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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25869: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (57): Ataque ao Destacamento do Dugal em 09 de Junho de 1971

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 19 de Agosto de 2024:

Boa noite Carlos e Luís
Este é o meu último "post" sobre a história da minha Companhia (CCAV 2721).

É natural que com o passar do tempo me lembre de mais "estórias" passadas na Guiné. Quando isso acontecer enviar-vos-ei para analisarem e publicarem, se acharem que vale a pena.
Entretanto, informo-vos que trouxe várias peças de artesanato (madeira e missanga).
Se entenderem que tem interesse para publicação digam, para mandar as fotos, mas só daqui a algum tempo, porque tenho as próximas semanas destinadas a outro "trabalho".

Com os meus desejos de saúde para vós e vossas famílias, um abraço.
João Moreira


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"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ATAQUE AO DESTACAMENTO DO DUGAL EM 09 DE JUNHO DE 1971

Na noite de 09 de Junho de 1971 o PAIGC atacou os quartéis desde Mansoa até Nhacra, para fixar as nossas tropas nos quartéis e desencadear um ataque a Bissau com os foguetões da rampa de lançamento que tinha instalado em CUMERÉ.

No ataque que foi feito ao nosso destacamento do Dugal, tivemos vários mortos e feridos.

Morreu o nosso soldado Sebastião do 1.º Grupo de Combate, que estava colocado neste destacamento e foi vítima dos estilhaços de um engenho explosivo.
Também morreram 1 furriel miliciano e vários soldados, pertencentes ao pelotão de morteiros que estava sediado em NHACRA e tinha uma secção em DUGAL.1

Foram vítimas da explosão de uma granada de morteiro que rebentou dentro do nosso espaldão de morteiro.

Constou que a granada de morteiro era "nossa" - foi enviada de outro destacamento nosso com direcção errada.

Após os ataques, os quartéis desta zona foram reforçados e passaram a noite em patrulhamentos


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Nota do editor:

[1] - De acordo com o Livro 2 - Guiné - Mortos em Campanha, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), neste ataque ao Destacamento do Dugal no dia 9 de Junho de 1971, faleceram: um Furriel e um Soldado  de Armas Pesadas do Pel Mort 2174 e um Soldado At da CCAV 2721. 

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Nota do editor

Último post da série de 15 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25844: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (56): Partida do Olossato para Nhacra em 09 de Junho de 1971 e ataque a Nhacra mal chegados

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25844: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (56): Partida do Olossato para Nhacra em 09 de Junho de 1971 e ataque a Nhacra mal chegados



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


PARTIDA DO OLOSSATO E ATAQUE A NHACRA - 09 DE JUNHO DE 1971

1971/JUNHO/09 - ATAQUE A NHACRA

Partida do resto da Companhia do Olossato para Nhacra (2.º grupo de combate, 4.º grupo de combate e resto do comando e dos serviços).

Durante o trajeto entre Bissorã e Mansoa uma viatura da coluna "avariou"? por duas vezes.
Como eu era o graduado mais próximo desta viatura, comuniquei ao capitão que mandou parar a coluna.
Pouco tempo depois a viatura voltou a trabalhar e a coluna prosseguiu.

Perto de Mansoa a mesma viatura voltou a "avariar"?.

Após pedir ao capitão para parar a coluna, dirigi-me ao condutor e disse-lhe que estava quase a escurecer e não podíamos ficar ali parados. Desta forma só tinha duas alternativas:
1) - Ou punha a viatura a trabalhar e seguia com a coluna ou
2) - Ficava lá sozinho, porque a coluna tinha de prosseguir.

Dei sinal ao capitão para a coluna avançar, e passados poucos minutos a tal viatura já seguia na coluna.
Trajecto entre o Olossato e Nhacra com escala em Bissorã e Mansoa
Infografia: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Chegados a Mansoa tomamos a estrada asfaltada que liga Bissau a Mansabá.
Poucos minutos depois a "viatura avariada" ultrapassou a coluna em grande velocidade e nunca mais ninguém a viu.

Deduzo que este condutor tinha "instruções" para retardar a nossa chegada a Nhacra, porque os nossos quartéis entre Mansoa e Nhacra foram todos ou quase todos atacados ao mesmo tempo que Bissau foi atacada com foguetões 122 mm, lançados do Cumeré.

Chegados a Nhacra fomos instalar os soldados no edifício que estava em construção, para instalar o posto emissor da Emissora Oficial da Guiné, que ficava ao lado do nosso quartel.
Depois fomos para o quartel para descarregar a nossa bagagem e instalarmo-nos nos quartos que reservaram para os furriéis.
Com a viatura parada junto aos nossos quartos e alguns furriéis em cima, a tirar a nossa bagagem, e os outros no chão a recebê-la e arrumá-la para depois nos instalarmos.

Nesta altura começaram a passar balas tracejantes, do lado do Cumeré para a estrada Bissau/Mansoa.
Pela trajetória das balas parecia que vinham dum edifício do quartel e nós, os furriéis da CCAV 2721 a pensar que era alguma brincadeira do pessoal que íamos render dizíamos:
- "Ide brincar com o car(v)alho"...
- "dos tiros vimos nós"...
- "Estamos fartos da guerra"...
- Etc...

Passado pouco tempo rebentou uma rocketada numa das árvores que tinha ao lado das instalações militares.
Nessa altura percebemos que não era brincadeira.

Era mesmo um ataque.

Perguntamos aos "velhinhos", que estavam connosco, onde eram as valas ou qualquer local onde nos pudéssemos proteger.
Como responderam que não havia valas nem locais protegidos, meti-me debaixo da viatura, do lado de dentro da roda de trás. Passados alguns segundos, estavam lá todos os furriéis, nossos e da companhia que íamos render.

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Nota do editor

Último post da série de 8 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25820: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (55): 5.º ataque do PAIGC ao Quartel do Olossato ao anoitecer do dia 07 de Abril de 1971

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25637: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (47): Coincidências I - Presençã do Furriel Justino em todos os ataques aos aquartelamentos



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


COINCIDÊNCIAS I

PRESENÇA DO FURRIEL JUSTINO


Ao reler a História da CCAV 2721 encontrei algumas curiosidades.

Nos 6 ataques que sofremos no quartel do Olossato, o furriel Justino estava no quartel em todos eles.

Mesmo nos ataques em que o nosso grupo de combate estava no destacamento o furriel Justino estava no Olossato, porque o destacamento só tinha espaço para 2 graduados.

As coincidências são tantas que no último ataque, no dia 30 de Dezembro de 1970, foi feito no dia que ele chegou ao Olossato, vindo de férias da Metrópole.

E no ataque que sofremos em Nhacra, estiveram à espera que chegasse o resto da Companhia para o furriel Justino não faltar a nenhum evento do PAIGC à CCAV 2721.

Valeu-lhe a "sorte", porque nunca sofreu nenhuma mazela nestes ataques.
Fur Mil Justino, o primeiro a partir da esquerda
Fur Mil Justino ao meio
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Nota do editor

Último post da série de 6 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25611: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (46): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: População recuperada ao PAIGC

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25611: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (46): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: População recuperada ao PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


POPULAÇÃO RECUPERADA AO PAIGC

Em Janeiro de 1971, no programa de rádio da Emissora Oficial da Guiné, deram a informação que as nossas Forças Armadas tinham capturado/recuperado mais ou menos 1200 pessoas que estavam debaixo do controle do PAIGC.

Como a minha CCAV 2721 trouxe muita população nos golpes de mão e emboscadas que fez, tive a curiosidade de fazer a contabilidade.
Verificada a história da CCAV 2721 contei 143 (cento e quarenta e três) elementos da população, entre homens, mulheres, jovens e crianças.
Além destes também recuperamos 3 guerrilheiros.
Todos juntos perfazem 146 elementos, ou seja, 12 por cento do total.

Para uma companhia de "periquitos", recuperar 146 elementos em apenas 8 meses é "MANGA DE RONCO".

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Nota do editor

Último post da série de 30 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25585: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (45): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Há indivíduos com sorte, mesmo na guerra

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25585: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (45): Há indivíduos com sorte, mesmo na guerra



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


HÁ INDIVÍDUOS COM SORTE, MESMO NA GUERRA

1) - Certa noite, estando de serviço num dos postos de vigia foi encontrado a dormir e o graduado "roubou-lhe" a G3.

2) - Numa operação, o oficial comandante do Grupo de Combate mandou parar o grupo, para os nossos soldados milícias analisarem as pegadas recentes que encontraram no trilho.
Nessa altura surgiram 2 elementos do PAIGC. Houve troca de tiros com os nossos soldados milícias e o nosso soldado "refilão" fez rajada para o local donde tinham surgido os tiros.
Atingiu e matou um dos nossos milícias e só não fez mais vítimas porque o oficial e os outros milícias gritaram para parar o tiroteio.

3) - Retiramos desse local para fazermos a evacuação de 1 guerrilheiro ferido e do nosso soldado milícia morto. Quando encontramos um local adequado para fazer as evacuações surgiu um grupo de "turras" que nos perseguia.
O "soldado refilão" viu o grupo IN aproximar-se, mas não avisou o comandante da secção dele, nem o oficial, nem os camaradas da secção. Agiu por conta própria.
Armou-se em "herói" e, sem avisar ninguém resolveu atacar o IN. Por sorte ou azar a bala não percutiu, mas fez o barulho suficiente para alertar todos os presentes - grupo do PAIGC e o nosso Grupo de Combate.
Este contacto não teve consequências para ambos os grupos.
Após a retirada do PAIGC deslocamo-nos para outro local e fizemos as evacuações.

4) - Mas um "herói lusitano" tem que continuar a ser o protagonista desta epopeia.
No dia 7 de Abril de 1971, o nosso grupo de combate estava de serviço e sofremos um ataque ao quartel.
O nosso "herói" saiu da caserna aos tiros de rajada, a caminho da vala.
Por sorte não matou nem feriu nenhum camarada.
Quando cheguei ao local os outros dois furriéis do meu grupo informaram-me que os soldados se tinham queixado das rajadas do tal camarada.
No final, quando achamos que o ataque já tinha acabado, chamei o "artista" e fiz-lhe ver as asneiras que tinha feito e que podia ter ferido ou morto algum camarada.
Quando ele veio ter comigo, pelo andar verifiquei que ele tinha álcool a mais, e ameacei-o pela asneira que ele tinha feito. Mas o álcool deu-lhe para "refilar" comigo. Preferi terminar aqui, e no dia seguinte voltarmos a falar e proceder de acordo com a reacção dele.

5) - Mas como disse atrás um "herói lusitano" tem que honrar os seus pergaminhos.
Estava se serviço ao posto das 2 às 4 horas da manhã. E o furriel de ronda às 3h45m foi à caserna acordar os soldados para render os postos e foi passar ronda aos postos da tabanca, feitos pelos milícias.
Como o "herói lusitano" não foi rendido às 4h00, fez uma rajada.
Lá veio o furriel de ronda a correr da tabanca para o posto donde tinha sido feita a rajada e encontrou os oficiais e os sargentos todos a pé, para saberem o que se passava. Eu estava de oficial de dia, também me levantei e equipei para ir ver o que se passava.
Como tudo serenou voltei a deitar-me - DEPOIS DE UM ATAQUE DE 30 MINUTOS APÓS O JANTAR, UMA RAJADA ÀS 4H15M É MUITO PERTURBADORA.

Às 6 horas da manhã, o furriel miliciano que estava de ronda informou-me que o capitão queria falar comigo, por causa desta situação.
O capitão queria que eu participasse para dar uma "porrada" ao soldado. Nessa altura já sabíamos que íamos para Nhacra e uma porrada podia originar uma transferência para uma zona de porrada.
Argumentando as consequências, convenci o capitão a não participar e darmos-lhe cabo do corpo = castigo físico.
Propus-lhe que sempre que o soldado não estivesse em serviço fosse trabalhar no heliporto, na substituição os troncos de palmeira que substituíam as valas, etc.
O capitão concordou e lá o safei duma porrada, quando na noite anterior eu estava decidido a dar-lhe um castigo pela irresponsabilidade que ele demonstrou aquando do ataque.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 23 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25554: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (44): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Sobreposição à CCAV 3378

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25554: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (44): Premonição



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


PREMONIÇÃO

A CCAV 2721 chegou à Guiné em 11 de Abril de 1970.
Foi colocada em OLOSSATO, na região do OIO, próximo da famosa base do MORÉS.

Ao longo da nossa permanência no Olossato os nossos soldados começaram a dizer que a nossa Companhia ia para Nhacra.
Era muito bom, porque em Nhacra não havia guerra.

Este boato começou a correr mais ou menos em Junho, ou seja 2 meses após a nossa chegada.
Nós, graduados, dizíamos-lhes para não acreditarem nisso e não criarem falsas ilusões.

- "QUANDO A ESMOLA É GRANDE O POBRE DESCONFIA". Mas, de 2 em 2 meses lá voltavam os soldados a dizer que a Companhia ia para Nhacra.

Apesar de nós, graduados, continuarmos a dizer-lhes para não acreditarem, eles insistiam.
E o boato ia-se repetindo de 2 em 2 meses.
E em Abril de 1971, num domingo de Páscoa, confirmou-se que a CCAV 2721 ia para Nhacra.

O capitão estava de férias e a Companhia era comandada pelo Alferes Salgado.

Eram cerca das 4 horas da tarde e o alferes Salgado apareceu de jeep em frente ao bar de oficiais e sargentos e convidou-me para o acompanhar na visita que ia fazer à tabanca.

Passado pouco tempo informou-me que tinha recebido uma mensagem a dizer que a Companhia ia para Nhacra.

Trocamos comentários acerca da persistência dos soldados que de 2 em 2 meses não deixavam de afirmar que a Companhia ia para Nhacra, onde NÃO HAVIA "GUERRA".

A chegada da CCAV 3378 em 13 de Maio foi a confirmação da nossa ida para Nhacra.

Em 31 de Maio foram 2 GComb e parte do comando e especialistas da Companhia para Nhacra.
5 de Janeiro de 1972 > João Moreira junto à piscina de Nhacra

Ficaram os 2.º e 4.º GComb para fazermos a sobreposição à CCAV 3378.

O resto da Companhia foi no dia 9 de Junho para Nhacra e sofremos um ataque, após termos instalado os soldados nas futuras instalações do Posto Retransmissor da Emissora Oficial da Guiné.

Íamos para Nhacra - ONDE NÃO HAVIA GUERRA - e fomos recebidos com um ataque.


(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25531: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (43): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Sobreposição à CCAV 3378

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25531: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (43): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Sobreposição à CCAV 3378



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


SOBREPOSIÇÃO À CCAV 3378

No dia 13 de Maio de 1971, chegou ao Olossato a CCAV 3378 para render a minha CCAV 2721.

Era uma companhia comandada por um capitão miliciano, engenheiro agrónomo, que diziam ter sido colega do Amílcar Cabral, com quem se correspondia através de um intermediário em França.

Por estes motivos estavam, ou foram, convencidos de que o Amílcar Cabral ia dar instruções aos guerrilheiros do PAIGC naquela zona para não atacarem esta companhia.

Os graduados, talvez por melhor formação, aceitavam os nossos conselhos, mas os soldados eram irresponsáveis.

Nas saídas que fizeram com o meu grupo de combate, obrigava-os a cumprir as minhas ordens, porque a minha vida e a vida dos meus soldados não podiam correr riscos desnecessários, provocados pela falta de consciência dos periquitos.

Exemplifico:

Em emboscadas noturnas falavam alto, dormiam, ressonavam, fumavam, etc. Não cumprindo as minhas ordens, falava com o graduado deles e levantava a emboscada, porque a nossa presença já estava denunciada.

Evitava andar nas bolanhas. Fazia a progressão 30 a 40 metros dentro da mata de forma a evitar ser surpreendido, mas eles queriam atravessar as bolanhas à balda, sem qualquer tipo de segurança.

Várias vezes avisei os graduados e os soldados que eles a procederem assim, iam ter muitos problemas e sofrer grandes desilusões.
Guiné > Região do Oio > Olossato > 1966 > Vista aérea do aquartelamento, pista de aviação e povoação.
Foto: © Rui Silva (ex-Fur Mil, CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67).

Entretanto, chegou o dia 31 de Maio e os 1.º e 3.º GComb seguiram para Nhacra, acompanhados por parte do comando e especialistas.

Os 2.º e 4.º GComb só foram para Nhacra no dia 9 de Junho.

Acabámos a comissão e regressámos no dia 28 de Fevereiro de 1972.

Em Março, ao descer a Rua de Sá da Bandeira, no Porto, cruzou-se comigo um indivíduo que me reconheceu e falou.

Era um dos furriéis da CCAV 3378, que nos tinha rendido no Olossato.

Durante a conversa perguntei-lhe como estava a correr a comissão deles e ele respondeu-me que não estava bem. Os soldados iam de G-3, morteiro e bazuca para o refeitório porque os "turras" tinham ido ao arame farpado.

Lembrei-lhe dos "avisos" que lhes tinha feito durante o tempo da sobreposição ao que ele me informou que a partir dessa altura todo o pessoal dizia:
- O furriel Moreira avisou-nos várias vezes que o Amílcar Cabral não ia dar ordem para não atacarem aquela Companhia por ser comandada por um amigo dele. ELE É QUE TINHA RAZÃO.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 9 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25500: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (42): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Os meus pedidos aos soldados do meu 4.º Grupo de Combate

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25500: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (42): Os meus pedidos aos soldados do meu 4.º Grupo de Combate



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


OS MEUS PEDIDOS AOS SOLDADOS DO MEU 4.º GRUPO DE COMBATE

A CCAV 2721 chegou à Guiné no dia 11 de Abril de 1970 e chegou ao Olossato em 13 do mesmo mês.

Em 31 de Maio, durante a "Operação JAGUAR VERMELHO" sofreu as baixas do capitão Moura Borges, comandante da Companhia e do alferes Silva, comandante do nosso 4.º grupo de combate.

Na falta do alferes, passei a comandar o meu 4.º Grupo de Combate, por ser o furriel mais antigo do grupo e da Companhia.

Nessa altura falei com o Grupo de Combate sobre a nova situação e para levarmos mais munições para morteiro 60, bazuca, HK-21, etc.

Esse acréscimo seria distribuído por todos, eu incluído, porque preferia irmos e virmos carregados do que precisar de munições e não as ter. O pessoal concordou e excluiu-me da sobrecarga para me poder deslocar mais facilmente por todo o Grupo de Combate.

Pedi-lhes também concentração e responsabilidade porque no fim da comissão queria que viéssemos os mesmos 28 elementos do grupo que levei do Regimento de Cavalaria 4, de Santa Margarida.

Também lhes pedi que não abusassem do álcool, porque os efeitos eram mais gravosos do que na metrópole.

Além disso, deviam ter especial atenção ao álcool nos dias de segurança ao quartel e nos dias de saída para o mato. Nestes dias deviam reduzir o consumo do álcool.

Se alguma vez, tivessem algo a festejar deviam guardar para o dia de trabalhos ao quartel, mas preferencialmente não abusarem da bebida.

E FELIZMENTE VIEMOS OS MESMOS 28 MILITARES QUE TINHAM SAÍDO DE SANTA MARGARIDA.

(continua)

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Nota do editor

Post anterior de 2 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25470: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (41): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: População recuperada ao PAIGC

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25470: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (41): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: População recuperada ao PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


POPULAÇÃO RECUPERADA AO PAIGC


1970/ABRIL/23
- Emboscada a sul da antiga tabanca do Maqué.
RECUPERAMOS:
8 mulheres
2 crianças

1970/ABRIL/29
- Emboscada a sul da antiga tabanca do Maqué.
RECUPERAMOS:
2 mulheres
1 criança

1970/MAIO/14
- Emboscada em BINTA4B3 (2.º GCOMB)
RECUPERAMOS:
1 guerrilheiro ferido

1970/MAIO/26
- OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO" - Bissancage (4.º GCOMB)
RECUPERAMOS:
1 guerrilheiro ferido

1970/JUNHO/28
- Emboscada no bico da bolanha Maqué/Bissajarindim
RECUPERAMOS:
1 homem
10 mulheres
3 crianças

1970/JUNHO/29
- Emboscada no bico da bolanha Maqué/Bissajarindim (noutro local)
RECUPERAMOS:
2 homens
1 mulher

1970/JULHO/08
- Patrulhamento a 2 GCOMB, a Iracunda e Manaca (1.º e 2.º GCOMB)
RECUPERAMOS:
2 homens
11 mulheres
4 crianças

1970/JULHO/13
- GOLPE DE MÃO A AMINA DALA = "OPERAÇÃO BACARÁ" (4.º e 1.º GCOMB)
RECUPERAMOS:
15 homens
5 mulheres
17 jovens e crianças

1970/AGOSTO/07
- OPERAÇÃO "ALMA MINHA"
RECUPERAMOS:
1 mulher

1970/NOVEMBRO/13
- RECUPERAMOS:
1 homem vindo do Senegal

1970/NOVEMBRO/14
- GOLPE DE MÃO A AMINA DALA = "OPERAÇÃO BRAIMA"
RECUPERAMOS:
1 homem
6 mulheres
8 crianças

1970/NOVEMBRO/19
- Apresentou-se 1 homem balanta com 1 PPSH

1970/DEZEMBRO/30
- GOLPE DE MÃO A CANJAJA UNHADA (2 GCOMB/CCAV 27212 + 2 GCOMB/CCP121 RECUPERAMOS:
1 homem
7 mulheres
6 crianças

1971/JANEIRO/31
- ACÇÃO "UMBELUZI", em Bissancage.
RECUPERAMOS:
1 homem

1971/FEVEREIRO/05
- OPERAÇÃO "URSO NEGRO", em Lubacunda e Bantasso.
RECUPERAMOS:
1 homem
2 - mulheres

1971/MARÇO/05
- GOLPE DE MÃO A CANTACÓ E BANTASSO.
RECUPERAMOS:
1 homem
9 mulheres
5 crianças

1971/ABRIL/01
- EMBOSCADA NA BOLANHA DO MAQUÉ
RECUPERAMOS:
1 mulher

1971/ABRIL/24
- PATRULHAMENTO A CANICÓ E SANSABATO
RECUPERAMOS:
2 homens

1971/MAIO/??
- PATRULHAMENTO OFENSIVO A MARECUNDA (1 GCOMB/CCAV 2721 + 2 GCOMB/CCAV 3378)
RECUPERAMOS:
4 mulheres
2 crianças

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 25 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25444: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (40): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Minas levantadas ou accionadas

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25444: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (40): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Minas levantadas ou accionadas



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


MINAS LEVANTADAS

1970/MAIO/14:
- 1 Mina antipessoal - LEVANTADA - Areal entre Maqué e Bissorã.

1970/MAIO/19:
- 1 Mina antipessoal - ACCIONADA - Soldado milícia gravemente ferido.

1970/JUNHO/27:
- 2 Minas antipessoais - LEVANTADAS - Antiga estrada Farim/Canjaja.

1970/AGOSTO/27:
- 1 Mina anticarro reforçada com 1 - mina antipessoal - LEVANTADAS - Estrada para Bissorã.

1970/DEZEMBRO/17:
- 1 Mina antipessoal - DETECTADA PEL CCP 121 - LEVANTADA PELA CCAV 2721.

1970/DEZEMBRO/18
- 1 Mina antipessoal - LEVANTADA.

1971/FEVEREIRO/14
- 2 Minas antipessoais - LEVANTADAS.

1971/MARÇO/20
- 1 Mina antipessoal - Junto à bolanha de Jaboiá. LEVANTADA.

1971/ABRIL/08
- 1 Mina antipessoal - ACCIONADA. Soldado André, do 1.º grupo de combate. Ferimentos num pé e numa mão.
- 1 Mina anticarro S47/53 ao lado da outra foi LEVANTADA.

1971/ABRIL/26
- 2 Minas antipessoais - Em BINTA4F18. LEVANTADAS.

1971/MAIO/06
- 1 Mina antipessoal - Em BINTA 4E575. LEVANTADA.

1971/MAIO/?? -
2 - Minas antipessoais de madeira. - Região de Marecunda. LEVANTADAS.
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Nota do editor

Último post da série de 18 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25407: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (39): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Material apreendido ao PAIGC

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25407: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (39): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Material apreendido ao PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira



MATERIAL APREENDIDO AO PAIGC

1970/MAIO/14:

1 - Pistola metralhadora PPSH

1970/MAIO/27:

1 - Carabina SIMONOV

1 - Mochila

1 - Par de botas

1 - Marmita

1 - Granada de RPG-2

1970/JULHO/13:

4 - Carabinas MOSIN NAGANT

1970/NOVEMBRO/19:

1 - Pistola metralhadora PPSH

1970/DEZEMBRO/30:

1 - Espingarda MAUSER

1971/MARÇO/05:

1 - Carabina MOSIN NAGANT

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Nota do editor

Último post da série de 11 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25371: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (38): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Batalhas com o PAIGC

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25371: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (38): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Batalhas com o PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


BATALHAS COM O PAIGC

1970/MAIO/14 - EMBOSCADA NO TRILHO DO MAQUÉ
O 2.º grupo de combate a sul do Maqué emboscou 2 guerrilheiros.
Apanhou 1 elemento ferido e 1 arma PPSH
O outro guerrilheiro fugiu.

1970/MAIO/26 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
4.º grupo de combate em Bissancage.
Emboscamos 2 guerrilheiros.
Ferimos e apanhamos 1 guerrilheiro.
O outro foi ferido, mas fugiu.
Foi morto 1 soldado da milícia, por fogo da nossa tropa.

1970/MAIO/27 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
1.º grupo de combate em Bissancage.
Matou 1 IN.
3 carregadores fugiram, deixando rastos de sangue.
Foi capturada 1 espingarda SIMONOV.

1970/MAIO/31 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
2.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
Grupo de combate de milícias.
Trilho Morés/Madina Mandinga.
Às 06h30, 1 grupo de guerrilheiros accionou uma armadilha montada pelo 4.º grupo de combate, na véspera. Fizeram fogo com armas ligeiras, RPG e morteiro 61 para ver se denunciávamos a nossa presença. A nossa chefia caiu nesse logro, respondendo ao fogo deles e denunciando a nossa presença.
Às 10h00, quando esperávamos o reabastecimento de água, fomos atacados com morteiros, RPG e costureirinhas. Pelo poder de fogo deviam ser um grupo grande e bem armado.
Neste ataque tivemos vários feridos, entre eles:
- Capitão Moura Borges (Comandante da Companhia), com gravidade;
- Alferes Silva (comandante do meu 4.º grupo de combate), com estilhaços;
- Vários soldados e milícias com estilhaços.
- o capitão e o alferes foram evacuados por helicóptero para o Hospital Militar.

1970/JULHO/08 - PATRULHAMENTO A IRACUNDA E MANACA
1.º grupo de combate.
2.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Atacaram grupo IN que os perseguia.

1970/JULHO/13 - OPERAÇÃO BACARÁ
Golpe de mão a Amina Dala.
Helicanhão em alerta no Olossato.
1.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Depois do 4.º grupo de combate fazer o golpe de mão, foi perseguido por um grupo de guerrilheiros.
Houve recontro com o IN, que vinha armado com RPG, armas automáticas e morteiros 61.
Pedida a presença do helicanhão o IN fugiu e deixou-nos chegar em paz ao Olossato.
Precisávamos bem desta protecção, porque o 4.º grupo de combate trazia cerca de 40 elementos recuperados.

1970/JULHO/17 - PATRULHAMENTO OFENSIVO A CANCUNCO
1.º grupo de combate.
? grupo de combate.
Atacou um grupo IN com 10 a 15 guerrilheiros, que ripostou com RPG e armas automáticas.
Sem consequências para as nossas tropas.

1970/DEZEMBRO/30 - GOLPE DE MÃO A CANJAJA
2 grupos de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCP 121
Confronto com 2 elementos da população armados.
Captura de 1 espingarda Mauser.
No regresso o IN bateu a zona com morteiro 61.

1971/MARÇO/29 - OPERAÇÃO URTIGA NEGRA (Patrulhamento ofensivo).
Às 07h30 as nossas tropas foram flageladas com armas pesadas e ligeiras.
Às 13h30 as NT detectaram e atacaram 1 grupo IN com 15 elementos.
Sem consequências para as nossas tropas.

1971/MAIO/?? - PATRULHAMENTO OFENSIVO A MARECUNDA
1 grupo de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCAV 3378
As nossas tropas foram flageladas com 2 granadas de morteiro 82, da região de Bancolene.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25337: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (37): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Ataques ao Quartel do Olossato e Nhacra

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25357: Notas de leitura (1681): "Margens - Vivências de Guerra", por Paulo Cordeiro Salgado; Lema d’origem Editora, Março de 2024 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Porque ficou este amor excessivo pela Guiné, por aqui andamos a testemunhar o que a memória ainda retém, no caso vertente Paulo Salgado, nosso confrade, volta em ondas sucessivas ao Olossato, aproveita acontecimentos vividos nos anos da cooperação e estas vivências da guerra, que agora nos oferece em livro, andam talentosamente entre o antes e o depois. Compete-me fazer uma declaração de interesse, dizendo que conheci o Paulo Salgado nos meses de cooperação de 1991, que viajámos ao Cumeré e ao Olossato, que numa das suas páginas me trata por Mariano e põe-me em Galomaro (diga-se de passagem que no meu tempo era uma quase colónia de férias, mas ele retratou-me entre flagelações e minas anticarro...). Devo-lhe um memorável encontro no Cumeré com o coronel Mamadu Jaquité que me deixava bilhetinhos na picada, sempre tratando-me carinhosamente por "alferes de merda"; e, não menos importante, guardo comovido a recordação da viagem ao Olossato, espero que o Paulo Salgado se recorde que quando ali chegámos se disse que nada de tão edénico tinha visto, sentia-me em Sintra. Enfim, as vivências que partilhei com o Paulo Salgado.

Um abraço do
Mário



Nunca o preço do amor pela Guiné é excessivo, só a morte o pode aniquilar

Mário Beja Santos

Paulo Salgado, depois da sua comissão no Olossato e em Nhacra, voltou à Guiné muito mais tarde como cooperante na área da saúde, durante sete anos, e sobre esta temática e outras incursões já deixara algumas achegas na escrita. Acaba de publicar uma nova incursão, de cariz memorial, pontuada por solilóquios, circunlóquios, viagens ficcionadas mas com personagens de carne e osso, deixa fluir a consciência de como pensava e agia no turbilhão da guerra, e com subtileza articula todos os seus regressos ao anseio da paz e do desenvolvimento, aquela terra, aquela vivência ganham forma de um processo irrefragável, é corpo dentro do seu corpo, e não resisto a comentar o que me ocorreu quando finalizei a leitura das "Margens Vivências de Guerra", Lema d’origem Editora, março de 2024, aquele parágrafo de Álvaro Guerra na sua obra O Capitão Nemo e Eu, 1973, nada de mais belo conheço em termos literários, e tudo por causa daquela guerra que nos irmanou: “Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um Sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar.”

Paulo Salgado é Alberto, tudo começa no aeroporto de Bissalanca, vem esperar Mateus, irão viajar até ao Olossato, inevitavelmente passarão por Ponte do Maqué, “lá está o que resta do fortim, quadrado fortificado, por onde passaram pelotões de companhias para guarda e salvaguarda da ponte, coberto de capim e arbustos, tudo o tempo levou, mas não levou as memórias que me vêm ao presente”; no Olossato Mateus procura Sali, a sua antiga lavadeira, ela anuncia-lhe que lhe deixou um filho, tem nome de Infali, trabalha nos correios de Bissau, põe-lhe diante dos olhos uma criança de cinco anos, é o neto de Mateus e dá pelo menos nome, Mateus pensa logo em levar esta criança consigo e educá-la; mas há uma outra viagem, Alberto, a mulher e a filha levam um outro antigo alferes, de nome Mariano até ao Cumeré, conta-lhe que em Nhacra, no dia 9 de junho de 1971, houve bastante sobressalto com flagelações do PAIGC, no Cumeré Mariano procura o comandante Demba, o antigo guerrilheiro do PAIGC fora seriamente flagelado no seu aquartelamento por ele e por o seu grupo, depois de uns segundos de embaraço tudo acabou em abraços, e gritou-se viva à Guiné!, e viva à Portugal!

Temos agora uma rotação de lugar e tempo, o antigo médico combatente conversa com uma sua colega, um rasto de memória leva-os até ao Sul, a jovem médica tem muito por contar, e nem lhe passa pela cabeça como fez bem ao veterano da guerra ouvi-la. Voltamos á orla do Morés, há um soldado que chora numa emboscada e será reconfortado pelo seu comandante; há um radiotelegrafista que não queria naquele dia ir em operação, o alferes lá o persuadiu, houve emboscada, a vítima foi o radiotelegrafista.

Temos agora Mateus e Alberto junto do enorme poilão do Alto do Maqué: “As nervuras salientes do poilão são enormes, cabendo ambos numa das fendas, parecendo que, abraçando-a, a magnífica árvore parece recordar-se deles, uma espécie de reencontro entre a majestade e imponência da árvore e a revisitação por estes homens que a ela ocorrem respeitosamente. Sentado, de pé, ao lado, de vários ângulos, deixam-se fotografar por Carolina, embevecida perante aquele cenário, aquele consolo quase pueril dos ex-militares, agora cinquentões.”

E há a memória do rio, quase sempre um fio de água que vaza as suas águas pelos braços do rio Cacheu; naquele local, estratégico, entre Bissorã e Farim, com o Morés à espreita, há recomendações para fazer ação psicológica, organizar manifestações de apoio à política do Governo, Alberto, que comanda a companhia, conversou com onze chefes de tabanca, e houve recados incómodos, do género: “Nosso alferes, a guerra não tem jeito nenhum; o senhor fala com o homem grande de Bissau para falar com o chefe do PAIGC para acabar com a guerra.”

E há as cartas de amor, Fernando Pessoa falava nelas como ridículas, Alberto dirige-se à sua amada, um tanto circunspecto, mas sempre com muitas saudades; traz-se gente da população afeta ao PAIGC numa operação, Alberto conversa com uma enfermeira da guerrilha, ela diz-lhe sem volteios que só quer lutar pela liberdade, o capitão decide que ela e as outras mulheres voltem para onde estavam, como aconteceu; não falta a mágoa de receber mensagens criticando a falta de cumprimento exato do que se devia ter feito numa operação e Alberto/Paulo Salgado dão nos conta, como se todos estivéssemos numa sala de espelhos, em Assembleia Geral, da ansiedade na espera do correio, a morte de um ente querido que nos é comunicada por uma mensagem, os meses passam, há brancos e pretos, mortos e feridos, lá na companhia chegou a funcionar um jornal, de novo “O Tabanca”, morre a mãe de Alberto e ele dedica-lhe um lindo poema, estamos em novembro de 1970, no fim desse ano há um ataque com mísseis terra-terra ao Olossato, o capitão enviar para Bissau o relatório: “Aquartelamento e povoação atacados com mísseis terra-terra; não houve vítimas nem prejuízos; apenas há que refazer o heliporto.” Num relatório não cabe dizer que houve gente escoriada e que se comeu um jantar frio; caso excecional, desapareceu um cabo-condutor do aquartelamento, mandou-me mensagem informando que o militar se teria perdido na mata do Morés.

O cooperante Alberto está agora numa receção na embaixada do Brasil em Bissau, disserta-se e brinda-se à lusofonia. Novo salto até ao passado, Alberto viaja pelas tabancas do Olossato e, mais adiante, fala-se do pontão que liga as duas margens do rio Maqué, que faz a ligação entre Bissorã e Farim, e alguém conta que o PAIG a rebentou com petardos, houve que reconstruir a ponte; muito anos mais tarde, quem contou a esta história, de nome Suleiman, ex-chefe de milícia, foi visitado pelo cooperante Alberto no hospital Simão Mendes, e o que fica escrito a todos nós pertence:
“Que vida de dor, primeiro, português de segunda, depois guineense de segunda, castigado por ter combatido ao lado da trapo portuguesa; agora amortalhado, vencido pelo sacrifício e pela doença, tenho de chorar, para dentro, não se consigo reter as lágrimas, um pedaço da minha vida escoou-se naquela figura íntegra e amiga, que tantas vezes guiou os nossos passos, nossos e de outras companhias, trilhos, carreiros, picadas… e me salvou a vida, evitando o pisar de uma mina… que Alá te abençoe, Suleiman.”

Ainda há muito que esperar desta literatura memorial, na casa dos setentas e dos oitentas são estas acendalhas que tornam esplendente o que Álvaro Guerra nos advertiu em 1973, chafurdou-se na lama das lalas, viveu-se a espiral da solidão, conheceu-se o medo, viram-se crianças esquálidas e de ventre inchado, seres humanos minados pela doença, tudo parecia acabado quando a guerra para nós acabou, mas não, como diz Álvaro Guerra, nunca o preço do amor é excessivo, porque muitos receberam a graça de amar aquela terra como este amor que agora se confessa, não se quer só reter para uso da memória individual.
Olossato: torre abrigo com vista para a pista de aviação
Olossato: abrigo das peças de artilharia – obus 8,8
Olossato: efeitos de uma mina na estrutura da ponte

Estas três imagens foram extraídas do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia
Regresso ao Olossato, neste caso Ponte do Maqué, 2006. Paulo Salgado, ex-alferes da CCAV 2721, na companhia do ex-cabo Moura Marques. Imagem retirado do nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25337: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (37): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Ataques ao Quartel do Olossato e Nhacra



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ATAQUES AO QUARTEL DO OLOSSATO

1970/MAIO/12 ÀS 19h05
Duração: 15 minutos
Armas usadas:
- Morteiro 82
- Canhão sem recuo
Local do ataque: Missirá e Fajonquito
Consequências:
1 mulher ferida. Morreu em consequência dos ferimentos.
OBS: - Eu estava de Sargento de Dia.


1970/AGOSTO/23 ÀS 17h00
Duração: 10 minutos
Armas usadas: Morteiro 82
Consequências:
- 1 ferido grave da população
- 1 ferido ligeiro da povoação
Tivemos o apoio de 2 FIATS
OBS: - Estava de férias na Metrópole


1970/OUTUBRO/28 ÀS 18h55
Armas usadas: - Morteiro 82
Local do ataque: Zona do Fajonquito?
Não teve consequências
OBS: - Estava no destacamento do Maqué


1970/DEZEMBRO/30 ÀS 20h00
Armas usadas: 4 foguetões de 122 mm
Local do ataque: Veio da direcção do Fajonquito? - Talvez Manaca ou Iarom
Sem consequências: 3 foguetões caíram antes da pista e o 4.º foguetão caiu além da tabanca
OBS:
- Estava no destacamento do Maqué
- Enganaram-se por um dia, a passagem de ano seria na noite seguinte.


1971/ABRIL/07 ÀS 20h00
Armas usadas:
- Morteiro 82
- Canhão sem recuo
- RPG - Lança granadas foguete
Força atacante: bigrupo com cerca de 45 elementos
Local do ataque: Missirá
OBS:
- Estava de Oficial de Dia por falta do alferes.
- Comandei o meu Grupo de Combate durante vários meses.


1971/MAIO/07 ÀS 17h00
(Hora do jogo de futebol)
Armas usadas: morteiro 82 (5 granadas)
Força atacante: 15 elementos, mais ou menos
Local do ataque: Cansambo
Sem consequências: As granadas não chegaram ao quartel.
OBS: - Não estava no quartel, tinha saído em patrulhamento.


ATAQUE AO QUARTEL DE NHACRA

1971/JUNHO/09 ÀS 20h00
Local do ataque: Estrada de Nhacra para Cumeré.
Armas usadas:
- Armas ligeiras
- LGF
- Morteiro
Sem consequências

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25313: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (36): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo III - Baixas sofridas, Punições, Louvores e Condecorações - Agosto de 1971 a Fevereiro de 1972