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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27130: Notas de leitura (1830): "África Contemporânea", por Castro Carvalho, editado em S. Paulo - Brasil, 1962 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Suscitou-me a curiosidade este livro brasileiro intitulado "África Contemporânea", editado em S. Paulo em 1962, por um investigador amador, que não esconde o seu deslumbramento pelo despertar de África para a autodeterminação, resolve fazer uma obra que enumera os Estados africanos enquanto Repúblicas, Enclaves, Protetorados, Monarquias (Líbia e Etiópia), Federações, um sultanato (Zanzibar) e três províncias ultramarinas portuguesas (Guiné, Angola e Moçambique, não há qualquer referência a Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe). É uma obra puramente de divulgação, o autor terá ingenuamente tirado nalguma documentação de propaganda que se permitiu falar em mais de 3000 km de estradas que substituíam vantajosamente os caminhos de mato, numa exuberância de fauna e flora onde não faltavam chimpanzés e ruínas de Cacheu e o Forte de S. José de Bissau a atestar os tempos heróicos das Descobertas. Castro Carvalho não previra que no segundo semestre da publicação do seu livro de divulgação iria começar a sublevação do Sul da Guiné, a tal autodeterminação que tanto o entusiasmava, dava os seus primeiros passos.

Um abraço do
Mário



A Guiné Portuguesa num livro brasileiro de 1962

Mário Beja Santos

Numa loja solidária, numa aldeia perto de Óbidos, encontrei uma obra em estado lastimável, mas que me acicatou a curiosidade por ter sido editada no Brasil em 1962 e falar da Guiné Portuguesa. O seu autor, Castro Carvalho, foi médico e farmacêutico, ex-deputado estadual e capitão médico do Exército Brasileiro, apresenta bibliografia como a sua tese de doutoramento sobre moléstias infeciosas, escreveu mesmo em francês um romance realista de sexologia. Explica o que o atraiu a escrever esta obra sobre uma África em que a ignorância sobre ela é quase total. “O Brasil acompanha com simpatia a evolução rápida que os países recém-criados possuem no conceito geral das nações”, lembra a independência do Gana e como em menos de dez anos 22 novas nações alcançaram a sua autodeterminação. Escreveu este livro para se avaliar o grande desenvolvimento no rumo certo da real independência socioeconómica e política destes nossos Estados. E daí esta síntese que envolve geografia, história, mosaico étnico, distinções culturais, pan-africanismo. Lembra-se ao leitor que em 1960 o Brasil despertara para uma nova realidade política. Um quase obscuro Jânio Quadros ganhara as eleições presidenciais com farta maioria e João Goulart, também com farta maioria, fora eleito vice-presidente dos Estados Unidos do Brasil.

O Brasil virara à esquerda, houvera mesmo a condecoração de Che Guevara, deu escândalo. O país recebia oposicionistas de diferentes cartilhas, por ali andou Humberto Delgado, ali vai regressar Henrique Galvão depois de sequestro do paquete Santa Maria.

O médico e farmacêutico Castro Carvalho procura dar um resumo histórico do continente, como está a organizar a nova África, não deixa de mencionar as expedições dos exploradores do século XIX e dirige-se para aquilo que ele denomina como o drama da libertação: um continente cheio de recursos, com mais de 90% da população analfabeta, uma libertação conquistada por vezes com sangue, enumera alguns dos líderes africanos com proeminência na altura, as tentativas de neocolonialismo, os esforços de alguns novos Estados para fazerem federações, tudo com maus resultados, as potencialidades turísticas, o quadro da presença islâmica no continente. Postos estes resumos, pretende dar-nos uma imagem de quem é quem em África: o Sudoeste Africano, Alto Volta, Angola, Argélia, Camarões, República Centro Africana, Chade, Congo Brazzaville, ex-Congo Belga, Costa do Marfim, Daomé, Egito, Etiópia, Enclaves Britânicos (Suazilândia e outros), Enclaves Espanhóis, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Portuguesa, Libéria, Líbua, Republica Malgaxe, Mali, Mauritânia, Moçambique, Níger, Nigéria, Quénia, Rodésia, Rolanda, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanganica, Togo, Tunísia, Uganda, África do Sul (então União Sul Africana) e Zanzibar. Não há qualquer menção a Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Vejamos como ele nos apresenta a Guiné Portuguesa.

Menção da chegada de Nuno Tristão em 1446 à Costa da Guiné, início das expedições de penetração no interior, “A Guiné Portuguesa desempenhou desde o século XV ao século XIX um papel predominante do povoamento e na economia do Arquipélago de Cabo Verde, a que esteve estritamente ligada até 1869, data em que adquiriu autonomia administrativa. No começo do século XX, esse pequeno território português estava empobrecido, desorganizado e rebelde. Criou-se, então, um conselho em Bolama e comandos militares nas povoações de Buba, Geba, Cacheu e Bissau (não foi exatamente assim, mas adiante); a centralização dos serviços públicos principais, em Bolama, atraíra à vila o grosso da população portuguesa.”

E continua:
“A completa pacificação da Guiné foi realizada pelo Chefe do Estado-Maior, João Teixeira Pinto, sem o concurso do exército metropolitano, utilizando-se, apenas, dos recursos militares locais (também não foi assim, Abdul Indjai não era recurso local, era o chefe de mercenários, oriundo dos povos Jalofos). Foi só depois de 1886, época em que ficaram marcadas as fronteiras da Guiné Portuguesa, que esse território começou a progredir sendo isso hoje uma realidade incontestável.
Para atingir essa finalidade, muito esforço foi despendido, pois essa terra era olhada como inferno de vida e de morte. No decorrer dos anos, porém, pacificou-se o indígena, fizeram-se obras de saneamento e criou-se uma estrutura sanitária eficaz e completa
(longe de ser verdade, mas faz de conta).
Nasceram aglomerados urbanos, cimentou-se uma cultura, rasgaram-se mais de 3000 quilómetros de estradas que substituindo vantajosamente os tortuosos e inumeráveis caminhos do mato, permitiram a ocupação efetiva da Província. Em consequência, abriram-se grandes perspetivas na valorização das terras. E assim é que hoje a Guiné Portuguesa segue pela estrada reta do soalheiro.”

Castro Carvalho pontua pela localização, os limites e fronteiras, a superfície, a população, os dados religiosos, os recursos económicos, as potencialidades turísticas e os meios de comunicação. Uma palavra sobre este último tópico. É referida a TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) que estabelecia ligações entre as principais localidades da província e entre Bissau e Varela. Um elevado número de veículos e barcos a motor faziam a ligação regular dos portos marítimos (Bissau, Bubaque, Catió e Cacheu) com o interior, através de uma vasta rede fluvial a cerca de 1800 km; como referido atrás, a rede rodoviária atingia mais de 3000 km. Com o exterior, e principalmente com a Europa, as comunicações eram feitas através de Dacar, a TAGP mantinha contacto duas vezes por semana com a capital do Senegal. A Sociedade Geral de Transportes mantinha duas carreiras marítimas por mês, entre Lisboa e Bissau. A rede rodoviária da Guiné ligava-se através de Cacine e de Pitche com a República da Guiné; de Pirada com a Gâmbia; de Colina do Norte (Cuntima) com Sedhio e Kolda, com o Senegal.

Segundo Castro Carvalho, Bissau contava então com 20 mil habitantes, era um porto de mar bastante movimentado, e os principais aglomerados eram Bafatá, Bolama, Cacheu e Farim. É o que cumpre dizer de um livrinho redigido por um investigador amador sobre o tal continente ignorado, estávamos no início da década de 1960 e o Brasil abria-se declaradamente aos ideais da autodeterminação. Tudo vai mudar com a chegada da ditadura militar, em 1964.


Uma das mais belas fotografias tiradas ao icónico monumento de Bolama. Imagem de Francisco Nogueira, com a devida vénia, este monumento é considerado o mais impressionante monumento Arte Deco da África Ocidental
Bissau, José Luís de Braun, 1780. Propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Fotografia tirada numa picada da Guiné, por Andrea Wurzenberger, com a devida vénia
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Nota do editor

Último post da série de 15 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27122: Notas de leitura (1829): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 6 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27122: Notas de leitura (1829): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 6 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
Não deixa de ser curioso observar que no exato momento em que o regime do Estado Novo alçaprema a figura do Infante D. Henrique como o supremo condutor da gesta dos Descobrimentos, Vitorino Magalhães Godinho irá publicar três volumes de documentos sobre a Expansão Portuguesa onde evidencia pelo rigor das fontes que o Infante D. Pedro era fortemente crítico das cruzadas no Norte de África e que estimulara as navegações pela costa ocidental africana. Rapidamente se desenvolveram as operações comerciais, e daí a escolha que procedi à viagem de Gonçalo Afonso de Sintra, desastrosa, pois antes do Cabo Branco foram atacados em terra e massacrados. Caberá a Nuno Tristão chegar à Terra dos Negros, terá chegado ao norte da Senegâmbia, na sua primeira viagem não chegou a atingir o Cabo Verde, posteriormente terá encontrado a morte no rio Gâmbia.

Um abraço do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 6

Mário Beja Santos

Os três volumes de documentos sobre a Expansão Portuguesa, da autoria de Vitorino Magalhães Godinho, publicado na década de 1940, fazem parte do momento de viragem da historiografia portuguesa dos Descobrimentos, constituem uma rotura com a hagiografia, a pura especulação, o aproveitamento idolátrico da figura do Infante D. Henrique, isto no exato momento em que o Estado Novo procurava fazer do Infante uma figura sublime, o maior missionário da civilização ocidental.

Aqui se apresentou nos textos anteriores uma seleção que se considera representativa do Volume I. Fez-se a escolha do Volume II de um texto do Zurara sobre a regência de D. Pedro e a exploração da Costa Africana e os respetivos comentários e a viagem de Gonçalo Afonso de Sintra, a chegada de Nuno Tristão à Terra dos Negros.

Diz Zurara que dos anos seguintes a 1436 não acha coisas notáveis dignas de ser contadas. Voltou-se ao Rio do Ouro por peles e azeite dos lobos marinhos, em 1437 o Infante D. Henrique passou-o em Tânger, no ano seguinte morreu o Rei D. Duarte, seguiram-se muitas discórdias, o futuro Rei D. Afonso V tinha então seis anos, o Infante D. Henrique trabalhou muito para haver sossego e paz, foram anos em que não se enviaram navios. Vale a pena ler atentamente os comentários do historiador. No seu testamento, o Rei D. Duarte deixava indicado que durante a menoridade do filho, a regência deveria ser exercida pela Rainha D. Leonor, muito ligada às Casas de Aragão e Castela, o seu Governo representava uma ameaça de intervenção de política portuguesa; a Rainha viúva era afeta a D. Henrique e desafeta a D. Pedro. Foi nestas circunstâncias que as cidades do país e a burguesia nacional impuseram primeiro a associação de D. Pedro ao Governo e posteriormente a passagem da regência para as suas mãos.

O triunfo da burguesia em 1440 abre um período de intensa exploração marítima que fecha em 1448 com o fim da regência e a vitória da nobreza. “Afigura-se-me que são as condições sociopolíticas da época da regência que explicam o impulso dado às navegações e o abandono da política marroquina. Não é de forma alguma à iniciativa de D. Henrique, mas à política de D. Pedro e à iniciativa dos burgueses que se deve fundamentalmente esta decisiva expansão comercial-marítima. O papel de D. Henrique nos conflitos que precederam e seguiam à regência de D. Pedro é muito equívoco. Sem dúvida ao lado da nobreza e contra as cidades, procurou firmar a sua situação apresentando-se como árbitro dos partidos, conseguiu do irmão importantes concessões para o acrescentamento da sua casa senhorial, e abandonou-o em Alfarrobeira quando o peso de uma intervenção enérgica o teria salvo muito provavelmente.”

O historiador elenca que dispomos para o estudo das navegações entre 1440 a 1448: a Crónica dos Feitos da Guiné, de Zurara; Relação dos Descobrimentos da Guiné e das Ilhas, de Diogo Gomes; o trabalho de Jerónimo Münzer, muito semelhante à Relação de Diogo Gomes; o Esmeraldo, de Duarte Pacheco Pereira, de escassíssimas indicações; a Descrição da Costa de Ceuta à Guiné, de Valentim Fernandes, baseado em Zurara e Diogo Gomes; a Ásia, de João de Barros, resumo tardio de Zurara.

Vejamos agora a viagem de Gonçalo Afonso de Sintra. O historiador faz referência a João de Barros e Valentim Fernandes, o Infante mandou armar um navio em 1445, o seu capitão era Gonçalo de Sintra, levava consigo um mouro azenegue para lhe servir de intérprete, esperava ir à ilha de Arguim que está à frente do Cabo Branco. Sucede que antes de chegarem ao Cabo Branco numa angra fugiu o intérprete, Gonçalo de Sintra meteu-se num batel com doze homens, acabou num esteiro, o batel ficou imóvel, foram atacados pelos mouros, houve carnificina, salvaram-se três marinheiros, chegaram sãos e salvos a Portugal, façanha extraordinária.

Valentim Fernandes irá corroborar esta versão. Na sequência deste texto, o historiador alude à chegada de Nuno Tristão à Terra dos Negros. Fora enviado numa caravela, a mando do Infante, dirigiu-se à Terra dos Negros, antes passaram por terra areosa e maninha, sem árvores, e depois avistaram palmeiras, árvores verdes e formosas e campos de terra. Nuno Tristão segue num batel a terra, mas as vagas eram grandes e perigosas, foi forçado a regressar ao navio. Mais adiante chegou àquelas ilhas onde Lançarote antes tivera uma presa, chegado a terra um mouro já idoso disse-lhe onde estava uma povoação a cerca de duas léguas, Nuno Tristão temeu que seriam muitos os moradores daquela povoação, depois de evitar avançaram, apanharam moços e mulheres, não houve combate. Isto vem descrito na crónica de Guiné de Zurara. Magalhães Godinho tece comentários, vale a pena citá-los devido à sua grande importância.

A Terra dos Negros é, na toponímia quatrocentista e quinhentista, uma das grandes regiões em que se divide o continente africano. Do Mediterrâneo ao Golfo da Guiné, Leão o Africano enumera a Barbária, a Numídia, a Líbia e a Terra dos Negros. Esta região abrange essencialmente as grandes bacias do Senegal e do Níger, sobretudo nas zonas de floresta tropical.

O historiador deplora a escassez de informações prestadas por Zurara. Ignora-se se os navegadores seguiram à vista de terra, se reconheceram enseadas, promontórios, rios e baixos ou se velejaram ao largo durante algum tempo. Zurara não precisa que pontos da costa atingiu Nuno Tristão. Armando Cortesão depreendeu a descrição que se tratava do Cabo Verde. Damião Peres afirma que a viagem se alongou para além da foz do Senegal. Sem dúvida que o rio Senegal divide, segundo escreve Cadamosto, a terra seca e árida dos azenegues da terra fértil dos negros, o que também é corroborado pelo Esmeraldo e por João de Barros. A descrição não faz supor que tenham ultrapassado o Senegal, resulta de existirem arvoredos e negros ao norte do rio. Nuno Tristão deverá ter chegado a um lugar que está situado antes do rio Senegal.

Foram estes os textos fundamentais que selecionei do Volume II, vamos seguidamente para documentos constantes no Volume III.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 8 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27100: Notas de leitura (1827): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 11 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27112: Notas de leitura (1828): "Histórias de Amor em Tempo de Guerra, Guiné 1963-1974", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2017 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27112: Notas de leitura (1828): "Histórias de Amor em Tempo de Guerra, Guiné 1963-1974", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2017 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Tem sido graças ao bom acolhimento que me dá a Biblioteca da Liga dos Combatentes que vou lendo as investidas do médico Rui Sérgio pelas suas memórias da Guiné. Não resiste a falar de Galomaro, nem dos Bijagós nem da região de Pitche e Nova Lamego, por ali andou ele e gente do seu batalhão. Compõe agora quatro histórias que gizou como um guião para um filme: a mulher de um oficial de informações precisa de ter um filho que o marido não lhe pode dar e daí os encontros libidinosos com um furriel paraquedista; o Neco de Leixões, encaminhador para casas de alterne na vida civil e que passou a apresentar-se como percussionista e vocalista no Chez Toi, já na idade avançada o Neco acha que todas aquelas meninas deveriam ter sido condecoradas com a Medalha de Mérito Militar; Tomaz e Bárbara também têm como pano de fundo o Chez Toi, até o médico Dr. Rui Sérgio aparece como salva-vidas, Bárbara e Tomaz casarão na catedral de Bissau; e como o amor redime sempre, um grupo de quatro marinheiros frequenta na estrada de Bor um espaço onde atuam moças cabo-verdianas, também tudo acabará em casamento e o autor dá como comprovada a capacidade dos tugas em espalharem a sua bondade e poder de miscigenação já que a genética da portugalidade tem muito que se diga.

Um abraço do
Mário



Sim, o amor não nos deixa em descanso em tempos de guerra

Mário Beja Santos

O alferes miliciano médico Rui Sérgio, que cirandou entre Galomaro, Gabu e Bijagós, mostra fervor pela Guiné, dedicou-lhe um acervo de livros, chegou a vez de falarmos de Histórias de Amor em Tempo de Guerra, Guiné 1963-1974, 5livros.pt, 2017. Apresenta quatro histórias como um guião para um filme, despede-se com um poema onde se revela taciturno, diz-se contentar em viver só, com ilusões e sentimentos que jamais realidade serão.

Primeira história, um furriel paraquedista, vindo de uma operação no Morés, tenta nos CTT de Bissau uma ligação para a metrópole. Rui Sérgio não esconde que é médico e que tem que dar explicações, neste caso falando do intertrigo, a propósito de virilhas empapadas, gretadas e cheias de micose. Enquanto espera pela chamada, mete conversa com uma metropolitana, esta diz ser mulher de um oficial de informações no Quartel-General e professora de liceu. O furriel, que aspira chegar a Lisboa para terminar o sétimo ano, pergunta se ela lhe pode dar explicações de matemática, biologia e físico-química.

Um dia, lá em casa, e na ausência do marido que está em missão em Nova Lamego, irrompem os ardores libidinosos. O furriel não se sente muito bem pela sua consciência, passados uns tempos o casal partiu para Lisboa. Há depois uma terrível operação em Guidaje, ele é ferido, e foi evacuado de Bissau para Lisboa. Acontece o 25 de Abril, o furriel casa-se e tem uma filha, um acidente de viação leva-lhe a mulher. Um dia, numa esplanada do Príncipe Real reencontra aquele amor de ocasião de Bissau na companhia de uma filha. Mais tarde o furriel recebe um telefonema da mulher do oficial de informações, ela conta-lhe a seguinte história:
“Espero que não te zangues comigo e não aches que te usei, mas a verdade é que antes de irmos para a Guiné, e após exames analíticos, pois não engravidava, soube que o meu marido tinha azoospermia e que não podia ser pai. Ocultei tal facto para não ferir a virilidade e o desejo de ser pai, dizendo-lhe que a culpa seria minha. O facto de termos caído nos braços um do outro levou-me a engravidar. A minha gravidez e a minha vinda coincidiram com o facto de seres ferido em combate. Nunca mais te vi, agradecia todos os dias a Deus o ter-te posto no meu caminho e teres me dado a nossa filha que salvou o meu casamento.” Choraram abraçados um ao outro com a certeza de que a guerra da Guiné não fora assim tão má.

A segunda história envolve o Neco de Leixões, tinha historial de barman em estabelecimentos noturnos, após a recruta e especialidade foi colocado como criado de mesa na messe de oficiais do RASP, daqui foi mobilizado para a Guiné, deixou imensas saudades, era bom angariador de prostitutas, encaminhando embarcadiços para as casas de alterne. Partiu para a Guiné numa companhia de comandos e serviços como amanuense. Rui Sérgio usa indiferenciadamente a sua narrativa na primeira e na terceira pessoa do singular, umas vezes para descrever o contexto outras para pôr a personagem a falar. Em Bissau encontra um tenente-coronel com quem passara borgas e noitadas nos bares de Matosinhos, nos tempos em que ele era capitão, ele passa a impedido deste oficial superior, um dia encontra o Pinto, filho do dono da casa de câmbios mais famosa de Valença, a Casa Condessa, que atuava como guitarrista no Chez Toi, também conhecido como o Gato Negro, Rui Sérgio descreve ao pormenor. Agora, na velhice, o Neca de Leixões acha que todas aquelas meninas que trabalhavam naquele espaço lúdico de Bissau deveriam ser condecoradas com a Medalha de Mérito Militar.

A terceira história intitula-se Tomaz e Bárbara. Tomaz era tenente do Quadro Especial de Oficiais. Tirara o curso em Mafra, como aspirante fora colocado em Tancos, onde concluiu a especialidade de sapador. Mobilizado para a Guiné, cumpriu a primeira comissão no batalhão de Tite, trabalhou na desminagem da picada para Nova Sintra. É numa ida para Bissau que passou a ingressar no Quadro Especial de Oficiais, viu a sua comissão encurtada, veio até à Academia Militar, está agora em estágio no batalhão em Pitche, participa novamente nas atividades de desminagem, desbravava-se a picada de Nova Lamego até Pirada, um pelotão de Paúnca fazia a proteção à picada, as colunas deslocavam-se com uma GMC à frente, quando a coluna chegava a Nova Lamego um pelotão da CCS protegia-os até Pitche.

Aqui começa verdadeiramente a história. No trajeto para Canquelifá, a coluna é emboscada, causou dois feridos graves, um dos quais um alferes amigo de Tomaz. Este não descansou enquanto não foi a Bissau para visitar o amigo. Depois de jantar foi ver as moças no Gato Negro, aí conhece Bárbara nascida no Largo da Rua Chã, menina de 18 anos, católica temente, batizada na Sé Patriarcal do Porto. Rapidamente teremos derriço entre Bárbara e Tomaz. Este está de volta à região de Pitche, mal chega há um grande ataque do PAIGC a Copá, Pirada e Buruntuma, toda a zona Leste ficou em estado de sítio, tiveram que vir os comandos africanos e o grupo de Marcelino da Mata. A população de Copá fugiu, tiveram que vir os paraquedistas. O pelotão de Tomaz tem um comportamento formidável na desminagem da picada para Copá. Entretanto chega a notícia de que Bárbara tinha sido internada no Hospital Civil de Bissau com uma crise palúdica severa.

O autor não resiste a autorretratar-se, pois Tomaz é apresentado como médico do batalhão de Galomaro que tinha ido a Bissau acompanhar a evacuação de feridos e prestava assistência itinerante nos Bijagós (era esta a situação de Rui Sérgio). E temos novamente o médico Rui Sérgio em ação, ficamos a saber como Bárbara foi tratada:
“O médico mandou aplicar soro Ionosteril-G (Soro Polieletrolítico com glicose a 5%) com um fluxo rápido de 90 gotas por minutos, para uma hidratação adequada. Resochina 500 mg em infusão endovenosa de 8 em 8 horas. Aplicou-lhe intramuscularmente uma injeção de Fenobarbital para a agitação e Dolviran em supositório para a temperatura.”

Bárbara recupera. Tomaz chega ao fim do estágio, Bárbara e Tomaz casam na catedral de Bissau. Até na Guiné Jesus faz milagres.

A última história intitula-se Amor em tempo de guerra. Jorge oferece-se como voluntário para a Marinha, tem uma compleição física notável e uma musculatura bem desenvolvida. Ligado desde os 11 anos à mecânica e eletricidade, foi-lhe destinada a especialidade de Armas Pesadas. No início de 1972 é mobilizado e colocado nos Serviços de Reparação Naval da Armada. Viaja de avião com gente fixe, trabalha na manutenção de armamento das Lanchas de Fiscalização sediadas na base. Teremos seguidamente uma descrição de armas, fuzileiros, vias fluviais, formou-se uma dupla entre o Jorge e o José Russo, frequentam o Gato Negro, juntam-se mais dois, o Zé Bófia e o César Red River, passam a frequentar uma casa de cabo-verdianas nas estrada de Bor, os quatro amigos vão-se afeiçoando a quatro meninas do sítio, depois de muitas peripécias, numa refrega Jorge é ferido, por atos de bravura será condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, tudo acabará em bem, o quarteto marcou o dia de casamento na catedral de Bissau com as meninas de Bor.
“O amor também venceu a guerra e a capacidade dos tugas de espalharem a sua bondade, a sua capacidade de miscigenação, a sua entrega de amor e a alma lusófona, que espalha constantemente a sua portugalidade que geneticamente é uma mistura amerinda, africana, árabe, luso-galaica.”

Aqui finda o guião para um filme.

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Nota do editor

Último post da série de 8 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27100: Notas de leitura (1827): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27100: Notas de leitura (1827): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
A importância da Relação dos Descobrimentos da Guiné e das Ilhas é historicamente indiscutível, completa outra documentação fundamental, logo a Crónica de Zurara. Temos aqui o reportório das diferentes exposições e a chegada à Senegâmbia, com receções muito hostis; diz-se claramente que o Infante recebia um quarto de todo este comércio, de onde vinham ouro e escravos; põe-se ênfase nas exposições de Nuno Tristão e nas de Diogo Gomes e na sua viagem pelo rio Gâmbia; Diogo Gomes continuou nas navegações no reinado de D. Afonso V, refere que chegou às ilhas de Cabo Verde com António de Noli, assunto altamente controverso. Não se pode estudar o início da nossa presença na Senegâmbia sem dar a palavra a Diogo Gomes.

Um abraço do
Mário


Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5

Mário Beja Santos

Recapitulando o que aqui nos propomos fazer com a apresentação de alguns textos determinantes que nos trazem elucidação quanto ao modo como arrancou a nossa presença em meados do século XV e adiante numa região de contornos um tanto difusos entre o Cabo Verde continental e a Serra Leoa, pedimos auxílio àquele que terá sido o historiador melhor preparado sobre a expansão portuguesa, Vitorino Magalhães Godinho, retirámos um conjunto de parágrafos sobre este período quatrocentista, primeiro do seu livro A Expansão Quatrocentista Portuguesa, que está reeditado pelas publicações Dom Quixote, e estamos agora a selecionar outros parágrafos do conjunto de três volumes que o autor designou por Documentos Sobre a Expansão Portuguesa, continuam a ser incontornáveis no estudo sobre os descobrimentos. Encetámos no texto anterior uma referência à Relação de Diogo Gomes, aborda-se o projeto Henriquino e a construção de uma fortaleza ou castelo em Arguim. Iniciava-se um trato comercial que se irá progressivamente estendendo pela costa ocidental africana. Vejamos o que o historiador escreve sobre estes acontecimentos:
“E a este castelo vinham os árabes da terra trazendo ouro puro em pó, e recebiam em troca trigo e mantas brancas e outras mercadorias que para ali mandou o Infante. E assim sempre até agora se faz o comércio, trazendo os negros o outro da terra de Tambucotu. E este castelo foi construído no ano de 1445.

De novo o Sr. Infante fez uma armada de quatro caravelas; capitães Gilianes de Villalobos cavaleiro, Lançarote, almoxarife de Lagos, e Nuno Tristão e Gonçalo Afonso de Sintra e muitos outros de boas famílias. Os quais foram a Arguim e passaram além e tomaram ilhas.

E eu Diogo Gomes, almoxarife de Sintra, apoderei-me de 22 pessoas, que estavam escondidas e as trouxe ante mim como se fossem rezes, por meia légua, até aos navios. E tomámos nesse dia destes indígenas, homens de cor avermelhada, 600 e quase 50 e com estes voltámos a Portugal, a Lagos, onde estava o Sr. Infante que muito se alegrou connosco. Depois mandou o Sr. Infante, outra vez, Gonçalo Afonso de Sintra, voltou-se àquelas ilhas, batalhou-se com os Serracenos e as mulheres fugiam, e Gonçalo de Sintra perseguia-as pela água, e as mulheres tomaram lodo do mar e lançaram-lhe à cara, e o cegaram, de tal modo que ficou completamente cego. E voltaram os outros para a caravela, vindo para Portugal trazer as novas ao Sr. Infante, e trouxeram consigo mais de 60 nativos de um e outro sexo. E o Sr. Infante tinha sempre de todos os cativos que traziam uma quarta parte, e costumava dar-lhes tudo o que careciam. Foram mandadas novas caravelas. E navegando ainda mais viram uma terra cheia de árvores e palmeiras, e saltaram na terra firme. E toda aquela gente era preta. Mandaram os cristãos mercadorias que consigo haviam trazido para a terra firme, e ele receberam-nas e não quiseram falar.

E passando além acharam um rio grande que é chamado Cenega (Senegal) muito povoado e falaram os cristãos com essa gente pelos homens que consigo levavam, e trataram paz com eles, e fizeram comércio, e de aí traziam muitos pretos por compra. E assim desde então até agora, e cada dia mais, trazem pretos sem número daquele lugar.

E estas coisas, que aqui escrevemos se afirmam salvando o que diz o ilustríssimo Ptolomeu, que muita boa coisa escreveu sobre a divisão do mundo, que, porém, falhou nesta parte. Pois escreve e divide o mundo em três partes, uma povoada que era no meio do mundo, e a setentrional diz que não era povoada por causa do excessivo frio, e da parte equinocial do meio-dia também escreve não ser habitada pelo motivo do extremo calor. E tudo isto achámos no contrário, porque o polo ártico vimos habitado até além do prumo do polo, e a linha equinocial também habitada por pretos, onde é tanta a multidão de povos que custa acreditar. E aquela terra meridional está cheia de árvores e frutos; mas outras espécies de frutos, e as árvores são tão grossas e de tamanha altura que só vendo se pode crer.”

Descreve-se de seguidamente Diogo Gomes o filho adotivo do Infante D. Henrique, os privilégios recebidos do Papa e a continuação de novas expedições descendo a costa ocidental africana. Assim se descobriu um promontório a que se pôs o nome de Cabo Verde. “E neste lugar começa a linha equinocial, porque dias e noites aí sempre são iguais no inverno como no verão, e aquelas gentes são na maior parte negros. E as caravelas indo além de Cabo Verde, isto é, para o polo antártico, descobriram terra deserta.”

Os contactos não correram bem, morreram muitos cristãos envenenados por setas. Veio uma nova caravela armada, o capitão era Nuno Tristão, navegou diretamente a Cabo Verde, chegaram a uma terra de homens maus chamados Sereres, também muitos hostis. Continuaram a navegar até à terra dos Barbacins, de novo foram atacados com setas envenenadas. Diz Diogo Gomes que foi o primeiro cristão que fez a paz com eles.

Um certo nobre do reino da Suécia viera a Portugal e pediu ao Infante que o mandasse àquelas regiões. Deu-se um encontro muito feroz, só escaparam três rapazes que entraram no grande mar oceano e regressaram a Portugal, ajudados por um corsário que tripulou a caravela a partir do Cabo Espichel. É armada nova caravela e o capitão é Diogo Gomes, passaram o rio de S. Domingos, no Rio Grande de Geba viram Macareu, vieram os mouros da terra nas suas almadias e houve troca de mercadorias: panos de seda ou algodão, dentes de elefante, malagueta em grão. Regressaram a Cabo Verde, no caminho entraram no rio de Gâmbia, subiram o rio até Cantor, Diogo Gomes aproveitou para se informar sobre os povos da região. Temos aqui um precioso relato, tudo virá a ser descrito ao Sr. Infante. Diogo Gomes na sua Relação alude ao falecimento do Infante em 13 de novembro de 1460.

Dois anos depois, D. Afonso V armou uma grande caravela, Diogo Gomes foi nomeado capitão. Viajou até à terra dos Barbacins. “Com a ajuda de Deus, em doze dias cheguei a Barbacins e ali achei duas caravelas, a saber: uma, na qual ia Gonçalo Ferreira, familiar do Sr. Infante, que levava cavalos para ali. E na outra caravela era capitão e mercador o genovês António de Noli. Estes mercadores com as suas caravelas fizeram muito dano ao resgate dali: porque onde costumavam os mouros dar sete negros por um cavalo, a eles não davam mais de seis. Então eu convoquei os capitães, e da parte do Rei lhes dei sete negros por um cavalo, e dei depois um cavalo por catorze a quinze negros. E estando nós assim, veio uma caravela de Gâmbia com a nova de que um fuão (um sujeito qualquer) chamado de Prado, vinha com uma caravela cheia de riqueza. Armei logo a caravela de Gonçalo Ferreira e mandei-lhe da parte d’El Rei sob pena de perda da vida e de todos os seus bens para que fosse a Cabo Verde e ali esperasse aquela caravela. E assim fez, e nela encontrámos muito ouro.”

Na continuação do seu relato, Diogo Gomes refere que viajou para Portugal na companhia de António de Noli, viram ilhas do mar. “Chamámos Santiago à ilha, e até agora assim se chama. Havia ali grande pescaria. Em terra, porém, achámos muitas aves estranhas e rios de água doce. As aves esperavam-nos sem fugir, e assim as matávamos com paus.”

O relato subsequente não tem interesse quanto à nossa presença na Senegâmbia, centra-se nas ilhas Canárias, Porto Santo e Madeira, nos descobrimentos das ilhas dos Açores.

As notas de Vitorino Magalhães Godinho são de uma grande utilidade para a compreensão deste texto. O historiador refere a confusão de datas, mostra como claramente Diogo Gomes atribui ao Infante um pensamento económico; mostra igualmente as divergências entre o relato de Diogo Gomes e a crónica de Zurara; observa que entre 1448 e 1460 se explorou sistematicamente o litoral do Senegal à Serra Leoa, estabelecendo-se as bases de um comércio regular com a Guiné e da penetração civilizadora portuguesa; Godinho também recorda que as constantes referências a almadias de mouros e negros tornam muito plausível a hipótese posta por Jaime Cortesão da existência de um contínuo tráfego marítimo nas costas e rios da Guiné, o que explica a vigorosa resistência à concorrência comercial portuguesa.

Por último, levanta a questão do descobrimento do arquipélago de Cabo Verde, atribuído quer a Diogo Gomes, que a António de Noli, quer a Cadamosto. Na Relação a viagem de Diogo Gomes na companhia de de Noli é de 1462; ora a viagem no veneziano é de 1456, e documentos oficiais atribuem o descobrimento a António de Noli, cuja viagem deve ser anterior à de Cadamosto que ao encontrar quatro das ilhas supôs erradamente ser o seu descobridor. Mesmo admitindo que na Relação há confusão cronológica, e que Diogo Gomes acompanhasse António de Noli, não me parece de aceitar o tirar ao genovês a glória do descobrimento, pois de contrário certamente o Rei não lhe concederia a capitania de Santiago.


(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 1 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27078: Notas de leitura (1825): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 4 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27088: Notas de leitura (1826): "África No Feminino, As Mulheres Portuguesas e a A Guerra Colonial", por Margarida Calafate Ribeiro; Edições Afrontamento, 2007 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27088: Notas de leitura (1826): "África No Feminino, As Mulheres Portuguesas e a A Guerra Colonial", por Margarida Calafate Ribeiro; Edições Afrontamento, 2007 (Mário Beja Santos)


Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Trata-se de uma investigação relevante e vincadamente singular. Como observa a autora, Margarida Calafate Ribeiro, é uma recolha de vivências da memória da guerra colonial a partir das perspetiva de mulheres portuguesas que acompanharam os maridos numa retaguarda ou num destacamento atreito à guerra. "Nasceu do meu espanto sobre o registo apenas ficcional do rosto destas mulheres, e da generosidade das mulheres que entrevistei quando um dia lhes bati à porta e lhes disse: 'Sei que esteve em África. Quer contar?'.

 Uma coletânea de testemunhos onde se exprimem as diversidades na formação destas mulheres nossas contemporâneas, o quadro ideológico envolvente de todas elas, há uma imensa saudade por aqueles amplos espaços, pelas rasgadas solidariedades, quem ali deu à luz ou levou crianças pequenas guarda recordações ao milímetro, há quem não queira voltar, sobretudo as mulheres que ali estiveram presentes nos últimos anos, com realce para a Guiné e Moçambique, houve a clara perceção que o mundo desabava e em muitos dos depoimentos há o claro desconforto em dizer que nem tudo correu bem na descolonização, mas que foi o resultado inevitável de uma teimosia sem limites que levou muita gente a ter que fugir e ao sofrimento de guerras civis. Oxalá que esta obra tenha continuação.

Um abraço do
Mário



Mulheres que foram à guerra ou que andaram ali bem perto

Mário Beja Santos

O essencial dos testemunhos de quem participou ou viveu o teatro de guerra é dado pelos militares, como comprova a literatura produzida de 1961 até hoje. Há, evidentemente, testemunhos de mulheres, referem sempre nomes como os de Lídia Jorge ou Wanda Ramos que ousaram, pela via da ficção, pôr na escrita a experiência do que viram em África. Daí o conjunto de iniciativas de dar voz a quem esteve na Ribalta, logo as enfermeiras paraquedistas, depois as mulheres dos militares.

E é neste nicho da memória do feminino que Margarida Calafate Ribeiro [na foto à direita], investigadora do Centro Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, desenvolveu um projeto de auscultação de mulheres que acompanharam os maridos em Angola, Guiné e Moçambique; não foram poucas as que viveram em aquartelamentos sujeitos a flagelações ou transitaram por estradas onde podiam ocorrer emboscadas ou deflagrar minas.

E o todo desta obra é de uma impressionante qualidade, são depoimentos enriquecedores, iremos ser confrontados com memórias onde é difícil não acreditar na sua total sinceridade; um todo que clarifica (ou comprova) que o estudo da guerra colonial não pode deixar de dar visibilidade às mulheres destes militares, muitas delas guardam recordações felizes, outras não tanto, lendo "África no Feminino, As Mulheres Portuguesas e a Guerra Colonial", Edições Afrontamento, 2007, ganha-se consciência de que se queremos interpretar a guerra colonial num sentido individual e coletivo, é indispensável ouvir os diferentes testemunhos e não tratar a presença das mulheres na guerra como um mero acidente histórico.

Sendo completamente inviável ir pontuando e distinguindo esta vasta galeria de testemunhos recolhidos pela investigadora, há que procurar classificar em termos amplos quem testemunha e a matéria desse testemunho. Um número elevado delas tem formação académica ou cursou os liceus e pôde ministrar no ensino enquanto o marido cumpria a sua comissão. São, por conseguinte, referências de mulheres de oficiais e alguns sargentos. Pesam os testemunhos de mulheres que alegam não ter então qualquer formação política, viver em ambiente conservador e religioso; há uma lembrança comum a todas, o horror das partidas no cais, ninguém esqueceu aqueles lenços a acenar e os gritos das despedida; há depoimentos bem vincados de mulheres de médicos, a partilha daquele sofrimento por verem vidas a apagar-se; elas nunca esquecem a procura de normalidade na vida, o vínculo estabelecido entre mulheres, mas há quem guarde más memórias da leviandade de outras mulheres de militares, e como recusaram o convívio; não são poucas as referências à formação católica e depois como, também graças à universidade, entraram nas suas vidas Graham Greene, Kafka, Saint-Exupéry, Malraux, Camus, Garcia Lorca, o novo cinema; os testemunhos dividem-se, compreensivamente, quando se fala em viver em cidades em que se sentia ou não a guerra.

Alguém testemunhará assim:

“Em Bissau, não tínhamos bem consciência da guerra, embora ouvíssemos os bombardeamentos, víssemos os helicópteros e muita tropa. Mas as desgraças que eu vi no hospital militar de Bissau não aconteciam em Bissau. Havia duas coisas que me davam a consciência da presença da guerra: primeiro, o regresso do meu marido das operações, vinha cheio de febre, com o corpo todo cheio de picos, que eu com uma pinça ia tirando devagarinho, vinha completamente esgotado física e psicologicamente. Íamos à missa na capela da Marinha, pelos que tinham morrido, que podiam ser do destacamento do meu marido ou de outro qualquer, mas havia sempre missas na capela e foi aí que comecei a aperceber-me de que estávamos realmente em guerra, morriam pessoas. Os helicópteros eram outro sinal da guerra. Transportavam sempre mortos ou feridos graves. Lembro-me como esperava por eles, quando o meu marido saía em missão. Os helicópteros só chegavam quando amanhecia e a minha primeira aula da manhã começava pelas 7h00. Entre as 7h05 e as 7h10 começavam a chegar os helicópteros. Ainda hoje tenho, muito dentro de mim, aquela angústia.”

E, mais adiante:

“Em Bissau havia casas, eletricidade, frigorífico, comida, bem-estar, lojas, vida. Estávamos bem, embora vivêssemos alienados da realidade. Quando hoje penso nisso, nós não estávamos na vida real, o que era aquilo? Vivíamos numa euforia falsa, entre ataques e regressos no mato e muitas festas.”

A eficácia deste levantamento de testemunhos é podermos sentir a multiplicidade dos olhares, a mulher como sujeito histórico da guerra e veiculadora de uma ética de reconhecimento, olhares sobre o ensino, sobre o racismo, a generosidade; e há o fator temporal a pesar na narrativa, sobretudo na Guiné e em Moçambique, quem ali viveu entre 1973 e 1974 observou se tinham entrado na diluição; é nesta diversidade de depoimentos que se pode entender como as produções literárias se demarcam perfeitamente nos três teatros de guerra. O depoimento de uma mulher em Angola ajuda a iluminar a complexidade de todos estes olhares:

“Em Angola os costumes eram muito mais brandos, a vida social muito mais descontraída e isso tornava as pessoas mais livres. O adultério era uma prática corrente precisamente porque havia muitas mulheres em Luana cujos maridos estavam no mato. Viajava-se muito, havia muitas pessoas que trabalhavam com empresas sul-africanas ou da Rodésia ou de Moçambique e havia muita gente que ficava sozinha. As mulheres dos militares que estavam no mato eram muito observadas. Estávamos permanentemente sobre a mira das pessoas. As mulheres dos militares eram consideradas presas fáceis, o que, por vezes, tornava a vida um bocado complicada. Estar com alguém fora do habitual ou com alguém do sexo oposto era muitas vezes objeto de mexericos e más-línguas.”

Há um extremo cuidado na composição do relato, a investigadora pede a quem inquire que fale das suas origens, da mentalidade doméstica, onde e como estudou, depois a narrativa encaminha-se para o modo como o casal se acompanhou e se acarinhou, e qual a importância da experiência na vida depois do regresso, muitos destes casamentos acabaram em ruturas, inevitavelmente fala-se do stress pós-traumático da guerra. Há depoimentos a que as mulheres não se furtam a refletir sobre o significado da guerra, como dela falam aos filhos, alguém depõe assim:

“Porque fui eu? Não sei bem, na altura fui o que desejei fazer, sem pensar numa realidade mais remota que não a simples companhia a alguém de quem gostava, uma coisa que me pareceu ser a atitude mais natural. Acho que, para a maioria dos milicianos, o fator mais importante foi exatamente a falta de empenhamento naquela guerra, não era uma guerra para a qual corrêssemos cheios de entusiasmo, como para as Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola. Não foi uma guerra de ideologia, foi uma obrigação que nos surgiu no caminho. Ficou a experiência da solidariedade que vivia no mato e os espaços sem limites que desconhecíamos.”

Sem margem para dúvida, um indispensável alinhamento de apontamentos que contribuem para se conhecer melhor o que estas mulheres com formação académica ou escolar guardaram na memória do tempo em que acompanharam os seus maridos nas três frentes de guerra.

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Nota do editor

Último post da série de 1 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27078: Notas de leitura (1825): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 4 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27078: Notas de leitura (1825): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 4 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
Creio que recordam o que o historiador Vitorino Magalhães Godinho referiu no prefácio desta edição de 1943, o rigor histórico exige que se inventariem as fontes para o estudo da história da expansão nos séculos XIV a XVII: fontes narrativas, diplomáticas, documentos diversos, obras técnicas e fontes cartográficas. Fontes para entender o início da presença portuguesa da Senegâmbia são, portanto, a Crónica dos Feitos da Guiné, de Zurara, Ásia, década I, livros I e II, por João de Barros; quanto às fontes narrativas, são de crucial importância as Navegações de Cadamosto, o Esmeraldo, de Duarte Pacheco Pereira e esta Relação dos descobrimentos, redigida por Martinho da Boémia sobre a narrativa oral de Diogo Gomes (ou Diogo Gomes de Sintra) que fora navegador do Infante D. Henrique. É certamente posterior a 1482, observa Magalhães Godinho. Diogo Gomes fez o seu relato quando já atingira os 80 anos, devia ter a memória enfraquecida, não parecendo de confiança nas datas. E ignora-se o que Martinho da Boémia teria incluído da sua lavra ou que tinha esquecido. No entanto, esta fonte é primacial e para certos casos única.

Um abraço do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 4

Mário Beja Santos

Recordo ao leitor que a recolha documental de Vitorino Magalhães Godinho sobre documentos da expansão portuguesa, e no caso particular da Guiné, revela-se como obra de referência. Veja-se, a título de exemplo, A Relação dos Descobrimentos da Guiné e das Ilhas, de Diogo Gomes, autor largamente versado aqui no blogue, o que se publica é uma versão traduzida do latim e que foi publicada no Boletim da Sociedade de Geografia em 1900, é um extenso documento que aqui se dará a estampa em sucessivos trechos:
“De que modo foi achada a Etiópia Austral a qual se chama Líbia inferior, além da que Ptolomeu descreveu, a qual se chamava Agizimba, agora, porém, chamada Guiné pelos descobridores portugueses até ao dia de hoje, a qual descoberta referiu Diogo Gomes, almoxarife do Paço de Sintra, a Martinho da Boémia.

Em 1416, mandou o Senhor Infante D. Henrique um cavaleiro nobre, de nome Gonçalo Velho, para além das ilhas Canárias, ao longo da beira-mar, desejando saber a causa de tão grande corrente. O qual navegou além e achou mar tranquilo e sereno junto da costa de África ou da Líbia, e chegou a um lugar que se chama agora Terra Alta. Na praia daquela terra havia apenas areia, não se achavam aí árvores nem ervas; a qual terra arenosa passa ao pé dos Montes Claros e vai até ao Monte Sinai, dividindo os homens brancos e pretos uns dos outros. Este mar arenoso, os cartagineses, agora chamados tunísios, em caravanas, levando às vezes até 700 camelos, atravessaram até ao lugar chamado Tambucatu, e a outro país, Cantor, em demanda do oiro arábico que aí se encontra em grande cópia, dos quais homens e animais muitas vezes apenas voltou a décima parte.

O que ouvido pelo Infante D. Henrique o moveu a inquirir daquelas terras pela água do mar, para ter comércio com elas e para sustentar os seus nobres. Este cavaleiro, chegando à presença do Senhor Infante lhe anunciou que achara o mar sereno, e sempre vento fresco do lado do norte, e grande cópia de pescaria em toda aquela costa. O Infante então mandou preparar um navio e dele fez capitão o vedor da sua Casa chamado Afonso Gonçalves Baldaia. E com ele mandou dois mancebos nobres com dois cavalos, os quais, como chegassem além da Terra Alta, foram enviados terra dentro, no lugar agora chamado Angra dos Cavalos.

E cavalgaram levando cada um consigo mantimentos para alguns dias; e o navio continuando a seguir aquela costa os esperava em lugar marcado. Os cavaleiros marcharam por nove dias, acharam 22 homens sarracenos, de cor avermelhada, usando azagaias e gomias, que pelejaram com estes dois. Os cavaleiros, porém, desejavam apanhar um para que deles soubessem o sítio onde estavam. Um destes nobres chama-se Heitor Homem, e o outro, Lopo de Almeida. E um dos sarracenos feriu o dito Lopo de Almeida em um pé, e Heitor Homem, furioso, matou o sarraceno.

Naquele dia, pela primeira vez, correu o sangue dos cristãos na terra da Guiné. Estes dois cavaleiros eram de 20 anos de idade. Por causa do escurecer da noite deixaram de lutar. No outro dia, porém, nenhum sarraceno apareceu.

Os dois cavaleiros, seguindo os vestígios da sua passagem na areia, voltaram para a costa chamada Rio do Ouro, onde acharam muitas redes feitas de cascas de árvores, porque naquele lugar há grande pescaria. Estes nobres, procurando o seu navio, percorreram doze léguas até encontrá-lo; os do navio já queriam voltar a Portugal, julgando que eles tivessem morrido.

Aí deixaram os cavalos, que estavam quase mortos, subiram para o navio, e vieram a Portugal, ao Senhor Infante, que ficou em extremo alegre, porque agora já sabia que a terra era habitada. Ele admirava as redes que trouxeram feitas pelos homens daquele país. Também eles contaram de como na barca entraram no rio agora chamado Rio do Ouro, e no meio deste rio acharam uma ilha de areia onde estava multidão de lobos marinhos. E à ilha tinham chamado Ilha de Lobos; e destes lobos marinhos trouxeram muitos a Portugal ao Senhor Infante, que muito se admirava.

Depois disto o Senhor Infante foi ocupado com outros negócios, durante alguns anos, nos quais não tratou de Guiné, porque o rei de Portugal, D. Duarte, seu irmão, com grande exército e armada passou a Tanja, cidade fortíssima; e na verdade nada fizeram de importância militar.

E depois de não pouco tempo o Senhor Infante mandou um navio pequeno ao Rio do Ouro, para ver se poderiam apanhar um destes habitantes locais que tinham encontrado, e mandou ao piloto ou capitão do navio que permanecesse aí na Ilha dos Lobos. E assim ficaram aí por uns três meses e mataram muitos lobos marinhos que trouxeram consigo.

Vendo que nada aproveitavam, voltaram a Portugal e de tudo deram nova ao Senhor Infante, que ficou contente porque tinham achado rasto de homens. Logo o Senhor Infante fez armar duas caravelas e mandou por capitão-mor um certo cavaleiro já idoso chamado Nuno Tristão, e na outra caravela foi por capitão António Gonçalves, muito moço, que depois teve castelo em Tomar, com outros moços da câmara do Senhor Infante, e mandou que fossem ao Rio do Ouro; de noite foram em batéis até perto da praia, e pela manhãzinha viram uns homens que vinham a um poço para tirar água. Alegres entraram em terra com as suas armas, e tomaram treze homens e mulheres; os outros, porém fugiram. Entre eles tomaram o homem velho e respeitável chamado Adavu, e alguns eram avermelhados e outros pretos. E assim contente o capitão-mor armou cavaleiro menor chamado Antão Gonçalves, que era parente do capitão da ilha da Madeira.

E voltaram a Portugal ao Senhor Infante que se alegrou com eles. E por estes teve começo o conhecimento daquele país, de como era povoado; e diziam que todos os habitantes próximos da costa marítima comiam peixe quase cru. E os que habitam na terra têm tendas ou barracas e se chamam Árabes, e vivem vida bestial, e comem carnes quase cruas e leite, porque naquela terra não há árvore alguma nem erva, e comem as carnes, quando as podem ter, aquecidas ao sol.

Ali têm muitas avestruzes e gazelas, são animais vulgarmente chamados gatos da Algalia.

E o Senhor Infante por estes soube do caminho para ir a Tambucotu, e disseram-lhe muitas falsidades. E disseram que os árabes indo de Adem para Tambucotu levam às vezes 400 a 500 cavalos, e acham no caminho um grande monte e disseram que aquela serra era povoada de gente admirável, como que os homens têm cabeça de cão e grande cauda, e são muito cabeludos, e as mulheres são lindas e de grande vergonha, etc. e muitas outras coisas que pareciam falsidade. E disseram que frequentemente 300 camelos voltavam de Tambucotu carregados de ouro.

E esta foi a primeira notícia que houve do ouro e de onde se encontraria a sua origem. Depois o Senhor Infante mandou caravelas, em uma delas foi um seu familiar chamado Gonçalo de Sintra e na outra um certo Dinis Dias, e que fossem além do lugar chamado Pedra da Galé mais longe, a ver se podiam apanhar ou achar mais habitantes. E navegando além acharam um lugar agora chamado Cabo Branco, e acharam gente naquele lugar que agora chamam Arguim. Arguim é uma ilha próxima de terra e muito povoada de árabes, que estavam avisados daquelas caravelas, de modo que muitos fugiram; muitos deles, porém, foram cativos e mortos.

E por isto o Senhor Infante depois mandou construir ali um castelo, e pôs aí gente sua cristã e um sacerdote da vila de Lagos, e este foi o primeiro que celebrou o ofício divino na Guiné. E a este castelo vinham os árabes da terra trazendo ouro puro em pó, e recebiam em troca trigo e mantas brancas e berneses e outras mercadorias que para ali mandou o Infante. E assim sempre até agora se fez o comércio, trazendo os negros o ouro da terra de Tambucotu. Este castelo foi construído no ano de 1445. E assim os sobreditos voltaram para o Infante.”


(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 25 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27053: Notas de leitura (1823): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 28 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27062: Notas de leitura (1824): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27062: Notas de leitura (1824): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
É no seu segundo volume de memórias que Almeida Santos nos dá a sua visão de como se processou a descolonização da Guiné-Bissau: apresenta a evolução do conflito e como este, gradualmente, se nos tornou mais desfavorável; a obstinação de Marcello Caetano em travar qualquer forma de negociação para entendimentos políticos com o PAIGC; os conflitos de Spínola consigo próprio, depois do 25 de Abril, em sonhar com uma base federativa, quando tudo se alterara em profundidade na cena internacional; a sequência das rondas de negociações, a essência do protocolo do Acordo de Argel, como se processou a descolonização económica da Guiné, defendendo o autor que o Acordo de Argel foi o acordo possível nas circunstâncias que teve de ser negociado. Ambos os dois volumes, que somam mais de mil páginas são credores da nossa leitura, é do melhor que há na literatura memorial política, Almeida Santos foi um notável plumitivo.

Um abraço do
Mário



Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2)

Mário Beja Santos

Em 2006, Casa das Letras/Editorial de Notícias e Círculo de Leitores deram à estampa as mais de mil páginas das memórias de Almeida Santos centradas na sua vida em Moçambique, o seu olhar sobre o processo colonial e as suas causas remotas, como se chegou ao 25 de Abril, a sua intervenção direta em sucessivos governos, a evolução do processo revolucionário, ponto em que se encontrava a guerra da Guiné e a leitura internacional que se fazia do conhecimento da independência da antiga colónia, isto matéria que ele versa no primeiro volume; a obra seguinte inicia-se com a descolonização da Guiné e prossegue com a narrativa de diferentes descolonizações até se chegar à frustrada descolonização de Timor e à não descolonização de Macau.

Do primeiro volume, uma preocupação de situar o oposicionista do Estado Novo em Moçambique e a leitura que ele fez de um processo colonialista que por decisão do líder do Estado Novo se foi encaminhando para um beco sem saída. O segundo volume das memórias de Almeida Santos enunciação exatamente com a descolonização da Guiné-Bissau, é em todo este enquadramento que vamos centrar o que, na nossa ótica, é merecedor da atenção do leitor.

O político reconhece que a guerra estava de antemão perdida, logo havia razões objetivas para isso, as condições difíceis do clima, favoráveis à guerrilha, os apoios dos Estados da vizinhança e o gradual fornecimento de melhor armamento que o nosso por parte dos amigos do PAIGC; a diminuta população portuguesa; a qualificada liderança cabo-verdiana e uma estratégia bem delineada que permitiu bastante sucesso logo em 1963; Spínola tenta uma inversão dos acontecimentos, tem um programa que procura preencher três fundamentais requisitos: corresponder às legítimas ambições do povo; promover a justiça social e a igualdade de todos os cidadãos e criar o mais depressa possível o progresso económico e social.

Reuniu-se com os comandantes militares e apresentou-lhes este novo conceito:
“Uma guerra subversiva nunca estã ganha, nem nunca se ganha militarmente, só é possível ganhar politicamente. Portanto, eu não vos vou pedir que ganhem a guerra, porque vocês não a têm capacidade para a ganhar. Quem tem de ganhar a guerra sou eu. A vocês só vos peço que não me percam a guerra e que me deem tempo para eu conseguir ganhá-la politicamente.”

O general procura dar um novo estímulo às operações militares, continuaram os bombardeamentos, aumentaram os efetivos, acelerou-se a africanização da guerra, mas o PAIGC passou a possuir instrumentos que alteraram a correlação de forças. E quando o Governo de Lisboa solicitou aos seus aliados antídoto que contrariasse os mísseis terra-ar, não obteve resposta, ela chegará em cima do 25 de Abril. Ainda num quadro de equilíbrio de forças, Spínola tenta negociar a mediação de Senghor, Marcello Caetano desautoriza Spínola a efetuar conversações quer com o presidente do Senegal e efetuar negociações diretas com o PAIGC. Adensava-se o fantasma da Índia, crucificar os militares pelo previsível desastre.

A partir dos inícios de 1970, a PIDE vai informando Lisboa de que há um processo evolutivo da guerra, entravam viaturas no terreno da colónia, a guerrilha tinha cada vez maior quantidade de material. Fragoso Allas escreve para a direção-geral da PIDE:
“Praticamente perdemos a vantagem da Força Aérea e não dispomos de meios aéreos que possam constituir força de dissuasão, ou que nos permitam castigar duramente as bases de apoio. Temos de encarar como possível que o PAIGC venha, em curto prazo de tempo, a estabelecer novas áreas libertadas, a dificultar ou impedir o tráfego aéreo e até mesmo a aniquilar algumas guarnições que agora passam a não poder contar com o apoio aéreo para as defender, evacuar os feridos ou reabastecer.”
E havia manifestações claras que a guerra tinha passado de subversiva a convencional. Spínola escreve assim uma cunha de que se caminhava para o colapso militar.

No passado, em novembro de 1970, ocorrera a operação Mar Verde, um falhanço que trouxe ainda um maior isolamento diplomático. Quando, em 28 de abril, Spínola mandou a Paris Carlos Fabião e Nunes Barata para se avistar com Senghor, este disse-lhes que era tarde para a retoma das anteriores tentativas de uma descolonização negociada a tempo. Spínola não aceitou essa evidência, mantinha a ilusão de uma base federativa. Em 13 de maio, o PAIGC declarava que o fim da guerra dependia do reconhecimento por Portugal da República da Guiné-Bissau, posição que não viria a ter recuo.

Almeida Santos escreve as etapas da descolonização da Guiné: o encontro em Dacar, as declarações politicas do PAIGC, o encontro de Londres, onde pairou no ar os espectro da continuação da guerra por parte do PAIGC, as tentativas de Spínola para que houvesse um congresso do povo para reconhecer a independência da Guiné-Bissau, Carlos Fabião fez-lhe ver que esse projeto passa a ser inviável; a ronda de negociações em Argel, o mais que se consegue é a aceitação formal das descolonizações da Guiné e Cabo Verde; em julho, já há conversações entre as tropas portuguesas na Guiné e o PAIGC; em 26 de agosto chega-se ao Acordo de Argel, assinado vinculativamente pelas duas delegações, ratificado pela Junta de Salvação Nacional, pelo Governo provisório e pelo Presidente da República. O autor recorda a fragilidade dos laços entre os dirigentes cabo-verdianos e guinéus, como tudo se encaminhou para o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980.

Não deixa de fazer referência à delicada matéria dos fuzilamentos, fala sem peias de um barbarismo repugnante, os Comandos começaram por exigir dinheiro para entregar as armas, foram aliciados pelo PAIGC, Carlos Fabião insistiu em que viessem para Lisboa, mas quase ninguém quis vir na altura. Este fuzilamento sumário semeou o ódio entre guinéus, ferida que ainda não sarou.

E por fim, Almeida Santos tece considerações sobre a descolonização económica da Guiné, fala do conjunto de problemas que se impunha encarar e resolver, isto ainda numa atmosfera em Bissau onde havia relações em Bissau claramente deterioradas, greves que paralisavam o reabastecimento da Guiné; não eram poucos os problemas de intendência, caso das ligações aéreas, um subsídio para aquisição de arroz, discutir o futuro das ligações marítimas entre Portugal e Guiné, o futuro de empresas como a Sacor, o tratamento a dar à sucursal do Banco de Portugal e à delegação do Banco Nacional Ultramarino, etc., etc.

Porque não correu melhor esta descolonização? Primeiro, a obstinação do Estado Novo a recusar qualquer tipo de negociações; o domínio do PAIGC no sul do território e a sua fixação num conjunto de santuários; manifestamente depois de 1973, a guerra tinha ultrapassado o limite, já se agia como se estivesse numa guerra convencional, a situação invertera-se, agora eram os militares portugueses a criar obstáculos de toda a ordem para que os guerrilheiros não chegassem aos quartéis. E havia a questão de memória, o lastro de ressentimento histórico, os séculos de tráfico de escravos, o fardo do trabalho forçado, a gestão económica confiada à CUF e à Casa Gouveia, a autonomização da Guiné face a Cabo Verde em 1879. E Almeida Santos escreve:
“Tenho perfeita consciência que nos limitámos em fazer um número histórico consistente em confirmar o já confirmado, e em autenticar o que por outro havia já autenticado. Fomos nós os escolhidos para aceitar a derrota na frente militar da Guiné e para, sem honra, mas também se humilhação, negociarmos a paz. O Acordo de Argel foi o acordo possível nas circunstâncias que teve de ser negociado. As fórmulas usadas não foram tão vexatórias como podiam ter sido. A verdade é que não estávamos em condições de fazer exigências que os nossos interlocutores não quisessem aceitar. Termos conseguido autonomizar a descolonização da Guiné da de Cabo Verde foi um resultado positivo. Termos afastado a semântica de um ajuste de contas, foi outro. Pelo contrário: a linguagem do respeito, e até do afeto recíproco, não ficou de fora do texto do Acordo.”

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Notas do editor

Vd. post de 21 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27041: Notas de leitura (1821): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 25 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27053: Notas de leitura (1823): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27053: Notas de leitura (1823): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
Ciente que a investigação historiográfica carecia de bases científicas, Vitorino Magalhães Godinho irá definir que a heurística e a hermenêutica precisam de fontes, para pôr termo à história feita de alusões miraculosas ou de referência a documentos que ninguém põe em cima da mesa. Estas propostas de rigor já tinham sido avançadas por Alexandre Herculano, já estava denunciado a revelação de Cristo a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique, a existência das cortes de Lamego, a multiplicidade de disparates da historiografia de Alcobaça. 

E para mostrar o que é trabalhar com fontes, levou Magalhães Godinho a enunciar documentação e a fazer comentários dizendo que era verdadeiro e falso. Décadas depois deste levantamento documental, o historiador deixa bem claro quais foram as molas reais do empreendimento de todas as estas navegações, e por ordem de grandeza, e não é de estranhar que os corifeus ideológicos do Estado Novo o detestassem, procurando mesmo silenciá-lo, ou ignorando-o. A verdade histórica veio ao de cima.

Um abraço do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3

Mário Beja Santos

Não é demais enfatizar que foi Vitorino Magalhães Godinho quem introduziu novos rumos científicos para a investigação histórica. Nesta obra intitulada Documentos sobre a Expansão Portuguesa, o historiados dirá claramente quais são as fontes para o estudo da história da expansão nos séculos XIV a XVII, estas constam de fontes narrativas (crónicas e relações), fontes diplomáticas (diplomas régios, diplomas emanados de entidades com direitos senhoriais, bulas pontifícias), documentos diversos (vão desde instruções e correspondência oficiais a documentos particulares), obras técnicas (roteiros, regimentos náuticos e tratados cosmográficos e náuticos) e fontes cartográficas. Fará um desenvolvido comentário quanto à especificidade destas fontes e, em jeito de conclusão dirá algo que continua a ser importante reter:

“Os descobrimentos e a colonização são um vasto movimento social e cultural que suscita problemas históricos bem mais complexos do que a simples data de uma viagem, prioridade de uma descoberta, virtudes de um dirigente. Tem de ser focado da perspetiva universal, como obra de cooperação e concorrência, na multiplicidade das suas diretrizes, na diversidade das necessidades económicas e tendências ideológicas. A náutica dos séculos XV e XVI construiu-se sobre a navegação mediterrânea, a agulha, as cartas de marear, sobre os instrumentos e teorias que vinham dos gregos, sobre as tábuas elaboradas por judeus, sobre as aquisições de técnica naval, como por exemplo o leme, sobre a perícia no mar de genoveses e catalães. Esta amálgama foi utilizada segundo as necessidades sociais e as sugestões ideológicas de Portugal e da Europa, em ação e reação com a realidade dos outros continentes. É a fase do desabrochar do capitalismo comercial em conexão com as transformações do senhorio fundiário, e ambos integrados na estruturação de um Estado que nascera da economia urbana, mas ultrapassara a cidade como núcleo político.”

Os documentos recolhidos pelo historiador prendem-se com navegações do século XIV, a conquista Ceuta, a Relação de Diogo Gomes, a análise da atividade do Infante D. Henrique, o povoamento das ilhas da Madeira e Porto Santo, a questão político-diplomática posta pelas Canárias, o povoamento dos Açores, a navegação entre o Cabo Não até à Pedra da Galé. Tome-se agora em consideração as referências que Duarte Pacheco faz no capítulo XXII do Esmeraldo à obra do Infante D. Henrique:

“A razão não sofre que nós calemos aquelas coisas as quais, por serem verdade, o coração deseja dizer, como o virtuoso Infante D. Henrique sendo com El-Rei seu pai na tomada da grande cidade de Ceuta que por bravo combate contra os Mouros pela Porta de Almina foi a entrada, o Infante exercitou ali tão esforçadamente a fortaleza do seu coração; no qual lugar mereceu o excelente grau do estado militar que lhe então foi dado, que por tais feitos aos esforçados barões por obrigação é devido; e passados alguns anos depois de Ceuta ser tomada e El-Rei seu pai finado, ele fez no Cabo de São Vicente que por outro nome antigamente Sacro Promontório se chamava, a sua vila de Terça Naval situada sobre angra de Sagres, que hoje em dia ali está fundada; onde se apartou com sua casa das fadigas e maldades deste mundo e viveu sempre tão virtuosa e castamente; e com outras virtuosas obras, sendo então governador do mestrado de Cristo desses Reinos, sua vida ali passou em tal extremo de bondade.

Outras muitas coisas podemos dizer deste príncipe; somente é para escrever a causa que moveu a descobrir estas Etiópias de Guiné, de que principalmente tratamos; e como quer que os virtuosos barões amigos de Deus e de limpo coração, inimigos da cobiça, nunca são desamparados da graça do Espírito Santo, jazendo o Infante uma noite em sua cama lhe veio a revelação como faria muito serviço a Nosso Senhor descobrir as ditas Etiópias; na qual região se acharia tanta multidão de novos povos e homens negros, quanta do tempo deste descobrimento até agora temos sabido e praticado; cuja cor e feição e modo de viver alguém poderia querer, senão os houvesse visto; e que destas gentes muita parte delas haviam de ser salvas pelo sacramento do santo batismo, sendo-lhe mais dito que nestas terras se acharia tanto oiro como outras tão ricas mercadorias, com que bem e abastadamente se manteriam os Reis e povos destes Reinos de Portugal, e se poderia fazer guerra aos infiéis inimigos da nossa santa fé católica.

Bem-aventurado é o Infante D. Henrique e bem-aventurados são os Reis de Portugal que suas vezes sucederam. A qual navegação começou o Infante por serviço de Deus pelo Cabo Não para diante; e tanto que a estes Reinos foram trazidos os primeiros negros e por eles sabida a verdade da Santa Revelação, logo o Infante escreveu a todos os Reis cristãos que o ajudassem a este descobrimento e conquista por serviço de Nosso Senhor; pelo qual o Infante mandou ao Santo Padre, o Papa Eugénio IV, Fernão Lopes de Azevedo fidalgo da sua casa e do Conselho de El-Rei D. Afonso V, comendador mor da ordem de Cristo; e assim como por Deus foi revelado e mostrado ao virtuoso Infante este maravilhoso mistério escondido a todas as outras gerações da Cristandade, assim quis que por mão do seu vigário, e assim por outros Padres Santos com suas bênçãos e letras a conquista e comércio destas regiões até ao fim de toda a India lhe fossem dadas e outorgadas; e com este fundamento deu princípio à obra, deixando este virtuoso Príncipe para sempre a dizima de todos os frutos e novidades que em cada um ano rendessem as ilhas da Madeira e dos Açores e de Santiago, e vintena de tudo o que se em Guiné resgatasse e a estes Reinos trouxesse ao dito mestrado de Cristo em satisfação e pagamento de algumas rendas que do dito mestrado houvessem, sendo ele governador, que no descobrimento destas terras e ilhas despendeu.”


Vitorino Magalhães Godinho ao comentar este texto distingue as razões apresentadas por Duarte Pacheco das de Zurara quanto às motivações do Infante para se lançar neste empreendimento das navegações. Recorda que não corresponde à verdade histórica a referência do apelo feito pelo Infante aos outros Príncipes Cristãos e promessa de partilha de vantagens. É verdade que a Ordem de Cristo recebeu a vintena dos extratos da Guiné; e deve-se reter que segundo Duarte Pacheco o termo inicial dos descobrimentos foi o Cabo Não.

Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27003: Notas de leitura (1818): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 22 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27043: Notas de leitura (1822): 2ª edição do livro do nosso José Saúde, "Aldeia Nova de São Bento" (Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp.)