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domingo, 3 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7074: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (12): Tempo presente, A honra aos que lutaram

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 30 de Setembro de 2010:

Caros camarigos editores
Prossigo, para vossa "tortura" na insistência de escrever em verso o que vou sentindo, neste reviver "terapêutico" das memórias de Guiné.

Quase acredito que a rima me acalma, me tranquiliza me devolve uma Guiné de paz e entendimento.

Mas para isso é preciso fazermos as pazes com o passado, para no presente conseguirmos aceitar o passado mais recente, que colocou de lado o que nós fomos, o que nós somos, o que nós sempre seremos.

Enviados fomos, mas poucos quiseram saber de nós.
Regressados chegámos, mas fomos olhados de lado.
Resolvido o conflito, mais desprezados acabámos por ser.
E vamos morrendo aos poucos, porque a hora se vai chegando.

Que ao menos nesta Tabanca Grande fique aquilo que sentimos e com verdade contamos, para que os vindouros pela nossas bocas saibam, o que nós passámos, o que vivemos, o que sem vergonha contamos, homens cansados, mas vivos, que nas nossas memórias, vamos fazendo história.

Um abraço camarigo do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

O TEMPO PRESENTE (2)

A HONRA AOS QUE LUTARAM

Tanto para recordar
nada para esquecer
que a vida é feita do tudo,
do passado e do futuro
e do presente a viver.

Contei-vos tudo,
ou talvez não,
o que vivi em tempos,
ou mesmo o que vivo agora.
Contei-vos das esperanças,
das dores do coração,
das angústias,
das revoltas,
das alegrias fugazes,
das memórias,
das saudades,
de tudo o que não fizemos
e de tudo
o que fomos ou não capazes.

Ganhou-se,
ou perdeu-se a guerra,
viveu-se um povo,
fez-se terra,
ou apenas e afinal,
de nada serviu tanta vida,
porque se por cá ainda há fome,
por lá um povo se consome
e daqueles que tombaram,
quer de um ou outro lado,
apenas se ouve a voz,
que pergunta em tom fechado:
Nós que somos só memória,
somos derrota ou vitória?

Pensava, pobre de mim,
que ao dar a conhecer,
as letras que quis escrever,
para me retratar e expor,
tudo chegaria ao fim.
Mas coitado,
sonhador,
há memórias agarradas,
que mesmo muito contadas,
não se libertam da dor,
e permanecem assim,
fundidas no coração,
que chora e se lamenta,
que se entristece e alegra,
cada vez que as recorda,
como uma parte de mim.

E penso na tal homenagem
a fazer pelo meu país,
àqueles que combateram
e se sentem desprezados.
Mas o amor ou existe,
desde a mais tenra idade,
entre os pais e os filhos,
ou não é pela força,
nem pela persuasão,
que ele se torna real,
mais verdadeiro e concreto,
mas apenas um arremedo,
uma hipocrisia ensaiada,
apenas uma imitação.

Não quero homenagens falsas,
que apenas se servem de nós,
quero que nos ouçam,
que tenhamos voz,
que saibam que demos a vida,
de vontade,
ou “empurrados”,
que fomos todos soldados,
somos filhos da Nação.

Vai-se o tempo,
vão-se os anos,
e a cada ano que passa,
somos menos “problema”.

Que importa àqueles que dormem,
o sono despreocupado,
o sono dos que não dormem,
sob a ignomínia do desprezado.

Pensei que já tinha a paz,
pensei que já nada importava,
mas levantam-se dentro de mim,
os muitos milhares de vozes,
que gritam cada vez mais alto,
pela dignidade,
pela honra,
dos muitos que então tombaram,
lá longe,
naquele calor,
e aqueles que por aqui,
vão tombando todos os dias,
porque se lhes esgota a vida,
cansada, esgotada, lutada,
à espera que um dia lhes digam:

Somos uma Nação grata,
a todos os que lutaram,
em África,terra passada.
Vinde que fazeis parte
da história deste País,
que vos chora e recorda,
juntos com os demais,
que nos tempos,
e em tempos,
de peito feito,
levantado,
e o medo feito coragem,
honraram os nossos Pais.

Monte Real, 10 de Agosto de 2010
__________

Notas de CV.

(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7030: Estórias avulsas (96): O dia em que o RAP2 esteve sob ameaça terrorista (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 6 de Setembro de 2010:

Caros camarigos editores
Confesso que já não sei em que série cabem este escrito e mais outro que vos hei-de enviar.
Sei que foram suscitados pela publicação dos outros anteriores e por isso talvez coubessem num título 20 ANOS DEPOS DA GUINÉ À PROCURA DE MIM - O TEMPO PRESENTE
Mas como sempre o critério de publicação, se, quando e como, fica ao vosso encargo.

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

O TEMPO PRESENTE (1)

TEMPO DE VIVER

Corre-me o tempo
por entre os dedos da mão.
Solta-se-me a vida,
num sopro,
num suspiro do coração.
Faz-se-me pensamento,
uma qualquer louca ideia,
trazida por um qualquer vento.
Abre-se-me o sorriso,
talhado por machada aguçada,
sobre os meus lábios fechados.
Encontra-me a paz,
num perfeito,
e prolongado abraço,
porque já pude escrever,
o que me foi no coração,
em noites de não saber,
se me feria o bruto aço,
de recordação magoada,
ou a memória esquecida,
do que não queria esquecer.

Mas será que perceberam,
que eu já andei perdido,
à procura do meu nada,
em noites de terrível insónia,
a suar o já suado
medo que me atormentava,
num tão recente passado,
feito de longas esperas,
atrás de árvores deitado,
de alguém que por ali passasse
apenas para ser “acabado”?

Mas será que entenderam,
as horas amargas passadas,
em matas que não conhecia,
e que nada tinham a ver,
com o Pinhal de Leiria?

Mas será que compreenderam
que coisa medonha é a guerra,
que se agarra ao nosso ser,
toma-nos conta da vida,
faz parte do nosso dormir,
chora-nos quando acordados,
e persegue-nos para sempre,
até nos darmos à terra?

Eu sei que é muito difícil
a quem não viveu assim,
perceber o medo entranhado,
vencido pela coragem,
que mais parece loucura,
do que atitude segura,
que nos imprime uma marca,
tão invisível,
mas presente,
que faz os outros pensarem
o que fez tão louca,
esta gente!

Que linguagem é esta,
que brota dos nossos lábios,
incompreensível aos outros.
As palavras são as mesmas,
mas têm um significado
que só nós podemos entender.
E por vezes,
oh, coisa estranha,
vem misturadas com outras,
palavras “arremedadas”,
dum português africano,
precisas para perceber,
aqueles que connosco estiveram,
lá longe, tão longe,
que já não os podemos ver.

Tens que te adaptar,
força-me a vida,
julgando ser fácil esquecer,
aquilo que não quero lembrar.
Ou talvez queira,
sei lá eu bem,
nesta vida em turbilhão,
em que não me reconheço,
perdido na multidão.

Fecho as mãos,
fecho os dedos,
com força,
até doer,
para que o tempo não escape,
ao tempo que ainda tenho,
e que tenho de viver,
pelo menos numa homenagem,
àqueles que “vi” morrer.

Monte Real, 2 de Agosto de 2010
JMA
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6922: Blogoterapia (157): Ai, Timor (J. Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6842: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6842: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 9 de Agosto de 2010:

Caros camarigos editores
Num intervalo das minhas semi-férias, (sem net), envio mais um escrito.

O tempo passa sobre as coisas escritas e vai-me dando vontade de voltar a escrever sobre a Guiné.
E fico curioso a pensar o que serão as minhas memórias ainda, ou melhor, como verei agora à distância aquilo que vivi?

Boas férias, para quem as tem!

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (10)

OS MEUS FANTASMAS

Tenho as noites povoadas
de estranhos fantasmas
que se arremetem contra mim
e não me deixam descansar.
Vêm de longe
estes fantasmas,
de longe no tempo,
e no espaço até,
vêm de África,
vêm de terras da Guiné.
Por vezes atormentam-me,
fazem-me sofrer,
fazem-me chorar.
Por outras vezes contudo,
fazem-me rir,
obrigam-me a viver,
povoam o meu sonhar.
Há noites em que acordo,
encharcado em suor,
ou serão lágrimas de dor,
que molham o meu travesseiro?
Mas outras noites há também,
em que adormeço pacifico,
como que envolvido na paz,
embalado no amor.
Durante o dia aquietam-se,
não saem a terreiro,
passeiam-se comigo,
é certo,
mas não se fazem notados,
nem pela forma,
nem pelo cheiro,
(não há nenhum que se afoite),
mantêm-se adormecidos,
como que a ganharem forças,
para me fazerem companhia…
à noite!
É o cheiro da terra quente,
o pôr-do-sol encarnado,
o macaréu apressado,
que abafa o grito da gente,
que se tinge de coragem
à falta de outro fado.
Trato-os por tu,
são meus,
embora eu muito suspeite,
que também atormentam outros,
ao longo de cada noite,
mal dormidas,
mal sonhadas,
misturadas de suores,
e de lágrimas choradas,
compondo um quadro pintado
das mais violentas cores,
um quadro longo, longo,
que nunca está acabado.
Deito-me com eles,
os meus fantasmas,
já fazem parte de mim,
do meu dormir,
do meu sonhar,
são como um despertador
que não me deixa dormir,
que me obrigam a lembrar,
o que foi o meu viver,
por terras dessa Guiné.
Dizem-me ao ouvido,
baixinho,
que não querem atormentar,
nem sequer o meu existir,
nem tão pouco o meu viver,
mas apenas querem gritar,
bem alto,
para que todos ouçam,
o que os outros que por aqui andam,
fazem questão de esquecer.

27.12.91
__________

Nota de CV:

Vd. postes da série de:

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida

19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I

28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6486: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho

10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2

18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

28 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6799: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (9): Estar lá, estando cá

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6799: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (9): Estar lá, estando cá

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 26 de Julho de 2010:

Caros camarigos editores
Com a força do calor aqui vai mais um escrito para a série.

Por acaso às vezes vem-me uma saudade da cerveja fresquinha que o Festas, (o encarregado do bar no Xitole), me trazia depois de uma "caminhada" pela mata.
Tinha um sabor que não mais encontrei!
Devia ser devido às circunstâncias, claro, e à arca frigorífica e petróleo!!!

Um abraço camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (9)

ESTAR LÁ, ESTANDO CÁ

O olhar fito no longe,
o pensamento vazio,
na procura de um momento,
um momento único,
e fugaz,
que me afaste da vida,
que todo ele seja paz,
que me traga pelo vento,
os ruídos e os cheiros,
que lá longe, bem longe
um dia deixei para trás.


Não quero sequer perceber,
o porquê desta saudade,
tão estranha,
e tão sentida,
de algo que eu não queria,
mas que morde o meu viver,
que me agarra àquela terra,
onde deixei a idade,
toda gasta numa guerra.


Onde estão agora,
o que fazem?
Será hora de sair,
ou será tempo de ficar?
Será tempo de suar,
o medo duma saída,
ou será tempo de repensar
num só momento,
uma vida?


Porque que é que sinto este desejo
de estar ali,
de onde me libertei,
ali com eles,
à volta de coisa nenhuma,
numa terra tão distante,
de gentes tão diferentes,
e no entanto tão perto,
tão perto do coração
que ali aprisionei!


Que coisa é esta tão estranha,
que me leva a querer estar,
num lugar que em cada dia,
ambicionava deixar!


Será verdade o que dizem,
que África é como um vírus,
que se agarra à nossa pele,
se faz todo sentimento,
se faz saudade e tormento,
que nos chama,
nos impele,
a querer lá viver,
sem lá estar,
e estando lá,
querer partir.


É curioso pensar,
que só os qu’ inda lá estão,
aqueles que por lá passaram,
e os que para lá partirão,
percebem tudo o que eu digo,
percebem até melhor,
o que eu guardo,
e nunca conto.


Ah, terrível ansiedade,
que se gera no meu peito,
se lá estou,
quero ir embora,
se parto,
quero voltar!
Será que não há modo,
nem jeito,
de estando aqui,
lá estar,
de estando lá,
regressar?


O olhar fito no longe,
o pensamento vazio,
na procura de um momento,
um momento único,
e fugaz,
que me afaste da guerra,
me traga de volta á terra,
à terra que me viu nascer,
e me envolva na paz.


07.01.1992
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 15 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos
Prossigo, correndo para o fim, a série...


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (8)

FOI-SE A PAZ!

Estou em paz!
Os meus ouvidos fecharam-se
aos sons da guerra longínqua
e já não me incomodam os gritos
do medo do meu viver.
Estou em paz!
Não sinto cheiros da terra quente
por lavrar,
por semear,
apenas cheia de capim,
daquele que esconde a gente,
que espera outra gente.
Estou em paz!
Cerram-se os olhos
a tentar ver por entre as árvores,
para apenas se abrirem
para as cores da natureza,
que me alentam e acalmam.
Estou em paz!
Bate compassado o coração,
calmo, sensível, aberto,
afastada que foi a frieza,
dos sentimentos escondidos.
Estou em paz!
Os meus passos são seguros,
nada têm de hesitante,
porque a estrada que percorro,
não tem nada escondido,
nem a morte num instante.
Estou em paz!
As minhas mãos não seguram,
nem uma arma, nem pica,
estão abertas, ansiosas,
que nelas caiba uma vida.
Estou em paz!
Os que por lá ficaram
são grata recordação,
os que comigo vieram,
moram no meu coração.
Estou em paz!
E no entanto,
algo me incomoda,
e não me deixa dormir.
Olho em volta,
e vejo todos,
todos os que vieram da guerra!
Só não vejo entre eles
aqueles filhos da terra,
da terra que os viu nascer,
que ao meu lado estiveram,
que não me deixaram morrer.
Procuro-os,
quero-os ver,
quero com eles falar,
quero-lhes agradecer,
mas só me responde o silêncio,
um silêncio frio,
tão frio como o vento Norte,
que me causa um arrepio,
e me sussurra ao ouvido:
morte, morte, morte.
Foi-se a paz!
Ficou a descrença,
a revolta,
a indignação.
Uma morte não tem volta,
a vida é que é presença,
não basta a recordação.
Uma só palavra
martela todo o meu ser:
abandonados!
Como são fortes os cravos
que me rasgam o coração,
são feitos de liga dura,
revestida de traição!
Atraiçoados!
Pobre bandeira a minha,
onde só vejo encarnado,
porque o verde da esperança,
foi tingido,
foi lavado,
pelo sangue derramado,
daqueles que acreditaram,
que tinham uma pátria,
um lugar,
mas que abandonados à sorte,
ficaram na terra mãe,
num longo estertor de morte.

91.12.07

Um abraço forte, apertado e camarigo do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6703: V Convívio da Tabanca Grande (12): A Guiné em Monte Real ou um Encontro de camarigos (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 1 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos editores
Prosseguindo os escritos da série “20 Anos depois da Guiné, à procura de mim!” 7 que se aproxima do fim.

Um abraço camarigo do
joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (7)

EU SEI QUEM SOU

Os meus pés já não percorrem
os trilhos já tão batidos
tantas vezes já picados
pela ponta
dos nossos medos.
Já não vejo nos olhares
o medo que se faz coragem
quando a raiva de viver
se sobrepõe,
ao momento de morrer.
Já não me dispara o coração
com um ritmo de rajada,
quando aquele som,
surdo e seco,
me diz tão claramente
que vai haver “trovoada”.
Já não me suam os braços,
o pescoço, as mãos,
tudo enfim,
porque secaram os abraços
de quem não chegou,
ao fim.
Sinto-me assim,
como um nada,
algo desenraízado,
olhando tudo em redor,
procurando conhecer,
tudo o que quero esquecer,
que esta terra não é a minha,
ou se é,
não me parece ser.
Já não me estremece o sentir
com o som cavo do morteiro,
apenas me arrepio
com o foguete da festa,
daquele Santo Padroeiro.
Quem é esta gente?
quem é?,
que me olha sem me ver,
que me desdenha e despreza
apenas,
por querer viver.
Será esta a minha gente,
aquela que um dia deixei?,
ou é assim tão somente,
gente que não quer saber,
de me sentir tão diferente,
de ver vazio o meu olhar,
nem quer tentar perceber
tudo o que eu passei,
para não se incomodar.
Devia eu ter morrido?
Não devia ter voltado?
Seria melhor,
pensam eles,
eu por lá ter ficado,
porque assim era mais fácil,
ser rapidamente esquecido,
como morto,
e enterrado,
nessa tão distante guerra,
que não toca este país,
tão longe do seu soldado.
Eu estou bem,
não se incomodem!
Perdoem-me pela ousadia
de ter querido viver,
e mais que tudo,
regressar!
Eu parto já,
numa viagem,
para dentro de mim próprio,
onde me encontrarei,
só comigo,
e com os meus,
que ainda por lá estão,
e mais os que já voltaram,
partindo sempre partindo,
com vontade de voltar,
para novamente partir.
Julgais-me morto,
acabado,
dos vossos afectos,
desprezado,
mas ainda me estou a rir,
de cabeça levantada,
olhando-vos fundo nos olhos,
sem medo e sem vergonha,
como qualquer um de nós,
e grito-vos aos ouvidos:
eu sei quem sou,
e vós?


11.11.91
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6679: Controvérsias (92): A ficção e a guerra (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3





1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2010, o nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviou-nos mais um "Sem Título" para a sua série "20 Anos depois da Guiné, à procura de mim".





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (6)

SEM TÍTULO 3


Mas eu não pedi nada a ninguém,
Nem a vida, nem o estar aqui,
Nem esta dor que me alcança todos os dias,
Desta vida sem sentido.
Não pedi esta ânsia
Que não me deixa dormir
O sono dos satisfeitos.
Não pedi esta paixão
Por uma vida a querer morrer.
Não pedi ao menos sequer
Esta estranha maneira de ser.
Não pedi este desespero
De viver, sem ter vivido.
Mas deram-me tudo
Sem nada ter pedido.
Obrigaram-me a viver
A suportar-me
E até a gostar de mim.
Fizeram-me sentir
O que nunca devia ter sentido.
Fizeram-me olhar e gostar
De quem nunca devia ter gostado.
Fizeram-me acreditar
Que um dia alcançaria
Aquilo que é impossível.
Fizeram-me viver cada dia
Na esperança de ser amanhã.
Esgotaram-me a esperança,
A vida, o amor,
Abriram-me o peito dorido
E nele plantaram a flor
Do horror do dia a dia.
Deram-me até às vezes,
E só para me enganar,
Momentos de alegria.
Estou morto e ninguém sabe!
Pensam que ainda falo,
Mas já não sou eu a falar.
Pensam que ainda olho,
Mas já não sou eu a olhar.
Pensam que ainda rio,
Mas não me apetece já rir.
Pensam que ainda choro,
Mas já não posso chorar.
Querem-me aqui e agora,
Agarram-me, prendem-me,
Suplicam-me o meu martírio
Mas eu já me fui embora…

92.01.21

Um abraço amigo
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6574: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (1) (Inácio Silva / Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2






1. Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, continua a presentear-nos com as suas poesias do tempo em que se procurava.




DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (5)

SEM TITULO 2

Nos meus olhos instala-se o nevoeiro,
incomodado com a luz do Sol
que lhes faz crescer a alegria,
da vida d'outro dia.
O som da respiração torna-se ofegante
e faz vibrar as folhas da árvore da expiação,
em mim nunca sentida,
e no entanto,
sempre presente e constante.
Já nada me toca com braços invisíveis,
e o som dos meus passos deixou de se ouvir.
A madrugada morreu num longo estertor,
e o cinzento tomou conta de tudo.
O meu peito rasga-se como uma ânsia,
e choro as lágrimas de sentir,
que caídas na terra,
engrossam os rios de sangue,
das feridas abertas,
das chagas de horror,
sempre a rir da esperança,
de quem já só ri,
chorando.
Fixo os olhos no vazio,
faço as minhas mãos de pedir,
e grito,
berro,
dou urros,
faço pinos,
dou cambalhotas,
rezo,
e até blasfemo,
alguém tem de me ouvir...


17.01.1992
Um abraço amigo do
Joaquim
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6486: depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6486: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho





1. Mais um bonito texto de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73 para a sua série:





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (4)

SEM CAMINHO

Tenho os olhos abertos
mas não vejo,
o meu futuro.
Tenho os braços estendidos,
as mãos abertas,
mas não agarro
o meu presente.
Os meus pés movem-se para a frente,
mas não me afastam,
do passado.
Olho em frente,
e vejo caminho,
mas quando o começo a percorrer,
ele foge de mim,
e dá-me um horizonte
sem fim.
Olho para trás,
e fujo,
mas o passado agarra-me,
ultrapassa-me até!
Que coisa estranha,
esta é,
o querer daqui abalar,
sem antes
aqui chegar!
E lá vem o poeta,
na sua frase imortal,
«tudo vale a pena,
se a alma não é pequena»,
e aqui é que está o mal!
É que a minha é tão pequena,
que nem a consigo encontrar!
Esconde-se de mim,
troca-me as voltas,
faz de conta que eu não existo,
ou melhor,
ou pior,
sei lá eu,
faz de contas que não existe.
Vagueio assim pela vida,
olhos fechados ao caminho,
e oiço-os,
os outros,
bem atrás de mim,
dizendo baixinho,
olha, lá vai o “sem alma”!
Mas o que é que isso lhes interessa,
o que têm a ver comigo,
se eu próprio não me interesso,
se só a indiferença me acalma,
para que me querem,
como amigo!
Olho para dentro de mim,
vejo tudo,
e nada vejo.
Fecho os olhos,
adormeço,
deixo que o sonho,
seja esperança,
confiança e vida em mim.
Deixo-me ir,
assim,
devagarinho,
já não há muito caminho,
porque o princípio…
é no fim…


91.12.12


Um abraço do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6471: Vídeo: Fado da Guiné (letra original e voz de Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I




1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 17 de Maio de 2010:

Meu caros camarigos
Mais um para a série


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (3)

SEM TÍTULO 1

Em que luz me banhei
Que tanto brilho deu
Aos meus olhos.
Em que ar puro voei
Que abriu tanto
O meu sorriso.
Em que água me lavei
Que cresceu tanto
O meu abraço.
Em que rio mergulhei
Que soa mais limpo
O meu riso.
Porque é agora tão fácil
Definir a letra
O traço.
Porque é agora tão simples
Caminhar calmo e em paz
Tão prenhe de liberdade
E de um tanto se me faz.
Porque regressou a vontade
De andar sempre em frente
Sem nunca olhar para trás
Sem nunca olhar para a gente
Que vive a gritar saudade
Cheia de amargura e tristeza
Sem nunca ter sentido
Que a saudade é um momento
Que merece ser vivido
Na mais pura das alegrias
Como quem voa c’o vento
Nas asas só da verdade
Por entre jardins de flores
Que renascem todos os dias.
Porque regressou o sorriso
Que faz brilhar o olhar
Que cura todas as dores
E que é um nunca acabar de rir
Sem poder conter o riso.
Onde estão as luzes e vozes
Que vinham não sei de onde
Para me incomodar o sono
E encher os pesadelos.
Que é feito desse fantasma
Que só a mim aparecia
Envolto sempre em novelos
De nuvens cinza douradas
Correndo num céu de chumbo
Uma corrida sem fim.
Onde está essa prisão
De barras grossas e frias
De sonhos nunca acabados
De desejos aprisionados
Em forma de coração.
Eu digo-te se não contares
A ninguém ou coisa nenhuma.
Esqueci-os nos meus cantares
Peguei em todos à uma
E fazendo no céu um furo
Apaguei-lhes os esgares
E rindo de satisfação
Enterrei-os no futuro.


91.11.06

Um abraço do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6362: Convívios (151): Tabanca do Centro, dia 26 de Maio de 2010, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida




1. O nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, em mensagem do dia 4 de Maio de 2010, enviou-nos esta "Vida" para a sua série, 20 depois da Guiné, à procura de mim:





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM


20 ANOS DEPOIS (2)

VIDA

Acho tão pouco,
Quando olho para trás,
O que até agora fiz.
Apetecia-me correr como louco
Ao longo da vida futura
E construir, refazer, edificar,
Tudo o que tenho para dar.
Tenho o peito tão cheio desta ânsia incontida
De querer acabar
Tudo o que ainda nem comecei.
De querer viver com vida
Tudo o que não vivi.
De escrever,
Com fúria e alegria,
Os sentimentos que ainda não conheci.
De dizer a toda a gente,
Estou aqui,
Estou presente,
E deixar o mundo espantado
A dizer de boca aberta:
Que diabo
Afinal o homem,
Ainda não estava acabado.
De olhar a todos nos olhos,
Bem de frente e sem medo,
E gritar-lhes aos ouvidos:
Vocês vão ver,
O que eu sou capaz de fazer!
Abanar-lhes as almas,
Romper-lhes as cadeias,
Enchê-los a todos de inveja
A verem-me ser feliz.
E quando daqui a muitos anos,
Tantos quantos eu quiser,
Me apetecer chegar ao fim,
Olhar para o passado e dizer,
Com o orgulho posto na vida:
Tudo isto que está para trás
É muito feito por mim…


91.11.20

Um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6313: O 6º aniversário do nosso blogue (31): Tiraram-me a G3, mas fiquei com uma caneta (Joaquim Mexia Alves)

Vd. primeiro da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

terça-feira, 27 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 16 de Abril de 2010:

Meus caros camarigos Luís, Carlos, Virgínio e Eduardo
Recomposto agora das dores de “crescimento” por força de ter feito 61 anos, venho colocar à vossa douta consideração uma “ideia” que me “relampejou” precisamente e por causa do meu agradecimento aos “inúmeros comentários/parabéns”, (é só para fazer inveja ao Eduardo e ao Carlos), e que é o seguinte.

Os versos que então enviei fazem parte de uma etapa da minha vida, que de maneira muito concreta se prendem com a minha “estadia” na Guiné.

Com efeito, passados 20 anos da minha ida para a Guiné, deparei-me, ou melhor tive de me confrontar com a vida que tinha vivido e vivia, e que não era de modo nenhum uma vida que tivesse sentido.

A ida e permanência na Guiné, desorganizaram-me por completo e não tendo conseguido uma reintegração normal na sociedade de Lisboa ao tempo do meu regresso, rumei a Luanda, julgando que voltando a África, conseguiria encontrar o equilíbrio que me faltava.

Se por um lado não me meti em “sarilhos de maior”, o ter levado com o 25 de Abril em África, e a vivência nessa terra cheia de excessos, em vez de me ajudarem a encontrar caminho, pelo contrário mantiveram-me num estado latente de nervosismo e insensatez que se vai revelar nos anos seguintes já em Portugal, até pelo menos por volta de fins de 1991, precisamente 20 anos depois do meu embarque para a Guiné.

Nessa altura, algo começa a mudar em mim e eu começo a questionar-me sobre a minha vida e o sentido da mesma.

Hoje quando olho para trás, acredito que terá sido um prenúncio do meu encontro com a Fé Cristã e Católica que vai mudar radicalmente a minha vida.

Tudo isto para dizer, que nesse período de fins de 1991 e inicio 1992, coloco em causa a minha própria vida, passada, presente e futura, e faço-o algumas vezes por escrito, de que é exemplo os versos que já foram publicados na Tabanca Grande.

Pois o que leva a todo este “arrazoado” de palavras que vos escrevo, é colocar à vossa consideração a publicação de alguns escritos desse tempo, como por exemplo uma série com um título do tipo:
“20 Anos depois da Guiné, à procura de mim!”

Agora, com toda a amizade e frontalidade que nos une, quero pedir-vos que sejam perfeitamente directos na vossa apreciação e me digam “preto no branco” se tem sentido e cabe na orientação “editorial” da Tabanca Grande a publicação de tais escritos.

Com a mesma amizade e alegria aceitarei a vossa decisão.

Anexo um primeiro texto, em prosa, que podereis publicar ou atirar para a “cesta secção”, conforme melhor entenderdes.

Um grande e camarigo abraço para todos do
Joaquim Mexia Alves



DEPOIS DA GUINÉ À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (1)

A Viagem

Estou sentado na areia da praia com as mãos apoiando o queixo e o olhar fixo no longe.

Na minha cabeça passam as imagens, (imaginadas), das caravelas a partir rumo ao desconhecido.

Uma ponta de inveja começa a crescer dentro de mim e em pouco tempo transforma-se numa exaltação que me enche por completo.

Partir para sítio nenhum, onde nada existe e onde tudo talvez nada se encontre!

Que aventura, que excitação, que desafio!

Vejo-me já a cruzar as águas dos oceanos, a minha imagem a rir de exaltação, reflectida no espelho prateado das ondas, as gaivotas a acompanharem-me no seu vôo perfeito, a incitarem-me com o seu grasnar ensurdecedor e aquela permanente sensação de estar quase a chegar a lado nenhum.

E se não há mais Terra? E se tudo acaba no espaço? E se não chego ao fim só porque não há fim nenhum?

É quase brutal a alegria de querer conhecer o desconhecido. Traz-me cânticos aos lábios, o meu cérebro trabalha a velocidades já mais atingidas, o meu corpo está dorido de tanta excitação inacabada.

Já lá vai tanto tempo e eu continuo a viagem com a mesma vontade com que a comecei.

De repente surge um ponto no horizonte que rapidamente ganha tamanho e importância.

É uma explosão de vida! Cheguei, consegui, descobri!!!

E é um paraíso, nada falta, tudo é bom, tudo é calmo. A sensação vai crescendo à medida da descoberta, cada vez é mais forte, mais completa.

Desta vez acertei!

Depois de tudo conhecido e explorado, passada a euforia da conquista, começo a reparar que afinal sempre deve haver melhor, sempre deve haver mais coisas, sempre deve haver mais calma, sempre deve haver mais ... tudo.

E recomeça a inquietação, o não poder estar parado, a falta de qualquer coisa para a qual devo estar fadado.

Aquela sensação dorida de que se tudo já está satisfeito, eu ainda tenho muita vida para descobrir, para viver, para criar.

Alguém precisa de mim, em algum sítio, em algum tempo, em algum espaço.

Nem que esse alguém, seja eu!

Preparo-me para a nova viagem, que no fundo é a mesma. E rio-me. Rio-me, porque os meus preparativos para a viagem, são partir!

Mais uma vez as sensações fortes e amigas tomam conta de mim: a boca ri, os olhos brilham, o corpo incha de excitação, a cabeça fervilha de ideias perfiladas, que nunca acabam, onde as outras não começam.

E parto mais uma vez com o coração ao alto, tendo como companheiro de viagem o meu próprio sentir.

E o que mais me espanta é que nada disto me cansa, porque nesta viagem tão longa, todos os dias há coisa nova, não há ondas que sejam iguais, nuvens que sejam parecidas, nem caminhos que se sobreponham.

Há um renovar constante, um renascer permanente. Até o caminho percorrido tem coisas para descobrir.

Mas o que é mais interessante, é saber que nunca vai acabar, que a viagem vai continuar e que se alguém me quiser acompanhar tem de ter a mais linda qualidade: é o nunca querer ficar!!!

Chegarei ao fim um dia?

Se chegar, meu Deus, não me faças acabar, enche-me todo de sentir e então faz-me ... explodir!!!

Escrito em 26.11.91
__________

Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6223: O 6º aniversário do nosso blogue (18): Ensinamento de vida (Joaquim Mexia Alves)
e
6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6112: Parabéns a você (99): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil OP Esp (Os editores)