arredores.

Este mail também vai para conhecimento do Branquinho Crespo.

Abraço amigo,
António Graça de Abreu


2. Guiné: um rio de memórias, de Luís Branquinho Crespo (Leiria, Textiverso, 2017) > Prefácio de António Graça de Abreu 

Nós todos, ex-combatentes na guerra da Guiné, apanhados na verdura dos anos pelas convulsões do fim do império, somos hoje pacatos cidadãos com bonitas idades entre os sessenta e muitos, setenta e os oitenta anos. Temos trajectórias sinuosas e extremadas por bolanhas, tarrafos, florestas e rios dessa fantástica terra verde e amarela onde delapidámos e construímos os dias, e que permanece em nós, na memória serena ou exaltada de um passado como pequenos ou grandes guerreiros numa guerra que aparentemente nada tinha a ver connosco, mas onde fomos dignos portugueses, como sempre dando corpo a uma enorme e implacável gesta, com séculos de história, eivada de heroicidade, medos e loucura.

Alguns de nós temos tido a ventura de, quase cinquenta anos depois, regressarmos aos lugares onde derramámos sangue, muito suor e algumas lágrimas, onde assumimos uma vez mais este singular sortilégio de um povo estranho e excelente a quem, como recordou o padre António Vieira, já em 1670, “Deus deu pouca terra para o nascimento e tantas outras para a sepultura; para nascer pouca terra, para morrer, toda a terra; para nascer Portugal, para morrer, o mundo.” [1]

Os livros de memórias, diários, relatos factuais escritos pelos velhos combatentes das guerra de África (1961-1974) continuam a aparecer regularmente nos escaparates das livrarias sempre com novas abordagens, objecto do entendimento de cada um, em retratos exemplares de um passado distante mas que continua vivo, está no tutano dos nossos ossos e só se extinguirá quando levarmos connosco para uma outra vida os retratos esfusiantes da nossa quase meninice, com uma espingarda nas mãos, os olhos tracejados a sangue e o esvair de mil sonhos.

Quanto ao conflito bélico, no que à antiga Guiné Portuguesa diz respeito, todos os que por ela passámos, somos porventura os eleitos dos deuses da guerra, pelo extremar das situações de combate, pela inclemência de um clima hostil, pela dificuldade de inserção do nosso combatente num quotidiano onde as chagas e o sofrimento corriam em catadupas, onde, contraditório como tudo o que a Portugal costuma dizer respeito, acabámos por encontrar a harmonia possível, o entendimento fraterno com os nossos camaradas de armas e com as populações nativas. Foi a quase mágica adaptabilidade portuguesa, experimentada, testada pelos quatro cantos do mundo, essa capacidade de inventarmos mais vida, de estarmos de bem connosco e com as mais desvairadas gentes a quem, por tantas singulares razões, ligámos a nossa existência.

O Luís Branquinho Crespo, na tropa, em 1964
Luís Branquinho Crespo é um dos nossos, um excelente oficial miliciano na Companhia de Artilharia 2413 que fez a guerra da Guiné aquartelada no Xitole e depois no Saltinho, terras do interior do território guineense, entre 1968 e 1970.

Ao publicar agora o seu livro Guiné, Rio de Memórias, Branquinho Crespo desdobra-se em descrições iluminadas sobre esse período único da sua vida. Logo nas primeiras páginas temos o relato emocionado da despedida de Carlos Viegas, o alter ego que o autor utiliza como nome nestes textos, ao despedir-se da sua mãe, uma senhora rasgada pelo sofrimento da partida para a guerra do seu filho querido, agarrando-se ao estribo do comboio “branca, lavada em lágrimas e contendo as golpadas da dor da despedida num silêncio que lhe gritou dentro do peito. Tinha a alma cheia de labaredas, como a flor da blusa.”

Esta mãe, é por certo a mãe de todos nós, os que um dia partimos para a guerra da Guiné.

Mas este livro de Luís Branquinho Crespo, ao contrário do que eventualmente possa parecer, não corresponde apenas a um caudal de memórias sobre um passado cada vez mais distanciado das nossas vidas.

Luís Branquinho Crespo, em 2002,
com 57 anos
Branquinho Crespo regressou à Guiné em 2010 para, de bem com a sua consciência, de bem consigo próprio, recordar o passado e empreender depois uma fascinante viagem por terra,
de volta a Portugal. Nesta sua obra mostra-nos um pouco das realidades da Guiné-Bissau, do dia a dia do país trinta e sete anos após a independência, com todos os problemas subsequentes a uma má descolonização e aos quase permanentes conflitos internos numa terra já soberana e dona do seu destino.

O autor lembra a tragédia dos fuzilamentos, em 1975, de centenas e centenas de guineenses que combateram na guerra ao lado das tropas portuguesas. Conversa com um africano que a quase tudo assistiu e que se refere aos homens “descarregados vivos e nunca mais ninguém os viu. Percebes? Nunca mais foram vistos, mas todas noites acordam comigo.” São marcas terríveis num filho da Guiné.

Nas suas andanças recentes pelas terras guineenses, Luís Branquinho Crespo encontra uma figura de português exemplar, de seu nome ou alcunha António Pouca Sorte, homem do barrocal algarvio, expatriado na Guiné-Bissau pós-independência, por obtusas razões, impossibilitado de voltar a Portugal e que se começa a esquecer gradualmente da pátria portuguesa. Depois de 17 anos de vida na Guiné-Bissau, quando perguntado “Afinal o que se passa contigo?” António Pouca Sorte responde: “Eu sou como a Guiné, o meu nome é todo o mundo me esquece.”

Como referi, Branquinho Crespo fez a viagem por via terrestre no regresso da Guiné-Bissau a Portugal, no ano de 2010, num jipe com mais dois amigos através da Guiné, o Senegal, a Mauritânia, o antigo Sahara Espanhol, Marrocos, Espanha e finalmente Portugal. Foram quase cinco mil quilómetros de jornada pelas franjas marítimas do deserto do Sahara, por terras abrasadas pelo calor, distantes de tudo excepto do coração dos raros homens que por aí viajam, se reencontram e em solo quente e inóspitos retalham pedaços de vida.

Este “Guiné, Rio de Memórias” transforma-se então num livro de viagens, entrelaçando ficção e realidade no exaustivo jornadear, de terra em terra, de floresta em floresta, de deserto em deserto, desde a Guiné-Bissau até à “doce pátria” lusitana. São páginas curiosíssimas que se lêem com espanto, numa escrita rica, acutilante, descomplexada mas intensamente trabalhada. De resto, o autor escreve todo este livro com uma limpidez e uma qualidade rara nestas obras que vão sendo publicadas sobre as nossas guerras em África.

Em Goré, no Senegal, ao encontrar os antigos entrepostos de escravos que no passado eram levados para as américas em condições infra-humanas na travessia do Atlântico, Branquinho Crespo debruça-se sobre o infamante comércio de escravos e fala-nos nos “negreiros árabes que ali os descarregavam, depois de terem desbastado à catanada todos os que estivessem cansados (…) Impressionante o número dos que por aquela janela, aquela porta de saída tinham partido. E os que morreram? E como morreram? E como sofreram antes de morrer? E os lançados ao mar? (…) Vão lá e digam o que vão sentir. Ali está uma parte da miséria da humanidade. No meio daquelas cores quentes sente-se frio, muito frio. Tanto frio.

E apenas três almas portuguesas, de jipe, para atravessar o Sahara.”

Guiné, Rio de Memórias, o livro de Luís Branquinho Crespo é uma obra sobre um regresso a África. Mas como recorda o autor “nunca se regressa completamente”, a Guiné da nossa vida de quase meninos, no calor da guerra, no calor do tempo, no calor da fraternidade entre todos, permanecerá dentro de nós, para sempre.

Essa terra onde, como o autor escreve, “a ideia de Estado é uma coisa vaga ou desconhecida. Aliás na Guiné existe Nação, o que parece um contrassenso, mas é assim mesmo. E o Estado está a nascer ou vai nascendo. Ou nunca mais nasce. Ou vai morrendo, mas ainda está imberbe e não é recomendável. Talvez tudo isto espante, mas é verdade.”

E no entanto este livro é igualmente uma obra de confiança nas sinuosidades do comportamento humano, também de crença num futuro melhor para as multifacetadas gentes da Guiné-Bissau que como recorda Branquinho Crespo “Tem uma população jovem alegre, disponível e apesar de tudo cheia de esperança. E vai mudar, começa a haver sintomas de que algo vai mudar. Vão, vejam, sintam.”

Que se cumpram os bons augúrios de Luís Branquinho Crespo nessa espantosa terra verde e amarela, a que todos nós, ex-combatentes na Guiné-Bissau estamos ligados pela memória que nos circula no sangue e no bater ritmado do coração. (**).

António Graça de Abreu

[1] Padre António Vieira, Sermão sobre a fama de Santo António, a 13 de Junho de 1670, em Roma.


3. Onde e como adquirir o livro:

O  livro pode ser pedido à editora que tem a seguinte direcção:

Textiverso, Unipessoal, Lda
Rua António Augusto Costa, n.º 4
Leiria Gare
2415-398 LEIRIA
Contactos telefónicos:
244 - 881 449
966 739 440

E também ao autor:

Luís Branquinho Crespo

Largo da Infantaria 7, n.º 129 - 1.º Andar
2410-111 LEIRIA
Contactos telefónicos
244 843 270
918 353 265

Os interessados não se esqueçam de indicar a direcção...

O livro “ Guiné – Um Rio de Memórias” importa no valor de € 15,80 já com portes e esse valor pode ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3

Caso pretendam pagar por cheque pode ser enviado para qualquer uma das direcções acima indicadas,

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)


1. O Luís Branquinho Crespo é o novo membro da nossa Tabanca Grande. Passa a sentar-se, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 744. 

Formalizamos deste modo a sua entrada nesta comunidade virtual de camaradas e amigos da Guiné (*). Tínhamos prometido apresentá-lo no dia 11 do corrente. Ele, por sua vez, ficou de nos enviar duas coisas: (i) as duas fotos da praxe, uma atual e outra do tempo da tropa; e (ii) o texto da apresentção do seu livro, que esteve a cargo do nosso camarada António Graça de Abreu.

O nosso grã-tabanqueiro é do tempo do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), esteve no sector L1, na zona leste, no Xitole e Saltinho, como alferes miliciano, na CART 2413.

Sobre esta subunidade temos poucas (13) referências no nosso blogue... Os elementos a seguir discriminados foram-nos fornecidos pelo nosso colaborador permanente José Martins. Muito sumariamente diremos então que a CART 2413:

(i) foi mobilizada Eegimento de Artilharia Pesada nº 2, instalado na Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia;

(ii) foi inicialmente comandada pelo cap art Raul Alberto Laranjeira Henriques, sendo substituido,
pelo cap inf José Medina Ramos;

(iii) tinha como divisa “Nova Onda”;

(iv) embarcou para a Guiné em 11 de agosto de 1968, chegando a Bissau no dia 16 desse mês;

(v)  fez em  Fá Mandinga, a IAO (Intrução de Aperfeiçoamento Operacional), ainda ao tempo do BART 1904;
(vi) participou em m operações nas zonas de Nova Lamego e Cabuca;

(vii) a 12 de setembro de 1968 desloca-se para o sector Xitole, para sobreposição com a CART 1646, tendo assumido a responsabilidade desse subector em 18 de setembro;

(viii)  desloca um pelotão para o Saltinho, ao mesmo tempo que fica integrada no dispositivo de manobra do BCAÇ 2852;

(ix) em 25 de eevereiro de 1969,  com a criação do subsector do Saltinho, foi o pelotão, da CART 2413, substituido pela CCAÇ 2406;

(x) durante alguns períodos e por tempo variável, deslocou pelotões para guarnecer os destacamentos de Quirafo, Sinchã Maunde Buco, Cambassé, Sinchã Madiú e Tangali;

(xi) nos finais de abril de 1969, passou a deslocar um pelotão para a ponte do rio Pulon, também conhecida como como Ponte do Fulas (não sabemos a razão da designação);

(xii) ter,minada a comissão, foi rendida pela CART 2716, em 7 de junho de 1970, tendo recolhido a Bissau, de onde embarca para a metrópole em 18 de junho.

Portanto, a  CART 2413 estava adida ao BCAÇ 2852. Sabemos que foi rendida pela CART 2716 / BART 2917 (1970/72), a que pertenceu, entre outros, o nosso David Guimarães. Mais tarde, hão de passar pelo Xitole os nossos camaradas Francisco Silva, Joaquim Mexia Alves, entre outros, da CART 3492... E ainda temos o José Zeferino, alf mil da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74), que fechou a guerra, com 2 mortos, 15 de maio de 1974, se não erro...
De qualquer modo, os "periquitos" da CCAÇ 12 [ou CCAÇ 2590] cruzaram-se com os "velhinhos" da CART 2413...Fizemos colunas loucas, no 2º semestre de 1969 para levar a "bianda" aos camaradas de Mansambo, Xitole, Saltinho... E operações no mato... Foram anos loucos, os de 1969 e 1970. Estou-me a lembrar da Op Bodião em fevereiro de 1970. Não sei se o Luís Branquinho Crespo participou nessa operação ou se, nessa altura, estava destacado.


2. Sobre  Luís Branquinho Crespo podemos repetir aqui o que já dissemos sobre ele e que vem, de resto, na sua página no Facebook;  

(i) nasceu em Leiria, na freguesia das Cortes; (ii) andou na Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo (Leiria); (iii) estudou em Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo completado o curso em Lisboa; (iv) pelo meio, fez a triopa e a guerra colonial na Guiné, com o poste de alf mil, (v) vive em Coimbra e é advogado em Leiria.

É, além disso, autor do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017), lançado recentemente (**).

Talvez os camaradas, mais velhos,  do tempo do BCAÇ 2852, tal como o Jaime Machado, o Torcato Mendonça ou o Beja Santos... se lembrem do Luís Branquinho Crespo...Se não erro, será o primeiro camarada da CART 2413 a integrar a nossa Tabanca Grande. 

Sobre o Xitole temos 196 referências, menos do que sobre Mansambo (332), Xime (367) ou Bambadinca (574) mas mais do que sobre o Saltinho (108).

O Luís é, naturalmente, bem, vindo à nossa Tabanca Grande.  E fazemos votos para o seu livro seja um sucesso, Aguardemos mais notícias suas e, naturalmente, também histórias do seu/nosso tempo.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: da Ponta Brandão a Cansamba




Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Galomaro >  Setembro de  1969) >  Foto tirada na tabanca em autodefesa de Cansamba. A  bajuda estava a bordar. Quando  me preparava para lhe tirar a foto,  pediu-me que esperasse um pouco e foi ao interior da morança. Pensava eu que ia tapar os seio mas não, foi pôr o lenço na cabeça.



Foto nº 1 > Bambadinca, setembro de 1969: as (e)ternas crianças



Foto nº 2 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (1)


Foto nº 3 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (2): a arte de rapar a cabeça



Foto nº 4 > Bambadinca, cais do rio Geba (1): lá como cá, "trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco", diz o provérbio popular


Foto nº 5 > Bambadinca, cais do rio Geba (2)


Foto nº 6 > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (1)


Foto nº 6 A > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (2)



Foto nº 7 > Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Amedalai, setembro de 1969: o pilão e o trabalho infantil



Foto nº 8 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Ponta Brandão,  fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2ª cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), na psico. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968/fevereiro de 1970):

[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



II  Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852 

Novembro de 1968

Op Hálito

Iniciada em 11, às 5h00,  com a duração de 2 dias e com a finalidade de detectar elementos IN,  e efectuar uma coluna de reabastecimentos à xompanhia aquartelada no Xitole. Tomaram parte na Operação:

Cmdt – Cmdt BCAÇ 2852 [Bambadinca]

Dest A – CART 1746 a 2 Gr Comb  [Xime] + CART 2339 a 3 Gr Comb [Mansambo]

Dest B – CART 2413 a 2 Gr Comb [Xitole] +

PEL CAÇ NAT 53 [Bambadinca]

1 Gr Comb  Ref CMD AGR 1980 [Bafatá]

3 ESQ PEL REC DAIMLER 2046 [Bambadinca]

1 ESQ PEL MORT 1192 [Bambadinca]

1 SEC MIL

Consistiu esta Operação no Reabastecimento do Xitole  utilizando o itinerário Bambadinca / Mansambo / Xitole, fazendo-se a travessia do Rio Pulom,  utilizando uma jangada e 4 barcos de borracha.

Foi necessário desobstruir o itinerário das abatizes, fazendo-se a transposição dos reabastecimentos das 10h30 às 14h00. A esta hora iniciou-se a retirada sendo as NT emboscadas por duas vezes por um grupo de 40/50 elementos, sendo a primeira com accionamento de mina A/C, causando 1 morto 12 feridos às NT e 1 desaparecido além de uma viatura danificada.

Apesar de ser a primeira vez que os militares deste Pelotão tinham contacto com o IN,  demonstraram mesmo assim uma calma, uma presença de espírito e um controle de fogo dignos de assinalar.

As NT chegaram a Mansanbo pelas 19h00, donde recolheram a Bambadinca.

Ainda no mês de novembro de 1968, efectuou vários patrulhamentos em itinerários do regulado do Cossé [, setor de Galomaro,] onde se tinha manifestado uma violenta acção IN contra a tabanca de Mussa Iero a qual fora incendiada.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlad pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

 Havia uma outra, em Bambadinca (diz a história do BART 2917, mas eu nunca soube onde ficava exatamente). Os balantas adoravam aguardente de cana. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana e de uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).

Uma destas duas destilarias pertencia à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento; ao que parece, foi preso, torturado pela PIDE e condenado a dois anos de prisão (,era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências; conheci-o em Lisboa, em 2008, afastado da vida política; é uma pena se não escrever as suas memórias; tem um filho bancário). 

Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota que o foi visitar, à sua ponta, em Bambadinca, já depois da independênca (Carlos Frota: Guiné: turras e tugas. JTM - Jornal Tribuna de Macau, May 2, 2013), de que se cita o seguinte excerto:

" (...) Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida." (...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

PS - O Carlos Frota (, atual embaixador de Portugal na Indonésia,)  ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC,  e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12260: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (4): A caminho do Xitole, 26 anos depois

1. Quarto episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU


A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

4 – A CAMINHO DO XITOLE, 26 ANOS DEPOIS

No Capé, bem cedo, preparámo-nos para a viagem ao Xitole.
Viatura pronta, almoço piquenique na mala térmica para um dia inteiro “fora de casa” e lá partimos para uma visita cheia de incógnitas e de muita ansiedade.

Vinte e seis anos depois estava a caminho dos locais em que vivi os momentos mais marcantes e sofridos do meu percurso como ser humano. Ia levantar a poeira das memórias, ia rever um filme cujo enredo conhecia, mas cujo cenário e figurantes eram agora uma interrogação.

Atravessámos Bafatá. A partir daqui a estrada era alcatroada mas, a espaços, muito maltratada. Pela frente ficava Bambadinca. Aqui esteve sediada a CCS do BART 2917 a que pertencia a “minha” CART 2716. Em toda a comissão, só passei por Bambadinca de e para Bissau ou Bafatá e, este não era o momento para me deter por aqui.
Seguimos o nosso caminho e vos confesso que, ao atravessar Bambadinca, talvez pela presença de militares ou pelo imenso formigueiro humano que nos impunha marcha lenta, me senti algo inseguro.

Uns quilómetros mais à frente e, já só pensando no Xitole, tudo passou.
Com os olhos fixos na estrada tentava adivinhar os sinais que me ajudassem a identificar a “Ponte dos Fulas”, passagem obrigatória a caminho do Xitole. De repente, surge uma ponte que não conhecia. Aqui parámos e lesto, saltei da viatura. Um misto de alegria e de nervoso miudinho dominava-me. Debrucei-me sobre o varandim e não foi difícil encontrar logo ali o esqueleto da velha ponte. De um lado, alguns pilares carcomidos pelo tempo e, do outro, escondido entre a ressequida mas densa vegetação, estava escondido o velho fortim de vigilância. Estávamos na época seca e, do rio Pulon restava uma pequena lagoa com uma canoa submersa. Nada mais restava daquilo que a memória guardava. As obras da nova ponte e da estrada alcatroada, apagaram a estrutura principal do destacamento. Mas, qualquer coisa faltava ainda ao cenário.

A memória dizia-me que, entre a mata que deixara para trás e a ponte, existia uma bolanha que era cortada pela picada de acesso à mesma. O arvoredo que foi crescendo, algo disperso, alterou a paisagem. Da bolanha só o local. O Xitole estava agora muito próximo. Jipe em marcha, vencida uma pequena subida e, tendo por companhia cajueiros de ambos os lados da estrada, surge uma pequena placa que indicava que à direita estava o Xitole.
Abordámos a entrada da povoação. A paisagem que se me apresentou, só a espaços me dizia alguma coisa. Reconheci as árvores alinhadas de ambos os lados da antiga picada à saída do Xitole no sentido Saltinho, mas não reconheci uma mesquita que entretanto aí se construíra. Esta não era a entrada para o Xitole que eu conhecia.

Avançando devagar, entrámos pela tabanca adentro. A comparação das imagens que guardava na memória, com o cenário que tinha pela frente, dizia-me que este era o lugar em que passei os cerca de dois anos mais marcantes da minha vida. As moranças, alinhadas como no passado, eram agora em menor número e os velhos mangueiros continuavam no seu posto de sempre.
À medida que íamos avançando, a localização do “quartel” tornava-se mais nítida. Poucas crianças e alguns adultos aproximaram-se do jipe. Num primeiro olhar, não descobri qualquer cara conhecida. As primeiras palavras entre nós foram, num primeiro momento, algo cerimoniosas, passando rapidamente para o desinibido e até efusivo, o suficiente para quebrar aquela estranha sensação de estar a invadir a intimidade daquela gente.

Sentia-me tranquilo e feliz. Estava entre a “minha” gente. Reconheci neles a simplicidade, o jeito afável e as marcas das suas tradições e cultura. Era aquele povo que aprendi a respeitar, mas a quem tudo falta. Já no local da “porta de armas” e, na nossa frente, eram visíveis a casa do Chefe do Posto, o depósito de géneros, a secretaria e messe de sargentos, a messe dos oficiais e, à esquerda, o esqueleto em betão do que foram as oficinas e o posto de socorros. Aqui, mais ao centro, estava o memorial deixado pela CART 2413 que nos antecedera, e o mastro em que todos os dias era desfraldada a Bandeira Nacional. À direita, ainda resistia a casa e o armazém do comerciante libanês Jamil Nasser.

Saí do jipe e fui vasculhar o que restava do “meu” posto de socorros. Dois degraus, as vigas da estrutura da construção e os muitos “cacos” dos tijolos que tinham sido aproveitados para outros fins, eram tudo o que restava do cenário em que exerci a enfermagem possível, e de que guardo memórias que nunca mais se apagam. Continuámos até ao fundo do “quartel” e aí encontrei outra construção que não conhecia. Era a escola com duas salas de aulas.
Quando o Professor (Nicolau Afonso) se apercebeu da nossa presença, acabaram-se as aulas. Dissemos que trazíamos roupas, cadernos, lápis e uma bola de futebol. A criançada pulava alegre, ruidosa e olhava-nos com curiosidade. A notícia chegara até à tabanca e não tardou que mais crianças e adultos se nos juntassem para a distribuição. Era o brilho no olhar daquela gente e o sinal de que estavam gratos pela nossa presença.

Quando demonstrei interesse em encontrar o “meu ajudante”Galé Djaló, informaram-me que ele vivia em Quebo (Aldeia Formosa). Aproximava-se a hora de aconchegar o “papo” e fomos devorar o almoço piquenique em Cussilinta, para onde nos dirigimos, passando pelas tabancas de Cambésse e Sincha Madiu, com a ideia de irmos depois até Aldeia Formosa.
Os rápidos de Cussilinta são um lugar de visita obrigatória para quem dele desfrutou no tempo da guerra. O almoço bem regado e “farto” de carnes frias, foi saboreado à sombra de robustas e velhas árvores, junto dos rápidos. Para ajudar à digestão, saltitamos depois pelas rochas até aos canais por onde a água se escapava e até junto da piscina natural.

A paisagem é soberba. Duas águias pesqueiras sobrevoavam a zona. Estava na hora de irmos até Aldeia Formosa procurar o Galé. Pelo caminho ainda haveria lugar a uma pequena paragem no Saltinho para um café e para se apreciar aquela obra de arte. Lugar mítico este. Um antigo quartel aproveitado para uma “Pousada” de Pesca e Caça, uma ponte de porte altivo e o Rio Corubal a deixar-se deslizar por entre os espaços das rochas.

A paragem seguinte seria na procura daquele guineense futa-fula que tanto me tinha ajudado. Chegados a Aldeia Formosa indaguei, junto de um grupo de locais, da localização da morança do Galé. Depois de conversarem entre eles, informara-me que ele estava a trabalhar em Cacine, lá bem para o sul, como funcionário das alfândegas. Deixei o meu contacto e o pedido de, o informarem da minha presença no dia seguinte no Xitole. Queria encontrar-me também com o ajudante dos mecânicos Saido Baldé, que nessa manhã esteve ausente do Xitole.

Estava na hora do regresso ao Capé, para um resto de tarde junto da piscina, na companhia dumas “loirinhas” bem fresquinhas.

Foi um dia que respondeu a muitas das perguntas que trazia na bagagem e que me conciliaram com o passado. O “quartel” do Xitole retinha o essencial da sua estrutura e, apesar da degradação, tudo me era familiar. Estava tranquilo, feliz e em segurança, mas sentia a falta do contacto humano daqueles que conhecia.

Amanhã seria um novo dia.

(Continua)

Xitole - O que resta da Oficina e do Posto de Socorros

Xitole - Memorial da CART 2413

Xitole - Casa do Chefe de Posto

Xitole - Alunos a caminho da Escola

O que resta da mítica Ponte dos Fulas

Xitole - Resto da oficina e, à direita, degraus de acesso ao posto de socorros

Tabanca do Xitole

A minha primeira viagem à Guiné -1998 (2) - Do Hotel Capé (Bafatá), Xitole, Cambêsse e Sincha Madiu
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12226: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (3): A minha primeira viagem em 1998 - A descoberta da nova realidade