Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta notas de leitura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta notas de leitura. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27506: Notas de leitura (1872): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Esta digressão sobre o tema Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil, entre a Regeneração e a década de 1950, num ensaio de Fernando Costa analisa o papel da História de Portugal e dos Descobrimentos portugueses na ideologia e na conduta das associações e organizações de juventude. Passam-se em revista as organizações de juventude católicas, os escuteiros, as organizações académicas republicanas, a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, a Ação Escolar de Vanguarda e daqui se partiu para a Mocidade Portuguesa, a organização mais duradoura e que aparece na Guiné no tempo do governador Carvalho Viegas, aqui se mostra uma imagem de um desfile em Mansoa, em 1961, era governador da Guiné Peixoto Correia. O período áureo desta Mocidade Portuguesa coincide com os tempos da guerra civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial, faz-se a saudação romana, comemora-se a Batalha de Aljubarrota e sempre o 1º de Dezembro, na Praça dos Restauradores, local por excelência que servia de recordatória de como tínhamos sacudido o jugo espanhol, e mostra-se como os heróis dos Descobrimentos eram patronos de todos os eventos desta mocidade. E importa não esquecer o papel marcadamente ideológico que teve Marcello Caetano à frente da Mocidade Portuguesa, exaltando todos os valores da Nação Imperial.

Um abraço do
Mário



Não fomos combater na Guiné pela integridade de Portugal de Minho a Timor?
(Uma abordagem dos valores educativos entre o liberalismo e o Estado Novo) – 3


Mário Beja Santos

O
terceiro e último ensaio desta obra dedicada ao entrosamento ideológico d’Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), tem a ver com o trabalho de Fernando Costa quanto ao papel da História de Portugal e dos Descobrimentos na conduta das associações e organizações de juventude. Não se pode atribuir grande significado a estas organizações, no que toca à religião católica, até ao aparecimento do Centro Académico de Democracia Cristã, caber-lhe-á um papel propulsor na promoção do culto de D. Nuno Álvares Pereira. A Ação Católica Portuguesa dividia-se em setores (agrário, escolar, universitário, independente e operário). A sua atividade encontrou pontos de convergência com a Mocidade Portuguesa, a partir de 1936. Os Centenário de 1940 foram considerados pela imprensa juvenil católica como o ponto alto da História de Portugal, reacendeu-se o culto de Nuno Álvares Pereira e escusado é dizer que o advento do Estado Novo estabelecerá uma relação muito próxima entre o nacionalismo e os valores da moral cristã, isto nas organizações de juventude, mas também na escola.


Os escuteiros não ficarão indiferentes ao culto de o Santo Contestável, a figura de Nuno Álvares e da “Ala dos Namorados” irão aparecer associadas às bandeiras das associações de escuteiros. Aparecerão como patronos dos grupos além do Contestável, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Afonso d’Albuquerque, Vasco da Gama; e ler Camões é dado como um imperativo. Indo um pouco atrás, o autor trata as organizações de juventude republicanas e direita radical em Portugal, recorde-se o papel dos centros republicanos, os grupos republicanos de Coimbra; e com o 5 de Outubro o novo regime vai contrapor a República à Igreja, a Pátria a Deus e o patriotismo ao cristianismo. “A Pátria assume as características de uma mulher forte, decidida e lutadora, mas ao mesmo tempo consensual, capaz de aglutinar no seu seio a humanidade, a família e o indivíduo.” Nos bancos escolares dá-se grande importância aos grandes feitos da História de Portugal e emergem figuras de referência: Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira, D. João I, o Marquês de Pombal, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, entre outros.

Em julho de 1918, em pleno consulado de Sidónio Pais, é fundada a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira: “acordar as energias dos portugueses, radicando neles, o amor da sua terra e o culto dos seus heróis, pugnar pela formação de caráter, reconstituir a família, base de toda a sociedade organizada, nacionalizar o espírito científico, preconizar a disciplina social, a ordem nas ruas, nos espíritos, na casa…” A Cruzada irá diluir-se com a ascensão do salazarismo e da sua União Nacional. Quando se está a dar o apagamento ideológico da Cruzada, surge a Ação Escolar de Vanguarda, constituído por estudantes nacionalistas das Universidades de Lisboa e Coimbra. Salazar não apreciou o seu radicalismo, este grupo desaparecerá com a constituição da Mocidade Portuguesa, em 1937 assiste-se à unificação do associativismo juvenil nacionalista, há aproximações inequívocas com as juventudes franquista, fascista italiana e até nazi.

A Mocidade Portuguesa rege-se pelos grandes princípios do Portugal Salazarista: a escola, a família, Deus e a Pátria, pretende-se a recuperação das virtudes do Portugal de outrora; busca-se a formação integral do jovem, a escola passa a ser a “sagrada oficina de almas”; haverá fricções graves entre os condutores da Mocidade Portuguesa e a Igreja Católica, o Cardeal Cerejeira não quer que se ocupe o lugar que cabe à igreja na formação do indivíduo, teme o que se estava a passar em Itália e na Alemanha. Os ideais desta juventude da Mocidade Portuguesa prendem-se com os grandes princípios do nacionalismo: D. João I e Nuno Álvares Pereira, a salvaguarda da independência portuguesa face à ameaça castelhana, os heróis do patriotismo passam a ser patronos dos cursos anuais da Escola Central de Graduados da Mocidade Portuguesa.

E voltam a entrar em cenas os heróis dos Descobrimentos, logo o Infante D. Henrique, regressa-se à mítica escola de Sagres, aos conhecimentos geográficos, às descobertas da botânica e da zoologia; é a gesta dos Descobrimentos, não são esquecidos os navegadores Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Diogo Cão e Pedro Álvares Cabral.

Importa recordar que Marcello Caetano foi comissário da Mocidade Portuguesa, e recordou aos graduados as responsabilidades de Portugal como nação imperial, como disse em 1944: “A independência portuguesa permitiu que a Nação prestasse à Humanidade serviços tão grandiosos que a Eternidade os registará. E essa missão não acabou: oito colónias formam o Império de Portugal, onde à sombra da nossa bandeira se prossegue a obra tradicional de desbravamento e civilização. Destino magnífico, o destino português! Somos criadores e educares de povos!”

Coube indiscutivelmente à Mocidade Portuguesa um papel formativo, comprovado em livros, canções nacionalistas e teatro radiofónico, basta atender à lista dos livros recomendados para as bibliotecas, estão presentes autores como João Ameal, Henrique Galvão ou Manuel Múrias. Quando lemos o cancioneiro para a Mocidade vemos como se exaltava o Portugal marinheiro, como Portugal tinha vencido antigos medos, como de Sagres e do Restelo partiam caravelas levando a Cruz de Cristo: “Diu e Malaca, Azamor, Marracuene/ São, para nós, a garantia solene/ Que Portugal, uno e valente,/ Viverá eternamente!”

E temos os compêndios escolares, Maria Cândida Proença deles falou abundantemente.

O autor conclui observando que o projeto da Mocidade Portuguesa estiolou por ter ficado datado no tempo. A Mocidade nasce com a inquietação do que se passa em Espanha e com o advento do comunismo. “O fim da guerra em Espanha, a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e o consequente advento dos Estados Democráticos na Europa Ocidental esvaziaram ideologicamente este projeto que, para ser implementado na prática, necessitava de um longo período de gestação educacional e geracional. Provavelmente, só numa segunda ou terceira gerações é que começaria a poder avaliar os resultados da sua implementação. Isto não invalida o facto da organização nacional Mocidade Portuguesa ter constituído a primeira e única tentativa de integração global da juventude portuguesa numa grande organização patriótica, ao serviço do regime de Salazar.”
Barreiro, festival organizado pela Juventude Operária Católica, no âmbito das comemorações do Dia Internacional da Juventude Operária Católica, 1965, RTP Arquivos
O Presidente Carmona recebe a Cruzada Nun’Álvares, Marcello Caetano é o primeiro à esquerda
O Movimento Escutista chegou a Portugal 1923
Desfile da Mocidade Portuguesa, em Mansoa, 1961, RTP Arquivos
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 1 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 5 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Como se pode verificar, este Boletim Associativo espelha muito mais do que a conjuntura socioeconómica da Guiné na transição dos anos de 1950 para 1960. A Associação dá-se bem com a política do Governador Peixoto Correia e sente-se apoiada. Há aqui um dado estranho que vale a pena salientar: embandeirou-se em arco com a criação de uma Companhia de Alumínio da Guiné em Angola e anunciou-se formalmente que um potentado petrolífero norte-americano vinha fazer explorações à Guiné, escreveu-se mesmo dizendo que havia o risco de aparecer uma inflação enorme; o país vive ainda em condicionamento industrial de modo que foi possível pedir-se para não vir açúcar a não ser o das nossas refinarias, de modo a garantir a produção local de mel. Vemos também que na leitura destes boletins vamos apanhando alguns dados da vida interna, caso das atividades desportivas ou a diminuição da construção civil, que tiveram o seu furacão nos governos de Sarmento Rodrigues e nas obras concluídas pelo governador seguinte, Raimundo Serrão. O Boletim interrompe-se nos primeiros meses de 1961, a explicação dada pelo presidente foram as agitações, não explica quais. E quando o Boletim reabre, o assunto que parece ser mais interessante é o novo franco da Guiné-Conacri.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 3


Mário Beja Santos

O ano de 1960 revela a direção da Associação Comercial bastante interveniente, conforme se pode ler no Boletim, onde aparecem apontamentos históricos sobre a Guiné, indicadores populacionais, o funcionamento dos serviços de Justiça, mostra-se imagem do Centro de Assistência Materno-Infantil de Bissau, noticia-se o trabalho da Missão Permanente de Estudo e Combate da Doença do Sono e de outras Endemias; também são referidos os serviços da Marinha, a missão Geoidrográfica, os serviços de obras públicas, dão-se informações sobre os impostos, apresenta-se o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, como se começa a falar na EFTA, a que o Governo português pretende aderir.

Como se referiu anteriormente, a correspondência da Associação para o Governador, mesmo para o Governo em Lisboa, e as diferentes repartições da Guiné merecem publicação no Boletim. Logo no primeiro de 1960, transcreve-se do discurso do presidente da Associação na Assembleia Geral de 18 de dezembro do ano anterior o que lhes disse Fernando dos Santos Correia:
“Fizemos várias diligências em exposições submetidas a Sua Excelência o Governador, no sentido de serem colocados no interior, pelos serviços públicos, muitas mais britadeiras de coconote, no que temos sido atendidos. Acompanhámos e apoiámos uma representação do comércio de Bafatá e Nova Lamego, a qual veio pedir ao Governo para não autorizar importações de açúcar extra-continente, tendo obtido do nosso Governador um pronto apoio e deferimento da pretensão. Todos se devem recordar que sem isso estaria em sério risco a produção local de mel. Têm sido muito numerosas as diligencias da direção junto das nossas Autoridades para impedir que os chamados Djilas tragam mercadorias dos territórios vizinhos, passados em contrabando, em grande e nociva concorrência com o nosso comércio.”


Ficamos igualmente a saber o que é a vida desportiva da Guiné, quem a compõe: Associação de Futebol da Guiné, Associação Provincial dos Restantes Desportos, Comissão Provincial de Árbitros, União Desportiva Internacional de Bissau, Clube Desportivo e Recreativo de Farim, Sporting Clube de Bissau, Sporting Clube de Bafatá, Sport Bolama e Benfica, Sport Bissau e Benfica, Clube de Futebol Os Balantas, Atlético Clube de Bissorã, Futebol Clube de Tombali, Futebol Clube Teixeira Pinto, Nuno Tristão Futebol Clube (Bula), Ténis Clube de Bissau.

Também se dá notícia das conferências que se vão celebrando e parece-me pertinente o extrato da conferência do Dr. Pio Coelho da Mendonça que tinha como título Algumas Considerações sobre Comercialização de Produtos Agrícolas:
“A actividade económica da Província desdobra-se em comércio interno e comércio externo. No referente a este último, reflete-se quase exclusivamente na exportação de oleaginosas, pois, num total de 200.259 contos, em 1958, couberam-lhes 171.394 contos, repartindo-se 61.436 contos para o coconote, 106.897 contos para a mancarra e 3.059 contos para o óleo de palma, o que quer dizer que é da ordem dos 64,27% a cota da mancarra, e 23,42% a cota do coconote.
Em 1959, num total exportado 198.609 contos, distribuíram-se 175.680 contos pelas oleaginosas, isto é, 128.000 contos para a mancarra, 44.780 contos para o coconote e 2.889 contos para o óleo de palma. Os restantes 22.929 contos repartiram-se pelas madeiras, arroz, couros e outros.


Como se vê, a exportação da agricultura é representada principalmente pela mancarra, o coconote e o óleo de palma. A exportação é, pois, constituída por um número relativamente reduzido de produtos: aqueles três já referidos e ainda o arroz, a madeira, os couros, etc. A importação, comparada com a exportação mostra-nos que os nossos produtos de exportação são de classificação primária e em muito menor número e menor variedade. Estão, por isso, mais na contingência das flutuações do mercado externo: bastará qualquer perturbação na procura para que, recusados certos destes produtos, o rendimento da Província se ressinta. E todos estes produtos não entram na categoria de bens essenciais à economia dos mercados externos de compradores.”

Mais adiante o orador revela confiança no futuro:
“A Guiné tem óptimas condições para uma larga cultura de laranjas e daqui pensar-se na sua exportação; a Província tem especialidades para uma cultura extensiva e intensiva de frutas e de legumes, por forma a constituir-se um forte circuito comercial interno que nos liberte das dificuldades em que nos debatemos. Há que buscar novas riquezas, há que estruturar a economia do território em bases sólidas em que intervenham a terra, o capital e o esforço humano de todos.”


O ano não foi próspero. Basta ler o que o presidente da Associação disse na intervenção que pronunciou na Assembleia Geral de 29 de janeiro de 1961: “O ano de 1960 foi, infelizmente, dos que têm deixado pior recordação às atividades económicas da Guiné. Uma enorme quebra nas produções de mancarra e de arroz, e a paralisação das exportações de coconote, têm acrescido e agravado com a quase ausência de trabalhos de construção civil, provocaram a crise que atravessamos e ainda estamos vivendo, com todo o cortejo de graves consequências.”
Aguardando a hora da consulta no Centro de Assistência Materno-infantil de Bissau
Ídolo do fanado – Bijagós
Um painel decorativo da autoria do pintor J. Escada
Painel decorativo com motivos de actividades indígenas
Painel decorativo simbolizando as ilhas dos Bijagós

Estas três imagens referem-se à participação do pintor José Escada, que alguém no Boletim da Associação Comercial apelidou de moço cheio de talento. O edifício da Associação Comercial Industrial e Agrícola foi um projeto do arquiteto Ferreira Chaves, executado pelo engenheiro Arnaldo Mariano e o arquiteto Luís Possolo planeou e decorou a sede.

(continua)

_____________

Notas do editor:

Vd. post de 28 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27473: Notas de leitura (1868): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Prosseguimos na leitura de Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), a exaltação do passado colonial com os seus heróis-modelo vão integrar a literatura infanto-juvenil, nomeadamente no fim da monarquia constitucional, a I República e as primeiras duas décadas do Estado Novo. Os heróis dos Descobrimentos enfileiram com outros, tais como Viriato, Egas Moniz, Nuno Álvares Pereira. Impor-se-ão vários nomes, tais como Ana de Castro Osório e Virgínia de Castro Almeida, mas será Mariazinha em África o bestseller desta literatura nos anos 1939 e 1940. Estuda-se aqui a imagem do outro, a ação missionária, obviamente que da monarquia ao Estado Novo há nuances no tratamento do outro, pode aparecer como inferior, aberto ou indisponível à civilização, fala-se no bom selvagem; o Estado Novo irá desenvolver o exotismo, os perigos e a fantasia, será o caso da saga da travessia africana de Capelo e Ivens; e há o sistema de valores, o enaltecimento de Nuno Álvares ou do Infante D. Fernando, não será na escola mas fundamentalmente na imprensa que se irá privilegiar o esforço na criação de infraestruturas, desenvolvimento material, serviços de saúde, etc. Deixaremos para o terceiro e último apontamento o modo como os Descobrimentos serão abordados por associações e organizações da juventude, caso da Mocidade Portuguesa.

Um abraço do
Mário



Não fomos combater na Guiné pela integridade de Portugal de Minho a Timor?
(Uma abordagem dos valores educativos entre o liberalismo e o Estado Novo) – 2

Mário Beja Santos

Falando por mim, e seguindo integralmente o que se escreve na obra de ensaio Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), por Maria Cândida Proença e outros, edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, éramos educados nos bancos da escola de que o Infante D. Henrique fora o impulsionador dessa ação patriótica engrandecedora que tornou Portugal imperial – e manda o rigor que se diga que não foi obra exclusiva do Estado Novo, a monarquia constitucional também fez soar esta trombeta.

O que mudou ao longo deste século (entenda-se 1850-1950) é a visão que se pretendeu dar do Infante. “Para os autores oitocentistas o Infante era fundamentalmente um homem de ciência dotado de profundos conhecimentos para a época que teriam sido causa do progresso que pode incrementar nos Descobrimentos marítimos.” Homem sábio, até versado nas matemáticas e conhecedor das artes de navegar. “Os avanços da ciência e a divulgação do positivismo eram favoráveis à apresentação de um herói humanizado longe da visão hagiográfica que mais tarde vinha impor-se.”

Tudo muda no final do século, Fortunato de Almeida introduz uma nova perspetiva, ao atribuir-lhe o plano de encontrar um caminho alternativo para a Índia e até a vocação apostólica de dilatar a fé cristã. Atribui-lhe igualmente um plano em que convergiriam três empresas gigantescas, a conquista territorial em Marrocos, a descoberta do caminho marítimo para a Índia e o descobrimento das ilhas do Atlântico.


Como observa a autora, a mitificação do Infante foi ao ponto de se procurar apresentar as suas ações menos exaltantes como movidas pelo imperativo superior da fé e do espírito de cruzada. Era uma constante dos manuais que o Infante era muito mais movido pela fé do que por motivos comerciais, e exigia-se em termos de Ministério da Educação que se escrevesse à frente do nome do Infante que era mestre da Ordem Militar de Cristo. Foi assim que D. Henrique passou do herói essencialmente laico do positivismo oitocentista para o santo mitificado pelo Estado Novo, passou a ser um exemplo de virtudes a seguir pela mocidade do nosso país.

Igualmente se desmonta a fábula que houve uma Escola de Sagres, que o Infante teria mandado erigir um observatório astronómico em Sagres, Mattoso, célebre autor de compêndios de História, dirá que o Infante estabeleceu uma escola de cosmografia náutica. Toda esta incorreção histórica teve momentos de delírio, como escreveu o Padre Marcelino da Conceição dizendo que a Escola de Sagres era a universidade náutica onde portugueses e estrangeiros aprenderam a navegar cientificamente, os Descobrimentos tinham sido feito com método e com certeza científica. Um dos responsáveis por este disparate foi Oliveira Martins. Não há uma só prova documental de alguma Escola de Sagres.

Outras incorreções aqui apresentadas pela autora prendem-se com o descobrimento e colonização do Brasil, procura-se deixar ciente de que já se conhecia a rota antes de 1500; também há mitificação quanto ao Império do Oriente, veja-se o caso de D. João de Castro, herói mítico da Índia nos compêndios:
“O relato dos cercos de Diu e dos atos de valentia que então se teriam praticado sempre estiveram integrados no conjunto das façanhas que preenchiam a memória oficial transmitida nas nossas escolas. É interessante verificar, porém, que no relato do segundo cerco o episódio das entregas das barbas pelo vice-rei como penhor do empréstimo pedido, apenas surge nos compêndios dos anos 30. Mais uma vez, pela sobrevalorização de um pequeno pormenor, a História era posta ao serviço da transmissão no conjunto de valores que o regime pretendia impor. O Império do Oriente era, nos livros escolares, o símbolo por excelência da grandeza de Portugal, mas, a partir da década de 80 do século XIX, passou a ser também a causa primordial da decadência da raça e do Reino. Neste ponto os manuais acompanham as teses então vigentes sobre a decadência da Pátria. A riqueza, o luxo, o dinheiro fácil, trouxeram consigo a indolência e a corrupção que teriam estado na origem da decadência do Império, acelerada a partir de finais do século XVI.”


Também se procura desmontar a teoria obtusa da nossa ação evangelizadora no Brasil, procurou-se exaltar a imaginação dos homens com a grande aventura dos bandeirantes. E mesmo sobre as campanhas de África e a ocupação do território não se poupou um elogio a Portugal como o melhor povo colonizador, e a prova que o colonizado estava permanentemente agradecido ao colonizador era aquele régulo timorense que se tinha deixado fuzilar para não abjurar Portugal. Em jeito de conclusão, a autora enfatiza a evolução do discurso nos manuais escolares, as tais três etapas em que se ia encaminhando a gesta dos Descobrimentos nos livros escolares falando no maior desenvolvimento científico, durante a monarquia constitucional até chegarmos aos grandes heróis do Estado Novo, como caso de D. Henrique ou de Afonso de Albuquerque que eram sábios, escritores e cientistas.

Feita esta exposição à escola e aos Descobrimentos, Luís Vidigal vai aludir à expansão contada às crianças, dá-nos a génese e desenvolvimento de uma literatura infantojuvenil em Portugal, refere os seus nomes e foca-se em duas autoras: Virgínia de Castro e Almeida e Ana de Castro Osório, como elas irão apresentar este passado grandioso que acabava por ser fonte inspiradora para o presente, os portugueses daqueles tempos, que descobriram e conquistaram o mundo destacavam-se pela valentia e a confiança em Deus. Grandes reis marcaram o sentido da História, no fundo era o moralismo com que pretendia apresentar-se o Estado Novo, como escreveu Virgínia Castro e Almeida: “A maior fortuna de quem obedece está na amizade e na confiança de quem manda. Mandar e obedecer são ofícios iguais aos olhos de Deus. Quem manda mal vale menos que quem obedece bem.”

Temos depois a imagem dos outros, a conceção de que o selvagem, o preguiçoso encontra a sua redenção no trabalho, a ação missionária jogava em vários tabuleiros: a escola, o serviço de saúde, a aprendizagem da religião, mas também aqui houve francos desenvolvimentos. Por exemplo, na I República apostava-se na laicidade, com o Estado Novo marca-se outro conceito de civilização que é a de associar o primitivo à violência e à barbárie, ou seja, houve um humanismo republicano que se pautava por uma grande tolerância e passa-se agora para um ideal de civilização em que as escolas do Império são instadas a apresentar os grandes modelos da sociedade portuguesa. Veremos no próximo apontamento qual o papel da História de Portugal e dos Descobrimentos na ideologia e na conduta das associações e organizações da juventude, neste período de 1850 a 1950.
A mitologia da escola de Sagres
Imagem integrada em Portugal Colonial, nºs 7-8, 1931
Mocidade Portuguesa na Guiné, imagem da RTP Arquivos

(continua)
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 24 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27460: Notas de leitura (1867): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27478: Notas de leitura (1869): "A Mais Breve História do Ultramar", de David Moreira (Porto, Ideias de Ler, 2025) (Virgílio Teixeira, Vila do Conde)

domingo, 30 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27478: Notas de leitura (1869): "A Mais Breve História do Ultramar", de David Moreira (Porto, Ideias de Ler, 2025) (Virgílio Teixeira, Vila do Conde) - Parte I



Capa do livro de David Moreira, "A mais breve história do Ultramar". (Porto, Ideias de Ler, 2025, 2025, 308 pp, ISBN: 978-989-740-410-8) (Prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa).
 

Sinopse:

Sabia que em São Tomé havia uma tortura inútil que consistia em forçar homens acorrentados a retirar água do mar utilizando baldes? Ou que em Macau, durante a Segunda Guerra Mundial, se vendiam tigelas de caldo de carne humana? Tudo isto acontecia em Portugal, que então ia «do Minho a Timor».

A Mais Breve História do Ultramar distingue-se de outros trabalhos sobre o tema por ser ideologicamente descomprometido, bibliograficamente rico e temporalmente amplo: vai do mapa cor-de-rosa à descolonização; tanto dá voz a poetas africanos como à elite portuguesa. David Moreira consegue assim uma análise sóbria e arejada da gestão das ex-colónias – ora esquecidas e desconsideradas, ora tidas como um pilar da nossa independência e identidade.

Sobre o Autor:

David Moreira, portuense nascido em 1993, é mestre em História das Relações Internacionais pela London School of Economics — tendo-se especializado na Guerra Colonial na Guiné-Bissau — e licenciado pela Università Bocconi, onde estudou Economia Internacional, Gestão e Finanças. Foi professor de Economia no Colégio Luso-Internacional do Porto e é DJ de música eletrónica. É também um acérrimo defensor da libertação da Palestina. ( Fonte: Ideia de Ler.)




Dedicatória do autor ao Virgílio Teixeira



Virgílio Teixeira, ex-alf 
mil SAM,. CCS/BCAÇ 1833
(Nova Lamego e São Domingos, 1967/69);
natural do Porto, vive em Vila do Conde

1. Mensagens do Virgílio Teixeira, com datas de 28 de setembro e 2 de outubro de 2025.

Luis, bom dia

O autor ofereceu-me este livro, "A Mais Breve História do Ultramar". Tem prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa.

Já li um pouco, a minha filha  mais velha foi à apresentação do livro  Não conheço o autor, é filho de uma amiga da minha filha, que lhe entregou um exemplar com uma dedicatória para mim.  É filho de Rui Moreira, antigo presidente da CM Porto.

 Já vi que trata  de todo o percurso da nossa guerra e o fim de tudo. Não faz referências a unidades, operações, etc com algumas excepções.

Era bom para o Beja Santos escrever sobre ele!. Vou ler até ao fim pois ele aguarda o meu feedback.

 Só o recebi em 27set25. Já li algumas coisas, mas tudo escrito pela 'rama', é mais um resumo de vários séculos,  e não entra em nenhuns pormenores, que interessem à maioria dos nossos grão-tabanqueiros.

Para mim, dizendo francamente e sem retirar os méritos do autor, que deve ter tido algum trabalho de´sapa' para referir tantas coisa, não me diz quase nada, e já conheço a maioria.

Trata-se de mais uma história abrangente que começa no século XVIII, e por aí fora... mas mais para ensinar os seus alunos.

Faz uma excelente descrição desde o fim da monarquia e passagem à República e depois ao Estado Novo e por aí fora.
 
Fiquei a conhecer como foi a conquista da África portuguesa, as guerras que se passaram por um mundo que a maioria não conhece. Estou a ficar obcecado com tudo, mesmo que tudo seja dito em poucas palavras.

Livro útil para aqueles que nem sabem o que foi o nosso Império Africano e de todos os lados do mundo. Tantos nomes aqui apresentados, que todos vimos por aí na toponímia das cidades, e que, eu pelo menos, não sabia o seu papel na construção daquilo que foi o nosso Império.

Faz as passagens das guerras em Moçambique e Angola no século XIX que desconhecia na sua maioria.

Uma obra bem concebida, rápida como diz o título, mas que penso não ser  compreensível para a juventude e  as pessoas de meia idade, que não sabem o que foi a guerra do Ultramar. 

No que respeita à nossa Guiné (1961-1974),  pouco diz. Refere em resumo alguns acontecimentos, e para cada um não preenche mais do que meia- dúzia de linhas, sem nenhuns pormenores, para os leigos que nada sabem:

- a Ilha do 'Como', que me parece foi uma operação "turra" de alta envergadura e em que eles ocuparam este ponto estratégico;

- seguidamente a nossa grande operação 'Tridente' em  que tomámos a ilha  aos "turras" com grandes perdas para eles;

- o pesadelo do Cheche (travessia do Rio Corubal) onde perdemos  46 militares metropolitanos , dos quais 23 do meu batalhão,  e 1 civil, guineense): foi  um acidente e uma má estratégia de Spínola, sem o autor referir porquê;

- mais uma ligeira referência, ao Spinola e outras figuras pós-25A.

Ainda bem li metade... Vou continuar a ler e fazer comentários.

Obrigado
Ab
Vt
 _____________

Nota do editor LG:

Último poste da série >  28 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27473: Notas de leitura (1868): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27473: Notas de leitura (1868): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
O Boletim começa por realçar a expetativa na criação de uma companhia de alumínio para a Guiné e Angola, tudo tinha a ver com bauxite, depois surgiu a legislação sobre a concessão das explorações petrolíferas, são estas as duas matérias gordas de 1958, o ano em que chega o novo governador, Peixoto Correia. Tanto quanto nos é dado a perceber, o Boletim não primava por grandes investigações, tinha um conselheiro técnico, Artur Augusto Silva, a quem seguramente se devem as análises sobre a economia da República da Guiné e a problemática da mecanização do caju; de resto, e estamos só a falar de 1958 e 1959, reproduzem-se artigos de O Arauto, transcreve-se a legislação da Guiné, discursos do governador, revelam-se as exposições feitas ao Governo e aos serviços públicos. E assim concluí o primeiro volume dos Boletins desta Associação referentes a 1958 e 1959.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 2


Mário Beja Santos

Vimos no primeiro texto em que circunstâncias surgiu em 1958 o Boletim de uma Associação que tinha estatutos aprovados desde 1951. Deu-se realce à Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola, mais adiante falou-se das possibilidades petrolíferas do subsolo da Guiné, o empenho do Ministro das Colónias, Raul Ventura, a publicação de dois Decretos, as companhias envolvidas, Norte-americanas, britânicas e alemãs, a opção foi a Esso Exploration Guiné Inc, foram negociações difíceis quanto aos investimentos que a Sociedade tem de fazer e às regalias financeiras que deve dar ao Estado; haveria um prazo de cinco anos para a fase de pesquisas. E dizia-se no Boletim: “Supondo que vem a provar-se a existência de petróleo na área da concessão, de todo o petróleo bruto extraído 12,5% pertence à Província da Guiné, que poderá recebê-los em dinheiro ou em petróleo. Mas supondo que por qualquer eventualidade a província tem interesse em poder comprar mais petróleo, está estabelecido o contrato que a Guiné terá o direito de adquirir metade dos petróleos que do seu subsolo forem extraídos e dar-lhes depois o destino que melhor entender. A realizar-se esta aspiração que modificará radicalmente a estrutura económica da Guiné, são de prever que surjam e se avolumem outros problemas e que esta Província tenha de encontrar, na multiplicidade de caminhos que se lhe oferecem, aquele que nos conduz à felicidade.”

Em Boletim posterior, o Presidente da Associação alertava:
“A vinda em larga escala de empregados da Companhia poderá trazer como consequência um encarecimento do custo de vida. Ora, a verdade é que enquanto a economia da Guiné se basear na produção de oleaginosas para exportação, não será possível melhorar as condições materiais dos seus habitantes, o que será de recear um aumento do custo de vida. Haverá uma maior afluência de moeda no mercado e abundância de dinheiro na mão de alguns. É possível e até aconselhável tomarem-se desde já todas as medidas para evitar a especulação. Não pense o público que a simples presença na Guiné de uma Companhia americana é suficiente para encher de dinheiro os bolsos dos que nada produzem e nem pense que será fácil encontrar emprego em qualquer das modalidades de ação da Companhia. De início, a maior parte dos empregados e operários será especializada, pelo que não poderá ser recrutada na Guiné. De positivo, só podemos contar com o pagamento à Província do arrendamento da superfície o que, não sendo muito, já representa para a Guiné a possibilidade de aumentar os cambiais disponíveis.”


Um ponto curioso que se vai registar nos Boletins de 1959 são as transcrições que se fazer do jornal O Arauto de artigos sobre a mancarra, o problema da cultura do algodão, a cultura orizícola, transcrevem-se as intervenções do deputado da Guiné, Comandante Teixeira da Mota, a correspondência do presidente da Associação tanto com o Governador como com dirigentes dos serviços.

Em 1 de abril de 1959 o novo Governador, Peixoto Correia, presidiu ao Conselho do Governo, o Boletim transcreve o seu discurso, de que se retira a seguinte passagem:
“A nossa exportação é constituída quase exclusivamente por oleaginosas – 90% da tonelagem total e 80% do valor realizado. Dedicam-se por isso os maiores cuidados às culturas do amendoim, coconote e óleo de palma. Há novas culturas em expetativa, a Brigada da Junta de Exportação de Algodão permanecerá mais um ano na Guiné. Ensaia-se a cultura do gergelim. Há a possibilidade de se produzir açúcar, há diligências para a industrialização do caju.”
O Governador enumerou os serviços de ensaios agrícolas e referiu o trabalho que estava a ser feito pela Fazenda Experimental de Fá.


Sendo um Boletim de interesses económicos, realça-se a secção de contencioso e consulta, as exposições feitas aos serviços, faz-se a transcrição da legislação da Guiné que importa à agricultura, comércio e indústria, noticia-se a criação da Escola Comercial e Industrial, que terá um curso de cinco anos. Mas o noticiário associativo também tem carácter social. É assim que se faz uma notícia sobre a presença do Sr. Aly Suleiman há cinquenta anos na Guiné. “De uma atividade fora do vulgar, o Sr. Aly Suleiman é bem o patriarca da numerosa colónia libanesa aqui estabelecida e a firma que fundou e dirige é uma das mais poderosas organizações comerciais da Província onde possui mais de trinta estabelecimentos comerciais, numerosas embarcações de cabotagem e algumas dezenas de camiões para transporte dos produtos do seu comércio. É, na ordem de grandeza, o quatro exportador de mancarra da Guiné.”

Bem curioso é um artigo que se publica sobre a República da Guiné:
“Calcula-se a reserva de bauxite da Guiné, das regiões de Boké e Fria em mais de 280 milhões de toneladas. Mas a bauxite, exportada em bruto, não é fonte de grandes rendimentos e o essencial para a industrialização de bauxite com vista à produção de alumínio reside na energia hidroelétrica. Neste capítulo, a Guiné encontra-se em boa posição, pois é considerada o celeiro de água da África Ocidental Francesa, com os inúmeros rios que aí nascem e as suas quedas de água. Calcula-se que, com facilidade, a Guiné possa produzir, nas duas barragens do rio Konkouré 5 biliões de KW por ano, o que corresponde a uma produção de 250 mil toneladas de alumínio, isto é: uma produção que iguala a atual produção francesa metropolitana. Porém, tem-se verificado ultimamente que a União Soviética não só se desinteressou das fontes externas de bauxite como a tem lançado nos mercados internacionais a preços que não permitem qualquer concorrência. Daí uma diminuição de produção do Canadá e, consequentemente, um retraimento de investimento de capitais estrangeiros na indústria do alumínio na Guiné.”


O artigo refere ainda outras riquezas da República da Guiné como reservas de ferro, uma produção de diamantes, um conjunto de fábricas ligadas a óleos, descasque de arroz, conservas de frutos, produção de bananas, plantações de café. O grande óbice económico é o da Guiné estar privada nos seus mercados tradicionais por se ter afastado da chamada “comunidade francesa”.

Terminamos com uma referência à castanha do caju, tudo tinha a ver com uma firma brasileira que oferecia ao comércio e indústria locais máquinas descascadoras de caju e de despeliculagem. Até então, referia-se no Boletim, todas as tentativas feitas para mecanizar a indústria do caju tinham falhado. “O processo que se afigurava mais viável consistia no descasque por meio da passagem da castanha, primeiro por vapor de água sobreaquecida e, logo em seguida, por um compartimento onde era produzido o vácuo, o que obrigava a castanha a abrir-se por si, sem ofender a polpa. No Governo do Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, deu-se um extraordinário incremento à plantação de feijoeiros na Guiné e agora toda a Província deve produzir para cima de 1500 toneladas de castanha de caju, que só é aproveitada em reduzidíssima escala e por métodos mais do que primitivos.”

O autor da notícia manifestava uma grande expetativa no processo de mecanização proposto pelos brasileiros, poderia ser assim que o problema do descasque se resolvesse. Mas como esta maquinaria era de elevado preço seriam necessários capitalistas da metrópole. “Parece-nos duvidoso pois que estamos habituados a ver as reticências com que os capitalistas portugueses investem os seus dinheiros em África. Não seria possível a criação na Guiné de uma sociedade por acções, com a participação do Estado? A pergunta aí fica.”
Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné: ler-se-á num Boletim de 1959 que “Chegou de Lisboa o ilustre artista Sr. José Escada que a Bissau se deslocou para vir decorar a nossa sede – três painéis decorativos alusivos às atividades da Guiné. O nome de José Escada é reconhecido hoje como um dos artistas plásticos de maior prestígio e talento da segunda metade do século XX.”

(continua)
_____________

Notas do editor:

Vd. post anterior de21 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27449 : Notas de leitura (1866): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27469: Notas de leitura (1867): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74) - Parte VI: a IAO em Bolama: "Eh, pá, estás morto!... Atira-te para o chão, que estás morto!" (Luís Graça)

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27469: Notas de leitura (1867): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74) - Parte VI: a IAO em Bolama: "Eh, pá, estás morto!... Atira-te para o chão, que estás morto!" (Luís Graça)



Luís da Cruz Ferreira 


1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys: nos trilhas da memória" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) (ISBN 978-989 -33.7982-0) (*). (Revisão / fixação de texto: J. Pinto de Carvalho.)


Com a especialidade de 1º cabo auxiliar de enfermeiro feita em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972), o Luís é mobilizado para a Guiné, indo formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5, Penafiel (jun / set 1972).

Daqui parte para o CTIG, por via aérea (TAM), em 22/9/1972 (*)

Em 11 páginas (pp. 48-59) descreve a sua estadia em Bolama, em cujo CIM iria fazer a IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional. O tom que adota continua a ser irónico, e às vezes burlesco, a raiar o absurdo.

~
Crachá da 2ª C/BART 6521/72
(Có, 1972/74)
"O tempo que me faltava para terminar a minha comissão era tanto que para mim ainda não tinha começado a contar" (pág.56).

Em quatro pincelaas, descreve Bolama, "capital abandonada", "uma cidade de recordações de postais
desbotados" (pág.48).

O batalhão "estava aquartelado nos antigos armazéns da Casa Gouveia, que ficavam  perto do cais e pertenciam ao grupo CUF" (pág. 49),  o "dono" daquilo tudo:

 "Eram edifícios altos, cobertos de telha e sem forro, onde à noite (...) éramos armazendos em pilhas de colchões, em beliches quádruplos" (pp. 49/50)... 

De tudo o que restava do passado colonial (hospital, câmara municipal, hotel, vivendas de estilo colonial...), "a piscina era a que estava em melhores condições; estava cheia, a água era limpa e tinha um bar de apoio com muitas cervejas" (pp. 50/51).

Nas restantes páginas (pp. 52-59), fala-nos da IAO, que nada teve de empolgante, a não ser a chuva... e o quase-acidente de que foi vítima numa brincadeira estúpida, a finalizar a famigerada "semana de campo". Vale a pena reproduzir aqui os excertos correspondentes a essa cena burlewsca (pp. 56-58).








 Fonte: Excertos de Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pp. 56-58.

Acabou-se o "recreio", mas a passagem dos "Có Boys" por Bolama (um mês, em outubro de 1972, ) "acabou por ser o melhor tempo que se passou na Guiné", confessa o autor (pág. 54).

Após a realização da IAO, no CIM, em Bolama,  a 2ª C/ BART 6521/72 seguiu, em 290ut72 para Có, sector do Pelundo,  a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3308. 


Último poste da série "Notas de leitura" > 24 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27460: Notas de leitura (1866): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27460: Notas de leitura (1866): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2025:

Queridos amigos,
A então Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses convidou três estudiosos a fazer uma apreciação do quadro ideológico entre os inícios da Regeneração e o último ano do Estado Novo em que passámos de ter um império colonial e passámos a ter um Ultramar. O trauma da independência do Brasil acompanhado dos gravíssimos conflitos para a implantação do liberalismo levaram só num período de acalmia que foi o da Regeneração a que tenha sido criado um novo contexto ideológico em torno do passado marítimo dos portugueses; no campo educativo, tomaram-se medidas para a formação da juventude. Para além da educação formal, impõe-se observar a não formal, é o caso da Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira ou da Mocidade Portuguesa, e de uma catadupa de eventos com caráter imperial, caso do tricentenário da morte de Camões, o quinto centenário do nascimento do Infante D. Henrique, o quarto centenário do descobrimento da caminho marítimo para a Índia, a Primeira Exposição Colonial Portuguesa, a Exposição do Mundo Português, etc., etc. Estamos a falar de um livro incrivelmente esquecido.

Um abraço do
Mário



Não fomos combater na Guiné pela integridade de Portugal de Minho a Timor?
(Uma abordagem dos valores educativos entre o liberalismo e o Estado Novo) – 1


Mário Beja Santos

Parece-me útil, ao iniciar a apreciação dos ensaios com o título "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)", edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, trazer à consideração do leitor este parágrafo de mestre Paulo Pinto publicado pela Associação Portuguesa de História, na Circular Informação n.º 93, com o título “2015, Descobrimentos e Memória”:
“A época vulgarmente chamada ‘dos Descobrimentos’ (grosso modo, os séculos XV e XVI) é uma espécie de baú sagrado, de relicário da memória onde o etos nacional compila e guarda sigilosamente um rosário de grandezas de um tempo marcado por feitos de armas, bravura e espírito aventureiro e que permanece incrustada no imaginário coletivo como uma espécie de ‘Idade do Ouro’ de Portugal. A evocação de figuras e datas dessa época excede a dimensão de outros momentos-chave (como a fundação da nacionalidade, os momentos de recuperação de crise ou de ameaça à independência nacional) no sentido em que envolve a relação pioneira que Portugal estabeleceu com outras partes do mundo, outros povos e culturas; não apenas a relação em si própria, mas também no impacto global que teve no contexto da História Universal.”

Os autores desta obra, que vamos analisar, pretendem apreciar o quadro ideológico em que num século se fomentou um discurso pedagógico não só na escola bem como na literatura e associações juvenis, sendo de incluir o contexto familiar e a difusão dada pelos meios de comunicação social aos feitos e heróis dos Descobrimentos. Não obstante, a ideologia imperial tem antecedentes, alguns deles bem marcantes. Mas foi a partir da década de 1850 que se deu a organização do sistema de ensino e emergiram constantemente, obsidiantemente, os ideais da exaltação das virtudes da raça através do enaltecimento dos seus heróis e de regeneração da Pátria através do Império. É esta a viagem em que nos vamos envolver.

O título do ensaio de Maria Cândida Proença é a escola e os Descobrimentos, e cita Eduardo Lourenço recordando-nos que nenhum povo pode viver sem uma imagem ideal de si próprio; a ideia de Pátria indissoluvelmente ligada ao mito da posse do império ultramarino ganhou profundas raízes entre o século XIX e o século XX. A estruturação do sistema educativo foi determinante. A historiadora disserta sobre a evolução do ensino primário, a preponderância do analfabetismo e da iliteracia, como a nossa alfabetização foi tardia e no fundo aparece associada ao período da Regeneração; dá-nos uma apreciação também do que se pretendeu fazer na I República, logo a partir da reforma de 1911, a natureza dos programas escolares, caracterizadamente os de História, Português e Geografia.

Desde o início da segunda metade do século XIX que assistimos a uma gradual melhoria dos manuais, dando realce às conquistas em Marrocos, à figura do Infante D. Henrique, às navegações e descobertas ultramarinas, a Índia e o Brasil, por exemplo. Só na reforma de Jaime Moniz (1894/95) é que a disciplina de História passou a ter um lugar de destaque, lecionada em todos os anos do ensino secundário. Ao tempo, continuava a privilegiar-se uma história factual e eurocêntrica em que os Descobrimentos portugueses mereciam destaque no conjunto da história europeia, as figuras com maior relevo eram o Infante D. Henrique, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Fala-se muito no papel civilizador, mas há referências específicas ao comércio e ao papel das especiarias e do ouro. Nessa reforma de Jaime Moniz procurou-se estabelecer uma visão interdisciplinar da História com a Geografia e a Língua e Literatura Portuguesa. Poder-se-á dizer que o nacionalismo republicano não postulava o isolacionismo e chauvinismo que irão ser mais tarde defendidos pela ditadura.

É com a chegada a chegada da Ditadura Nacional, e a partir das reformas de Gustavo Cordeiro Ramos que se vão lançar as bases de uma nova escola em que o ensino assenta numa inculcação de valores e endoutrinamento propagandístico. O leque de heróis alarga-se, o mártir Infante D. Fernando ou D. João de Castro e o célebre episódio do cerco de Diu passam a heróis no primeiro plano. A verdade científica era bastante duvidosa, como no caso da mítica Escola de Sagres. É com Carneiro Pacheco que se dá a primeira e importante reforma do ensino com o regime de Salazar e chega às escolas a missão providencial da nação portuguesa no quadro da história mundial. Com as sucessivas reformas, ganham importância outras abordagens, estudam-se trechos de Fernão Lopes, aparecem as narrativas de viagens, as aventuras do século XVI, a história trágico-marítima; e os Lusíadas é a epopeia que assegura a consagração de que os portugueses se tinham tornado um povo criador de novos povos.

Mas tem interesse voltar a Gustavo Cordeiro Ramos e citar a autora: “a obrigatoriedade de inserir nos livros de leitura adotados oficialmente um conjunto de 113 frases de autores nacionais e estrangeiros que contribuíssem para inculcar nos alunos um corpo de valores subordinados a princípios como a obediência, respeito e amor ao chefe incontestado, amor à pátria e defesa intransigente da unidade da família como célula primária do corporativismo. As 113 frases deveriam ser distribuídas pelos compêndios da 4.ª classe do ensino elementar, das cinco primeiras classes dos liceus, para a 6.ª e 7.ª classes da secção de Letras e para as escolas do ensino técnico e profissional. Tratava-se de frases que enalteciam o patriotismo, a obediência e os valores morais. Entre os autores nacionais encontravam-se Salazar, Sidónio Pais, Alfredo Pimenta, António Sardinha, Camões, Gil Vicente, António Correia de Oliveira e, entre os estrangeiros, Mussolini, Comte, Goethe, Bossuet.”

Em 1936 aparece o livro único, as tendências nacionalistas e apologéticas do regime vão encontrar o seu expoente máximo nos compêndios escolares de António Mattoso. Está montado o cenário para que Pátria e Império sejam a mesma coisa. Vitorino Magalhães Godinho dirá mais tarde:
“Império! Mas não houve um império português. É um dos maiores erros do nosso tempo o esquecermo-nos de que, desde o século XV, atravessamos sucessivas fases de expansão e, por outro lado, de descolonização. Descolonizámos, a meio do século XVI, em Marrocos, no Norte de África. Descolonizámos, nos anos de 1570 e 1680, no Extremo Oriente, em Java e nas outras ilhas da Insulíndia, onde tínhamos estabelecido um império poderoso, com base marítima. Descolonizámos, quando o Brasil conquistou a sua independência e, também aí, tanto se discutiu se a unidade na formação teria ou não uma solução melhor do que a simples independência e rutura. Portanto, um império, mas curiosamente, através da História, são poucos os portugueses que vão para esse império. Algumas centenas ao acabar do século XIX, são 500 a 600 que daqui partem para o Ultramar, ao passo que para o Brasil vão, por ano nessa altura, cerca de 30 mil.”

A equação Pátria e Império envolve o espírito de cruzada e a missionação, há uma declarada omissão de objetivos económicos ou estratégicos, a conquista de Ceuta é apresentada como fazendo parte de um movimento ibérico da reconquista cristã, António Mattoso dirá que os Descobrimentos portugueses eram uma obra de apostolado cristão. “Se, posteriormente, surgiram motivos económicos e políticos, estes traduzem apenas a necessidade de os fazer manter e progredir. O que distingue o império português de quantos o procederam é isto: - Ele não é senão, na sua essência, um instrumento de evangelização do mundo.” Daí o papel fundamental que se vai atribuir ao Infante D. Henrique, ele passa a ser a figura mítica da história da expansão.

Vamos ver seguidamente como a historiografia e a propaganda política irão tratar o Infante de Sagres, a mítica Escola de Sagres. Concluída esta viagem proporcionada por Maria Cândida Proença vamos ver como se processou a expansão contada às crianças.

D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique, conjunto azulejar de Jorge Colaço na então Escola Primária de Rodrigues de Faria, em Forjães. O mito do milagre de Ourique, que teria conduzido a uma grandiosa vitória de D. Afonso Henriques sobre cinco exércitos mouros era um dos mais divulgados na historiografia escolar. Através dele, desde muito cedo, se interiorizava nos jovens alunos o caráter da eleição do povo português, protegido por Cristo desde a fundação da nacionalidade

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 21 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27449: Notas de leitura (1865): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27449: Notas de leitura (1865): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
São três volumes que incorporam Boletins de formato minguado que vão de 1958 a 1966, estamos no ano da eleição de Américo Tomás para o seu primeiro mandato e a vizinha Guiné Conacri é um país independente. Ao tempo, a Associação Comercial Industrial e Agrícola de Bissau congregava 648 associados, recebera um impulso do Governador Silva Tavares para ter uma sede com uma certa dignidade e a quotização anual atingia os 325 contos. Desde 1951 que se previa a publicação do Boletim, teriam faltado os recursos. Mas 1958 é também o ano em que se começou a andar à procura de alumínio em Buba e em Madina de Boé, o Ministro do Ultramar, Raúl Ventura, negociou uma concessão para a prospeção de carbonetos e foi assim que nasceu a Esso Exploration Guiné. Veremos adiante que a Associação temia consequências gravosas com a chegada de gente com maior poder de compra, como estava a acontecer em todas as regiões onde se iniciavam explorações petrolíferas. E escreve-se mesmo: "A verdade é que enquanto a economia da Guiné vaziar na produção de oleaginosas para exportação, não será possível melhorar as condições materiais dos seus habitantes, pelo que será de recear um aumento do custo de vida sem o necessário aumento do poder de compra da população, o que, em última análise equivaleria a um empobrecimento geral desta Província."

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné - 1

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamaram-me à atenção para três volumes que contém Boletins desta Associação, de 1958 a 1966, não é a primeira vez que se fala desta publicação iniciada em 1958, não consigo por enquanto encontrar data em que teve o seu último número, tenho de bater à porta da Biblioteca Nacional.

Temos aqui nove anos de uma publicação declaradamente favorável ao Estado Novo, representativa dos interesses económicos instalados na Província da Guiné. Logo no primeiro número, o Presidente da Direção, Fernando S. Correia, refere que esta publicação corresponde a uma velha aspiração:
“A antiga Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau foi fundada em 1917 passou a denominar-se, desde 1951, Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné; o seu principal dever é a instigação e alargamento de todas as atividades fomentadoras da Guiné.
Os Estatutos da Associação, datados de 1951, preveem a publicação do Boletim, destinado a divulgar os atos da sua vida associativa e a registar todas as informações, notícias e estatísticas que interessem conhecer, e bem assim quaisquer estudos que digam respeito às atividades de fomento da Província.”


E mais refere que tinham sido as dificuldades de ordem financeira que até agora tinham impedido esta realização. Devia-se ao atual Governador, Silva Tavares, o apoio para que estes 648 sócios comerciantes, industriais e agricultores, pudessem dispor de uma sede condigna, arrecadando agora a Associação uma quotização de 320 contos. Espera-se que o Boletim venha a registar trabalhos que digam respeito às atividades de fomento da Província e abrem-se as portas às repartições públicas para cooperarem com informações e artigos.

Inevitavelmente, um tema fulcral que veio logo a ser tratado foi a Guiné na hora do petróleo. Procura-se logo no primeiro número fazer uma súmula dos acontecimentos:
“Em 1956, em regime experimental, foi a firma holandesa N. V. Biliton Maatschappij superiormente a pesquisar minérios de alumínio em determinada zona desta Província.
A referida firma, em fevereiro daquele ano, enviou para tal fim à Guiné uma expedição mineira, chefiada por um geólogo de nacionalidade alemã, que iniciou a sua atividade em dezembro do mesmo ano, na região de Buba, na Circunscrição de Fulacunda.
Não dispomos de elementos que nos deem a conhecer o resultado dos trabalhos ali realizados, mas o abandono daquela região após poucos dias de permanência nela da expedição é sintoma evidente de que não foi brilhante ou, pelo menos que, se a existência do referido minério na região de Buba é um facto, ele não é economicamente explorável.

Em princípios de janeiro de 1957 passou a expedição para a região de Boé, da circunscrição de Gabu, onde estabeleceu acampamento na povoação de Madina. Mais tarde, isto é, em 7 de março de 1957, em virtude da publicação do Decreto n.º 40.987, foi, entre o Governo português e a referida firma holandesa, celebrado um contrato concedendo a uma companhia, que a mesma firma viesse a constituir, o direito exclusivo sobre pesquisas de minério de alumínio, na Guiné e em Angola. A companhia a que alude o Decreto acima referido foi constituída por escritura de 16 de agosto de 1957, com a denominação de Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola. Durante a primeira fase dos trabalhos a N. V. Biliton Maatschappij foi aqui representada pela conceituada firma comercial desta Praça, Nunes & Irmão. Veio a época das chuvas, o pessoal estrangeiro seguiu para Angola onde permaneceu até outubro de 1957. A representação da companhia passou para o Administrador de Circunscrição aposentado Luís Correia Garcia. Em fins de outubro a expedição regressou à Guiné, mas em virtude das cheias do Corubal os trabalhos só recomeçaram passados seis meses.

Nada sabemos quanto ao resultado dos trabalhos levados a efeito em Angola, como nada sabemos de positivo quanto aos que vêm sendo realizados na Guiné.
Oxalá os portos da Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola sejam coroados de êxito, porque sob o ponto de vista industrial a Guiné ainda está tentando os primeiros passos.”


E noticiava-se também que estava a percorrer a Guiné uma missão de técnicos que ao serviço de uma firma alemã tinha vindo proceder a estudos sobre as possibilidades de existirem no território jazigos petrolíferos.

No número seguinte do Boletim, avançam-se mais elementos. O Ministro do Ultramar, Raul Ventura, tinha referido em Conselho de Ministros que havia a possibilidade de uma concessão de pesquisas e exploração de petróleo na Guiné. Tinham surgido várias entidades a manifestarem grande interesse sobre as possibilidades da obtenção de petróleo em várias províncias ultramarinas – em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Timor e em São Tomé. Em sequência, publicaram-se dois Decretos pelos quais se estabeleceram os chamados direitos de concessão a pagar pelo concessionário, bem como o imposto de rendimento sobre os petróleos. Desses diplomas se fixaram com todo o rigor quais são as deduções que se podem fazer para encontrar o rendimento líquido. Tinham aparecido dois cidadãos portugueses a requerer ao Ministério a concessão de quase todo o território da Guiné para pesquisarem e explorarem petróleo. O Ministro despachou no sentido de que, tratando-se de petróleo, era indispensável fazer prova da sua capacidade técnica e financeira, que não chegou a ser feita. Apareceram outros concorrentes: uma sociedade francesa, companhias de várias nacionalidades como a Mobil, Texas, Standard de Nova Jérsia, Gulf Oil Corporation, a British Petroleum e duas empresas alemãs.

Houve conversações com os representantes destas companhias e pediu-se-lhes que dessem a conhecer as suas propostas. Acabou por ser selecionada a Standard Oil Corporation, mas os outros concorrentes foram avisados que caso não se chegasse a um acordo final com a Standard, em qualquer altura podia ser feito com uma outra. É nesse contexto que foi publicado o Decreto n.º 41.537, de 26 de fevereiro.

Este Decreto estabelece que uma sociedade que se chamará Esso Exploration Guiné Incorporated, que está constituída propositadamente para esse efeito nos EUA, fará contrato com o Ministério do Ultramar para a concessão do direito de pesquisas e de exploração. Trata-se de uma sociedade norte americana, mas uma condição que logo no início foi posta a todas as companhias é que o Governo não dá uma concessão a uma sociedade estrangeira; só dará a uma sociedade portuguesa o que significa que a Esso Exploration Guiné terá que se transformar, no prazo de seis meses, numa sociedade portuguesa. O máximo da representação que se poderia dar a investimentos portugueses seria de 20%; a Esso Exploration Guiné terá 20% do capital português, inteiramente gratuito e será entregue à Província da Guiné dentro de seis meses a partir da assinatura do contrato. O conselho de administração deverá ter maioria de membros portugueses e o seu presidente terá de ser também português.

Continuaremos a tratar deste número e de outros no próximo número.

O Governo português concede à Esso Exploration Guiné a prospeção de petróleo, entre outros carbonetos, fevereiro de 1958
Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné
(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 17 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27435: Notas de leitura (1864): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (3) (Mário Beja Santos)