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quinta-feira, 12 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26911: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (32)

4.º Grupo de Combate da CCAV 2721
Da esquerda para a direita:
1.ª Fila (à frente): Fur Mil Moreira; Cabos: Brito, Nunes, Lopes, Rodrigues, Anselmo, Costa Pereira (milícia do Pelotão de Milícias do Olossato) e Fur Mil Justino;
2.ª Fila (ao meio): Soldados: Roque, Cunha, Rafael, Costa, Caetano, Salvador e Dias;
3.ª FILA (em pé): Fur Mil Ramalho; Soldados: Marques, Sousa (padeiro), Albano, Martins, Belejo, Barata, Correia, Henriques, Duarte, Simões e Alf Mil Silva.

Nota de João Moreira:
Esta é provavelmente a primeira fotografia que fizemos quando chegamos à Guiné, e é a minha homenagem ao meu 4.º Grupo de Combate, que foi o único que regressou completo. Vieram todos os militares que embarcaram em Lisbo no dia 04 de Abril de 1970, no navio TT Carvalho Araújo.

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Nota do editor

Último post da série de 5 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26887: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (31)

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26908: Historiografia da presença portuguesa em África (485): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Vellez Caroço (39) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Estamos a viver a época das circunscrições civis, a Guiné vive numa angustiante situação económica e financeira, o próprio BNU chegou a proibir as transferências para a metrópole, houve insurreição no território do comando militar dos Balantas, de Nhacra a Jugudul, não foi fácil de sanar, os acontecimentos dos Bijagós exigiram uma expedição militar, com o governador à frente, houve muito tiroteio, mortes e feridos. Excecionalmente, este texto deu lugar a uma série de anúncios que são reveladores do grau de transparência com que o governador agia, era meticuloso na análise dos dossiês, comprova-se com o despacho que ele elaborou sobre a situação dos médicos na Guiné, era igualmente um governador que acompanhava as situações do abastecimento interno, e por isso aqui se mostra a sua decisão de impedir temporariamente a exportação de arroz, para que não faltasse este alimento básico à população.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Velez Caroço (39)


Mário Beja Santos

O governador Vellez Caroço também se distinguiu e singularizou pela forma como comunicava com os cidadãos. Nenhum outro governador fez publicar com tanta minúcia os relatórios das operações ou explicar cabalmente os motivos que as empreendia. Vimos em texto anterior como se pauta pelo rigor e tratamento de equidade nos casos de infrações, desleixos e sanções de todo o tipo quer na administração civil quer na administração militar. Vamos começar por ver as imagens e comentá-las de acontecimentos passados em 1924, a Guiné vive ainda sequelas da Primeira Guerra Mundial, cresceu o número daqueles que pedem concessões, há sociedades agrícolas em plena atividade (embora com vida precária, como a Estrela de Farim ou a Sociedade Agrícola do Gambiel). O destaque do ano vai para os acontecimentos militares e mostra-se o teor de um despacho que tem a ver com o cuidado que o governador punha nos serviços de saúde.

Tenente-coronel Vellez Caroço
Anúncio da declaração de estado de sítio na região de Nhacra por desobediência de Balantas
Anúncio da manutenção de estado de sítio em território de Balantas e nomeação de um oficial averiguante assumindo o comando militar dos Balantas
Uma amostra de como o governador cuidava do abastecimento interno, estava atento aos preços do arroz, por isso decretou a exportação desse alimento até ver a normalização de transportes marítimos.

No Boletim Oficial n.º 25, de 26 de junho, publica-se um despacho do governador, que reza o seguinte:
“Não concordo com o parecer do Conselho de Saúde e Higiene na parte referente a considerar mais importante e de necessidade mais instante a colocação de um médico em Cacheu, do que prover o importante centro comercial, que é Bissau, com uma população tanto indígena como europeia maior do que Bolama e com tendências pronunciadas com rápido crescimento dos recursos clínicos reclamados pelo seu comércio e Câmara Municipal. De há muito venho reconhecendo essa necessidade e sempre considerei a cidade de Bissau como sendo a povoação da Guiné que melhor e mais urgentemente precisa ser dotada de um bom hospital com todos os melhoramentos que se encontram em outras colónias nossas, apesar de estarem em piores condições financeiras do que a Guiné, e por consequência, com os respetivos serviços médicos. A necessidade dos dois médicos em Bissau, quando não tivesse outros argumentos que a defendesse, bastava a circunstância providenciada de importantes lucros auferidos pelos que ali têm feito e fazem serviço, para plenamente a justificar. É incontestável que mesmo com dois médicos, o serviço clínico de Bissau é remunerado por forma tal que qualquer dos médicos fica com lucros superiores ao chefe e subchefe dos serviços de saúde da província.

Cacheu está há muito tempo sem médico, assim como o estão outros centros importantes e mais populosos da Guiné. Esse inconveniente está hoje, até certo ponto, compensado com as facilidades que há de comunicações, que permitem socorros médicos rápidos e o transporte de doentes para Bissau, como frequentemente está sucedendo. De resto, folgo bastante em constatar que o Conselho de Saúde e Higiene concorda com a necessidade de haver dois médicos em Bissau, como aliás já está consignado no Regulamento de Saúde, apresentando como único inconveniente para que Bissau seja desde já dotado de assistência clínica por dois médicos a falta que presentemente há de facultativos na província, mas, certamente o Conselho esqueceu que se apresentou recentemente na direção dos serviços de saúde o médico de Cacheu, o Dr. Sant’Ana Barreto, que muito bem podia voltar ao seu antigo lugar, visto que a Saúde considera tão imperiosa a necessidade de haver médico em Cacheu (e assim será se essa necessidade se confirmar) sendo dispensável o provimento desde já de diretor, interino, do Laboratório Central de Análises, pois esse cargo está desocupado há pelo menos quatro anos, embora oficialmente constasse que estava a cargo do sr. chefe dos Serviços de Saúde. Não há, pois, razão para deixar de atender as justas pretensões de Bissau, tendo chegado agora a oportunidade de restabelecer um pouco o equilíbrio de interesses dos médicos do quadro da Guiné, reduzindo aos limites do razoável a ucharia de Bissau, que tantos dissabores tem causados aos governadores da província pela luta de interesses que sempre provoca quando se lhe pretende bulir.

O Governador tem de orientar-se pelo bem geral ou interesses e comodidades do maior número, embora tenha de ir ferir interesses e necessidades, aliás ainda não criadas, do ilustre facultativo que é agora chamado a chefiar a secção médica de Bissau e por quem tem a maior consideração. Os outros pontos da província, e especialmente Cacheu, terão médico quando a Guiné tiver o seu quadro de saúde completo. Bolama terá dois médicos, Bissau terá dois. Cumpre-se assim o que está estabelecido no Regulamento de Saúde. É o que em última análise determino; indo para Bissau o Dr. José Vitorino Pinto e ficando ali fazendo serviço o Dr. Brandão que já lá se encontra e tem prestado serviços clínicos em Bissau a contento de toda a população. O Dr. Sant’Ana Barreto, se o sr. chefe dos serviços de saúde entender que os seus serviços são mais necessários em Bolama, poderá aqui continuar como diretor interino do Laboratório de Análises.”

Novo ciclo de rebeliões nos Bijagós, Canhabaque atacou à mão armada as forças do destacamento, o governador anuncia estado de sitio
Ficou na História com o nome Golpe dos Generais, Filomeno da Câmara pertencia à Cruzada Nun’Álvares, caminhamos passo a passo para o 28 de maio de 1926
Anúncio de que as operações em Canhabaque tiveram sucesso
Novo Governo, os Governos duram cada vez menos em Lisboa, os militares estão plenamente descontentes e começou a sua aliança com as forças conservadoras
Um dos problemas mais graves da economia guineense, havendo mesmo paralisação da economia, de tal modo que nem os funcionários públicos podiam transferir dinheiro para a metrópole, era resultado dessa suspensão do BNU, pelo que o governador autoriza as firmas comerciais a título provisório a fazer livremente transferências de dinheiro para a metrópole.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26881: Historiografia da presença portuguesa em África (484): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1922 para 1923, é a era do governador Vellez Caroço (38) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26887: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (31)

Foto 244 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Fonte do Vale > João Moreira
Foto 245 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 246 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 247 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Quartel > João Moreira
Foto 248 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 249 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Desvio para a estrada para CUMERÉ > João Moreira
Foto 250 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Antiaérea na Emissora Oficial da Guiné que ficava ao lado do nosso quartel > João Moreira
Foto 251 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Antiaérea na Emissora Oficial da Guiné que ficava ao lado do nosso quartel > João Moreira
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Nota do editor

Último post da série de 29 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26861: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (30)

domingo, 1 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26871: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VI: o pesadelo do tenente-coronel: as batatas e o frango congelado!...



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Fotos > Legendas > 

Foto nº 1 >   Quartel de transmissões, em Santa Luzia, Bissau, com edifícios no estilo da ChefInt e outros do QG/CTIG;  

Foto nº 2 > Viaturas Berliet e Unimog utilizadas nas colunas de reabastecimento ao interior; 

Foto nº 3 > LDG (Lancha de Desembarque Grande),  utilizada nos reabastecimentos ( esta é a no. 101)


(Cortesia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Continuação de "Recordações de um Furriel Miliciano, Guiné 1973/74":



O Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque (como consta na sua página no facebook):

(i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde; 

(ii) foi fur mil amanuense, ChefInt, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; 

(iii) ficou em Bissau até 1975; 

(iv) radialista, jornalista, historiógrafo da música da sua terra, escritor, vive na Praia;

(v) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, nº 790; 

(vi) tem 2 dezenas e meia de referências no nosso blogue.(*)


Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) (*)

Parte VI:  o pesadelo do tenente-coronel: as batatas e o frango congelado!...



Depois da minha chegada, tive de me adaptar ao calor intenso, descobri a cidade Bissau, conheci muita gente. 

Hoje descrevo: o trabalho, a rotina no dia-a-dia, o ambiente de guerra que se vivia na calma aparente de Bissau

O tempo passa e paira sobre nós o ultimato do tenente-coronel, para esvaziar as prateleiras dos mais de mil “autos de víveres e artigos de cantina” que estavam ali numa estante. Por isso, tenho de aprender depressa e logo iniciar o trabalho de minutar a análise e propostas de decisão.

O alferes vai-me ajudando a escrever a respectiva “informação” para despacho superior. O colega furriel veterano também me ajuda, dá-me uns toques e assim vou aprendendo a linguagem jurídica; mas o que considero um trabalho de aprendizagem, foi logo submetido ao chefe, sem que eu ainda tivesse a necessária experiência. Não tarda, o tenente-coronel chama-me ao gabinete para me admoestar: “Então, nosso furriel? Como é que é?” E blá blá blá… etc.

O alferes lá me desculpava, assumia os erros… e assim fui apanhando traquejo e experiência.

Neste ambiente de guerra e mortes, a tropa no mato, tem quase tudo do bom, para manter o moral e boa disposição! As cantinas disponibilizam boas bebidas, desde whiskies (de qualidade) a licores Glayva, Tríplice, aguardente velha, etc., vinhos engarrafados (do melhor), muita cerveja, os mais diversos artigos de toilete, etc. etc. E são enviados os mais variados produtos para a confecção da alimentação diária. 

A quebra, destruição deste «stock» devido à manipulação aquando do embarque e descarga e transporte, bombardeamentos, etc. dá origem aos autos que são enviados para apreciação na «Secção de Autos» onde trabalho…


A CHEFINT resolve ainda autos de fardamento, controla os consumos de víveres, fiscaliza a contabilidade das unidades, enfim tudo e mais alguma coisa. Manuel Amante, um velho amigo e colega do liceu que foi colocado no final de 1973 na Chefia da Intendência, explica:

“Nós fornecíamos material e equipamentos e tudo… aliás a Manutenção Militar estava sob a coordenação ou orientação da… Chefint – Chefia da Intendência) e eu fui colocado na secção que… vá lá, digamos, a «secção funerária», onde nós é que geríamos os caixões, portanto, eu fui chefe dessa pequena secção onde nós geríamos os caixões de chumbo, de madeira, de zinco, consoante a naturalidade de quem tivesse morrido, assim se distribuía.

 Portanto, eu, mais ou menos nessa altura, eu tinha uma ideia de como é que eram as operações. Apesar dos quartéis terem um stock de caixões, quando faltavam, eles requeriam e nós dispensávamos isso."


Com o passar dos dias sinto-me integrado na secção d
e autos de víveres, onde o ambiente é de conversa e conhecimento mútuo. Os três civis, colegas de serviço são: o Demba Baldé, que tem uma cara horrível, toda desfeita por queimaduras…, é ele quem trata do arquivo; há um vivaço chamado, Issa Baldé que é o dactilógrafo; o Claudino, trata de expedientes administrativos, é um homem na casa dos 30 anos, de pele clara, tem um bigodaço, parece ser cabo-verdiano.

O alferes comenta a brincar: 

“Olha, na Guiné são todos: Mané, Baldé, Turé… Camará, Embaló, Djaló, Dabó… Eu confundo sempre os nomes!”

Apesar de muitos terem apelidos homónimos, não são, nem familiares, nem parentes. Há mais civis nas outras secções, a maioria guineenses, mas também há descendentes de cabo-verdianos.

O Demba ao me ver sair várias vezes para ir beber e voltar todo molhado em suor – acho que sentia pena de mim – certo dia ao me ver assim, não resistiu e disse: 

“Oh! Gonçalves, assim não vais poder aguentar a comissão! Tens de te adaptar ao calor! Toma lá, põe na boca, um pedacinho chega!"

Estendeu a mão com algo e diz:

"Vai ajudar-te a controlar a sede!”

Perguntei o que é isso, ele responde:

“Noz de cola! Põe isso num canto da boca!”

Desconfiado, tomei o pedacinho daquele fruto verde por fora, branco por dentro, a textura parecia a de um pedaço de tâmara meio verde, mas não meti na boca. Aceitei a oferta por cortesia. Demba também não comentou a minha atitude. Passados uns dias, vendo a minha aflição, Demba voltou a alertar-me:

“Põe o pedacinho de cola na boca e a sede vai acabar!”

Assim fiz, senti então uma sensação de frescura na boca e na cara, a saliva aumentou… Agora o meu problema é: ir frequentemente cuspir na casa de banho! Passadas umas semanas, comecei a adaptar-me ao calor intenso da Guiné, já nem utilizava a noz de cola, bebia normalmente.

Demba Baldé é muçulmano, reza todos dias às 11 da manhã e à tarde às 17 horas; ele levanta-se, vai a um canto, estende um pequeno tapete no chão e faz as suas orações. 

Demba, notou o meu espanto por ele estar muitas vezes a rezar com um rosário nas mãos enquanto trabalhava; por isso ele tomou a iniciativa de me explicar os preceitos da fé muçulmana, um mundo que eu desconhecia: no Ramadão, tinham de rezar todo o dia e fazer jejum, só comiam à noite; quem pode frequentar a mesquita; peregrinação a Meca, quem lá foi, passa a ter título de «El Haaj», ou “Aladje”; e isso e aquilo… etc. e tal.

Curioso, perguntei apontando, o que era aquele rosário que ele tinha nas mãos? Fez-se de desentendido, não insisti. Prosseguiu explicando que nomes da Bíblia que se diz, serem cristãos, vêm do árabe: Abraão é Ibrahim, José vem de Youssef, etc. 

Quanto ao rosário, a explicação veio pelo Issa Baldé: chama-se “tashby”. O Issa diz que também é «Fula», explica que o seu nome significa «Jesus» em árabe, aliás fez questão de sublinhar, «Issa» é que é o verdadeiro nome de Jesus! 

Mas, este nosso dactilógrafo, embora muçulmano, não era praticante, fumava muito e dava-se muito bem com o Claudino,  outro grande fumador,  gozava com o Demba, quando ele me contava estas estórias de religião ou da etnia «Fula».

Demba também me explicou que é da etnia «Fula» com orgulho diz: 

“Nós somos diferentes das outras etnias da Guiné porque sabemos ler e escrever, temos o nosso próprio alfabeto!"

O ex-militar Manuel Dinis, comentou anos mais tarde: 

"Os fulas, ardentes propagandistas do islão, propagavam a escolaridade em árabe. A população manifestava-se algo colaborante, mas assumia uma posição neutra em relação ao IN (inimigo) de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros.”

Comecei então a ter uma outra noção da Guiné e da sua diversidade. Ao mesmo tempo tentava descobrir alguma ligação minha, com esta terra e com a sua gente. Minha mãe, dizia sempre que a avó dela, era da Guiné, que era filha de um régulo «Fula»! Ou era «Papel»? 

Bem, não importa… Desde pequeno que ouvia contar que a minha bisavó tinha sido levada da Guiné para Cabo Verde pelo meu bisavô, um «badio» branco, filho de metropolitano,  natural de Vilar de Mouros, norte de Portugal,  que se casou com uma branca da Ilha do Fogo (ela foi sepultada no cemitério da Praia em 1700 e tal… e lá estão outros membros da família “Abreu Rodrigues Fernandes”),

Mamã contou-me, naquela época, foi um escândalo na cidade da Praia, quando o director da alfândega (o meu bisavô),  branco loiro, olhos azuis, apareceu amantizado com uma preta da Guiné, onde esteve destacado em serviço. 

Mamã dizia que ela cozinhava aquelas comidas da Guiné e contava aquelas «estórias» fantásticas do mato e animais selvagens… Explicou: foi vovô (meu bisavô) quem a ensinou a ler e escrever, ter boas maneiras, comprava-lhe roupas caras! Viveram felizes até quando já velhinhos a morte os separou.

Mas, nunca contei esta minha história ao pessoal da repartição de autos, nem a qualquer outra pessoa em Bissau! Conto hoje, pela primeira com a devida vénia e orgulho…

Enquanto se trabalhava no duro para limpar as prateleiras, daqueles mais de mil autos e outras tantas dezenas que iam entrando todos os meses, falávamos uns com os outros e havia muita camaradagem, mas com o devido respeito pela hierarquia e funções de cada um. 

O alferes era quem brincava muito e gozava com as coisas mais simples, era uma forma de se manter moral alto e passarmos o tempo menos angustiados. Porque, não podíamos fugir dos acontecimentos do dia-a-dia, sempre sangrentos, que nos chegavam, ora sob a forma de «relatos» comentados à boca fechada, ou nos relatórios que acompanhavam alguns autos, como justificativa de ataques e flagelações…

Havia também informações que chegavam através da ERG (Emissor Regional da Guiné) nos programas «Guiné Melhor» entre as 19 e 20 horas. Em crioulo, português e línguas nativas, apresentava-se a visão oficial dos acontecimentos no teatro de operações (TO). Muitas vezes havia relatos de militares ou de outras pessoas sobre os ataques a colunas de transporte, emboscadas, etc. seguidos de comentários por gente da emissora.

De passagem por Bissau, vinham do mato muitos militares, uns a caminho de férias na metrópole, outros por evacuação médica, outros simplesmente enviados, para uns dias de folga para descansar, porque já estavam «marados» e tinham comportamentos estranhos… 

Toda esta malta trazia novidades, tinha «estórias» para contar, que esclareciam muitos boatos que circulavam… No fundo não eram boatos, mas sim notícias truncadas ou distorcidas de acontecimentos reais. A malta da companhia de transportes estava muito perto de nós, num quartel ao lado do QG. Quando voltavam das missões de reabastecimento contavam as ocorrências.

Recorde-se, Bissau está cercada por um campo de minas, por arame farpado e pela guerra! Não se pode ir a nenhum lugar no interior porque é perigoso! Nhacra, uma localidade muito próxima, é atacada com uma certa regularidade. 

Eu consegui ir uma vez a um pouco mais perto, a Safim… foi em maio de 1973, fui comer umas ostras frescas, mas era perigoso. Havia lá um restaurante, fui logo apresentado ao dono e à esposa, ambos com um excesso de peso que salta à vista, mas são muito simpáticos, sabem receber os fregueses. Decorreu, então, um agradável petiscar de ostras, claro, muita conversa, nem me passou pela cabeça a guerra, ou qualquer perigo, que estava ali perto.

A circulação pelo território da Guiné nesta altura só é feita através de colunas militares e pelas LDG (as lanchas militares de desembarque  grandes) também usadas nas operações de reabastecimento; os barcos civis muitas vezes são escoltados. Os meios aéreos destinam-se às operações militares, algumas vezes fazem operações urgentes de reabastecimento... lançamentos de víveres em paraquedas, caso do frango congelado e rações de combate.

Nos relatórios «confidenciais» que acompanhavam os autos e passavam pelas minhas mãos, vinham muitas vezes descrições dos ataques e a lista dos danos causados, claro, a mim só interessava a lista dos artigos de cantina destruídos: tantas centenas/caixas de garrafas de cerveja partidas, tantos disto e daquilo… destruído, molhado, etc. 

Impressionava-me a menção final da quantidade de munições utilizadas na resposta ao IN: disparados tantos mil cartuchos de tantos milímetros, lançadas tantas granadas, etc. etc.


O termo "svenska schack", em sueco,   quer dizer  "xadrez sueco": lê-se no tabuleiro em cima da mesa... Presume-se que tinha sido uma oferta ao PAIGC, pelo Estado Sueco ou por uma associação sueca que apoiava a causa do partido de Amílcar Cabral...  A foto deve ser c. início dos anos 70. Em primeiro plano, uns óculos de sol e a ponta de uma arma (talvez uma Kalash) (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05222.000.141 | Título: Júlio de Carvalho, Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes | Assunto: Os combatentes caboverdianos Júlio de Carvalho [Julinho], Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes [da Silva] jogando xadrez numa base do PAIGC | Data: 1963 - 1973 | Observações: Valdemar Lopes da Silva foi professor no Centro de Instrução Política e Militar (CIPM) do PAIGC, a partir de 1970 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Fotografias


Citação:
(1963-1973), "Júlio de Carvalho, Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43496 (2025-5-31)

(Reproduzido com a devida vénia...)



Um dia chamou-me a atenção num desses relatórios a alusão a um tal «JJ» que era descrito como um cabo-verdiano que andava por aí com um bigrupo do PAIGC cujos ataques, dizia-se, eram destemidos e implacáveis. Parecia uma desculpa para tanta destruição descrita! Outra vez, vi uma referência a um tal «Chifon» que juntamente com o «JJ» fizeram um grande ataque, houve dificuldades na resposta ao IN. 

[ Nota do editor LG: Esse JJ seria o Júlio de Carvalho, "Julinho" ? Ou o Jaime Mota, morto em Canquelifá, em 7 de janeiro de 1974 ? Ou ainda o Joaquim Pedro Silva, "Baró" ?.Ou, mais provavelmente, o João José Lopes da Silva ?... Por outro lado, no Arquivo Amílcar Cabral, há uma foto, que reproduzimos acima em que aparece o "Tchifon", seguramente nome de guerra, a observar uma partida de xadrez.]

Dizia-se claramente naqueles relatórios que os cabo-verdianos e cubanos é que eram culpados ou lideravam ataques tão violentos, isso parecia uma justificação. Lia essas informações, mas nunca comentei com ninguém. Documentos classificados é ler e esquecer. 

Algum tempo depois, pelos autos que íamos resolvendo daquela pilha dos mil e dos outros tantos, que iam chegando, saltava à vista: a «batata» era o grande e maior problema na logística. Devido ao clima, apodreciam toneladas de batata, que constituíam perdas enormes! A tropa gostava de batata e era reticente no consumo de feijões e massas, que requisitavam, mas iam comendo aos poucos, logo, muitas vezes, acabavam por exceder o prazo, apodreciam, constituindo mais perdas e claro, dando origem a autos…

O tenente-coronel andava preocupado, por isso me solicitou um gráfico sobre perdas de batata por meses desde o ano anterior. Para evitar o apodrecer de toneladas e toneladas de batata, até tinham sido instalados aparelhos de ar condicionado em muitos armazéns!

Depois da batata, o pesadelo do tenente-coronel era o frango congelado. É que o pessoal no mato não cumpria as regras de descongelamento estipuladas nas NEP, logo, quilos e mais quilos de frango ficavam impróprios para o consumo… O calor encarregava-se do resto… eram elaborados autos e mais autos… cuja decisão era quase sempre: a pagar pelo pessoal responsável!

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26853: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte V: aqui sinto-me em casa, encontro tias, primos, vizinhos, colegas de escola e do liceu...

(**) Vd. poste de de 31 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23935: Antologia (88): Cabo Verde: história das suas forças armadas, constituídas a partir de um núcleo de antigos combatentes do PAIGC (excertos de artigo de Pedro dos Reis Brito, "Revista Militar", n.º 2461/2462, de fev / mar 2007)

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26861: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (30)

Foto 236 > Janeiro de 1972 > Quartel de Nhacra > João Moreira
Foto 237 > Janeiro de 1972 > Piscina de Nhacra > João Moreira
Foto 238 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Anti-aérea no posto retransmissor da Emissora Oficial Guiné > João Moreira
Foto 239 > Janeiro de 1972 > Tabanca de Nhacra > João Moreira
Foto 240 > Janeiro de 1972 > Tabanca de Nhacra > João Moreira
Foto 241 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 242 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 243 > Janeiro de 1972 > Nhacra > Antena da Emissora Oficial Guiné > João Moreira

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 22 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26831: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (29)

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26831: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (29)

Foto 228 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Posto retransmissor da Emissora Oficial da Guiné, no terreno ao lado do quartel.
Foto 229 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Posto retransmissor da Emissora Oficial Guiné.
Foto 230 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Morança em construção.
Foto 231 > Janeiro de 1971 > Quartel de Nhacra > João Moreira num espaldão de morteiro
Foto 232 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Estrada de Nhacra para o Cumeré
Foto 233 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Heliporto
Foto 234 > Janeiro de 1972 > Quartel de Nhacra > João Moreira
Foto 235 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Fonte do Vale

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 15 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26803: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (28)

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26803: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (28)

Foto 220 > Janeiro de 1972 > Piscina de Nhacra > João Moreira
Foto 221 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 222 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 223 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira junto a um bagabaga (monte feito pelas formigas)
Foto 224 > Janeiro de 2972 > Nhacra > João Moreira > Posto retransmissor da Emissora Oficial da Guiné
Foto 225 > Janeiro de 1972 > João Moreira > Estrada de Nhacra para Cumeré
Foto 226 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Fonte do Vale
Foto 227 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Posto retransmissor da Emissora Oficial da Guiné, com anti-aéreas

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de8 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26780: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (27)