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domingo, 21 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21929: E os nossos assobios vão para... (3): O moderador e os intervenientes do debate da TVI sobre o Marcelino da Mata... (Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM)

1. Mensagem do nosso camarada  Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 18 de Fevereiro de 2021, com um artigo onde expõe o seu ponto de vista ao modo como foi tratada, na TVI, a memória do TCor Marcelino da Mata, recentemente falecido. Recorde-se que o Belarmino Sardinha, membro de longa data da Tabanca Grande, conviveu com muitas personalidades da nossa vida literária e cultural, por ter trabalhado uma vida inteira na Sociedade Portuguesa de Autores,


Sobre Marcelino da Mata e
outros que entretanto vieram a público


Tenho acompanhado minimamente todo o desenrolar do processo sobre a morte de Marcelino da Mata e lamentavelmente tenho lido ou ouvido algumas barbaridades iguais às que se diz terem sido feitas por ele.

Conheci pessoalmente Marcelino da Mata só depois do ano 2000, mas reconheci neste camarada de armas um homem vertical, directo e afável sem fantasmas ou queixumes como não vejo ser o caso dos seus detractores.

Estive na Guiné, na Arma de Transmissões do STM entre 15 de Junho de 1972 e 20 de Julho de 1974. Andei por Mansoa, Aldeia Formosa (Quebo), Bolama e Bissau e inevitavelmente ouvi falar e contar muitas histórias de Marcelino da Mata.

Lembro-me de alguns dos operacionais dizerem “hoje podemos dormir descansados, o Marcelino anda por aqui”, curiosamente não me lembro de nenhum referir que o Marcelino era um assassino ou que era um traidor, como me parece haver alguns depois do 25 de Abril de 1974, por opções e/ou oportunidades políticas.

Sempre foi falado o facto das tropas africanas, em especial os Comandos Africanos terem uma actuação mais radical por onde passavam, é um facto, em especial com as bajudas, mas isso tinha muito que ver com a idade… Não ficaram também lá filhos de militares brancos do continente?

O porquê da gota de água que faz transbordar o copo?

Assisti a uma conversa, não chamo debate e muito menos esclarecimento sobre Marcelino da Mata, na TVI 24 pelas 23H00 do dia 16 do corrente. Reconheço à TVI o papel de ter sido a única que, ao que se me deu saber, lembrar que tinha havido o funeral do militar mais condecorado do Exército Português, logo um militar ao serviço de Portugal. 

Não foi feliz a escolha dos intervenientes, um, honestamente, confessou algum desconhecimento sobre a figura que iam debater, enquanto o outro assumiu-se como um verdadeiro conhecedor da matéria.

Considero o que vi lamentável. Não posso deixar de manifestar aqui a minha opinião sincera e desinteressada sobre os protagonistas.

Conheci Fernando Rosas, sem que com ele privasse, mas conheci-o e tinha por ele, enquanto historiador, alguma admiração e até simpatia, já enquanto político parece-me medíocre. Filiado num partido que lhe proporcionou ser figura pública, parece-me tê-lo levado a voos para os quais não está preparado e ao esgrimir argumentos sem conhecimento e de forma politicamente tendenciosa, torna-se incompetente e suspeito nas suas análises históricas.

Não sei se Fernando Rosas fez o serviço militar, e se o fez, quando e onde. Como político desviou sempre a conversa dizendo que estavam a falar de Marcelino da Mata e dos seus crimes. Como o fazem os políticos, aproveitou-se de uma publicação, no Facebook, feita por um outro camarada que prestou serviço no gabinete jurídico militar em Bissau, Mário Barbot Costa, que na qualidade de escritor assina como Mário Cláudio, para dizer que tinha havido vários processos contra Marcelino da Mata, mas que todos tinham sido arquivados por ordem não se sabe de quem. É estranho não se saber de quem, mas enfim, isso serve para outro tema. Contudo mostrou total desconhecimento e ignorância sobre Marcelino da Mata, aproveitou-se e recorreu a outros para fazer o seu papel político e desenfrear um ataque torpe e mesquinho a quem nunca conheceu.

Sem qualquer pedido ou necessidade de defesa, uma vez mais e em minha opinião, conheci e privei por mais que uma vez com Mário Cláudio por questões profissionais e já fora da instituição militar, não digo que o conheça de forma a poder afirmar o que pensa, mas estou em crer que apenas disse o que disse para não endeusarem Marcelino da Mata, tanto assim que, segundo Fernando Rosas, começou por escrever que respeitava o combatente Marcelino da Mata, referindo depois ter havido processos arquivados. Não li o que escreveu Mário Cláudio.

Na qualidade de historiador e político, de forma séria, competia-lhe fazer um enquadramento histórico sobre as etnias guineenses e o seu relacionamento para depois falar da actuação de Marcelino da Mata. Talvez então pudesse falar sobre o ataque de que foram alvo e barbaramente assassinados três majores e um alferes, quando desarmados se deslocaram ao que seria um encontro com tropas do PAIGC, combinado secretamente e que visava o início de um cessar fogo…

Ribeiro e Castro ainda lembrou o que fizeram a Marcelino da Mata, depois de 25 de Abril de 1974 os esbirros políticos ligados a alguns partidos ditos de esquerda ou extrema esquerda e que em nada eram e foram diferentes dos seus antecessores da PIDE/DGS, mas não obeve qualquer reacção do seu interlocutor nem do moderador que, à deriva e sem mostrar conhecimento dos factos,  deixou navegar sem norte. Nada é comparável? Falamos depois de 25 de Abril de 1974. Talvez só não o tenham morto por receio, pois acredito não lhes faltar vontade e muito menos prazer.

Não quero deixar transparecer que Marcelino da Mata não fez ou não possa ter feito coisas execráveis e não merecesse até punição dentro da instituição que representava. Até para clarificação da posição de Portugal, mas tal como muitos outros processos foram, mesmo hoje em dia, arquivados.

Depois, não podemos e não devemos estar hoje a julgar procedimentos com 40 e muitos anos e fora do seu enquadramento. É verdade que um crime é sempre um crime, mas, como em todos os processos, algumas razões podem ter servido como atenuantes e, neste caso em concreto, a guerra, as etnias, a adrenalina ou calor vivido no momento, mas isso só quem os viveu realmente pode falar, para todos os outros não passa de filme.

Quando 'Nino' Vieira foi assassinado, num passado recente, talvez por ter chegado a presidente da Guiné, correu por aqui muita tinta a lembrar que tinha sido assassinado e falando sobre como ele tinha sido como aguerrido guerrilheiro que lutou pela sua terra e pelo seu povo etc. etc. etc. Ninguém se lhe referiu como assassino e ninguém falou sobre a bárbara forma como ficou retalhado. Isto só para comparação com Marcelino da Mata…

Também, quando Jonas Savimbi foi assassinado e nos foi apresentado como morto fez igualmente correr muita tinta nos nossos jornais, mas o politicamente correcto impede que isso se faça com Marcelino da Mata.

Estas duas notas servem para lembrar que se podia e devia falar sobre história e sobre as formas brutais e bárbaras como lutam entre etnias e até aproveitar para falar sobre temas como a mutilação genital feminina e outras práticas e tradições do povo africano no seu estado puro.

Há quem defenda que os anos passam por nós e nos tornam mais sábios e tolerantes, que os impulsos da juventude são corrigidos pelo passar dos anos etc. etc. etc. Não sei se será o que acontece com todos, a necessidade dos holofotes sobre si, a vaidade, ou outras razões de necessidade levam muitos a não conseguirem estar tranquilos e a obrigarem os outros a deixarem de estar.

Eu, e estou crente que muitos outros que passaram pela Guiné no período da Guerra, estão agradecidos à TVI por lembrar e falar sobre a morte de Marcelino da Mata, só lamento que não tenha sabido escolher melhor os elementos do painel e melhor preparado o moderador. Poderiam ter escolhido melhor as figuras do painel, mantendo as que quisessem, mas procurando outra ou outras figuras com conhecimento da operacionalidade de Marcelino da Mata, como, por exemplo, o Coronel Matos Gomes, igualmente figura pública com obra publicada, operacional em acções conjuntas, conhecedor e por certo, muito mais isento e assertivo nas palavras.

Resta-me desejar que Marcelino da Mata, finalmente, descanse em paz.

Um abraço,
Belarmino Sardinha

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20461: E os nossos assobios vão para... (2): A Liga dos Combatentes... O nome do infortunado ex-alf mil pilav Francisco Lopes Manso (1944-1970) ainda não consta do sítio da Liga dos Combatentes... Morreu em 25/7/1970, quando o heli AL III se despenhou nas águas do Rio Mansoa, transportando 4 deputados e um oficial do exército. O seu corpo nunca apareceu (António Martins de Matos / Luís Graça)

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20436: (In)citações (140): Com qualidades e defeitos, temos sido, no essencial, um povo que, como escreveu o Padre António Vieira (1608-1697), "tivemos a terra portuguesa para nascer e temos toda a Terra para morrer" (António Graça de Abreu, escritor, sinólogo e professor de historiador)

1. Comentário, ao poste P20427 (*), de nosso camarada António Graça de Abreu [ ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74). membro sénior da Tabanca Grande, com  240 referências no nosso blogue; foto à esquerda, em Pequim, na famosa Praça Tianamen, s/d, c. 1977/83]


Diz o Zé Belo: "Um povo que se respeite, deverá sentir orgulho na sua História, nos seus heróis, nos seus mortos." É isto mesmo, meu caro Zé Belo. ´(*)

Eu, às vezes, nem é bem uma questão de orgulho, mas depois de viver durante nove anos fora de Portugal, em três continentes diferentes, de conhecer um pouco melhor as pátrias dos outros, gosto muito de ser português. 

Sou, desde 2012, professor de História na Universidade de Aveiro, dou a cadeira Relações Históricas Luso-Chinesas, no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território, Mestrado em Estudos Chineses, Universidade de Aveiro. 

Tenho também um mestrado em História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses, o nosso passado pelos quatro cantos do mundo não me é estranho. 

Reconheço que houve racismo, colonialismo, escravatura, todo um rol de práticas e fenómenos sociais que hoje, ano 2019, e bem, deploramos. Mas toda a análise histórica deve ser inserida nas mentalidades e práticas da sua época, compreendida de acordo  com os valores, ou a ausência de valores, que prevaleciam na época. 

Não gosto que sistematicamente Portugal e os portugueses do passado sejam catalogados de quase uma espécie de dejecto, de escória da espécie humana. 

Não gosto que os nossos militares em África sejam considerados criminosos, como ficámos recentemente a saber neste blogue, segundo o escritor Mário Cláudio, que afirma que na nossa Guiné "se esmagava o crânio dos meninos negros nos capôs dos Unimogs" e "se esfaqueavam negras grávidas, arrancando-lhe os filhos do ventre.", militares criminosos que, segundo Mário Cláudio, depois recebiam as mais altas condecorações nacionais.  

Estas tenebrosas fake news, como hoje se denominam, circulam pela sociedade portuguesa.

Padre António Vieira, detalhe de quadro de pintor
desconhecido do séc. XVIII
Com qualidades e defeitos, como de resto todos os povos, inclusive os que colonizámos,temos sido no essencial um povo que, como escreveu o Padre António Vieira (1608-1697) , "tivemos a terra portuguesa para nascer e temos toda a Terra para morrer", gente muitas vezes à deriva pelo mundo, que partiu de uma pátria pobre e quase isolada na Europa, mas com pessoas que, na sua esmagadora maioria, têm sido dignas do seu destino e úteis no crescimento e desenvolvimento das desvairadas terras por onde se fixaram. 

Não gosto de quem despreza o chão que o viu nascer, não gosto de quem se entretém a arrancar as suas raízes para as lançar na fossa fétida do tempo. (**)

Não tenho consciência de culpa por crimes que nunca cometi.

Abraço,

António Graça de Abreu
_________________

Notas do editor:


(**) Último poste da série  > 15 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20349: (In)citações (139): Recuperação do Monumento Português de Newport, EUA: "Pelo que tem de significado hstórico, pela sua ligação ao oceano que une portugueses e norte-americanos, pela sua importância na afirmação da Comunidade Luso-Americana, o Presidente da República saúda todos os compatriotas que asseguram a preservação do Monumento Português em Newport (excertos de carta, pessoal, enviada ao João Crisóstomo, em data de 4/11/2019)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20434: Agenda cultural (717): O escritor Mário Cláudio (pseudónimo literário do nosso camarada Rui Barbot Costa) vai ser distinguido no dia 11 com o grau de Doutor "Honoris Causa" pela Universidade do Porto. A cerimónia terá lugar no Salão Nobre da Reitoria da Universidade, a partir das 15h00, e contará com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa


Mário Cláudio (*)

Foto: Gonçalo Rosa da Silva


Mário Cláudio - Doutor "Honoris Causa" 
pela Universidade do Porto (**)


1. Press release da Direção de Comunicação do Grupo Leya:

Exmos (as) Senhores (as)

Chamamos a vossa atenção para a seguinte informação:

O escritor Mário Cláudio vai ser distinguido esta quarta-feira, dia 11, com o grau de Doutor Honoris Causa – atribuído pela Universidade do Porto. 

A cerimónia, que terá lugar no Salão Nobre da Reitoria da Universidade, a partir das 15h00, contará com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Este é, sem dúvida, um reconhecimento do valor e importância que tem para aquela cidade a obra de Mário Cláudio, uma vez que a mesma se centra, em grande parte, precisamente no Porto, onde o autor nasceu e ainda reside, mas também para o Norte de Portugal, uma vez que dali são evocadas personagens, episódios, ambientes e épocas – recolhidas através de rigorosa e aturada investigação histórica e bibliográfica – que estão na base da sua ficção.

Para os promotores desta importante distinção, Mário Cláudio “tem sabido captar com invulgar perspicácia a matriz social e cultural, económica e política da cidade do Porto, fazendo dele um dos escritores que mais tem trabalhado a condição de ser português”, pode ler-se na proposta de atribuição do referido doutoramento, na qual é também assinalado que o autor o faz “numa espécie de escrita de filigrana, plena de erudição e, simultaneamente, de fala popular”.

Com mais de 60 títulos publicados ao longo dos seus 50 anos de Vida Literária, efeméride que tem vindo a ser assinalada ao longo do ano que agora que se aproxima do fim, Mário Cláudio é autor de uma longa obra que se estende pelo conto, a novela, a crónica, o teatro, a escrita infanto-juvenil, o ensaio e, sobretudo, pelo romance.

Mas os argumentos para a concessão do título Doutor Honoris Causa a Mário Cláudio não se ficam apenas pela qualidade da sua obra literária. O documento aprovado por unanimidade no Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade do Porto destaca ainda “a colaboração cívica que desenvolve muito frequentemente a partir da cidade onde nasceu e vive”, que faz de Mário Cláudio não apenas um reconhecido escritor, mas também “um intelectual cujo pensamento independente lhe confere uma voz diferenciada em prol do bem comum”.

Acontece isto numa altura em que se assinalam os 50 Anos de Vida Literária de Mário Cláudio e, nesse âmbito, está patente na Biblioteca Almeida Garrett, desde o passado dia 21 de Novembro, uma exposição bibliográfica e documental sobre a vida e obra do autor, que ali ficará patente até ao próximo dia 4 de Janeiro.

Mário Cláudio, ficcionista, poeta, dramaturgo e ensaísta, é formado em Direito pela Universidade de Coimbra, diplomado com o Curso de Bibliotecário-Arquivista, da Faculdade de Letras da mesma Universidade, e Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais, pela Universidade de Londres.

É autor de uma vasta e multifacetada obra que abarca a ficção, a crónica, a poesia, a dramaturgia e o ensaio e se encontra traduzida em várias línguas. Foi galardoado com, entre outros, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores-DGLAB (atribuído duas vezes), o Prémio PEN Clube, o Prémio Eça de Queiroz, o Prémio Vergílio Ferreira, o Prémio Fernando Namora e o Prémio Pessoa, sendo igualmente titular de várias condecorações nacionais e estrangeiras.

Para mais informações, por favor, contactar:
Rui Breda
Grupo Leya
Direcção de Comunicação
Rua Cidade Córdova, 2
2610-038 Alfragide
rbreda@leya.com
938 527 410
____________

Notas do editor

(*)  Vd. poste de 23 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6630: Tabanca Grande (227): Rui Barbot / Mário Cláudio, ex-Alf Mil, Secção de Justiça do QG, Bissau (1968/70)

(...) Comentário de L.G.:

Mário, sê bem vindo à Tabanca Grande, a caserna virtual aonde se acolhem os camaradas (e os amigos) da Guiné... O tratamento romano é norma, entre homens que estiveram física e psicologicamente muito próximos uns dos outros no Teatro de Operações (TO) .

Não podemos ignorar que és mais famoso, pelos teus livros (e prémios), do que nós todos juntos. Isso não nos impede de nos sentirmos irmanados pelas circunstâncias da vida que nos levaram à Guiné, no longo período em que decorreu a a guerra do ultramar / guerra colonial / luta de libertação (1963/74) (conforme os 'óculos' do observador)...

Como fazemos gala de dizer (e de tentar praticar) os amigos e camaradas da Guiné têm como maior denominador comum a experiência de (ou a relação com) a guerra colonial, a guerra do ultramar ou a luta de libertação na Guiné, entre 1963 e 1974... Tudo o mais que nos possa separar (a idiossincrasia, a ideologia política, a religião, a nacionalidade, a origem social, a etnia, a cor da pele, as antigas patentes e armas, a orientação sexual, a riqueza, a fama, o proveito, etc.), é secundário. Direi secundaríssimo.

Sabemos que, pelos teus afazeres de escritor activo, produtivo e famoso, um dos maiores da língua portuguesa actualmente vivos, e potencialmente Nobelitável, não terás muito tempo para, com regularidade, escreveres no nosso (e doravante teu) blogue, e/ou compareceres nos nossos convívios períódicos (Tabanca Grande, anualmente, em Monte Real; Tabanca de Matosinhos, semanalmente, em Matosinhos; Tabanca do Centro, em Monte Real, trimestralmente, etc.). Mas fica a saber que será um grande prazer, para mim e para os restantes amigos e camaradas da Guiné, conhecer-te em pessoa, ao vivo, um dia destes. Somos calorosos, às vezes até demais, fervendo em pouca água com alguns ditos & escritos. Mas vamos regando, todos os dias, a nossa cultura da tolerância...

Já leste, de certo, os nossos "dez mandamentos" (disponíveis na coluna do lado esquerdo do nosso blogue), o último dos quais diz o seguinte: "(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos"...

Agradeço-te antecipadamente o envio do texto, soberbo (e julgo que inédito), "Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez", que nos chegou, juntamente com as fotos, através do Carlos Nery... Oxalá o nosso blogue também te possa inspirar muitas outras e boas histórias relacionadas com este povo, fantástico e às vezes demasiado humilde, de soldados, marinheiros, poetas e aventureiros. de quem os altivos castelhanos diziam: "Portugueses, pocos, pero locos". (...)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20409: Notas de leitura (1242): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (4): “O Prazer da Leitura”; Teorema e FNAC, 2008 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Consta que esta peça literária de Mário Cláudio terá dado polvorosa uns tempos atrás. Acontece que em todas as guerras há manifestações de horror, de práticas homicidas e até da sua exibição, servem para intimidar, de forma exemplar, outros desafiantes, revelam igualmente exibicionismo de quem entendeu que a crueldade ilimitada deve aparecer em ecrã gigante. É pesadelo universal, com mentiras de todas as espécies, basta pensar no genocídio arménio, negado pela Turquia, ou nos crimes japoneses, para os quais ainda não se pediu perdão.
O que Mário Cláudio revela aqui é a duplicidade de certo heroísmo, que é galardoado e posto em paralelo com aquele heroísmo de quem deu o peito às balas ou transportou, com destemor, um camarada ferido, no aceso de uma emboscada. O que aqui também se esconjura, estou em crer, é premiar o homicídio como se de heroísmo se tratasse. Impossível reabilitar, na sua plenitude, o heroísmo praticado nas nossas últimas guerras em África, sem trazer à colação os quadros de horror, que os houve.
O que me é dado ler, na documentação que consulto, do que se viveu a partir do segundo semestre de 1962, na Guiné, as monstruosidades praticadas de parte a parte precisam de ser reparadas, mostradas em ambas as histórias nacionais, para que haja entendimento que propicie a reconciliação e a retoma fraterna, sem cadáveres no armário, entre dois povos que se devem reconciliar falando a verdade e perdoarem-se.

Um abraço do
Mário



Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária:
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (4)

Beja Santos

“O Prazer da Leitura”, foi editado em 2008 pela Teorema e pela FNAC, uma obra coletiva, além de Mário Cláudio participaram Francisco José Viegas, João Aguiar, Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes, Manuel Jorge Marmelo, Maria Teresa Horta, Filipa Melo, Nuno Júdice e Rui Zink.
Pelo que me é dado saber, foi a primeira digressão de Mário Cláudio pelos teatros da guerra, escolheu o território do horror, da truculência, do poder arbitrário de despedaçar vidas. Não é terreno virgem. Para quem viu o filme “Apocalypse Now”, realizado por Francis Ford Coppola, nele surge um herói sanguinário, de que as Forças Armadas norte-americanas se querem libertar, magistralmente desempenhado por Marlon Brando. Acontece que a trama da história tem por detrás uma obra-prima de Joseph Conrad, “O Coração das Trevas”.

Mário Cláudio não escolhe a Guiné, fala em embondeiros, a Guiné tem algo de similar, são os poilões. O seu conto intitula-se “Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez”, é um jogo entre o lugar e o tempo, um jogo entre o surreal, pois o escritor apresenta uma grande bandeja de cabeça de guerrilheiros ao Capitão Garcez, salta-se desse lugar para a visita a um bancário aposentado, ele conversa com o escritor, irá falar do Capitão Garcez, mostra-lhe lembranças, estão numa caixa de cartão, são fotografias de várias dimensões, o Capitão Garcez é facilmente identificável pelas orelhas de abano, de calções de caqui, entre dois camaradas. Garcez e o entrevistado estão na mesma fotografia. Garcez teve a projeção de um herói, as suas façanhas terão sido descritas em muitos aerogramas, seguramente que muitos desapareceram, é bem difusa a recordação deste herói tenebroso.
E Mário Cláudio escreve:
“Continuo a observar a foto dos idos da campanha, não tanto porque dela espere obter mais do que aquilo que deduzi já, o apagado fácies do Capitão Garcez, alferes na altura, debaixo do cabelo liso e ruço claro, e na palidez que o distingue dos companheiros. Vou meditando no que o meu informador depreende do jogo fisionómico que lhe proponho, tão relevante para ele como o dele para mim, e de idêntica forma à mercê de suspeitas e traições. Apercebe-se da curiosidade com que lhe persigo o desvio da vista, e da minúcia com que lhe inventario os bibelots expostos na biblioteca, babushkas alinhadas em progressão aritmética, e miniaturas de teares e caldeiras, óbvios momentos das peregrinações a Leste, promovidas pelo partido da esquerda bem-comportada de que foi militante. E não deixará de reparar ainda no modo como lhe expio o gesto de selecção dos clichês da caixinha (…). Desde a escuridão para além da vidraça, e o clarão da lâmpada denuncia com acrescida clareza quanto guardamos, ele e eu, nas algibeiras mais secretas das intenções que nos movem”.

E o texto continua:
“A peça televisiva, sobrevivente num preto e branco que as décadas foram zurzindo, oferece a deslocação lenta, um pouco rígida, do Capitão Garcez, subindo os degraus da tribuna no Terreiro do Paço, erguida para as comemorações do 10 de Junho. Transporta o rosto anódino de sempre, indeciso entre a melancolia e a austeridade, o que redunda na absoluta ausência de emoções. Avança para o Presidente do Conselho que lhe impõe a Torre e Espada, e que o abraça com a finura sinuosa de quem restringiu a paixão a um cálice, um cálice apenas, de porto tawny”.
Quem foi entrevistar é o autor e o que ele regista daqueles clichês é a dor de quem perdeu gente amada, é um espetáculo de sangue que se derramou com muita gente degolada e muitos corpos estraçalhados. No jogo do tempo e do lugar, o Capitão Garcez presta a justificação de que os atos praticados decorriam da guerra, se acaso celebrou a morte, não tem contas a prestar nem ao autor nem a qualquer cobardolas de merda. Prossegue esta marcha labiríntica entre o lugar e o tempo, alguém que andou com o Capitão Garcez nas lutas africanas mandou ao autor uma mensagem sobre o mito, ele era detestado, toda a gente fugia a confraternizar com aquele militar de gestos homicidas, as imagens que ficaram das cabeçorras dos pretos, espetadas nos paus, a bordejar a picada, eram um aviso de solene advertência aos rebeldes de que não eram menos mortais do que aqueles que os combatiam.

O autor está agora no seu espaço, escrevinha, enfrentou o rosto do Capitão Garcez, apresenta-se restituído à amenidade do seu lugar, e disso nos dá conta:
“Junto a mim pousa a grande jarra de gerberas, arauta da Primavera que desponta, a projetar aquele macerado amarelo, tão caraterístico dos que retornam dos trópicos. A verdade é que, há muito, muito tempo, me não assalta o organismo de pretérito miliciano essa coloração dos surtos palúdicos, precipitando-me em convulsos pesadelos, atrelados a outros experimentados já. Serenamente afastaram-se de mim aqueles transes inexplicáveis, vividos por um soldado sonâmbulo que devagar conduz o Unimog através da povoação em labaredas, cruzada pelo balido das cabras espavoridas, e pelo guincho das fêmeas e crianças que ardem numa habitação esbarrondada. Apagado pela ventania que espanta o incêndio, o rosto do Capitão cristaliza em mim numa neutralidade de cera, de órbitas vazadas, tão frágil e tão efémero como a paisagem que o circunda”.
E neste jogo entre o real e o surreal, tudo culmina com o desaparecimento do vetusto Capitão Garcez, “levanta-se da poltrona, e as imensas asas negras, rompendo-lhe das espáduas, batem numa vibração, desplumam-se na treva, e desfazem-se em pó”.

A literatura tem fartas apresentações do horror que a guerra permite, há a sua banalidade, como Curzio Malaparte descreve na sua obra-prima, “Kaputt”, caso de um passeio noturno de Hans Frank, o Governador da Polónia nomeado por Hitler, num passeio a um gueto, a comitiva anda divertida com os tiros dados às crianças pelas forças de vigilância. E há a investigação histórica, como é o caso de “O massacre português de Wiriamu: Moçambique, 1972”, de Mustafah Dhada, acaba-se com a mentira montada no final do Estado Novo de que nada tinha acontecido, ouve-se o depoimento compungido de um antigo oficial dos Comandos que descreve o morticínio.
Não vale a pena os escrivães da puridade virem bater com a mão no peito, encolerizados por se desvelarem horrores da guerra, que os houve, do mesmo modo que houve atos de bravura daqueles que combateram heroicamente, e que tiveram de matar sem praticar o horror e muito menos de o exibir, como comprovam muitas fotografias que para aí circulam.
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Nota do editor

Poste anterior de 25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20381: Notas de leitura (1240): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (3): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20381: Notas de leitura (1240): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (3): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Conclui-se a viagem de Tiago Veiga em terras guineenses. Curou-se do paludismo, acompanhou a missão da doença do sono até ao chão dos Felupes, deu-lhe asas à imaginação aquele povo e atirou-se a uma empreitada colossal, um canto heroico com reminiscências bíblicas, homéricas e talvez poemas mesopotâmicos, tudo em torno da criação do mundo até ao desfecho, bem clássico, da morte gloriosa do guerreiro.
Como tudo é fantasia, como Tiago Veiga não existiu e nunca se escreveu o Canto Felupe, diz o autor que restam uns versos dessa passagem por terras da Guiné.
E, de seguida, vamos para a última arremetida de Mário Cláudio na atmosfera guineense, pelo menos até agora.

Um abraço do
Mário

Mário Cláudio

Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária:
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (3)

Beja Santos

Em “Tiago Veiga, uma biografia”, Publicações D. Quixote, 2011, Mário Cláudio arquiteta, em completa fantasia, o percurso de um pretenso bisneto de Camilo Castelo Branco que calcorreou Ceca e Meca e olivais de Santarém, conheceu meio mundo, em sucessivas gerações. Inventa-se mesmo um crítico que sobre ele dirá:  
“De facto, o que sabemos da biografia cultural de Tiago Veiga, dos interesses da sua inteligência e da formação do seu gosto, tem pontos de contato com o perfil e o trajeto de Fernando Pessoa e das suas tão variadas relações literárias […] No mentor da geração de Orpheu, conheceu Tiago Veiga o escritor que em Portugal corresponde a T. S. Eliot e que com este partilhava, entre o mais, a conceção intelectualista do processo de criação literária […] Faz sentido, em verdade, a atração que pela figura autoral e textual de Tiago Veiga sente Mário Cláudio”.

É nesta pura fantasia que Tiago Veiga arriba em abril de 1932 à colónia da Guiné, vai desportivamente numa equipa habilitada para estudar a doença do sono, e é neste entremez que fica palúdico.
Como se escreve:  
“Logo a seguir sofreria Tiago Veiga uma forte investida de paludismo, experiência que retém não pouco do rito iniciático, e sem a qual se não realiza a completa aderência à africanidade. Atirado para a sua tarimba, o nosso poeta foi atravessando as intercadências de calor e frio, e feitos da febre quartã, as irregulares diarreias, e as variações respiratórias, tudo o que de súbito o tornava ansioso pelo cautério da morte, ou esperançado na exaltação da vida”.

Como o leitor recordará, entrou na vida de Tiago Veiga um pequerrucho, Baltasar, que não despegava da companhia daquele branco, “e fixava aqueles olhitos húmidos no homem que, arrendando com asco os lençóis, ou embrulhando-se avidamente neles, soprava e tiritava, estremecia e quedava-se imóvel”. Não há mal que sempre dure e “Na manhã em que recuperou a consciência viu Baltasar, sentado no chão da tenda, brincando com um sapo, coisa que simultaneamente lhe pareceu como execrável abominação, e sinal tranquilizador”. Um ajudante de Fontoura de Sequeira, o chefe da missão, explicou a Tiago Veiga a mezinha que o trouxera à vida: “foi o cozimento de folhas de quinquilibá que a avó do Baltasarzinho o obrigou a beber”.

Tiago Veiga irá embrenhar-se na cultura dos Felupes, cita-se um chefe do posto de Susana, António da Cunha Taborda, que os estudou em meados do século XX. “A recusa a cruzar-se com qualquer outra etnia, e bem assim a sua relutância a sair da área que, havia milhares de anos, lhes servia de solo, explicaria a ausência de indivíduos Felupes fora da sua região. Da independência de que dava mostras o povo Felupe, resulta que ‘só a força tinha conseguido impor-se-lhe, por vezes, tendo de vencer resistências teimosas e encarniçadas’”. Tiago Veiga chega a Varela e “Lançou os olhos àqueles homens altivos, e relapsos a conversas, e àquelas mulheres que sorriam sempre, mas que pareciam fazê-lo por estratégia de defesa de um segredo ancestral”. Sem nada que fazer no trabalho da missão conduzida por Fontoura de Sequeira, o poeta deu asas à sua imaginação e começou a escrever o seu Canto Felupe, uma espécie de epopeia de um povo sem registo literário. Familiarizou-se com a gente da região de Varela, estudou a figura do feiticeiro ou jambacós que o ajudou a esquematizar o poema, alinhou um conjunto de pontos em que se propunha tratar a marcha da existência humana e onde intervinham vários heróis, tudo começaria com a criação do mundo, a que se sucederia o dilúvio, com vários humanos de valor excecional, haveria mesmo casamento e morte, uma tragédia de arromba, com motivos bíblicos, outros que parecem tirados da Canção de Rolando, isto para já não falar na Ilíada e no teatro grego: guerreiros, danças rituais, jogos de sentido mágico, o cerimonial da circuncisão, enfim, Tiago Veiga versava entusiasmado, e apercebendo-se que a brigada estava de regresso à metrópole, meteu empenho para ficar mais uns tempos em Chão Felupe. Mergulhara na cultura africana mas sem desdenhar da matriz greco-latina, e daí o seu versejar meter tanto um Deus da Criação como uma estátua de Zeus da Olímpia.

Segundo o seu biógrafo, restam duzentos e trinta versos deste Canto Felupe, era um projeto imenso que se desdobrava em doze “Cantos”. O biógrafo dá explicação para esta organização poética, seria resultado do ataque palúdico, das beberragens ingeridas, pois tomara casca de bissilão. E o biógrafo desvela alguns versos do Canto VI e a seguir dá-nos conta que o poeta regressou em abril de 1933 a Lisboa, arrumada a bagagem no Hotel Bragança, desembocou numa tasca do Bairro Alto onde conheceu o poeta Carlos Queirós. Tomou conhecimento que Salazar proclamava a sua intenção de presidir ao primeiro governo constitucional, apercebeu-se que muita gente queria fazer chalaça com ele, perguntavam-lhe, caçoando, se tinha morto muitos elefantes lá na Guiné. O poeta não gostou. E depois tudo muda de agulha, parte para Londres, foi na companhia de António Ferro a uma certa conferência, Tiago Veiga divertiu-se à grande, a visita à National Gallery foi um deslumbramento.
Pingarão, ao longo destas oitocentas páginas, ainda algumas referências à Guiné, mas de pouco significado.

Falta-nos agora o último texto, ao que parece muitíssimo controverso, sobre o nefando Capitão Robles, na obra "Para o Livro de Oiro do Capitão Garcez".

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 23 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20374: Notas de leitura (1239): "Um ranger na guerra colonial"..., de José Saúde, Edições Colibri, Lisboa, 2019. Prefácio de Luís Graça

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20361: Notas de leitura (1237): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (2): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Mário Cláudio apresenta-se sempre como ficcionista, mas estreou-se na poesia antes de rumar para Bissau onde foi jurista no Quartel-General, como se deu notícia no texto anterior a propósito do seu livro autobiográfico "Astronomia". Nesta mesma obra ele refere o prazer de vasculhar em livrarias de segunda mão, onde encontrara uma publicação referente à doença do sono. Que a leu, demonstradamente ficamos a saber, quando se lê esta pretensa biografia de um intelectual imaginário chamado Tiago Veiga que vai até à Guiné, pasme-se, era Governador Carvalho Viegas, estamos no início da década de 1930, procura-se caraterizar a doença do sono.
Quando conversei telefonicamente com o Mário Cláudio para o associar ao nosso blogue, ele sugeriu-me a leitura destas duas obras, já lhe escrevi para saber se há mais, e havendo, aqui se fará o competente registo.

Um abraço do
Mário


Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária:
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (2)

Beja Santos

Mário Cláudio
Em “Astronomia”, Mário Cláudio fala das visitas aos alfarrabistas e refere explicitamente a compra de uma publicação sobre saúde na Guiné. Em “Tiago Veiga, uma biografia”, Publicações Dom Quixote, 2011, sentir-se-á atraído por um universo anterior aos tempos da guerra, como iremos ver.
Esta obra de ficção aproxima-se das oitocentas páginas, é uma biografia imaginária de um bisneto de Camilo Castelo Branco, que ele trata como um caso singular na literatura portuguesa, um interlocutor de grandes criadores artísticos como Fernando Pessoa, Jean Cocteau, W. D. Yeats ou Benedetto Croce. Tiago Veiga viaja para a colónia da Guiné em abril de 1932 a bordo do paquete Serpa Pinto. Acompanha o Dr. Fontoura de Sequeira, chefe da missão que consistia em avaliar a existência da doença do sono e das particularidades que apresentava. Fonseca de Sequeira entregará mais tarde às autoridades competentes o relatório da sua missão. “O caráter não oficial da participação de Tiago Veiga, e de uma outra personalidade, Jerónimo Paiva de Lima Sagres, explicava que a sua identidade fosse excluída do documento de Fontoura de Sequeira (…). A brigada minúscula ficaria alojada no melhor hotel de Bolama, um estabelecimento que apenas se distinguia de uma pensão qualquer em Fornos de Algodres pelo criado de mesa, um balanta que servia de luvas brancas os camarões grelhados, seguidos da papaia às fatias. O Governador da colónia, Luís António de Carvalho Viegas, receberia Fontoura de Sequeira, e na formal preleção com que o brindaria iria ele reiterar aquilo que constituía o cerne das suas convicções em matéria de política sanitária”.

É o momento propício para Mário Cláudio investir na caraterização da orografia:
“O território guineense surgiria a Veiga como uma espécie de grande bolacha verde, mergulhada em águas lodosas e paradas, e que aos poucos amolecia, terminando por inteiramente se esboroar, a construir ilhas e enseadas, penínsulas e cabos, e aquilo a que se chama ‘a bolanha’, e que não conformava mais do que a infinidade dos pântanos, tornada responsável na imaginação europeia por todos os males deste mundo”. E tem uma palavra para os colonos: “Receosos de que se concretizasse a transferência da capital da colónia, de Bolama para Bissau, pareciam eles optar por uma letargia paradoxal, favorecidos pelo argumento da prostração a que o clima os condenava. Amarelentos e aparentemente subnutridos, associavam-se em grupelhos emborcadores de aguardente de cana.” E traça-se a natureza da missão: “No mapa que estenderam diante do nosso homem, e através da lembrança de que não se esquecesse da dose semanal de quinino, delineava-se a área da incidência da profilaxia da enfermidade do sono. Ela ia de Compiana no Sul a Varela no Norte, e de Bolama no Oeste a Cam Queifá no Leste”.

Afinal de contas, o que andava Tiago Veiga a fazer por aquelas bandas? Mário Cláudio responde:
“Cedendo a esse fatalismo que transforma os salvadores do corpo e alma dos homens em predadores das restantes espécies, Fontoura de Sequeira dedicava à caça o tempo que lhe sobejava das canseiras do serviço, mas Tiago, tendo disparado um ou dois tiros experimentais, reveladores da mais completa inépcia venatória, logo se remetera a ocupações bem menos voluntaristas. Cobriam eles o território com uma celeridade incompatível com qualquer reflexão aturada sobre aquela doença que tão só cinco anos antes se apurara existir na Guiné Portuguesa. Montavam as tendas, arrebanhavam as populações, executavam as análises, desmontavam as tendas, e abalavam na manhã seguinte em direção a mais uma das localidades assinaladas no mapa de que se socorriam. A tarefa de Veiga consistia em anotar em fichas o nome dos infetados, a sua idade e sexo e morada, e qualquer observação pertinente. E não demoraria muito a que se familiarizasse o nosso biografado com uma terminologia que, não sendo científica, não deixava incluir o seu grão de carga poética, suscetível de desencadear um que outro surto de escrita pelo menos mental. (…) E os voos da fantasia de Tiago Veiga obtinham estimulante alimento da observação das preparações microscópicas a que o chefe da missão o convidava. A insídia com que o agente patogénico se manifestava, a selecionar as águas, conforme fossem doces, ou salgadas, e a vegetação, consoante fosse lisa, ou viscosa, denunciava a presença desse mistério do comportamento animal”.

É nisto que Baltasar entra na vida de Tiago Veiga, acontecimento inesperado, com grande carga emotiva:
“Na localidade de Bigina aconteceria aquilo que iria alterar-lhe a normal cadência do coração. Um garotinho dos seus três anos e pico, Mamadu Baldé, mas que os missionários haviam batizado de Baltasar por ter nascido pelos Santos Reis, achegou-se a Tiago. Completamente nu, mas com um colarzito de missangas ao pescoço, e mal atingindo o tampo da mesa que servia de secretária ao nosso homem, deitou-se a mirá-lo com os grandes olhos redondos. O nosso poeta não se deu por achado, a fim de analisar a atitude que o miúdo assumiria. Obstinado a partir daqui, e ao longo dos vinte dias em que a brigada estacionara naquelas paragens, em não se apartar das vizinhanças do nosso biografado, Baltasar não o largava, nem por um instante. E Tiago esforçava-se por aproveitar tal circunstância para distinguir o papel que lhe caberia, e aos seus companheiros, na correção de uma natureza porventura dependente da ausência do branco para fixar os seus equilíbrios intemporais. Essas ameaças, e eram muitíssimas, que rodeavam as incertezas passadas pelo cachopinho, a anemia, a caquexia, e o febrão remitente, tudo isso de caráter palustre, e mais a disenteria, e mais as febres, biliosa e perniciosa, ou a doença do sono, estariam ali talvez para que a terra continuasse como esponja empapada de lamas, insuscetível de conter em cada momento um número de vivos superior ao necessário para compensar o desfalque dos que tinham morrido. Veiga reparava então nos olhitos aguados de Baltasar, dirigia-lhe palavras que nada significavam, e que bem sabia que ficariam sem resposta, e consentia ao garoto que o procurasse à noite, que se insinuasse pelos dentros do mosquiteiro, que se estendesse a seus pés, e que desatando a chuchar no polegar direito, adormecesse como um anjo até os galos cantarem”.
E de seguida Tiago Veiga é sacudido por um ataque de paludismo, e há uma história de lendas da Guiné para contar, como adiante se verá.

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 15 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20347: Notas de leitura (1236): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (32) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (1): “Astronomia”; Publicações Dom Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2019:

Meu caro Mário Cláudio,

Saúde e um abraço de parabéns pelos cinquenta anos da sua vida literária.
"Astronomia" é um livro assombroso, junto esta pérola a outras suas, você escreve maravilhosamente. Vai seguir-se o "Tiago Veiga", quando estava a ler "Astronomia" pressenti que iria aproveitar aquele folheto sobre as doenças da Guiné algures, ou já tinha aproveitado. Lendo "Tiago Veiga", percebi que já tinha aproveitado. É sobre esse assunto que vem a recensão que se segue.

Gostava agora de saber, se me permite a franqueza, se há outras obras, outros belos parágrafos, que possam ser dados à estampa para um blogue que também lhe pertence, e onde eu escrevo regularmente: Luís Graça e Camaradas da Guiné. Este blogue é o maior acervo fotográfico de toda a guerra, supera, e de longe, o que existe no Arquivo Histórico-Militar ou em poder de qualquer instituição. Se entender que lá deve colaborar, por exemplo, publicando as fotografias da sua comissão, seria um grande orgulho para nós.

Renovando as minhas felicitações e pedindo-lhe a amabilidade de cuidar do meu pedido, receba um abraço muito fraterno do
Mário Beja Santos


Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária: 
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (1)


Beja Santos


Mário Cláudio
Há uns bons meses atrás, descobri por puro acaso que o escritor Mário Cláudio fez a sua comissão na Guiné. Já estava formado em Direito pela Universidade de Coimbra, as suas competências foram aproveitadas como jurista em Bissau. Através do seu editor, chegámos à fala. Gentilmente, indicou-me títulos das suas obras onde há referências à Guiné. Comecemos por “Astronomia”, Publicações Dom Quixote, 2015, um belíssimo romance, galardoado com o Grande Prémio de Literatura 2017 e Prémio D. Diniz 2017.

É marcadamente autobiográfico e em dado passo (página 244 em diante) marcha para o destino e escreve:

“Na madrugada do aeroporto da capital do império, cumprindo um ritual que vem da Ilíada, e que se ilustra nas letras, nas artes plásticas, e na música, o rapaz abraça a noiva numa longa e lenta despedida. Não aperta ao coração o companheiro distante, a quem apenas telefonicamente diz doloroso adeus, e embarca no avião que o transporta para a guerra insólita, ignorada pelo mundo, e continuada na obstinação do instinto suicida. Escala numa outra ilha, e esta tropical, onde não chove, há décadas e décadas, povoada por cabras que se alimentam a papel de jornal, e que lhe oferece como lenitivo para a sede uma laranjada tão quente como uma canja de galinha. Sobrevoa depois o território bélico, esponja verde e saturada de águas verdes, enumeráveis que se revelam os pântanos em que boiam punhados de terra de luxuriante vegetação. E à chegada apanha o murro que excita os europeus de sempre, fantasiosamente rendidos àquilo a que chamam ‘o feitiço de África’, e que consiste em odores, o da poeira vermelha, o dos frutos que se decompõem, o do suor que abrilhanta os negros rostos, e o das explosões de morteiros, intervalados por fulgurantes derrames de napalm sobre a copa dos palmares. Previnem-no contra as atrocidades de espécies entomológicas variegadas, e contra as mais diversas castas de ofídios, e aprende assim a munir-se de chanatas de borracha durante os contínuos duches, defendendo-se de que um animalesco sinuoso, veio colado pelas linfas, se entranhe na planta do pé, e o corroa até não restar mais do que uma geringonça de olhos esburgados. Coalha-se-lhe o novo céu de helicópteros imparáveis na evacuação dos feridos em combate, ouve-se o estrondo dos rebentamentos na margem oposta do rio grosso, a correr em lamas, e esbarrondam-se-lhe à volta os exaustos camaradas, broncos na permanente borracheira, e aptos a abalar para o mato em colunas que fatalmente pisam a mina que os fazem fanicos. Sentado à mesa metálica da sua burocrática função, analisa processos e processos que se ocupam de desastres em serviço, violações de nativas, furtos de viaturas, orgias homossexuais, e actos de insubordinação, e que propõem para as mais altas condecorações da Pátria heróis que esmagam a cabeça dos meninos no capô do Unimog, ou que espetam a faca de mato na barriga das grávidas”.

E, mais adiante:

“Na Secção de Justiça, onde serve, alojada num quartel-general que fervilha de entradas e saídas de militares na sua lida de guerra, reina um misto de circunspecção e estouvamento. Mercê daquilo que se considera produto do clima dos trópicos, voam amiúde esferográficas de secretária para secretária. Propulsiona-as um ímpeto infantil de libertação, a interromper a aturada análise dos processos-crime, ou meramente disciplinares, pontuados pelas convencionais expressões tabeliónicas, ‘Chamei à minha presença’, ‘E ao ser interrogado’, ‘Em cumprimento de’. Ao longo da semana inteira, compreendendo sábados e domingos, e apenas com o breve intervalo para almoço e sesta, o rapaz labuta, partilhando com o escasso punhado de milicianos-juristas a responsabilidade da proposta de soluções para os desmandos praticados pela desorientação da soldadesca”.

Por último:

“E os aviões rasgam o pardo céu que cobre o território empapado, descolando em todas as direcções da rosa-dos-ventos, e produzindo a paisagem de aldeias carbonizadas, de mães que expiram, cingidas às crias que amamentam até à eternidade, e de velhos que expõem às varejas a chaga do incessante bombardeamento. Pelo início da sesta a lavadeira indígena, única ninfa consoladora da angústia, e do medo, do tédio, e do rancor, espreita para as trevas da casamata. Abre as firmes coxas a um alferes estremunhado e acolhe-o no lento sorriso dos lábios azuis, e na distraída queda das pálpebras acetinadas. Tombam na incandescência do horizonte os que perdem pernas e braços e genitais, e que navegam depois numa cadeira de rodas, ou naufragam na cama da mulher que não têm tempo de conhecer. E o rapaz espera, apega-se a si mesmo, e não desiste do trato epistolar com a noiva, isto como se constituísse o milagre uma banalidade, até que se apercebe ela do cadáver do futuro. Rugem os canhões das margens palustres que circundam a cidade-reduto, permanentemente transpirada, ressonando o odor da polpa dos frutos que apodrecem, e sobrevoada pelos jagudis atentos ao quadrúpede esventrado que fervilha de larvas. O rapaz interrompe a análise num processo mais, o que cuida do furto-de-uso do camião que transporta metralhadoras, e da bebedeira do soldado que o enfia pelo mato adentro, soltando o berro dos que enfrentam o descarnado rosto da morte (…). 

Traz em si uma ferida de guerra, a subir como um animal omnívoro, do abismo das entranhas, e manifestando-se nos dedos de unhas roídas. Assalta-o um tremor na presença de estranhos, e sobretudo no acto de com eles partilhar as refeições, o que ameaça produzir o derrame do vinho de um copo, ou da sopa de uma colher, quando não, a sumária queda de garfo e faca com que se escala o peixe, se corta a carne, ou se descasca a fruta. E o medo de incorrer assim numa falta irreparável impele-o progressivamente se afastar dos lugares de convívio, circunscrevendo-o à casa, e ao trato com os mais chegados, a fim de se sentir livre da tensão que se desencadeia em contextos amplamente sociais. Uma deriva sub-reptícia para o álcool assegura-lhe a temporária estabilidade das mãos, expulsando por instantes o terror que se lhe abriga no coração. E desagua a torrente de emoções em lágrimas de choro convulso, povoado por um soldado que a morte escolhe, em consequência de um acaso por que ele próprio, o rapaz, se considera responsável, e vislumbra na insónia que o toma viúva e órfãos que lhe pedem contas, e a mãe velhinha que reza às almas do Purgatório à beira do lume apagado, implorando a Deus, Nosso Senhor, que a leve também”.

(continua)

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2 - Notas do editor:

1 - Mário Cláudio, pseudónimo literário de Rui Barbot (ex-Alf Mil na Secção de Justiça/QG/CTIG), foi trazido até nós pelo ex-Cap Mil Carlos Nery[1].

2 - Breve nota biobliográfica de Mário Cláudio, pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, baseada em elementos fornecidos pelo próprio e/ou recolhidos pelo editor L.G, na Internet ou nos livros do escritor.

[ P - Neste momento, estou a falar com o Mário Cláudio ou com o Rui Barbot Costa? 
R - Está a falar com os dois ao mesmo tempo, embora a segunda entidade a que se referiu tenda a desaparecer cada vez mais, porque, entretanto, se avolumou o autor.

Excerto de uma entrevista, em 2/2/2009, ao JN- Jornal de Notícias ]

(i) Nasceu no Porto [, em 1941]. ["Não sou um escritor do Porto. Sou um escritor no Porto, que é uma coisa diferente".]

(ii) ["Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos"].

(iii) [Fez o liceu no Porto; em seguida, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo depois se transferido para a Universidade de Coimbra]; 
(iv) Licenciou-se, em 1966, em Direito, pela Universidade de Coimbra;

(v) É igualmente diplomado com o Curso de Bibliotecário-Arquivista, pela mesma Universidade, Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais, pela Universidade de Londres [, em 1976];

(vi)  ["Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, 'Ciclo de Cypris', publicado no ano seguinte".]

(vii) Ficcionista, poeta, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é autor, entre outros, dos volumes de poesia Estâncias e Terra Sigillata, dos romances Amadeo, Guilhermina, Rosa, A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins, As Batalhas do Caia, O Pórtico da Glória, Peregrinação de Barnabé das Índias, Ursamaior, Oríon, Gémeos, Camilo Broca e Boa Noite, Senhor Soares, e das peças de teatro Noites de Anto, O Estranho Caso do Trapezista Azul e Medeia

(viii) Tem numerosíssima colaboração dispersa por jornais e revistas, portugueses e estrangeiros. 

(ix) Está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata. 

(x) Recebeu os seguintes galardões: 

Grande Prémio de Romance e Novela (1984), da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio de Ficção, da Antena 1;
Prémio Lopes de Oliveira;
Prémio de Ficção, do PEN Clube Português;
Prémio Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa;
Grande Prémio da Crónica, da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio Pessoa (2004);
Prémio Vergílio Ferreira (2008);
Prémio Fernando Namora (2009).

(xi) Foi galardoado pelo Presidente da República com a Ordem de Santiago da Espada [, em 2004,] e pelo Governo Francês com o grau de Chevalier des Arts et des Lettres.

3 - Carlos Nery, Rui Barbot e João Barge, levaram à cena a peça "A Cantora Careca", de Eugene Ionesco, estreada em Bissau no dia 5 de Abril de 1970[2].
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Notas do editor:

[1] - Vid. poste de 23 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6630: Tabanca Grande (227): Rui Barbot / Mário Cláudio, ex-Alf Mil, Secção de Justiça do QG, Bissau (1968/70)

[2] - Vid. poste de 4 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Último poste da série de 8 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20324: Notas de leitura (1234): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (31) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18920: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIX: Afinal o "Chez Toi" era o antigo restaurante e casa de fados "O Nazareno", que eu frequentei no meu tempo


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Guiné > Bissau > Virgílio Ferreira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Diomingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de  75 referências no nosso blogue.

Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:

T009 – O ‘CHEZ TOI’ AFINAL ERA O ANTIGO RESTAURANTE E CASA DE FADOS ‘O NAZARENO’


I - Anotações e Introdução ao tema:

INTRODUÇÃO:

Vem este Poste comentar e tirar ainda algumas dúvidas do mal-afamado caso do ‘Chez Toi’ .

A reportagem do ano de 2011, que eu li agora do camarada Carlos Pinheiro, com 25 meses de Bissau (*), veio afinal desvendar alguns mistérios e dúvidas, que eu vou tentar acrescentar algo, com o meu tempo incomparavelmente inferior ao do Carlos, mas que também tenho algum contributo a dar, não me vou alongar, pois não é caso para isso.

Já li muita coisa sobre o Chez Toi, uma delas, um comentário que dizia que ficava numa Rua esquisita de má fama, e tinha uma Pensão, e outras coisas mais.

Partindo do princípio de que o Carlos Pinheiro sabe mais disto do que todos nós, e que se manteve em Bissau já passados uns anos após a minha saída, mantenho a minha versão que afinal eu não conhecia uma casa, boîte, cabaré seja o que for com este nome, aliás não havia casas nenhumas desta especialidade.

Então o Nazareno, restaurante e casa de fados, que era propriedade de um empregado da Casa Pintosinho, presumo que o Sr. Machado, que não deveria ter qualquer Cabo Verdiana por sua conta, isto é juntos, companheiros, amantes, pois que se for o Sr. Machado e julgo que deve ser, tenho esse pressentimento pois, como eu sou Machado também, ficou-me no chip este nome e a figura do homem.  [...] Pelo que sei é que ele não tinha mulher nenhuma e vivia lá há muitos anos.

Vamos então ao excelente comentário do Carlos Pinheiro, que praticamente já disse tudo, excepto que o Grande Hotel era o lugar por excelência em toda a Guiné, mesmo não sendo nada como o Polana em Lourenço Marques, era para aqui que vinha a malta toda da alta classe, as visitas importantes, os Comandos do QG, incluindo o Spinola, com quem tive o prazer de jantar na mesma sala no mesmo dia. Também no Solar dos 10 ali encontrei uma ou duas vezes o Spinola com convidados.

(i) O Carlos fala na Casa Santos e dos seus grandes bifes, que ficava na saída do QG! Não conheço e já agora teria interesse em saber. Tantas vezes eu vim do QG para Bissau e não me lembro desta afamada casa de comidas.

(ii) E o Bolola, pelo nome,  também não me diz nada, pode ser uma coisa mais recente.

(iii) A Casa Costa Pinheiro também pelo nome não vou lá, devia ser uma das muitas que faziam parte daquele ‘centro comercial’ da baixa de Bissau.

E agora vamos acrescentar alguns outros locais e sítios que não foram mencionados:

(iv) A Pensão da Dona Berta, ainda no mesmo quarteirão do Bento e da Gelataria, fui lá várias vezes e até tenho umas fotos lá no 1º andar.

(v) E o Stand da Peugeot com os seus carros e motas na montra, logo acima da Gelataria? Foi lá que comprei as minhas 2 motorizadas, e fiz a encomenda de um carro Peugeot, não sei qual, para levar a quando da minha saída, e que tanto prometi à minha então namorada, mas que depois não levei nada, pois devia ser complicado e dar trabalho para o transportar. Quando cheguei comprei o carro que estava na moda então, um Mini 1000.

(vi) Mais acima a caminho da Praça do Império, tínhamos do lado direito a Bomba de gasolina da SACOR, onde eu abastecia a minha motorizada, e até lá havia um mecânico que várias vezes fez umas reparações às motorizadas. Não me lembro dessa boba à saída de Bissau, deve ser mais recente para mim.

(vii) O Nazareno, se passou a ser a casa de má fama, Chez Toi, não é do meu tempo.

(viii) E a reportagem do Luís Graça passada lá, dá a entender que aquilo era mesmo mau, embora já tenha vindo à cena alguém dizer que nunca viu nada de especial.

(ix) Embora outro camarada, tenha dito que lhe doía a alma ver as raparigas ali fechadas na cave do estabelecimento. Outro também comentou que naquela Rua, dada a sua ligeira inclinação, os miúdos já praticavam as corridas nos carrinhos de rolamentos, que eu também tinha em criança.

(x) Pelas fotos anexas, e pelas muitas descrições já feitas, pode ver-se que o local não ficava em nenhuma zona de mau aspecto e de má fama, bem pelo contrário, era uma zona da parte nova e nobre de Bissau, onde mais tarde, 1984/85, lá vi instaladas as Embaixadas de Portugal e da França pelo menos.

(xi) As ‘Caves’ referidas, julgo tratar-se do Rés-do-chão da casa, como se pode ver nas fotos, a sala de jantar ficava no 1º piso, e tinha uma boa varanda para a rua e para as vistas, que eram excelentes, dado o contexto das outras.

(xii) O nome da Rua não sei, pode ser Arnauld Shulz ou Sá Carneiro, mas tenho a ideia que esta rua era uma perpendicular à Avenida do Império, ou andava por ali próximo, já um pouco afastada do ‘centro’ da cidade, desconheço os outros estabelecimentos que lá tinha, eu ia lá só para comer e beber.

(xiii) Faltaria ainda acrescentar às demais infraestruturas existentes, a Tabanca de uma amiga minha e depois lhe perdi o rasto.

(xiv) E temos de realçar as instalações do ‘600’ o Quartel onde ficavam instaladas as tropas que faziam a segurança ao Quartel General. Passei lá 2 meses a acertar as minhas contas.

(xv) E as magnificas instalações do Clube de Oficiais de Santa Luzia, não se pode deitar fora, era um oásis no meio do deserto, a sua piscina, a messe, os bares, as esplanadas, e até o Biafra que apesar de tudo não era assim tão mau.

Bom, quanto ao Chez Toi  está para já tudo dito, quem tiver mais que volte à carga.

Em, 2018-08-10


II – As Legendas das fotos familiares [, de 1 a 8].

F01 – Um jantar no Nazareno, em vésperas de Natal, Bissau, Dez 1967. Junto com o Furriel Riquito, camisa branca, e Alferes Verde, fardado. Era uma casa de fados também,

F02 – No restaurante e Casa de Fados ‘O Nazareno’ em Bissau, 23Dez67. Nesta foto estou sozinho, e não vejo imagens de mais ninguém que lá estivesse. Tem a data de 23 de Dez 67, e eu passei a véspera de Natal 67, de 24 Dez 67 em Nova Lamego, não há duvidas. A foto anterior poderá ser da mesma data, mas não parece. Devo ter embarcado nesse dia ou no seguinte no Dakota para Nova Lamego.

F03 – Na Varanda e esplanada do piso superior no restaurante ‘O Nazareno’ também com data na foto de Bissau, 23Dez67.

F04 – Novamente na esplanada-varanda do Nazareno, já passou o ano de 1968 e já estamos em 1969, não sei que data tem, pois são de slides e não tenho nada escrito. Pode ver-se que se trata de um lugar localizado em zona de bom aspecto. Bissau, 1969.

F05 – E nesta foto à porta do Nazareno, já se pode ver melhor o local, e agora também reparo numa ligeira inclinação da Rua e Passeio, onde os miúdos andavam de carrinhos de rolamentos. Continua a ser um local aprazivel, estamos na zona nova, Bissau 1969.

F07 – No Bento – 5ª Rep – porque era o local da ‘Contra Informação’ , onde todos sabiam e falavam de tudo, ao lado talvez de guerrilheiros do PAIGC ou familiares. Também se engraxavam os sapatos, não me lembrava antes de ver esta foto. Bissau, finais de 1967.

F08 – Na pensão da Dona Berta, um local privilegiado na Avenida do Império, a esplanada no 1º andar dava uma panorâmica de excelência. Bissau, Out/Nov de 1967.

Disse-me o meu amigo da CHERET, com quem estive na Quarta Feira dia 8 no Continente em Vila do Conde, encontramo-nos por acaso, eu e a minha mulher e ele e a sua nova companheira, mulher de estilo e bem apresentada, com os seus anitos. Conversamos de muitas coisas, que um dia vou falar quando voltarmos ao CHERET, mas não deixo de contar esta, que tem a ver com a foto. Foi aqui que ele esteve e o encontrei em Outubro de 67, na sua Lua de Mel.

Diz ele então que encontrou aqui um tal Mário Cláudio, que ele não conhecia (***), e que tinha recebido a visita da sua mãezinha que o veio ver, e aqui se encontraram. Mais tarde, muitos anos depois, já era o famoso escritor, e eles encontraram-se e falaram desse tempo. Estou a ler agora um livro dele, recomendado pelo meu amigo, mas é muito chato, tem palavras difíceis e algumas nem sei o significado, mas fica a ideia: ‘Os Naufrágios de Camões’.

F09 – Apresento a Suzi, uma moça que conheci na Piscina do Clube, nos primeiros dias em que cheguei à Guiné. Esta já é muito mais tarde. Bissau, Abril de 68.

Estamos a fazer exercício de barras, eu com os meus 47 kg fazia elevações até sempre.

Mando esta, das muitas, por causa da barra, pois o meu amigo CHERET – vamos chamar assim até ele me autorizar a dar o seu nome – contou-me há dias, que também fez exercícios na barra, só que ele com mais de 70 kg, a barra partiu, ele estatelou-se no solo e bateu com a coluna na beira de uma pedra, ficou paralisado, foi para o HM 241 esteva lá internado uns dias, e diz que ainda hoje sente dores na coluna devido a essa queda. Disse-lhe que ainda vai a tempo de meter um requerimento para uma Pensão de Invalidez, mas aquilo não foi em serviço, falta-lhe o nexo de causa-efeito, não há nada a fazer.

A Suzi era a filha do Coronel a quem foi dado o cognome de ‘O Lavrador’ pois era o responsável por toda a área do Clube e gostava de cultivar muitas coisas, nunca o conheci.

A Suzi, eu chamo-lhe a minha amiga, mas eramos apenas conhecidos, eu ia até a Piscina e ela estava lá sempre, por isso metemos conversa, mas sempre à distância. Nunca soube que o pai era o Coronel e Chefe lá do Clube, tenho muitas fotos com ela, em diversas alturas, mas acho que nem um cumprimento de mão demos um ao outro, para ela devia ser ‘mais um’ a tentar a sua sorte, mas nunca me passou pela cabeça nada a não ser o convívio e conversar, não sei a sua idade, mas vendo bem as fotos, e se aumentarmos o zoom em zonas pontuais, poderei concluir que ela teria os seus 15-16 anos, não sei, talvez.

Virgílio Teixeira, Em, 2018-08-10

(Faz hoje 49 anos da minha chegada a bordo do UIGE ao Cais de Alcântara, seguindo para Tomar, onde foi feita a parada militar pela cidade, dando assim por terminada a minha missão militar ‘Com Orgulho’.)

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«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

Caro Luís, conforme já tinha dito, e depois de ler já tanta coisa sobre este tema, resolvi escrever este relatório, para eventual Poste ou não, mas dar um contributo daquilo que eu tenho algum conhecimento, ou julgo que tenho. Alguém o dirá.

Mesmo em tempo de férias, a vida continua, e 'abortado' que foi o anterior Tema, vamos dar mais um pouco de algo para ler, e sonhar à sombra de um Poilão.

Um abraço,
Virgílio Teixeira
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(**) Vd. poste de 9 de agosto de  2018 > Guiné 61/74 - P18908: Estória de Bissau (20): A cidade onde vivi 25 meses, em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)... [Afinal o "Chez Toi" era a antiga casa de fados "Nazareno"...]

(***) Mário Cláudio, pseudónimo literário do nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande, Rui Barbot Costa [, nascido no Porto, em 1941, ex-alf mil, na secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70, foto atual à direita], chegado até nós pelo braço de outros dois camaradas, o Carlos Nery e o saudoso João Barge (1944-2010)... Recorde-se que os três participaram num espectáculo teatral, inédito em Bissau, estreado em 5/4/1970: a peça de Ionesco, "A Cantora Careca", encenada pelo Carlos Nery.

O Mário Cláudio é hoje considerado um dos maiores escritores de língua portuguesa. Sobre o seu último romance, "Os Naufrágios de Camões" (2017), ver aqui entrevista (polémica) que deu ao Diário de Notícias, em 13 de fevereiro de 2017.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14920: Notas de leitura (739): Parabéns ao nosso camarada Mário Cláudio / Rui Barbot Costa [, ex alf mil, secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70], Grande Prémio de Romance e Novela APE/ DGLAB - 2014, atribuído ao seu último livro "Retrato de rapaz"

© Mário Cláudio.
Cortesia de Bookoffice
1. Parabéns ao Mário Cláudio, pseudónimo literário do nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande, Rui Barbot Costa  [, nascido no Porto, em 1941,  ex-alf mil, na secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70, foto atual à direita], chegado até nós pelo braço de outros dois camaradas, o Carlos Nery e o saudoso João Barge (1944-2010)...  Recorde-se que os três participaram num espectáculo teatral, inédito em Bissau, estreado em 5/4/1970: a peça de Ionesco, "A Cantora Careca", encenada pelo Carlos Nery.

A Associação Portuguesa de Escritores (APE) acaba de atribuir o Grande Prémio de Romance e Novela APE/ DGLAB - 2014, ao livro Retrato de Rapaz, editado sob a chancela da Dom Quixote.

Capa do livro, editado pela Dom Quixote,   
Segundo notícia da própria APE,  o júri, constituído por José Correia Tavares, que presidiu, Ana Paula  Arnaut, Isabel Cristina Mateus, Maria João Cantinho, Miguel Miranda e  Miguel Real, ao reunir pela 3.ª vez, deliberou maioritariamente, pois  Isabel Cristina Mateus e Maria João Cantinho votaram em Impunidade,  de H. G. Cancela (Relógio D’Água).

Mário Cláudio já tinha sido premiado, há 30 anos, com o livro Amadeo. Junta-se assim a  Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria  Gabriela Llansol, únicos autores que entretanto bisaram.

Foram admitidos 86 livros a concurso, de 64 homens (1 com 2 romances) e 21 mulheres, com a chancela de 35 editoras.  Na 2.ª reunião,  o júri já destacara 5 finalistas.

Desde que foi instuído em 1982, o prémio já foi atribuído a 28 autores (15 homens e 13 mulheres), de 18 editoras. O seu valor é de 15 mil euros.

O Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB, teve, nesta 33.ª edição, o patrocínio da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Fundação Calouste Gulbenkian, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Instituto Camões e Sociedade Portuguesa de Autores. (***).

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Notas do editor

(*)  Mário Cláudio > Biografia >

(...) Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos. Filho único, foi primeiro instruído por um professor particular, tendo prosseguido os estudos, até à conclusão do liceu, sob a rígida batuta dos padres do Colégio Almeida Garrett (actual Teatro do Bolhão, no Porto). 

Começou o curso de Direito em Lisboa e terminou-o em Coimbra (1966), onde viria a diplomar-se novamente, em 1973, com o Curso de Bibliotecário-Arquivista. Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, Ciclo de Cypris, publicado no ano seguinte.

Pouco depois de assumir a direcção da Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia, foi bolseiro da Fundação Gulbenkian, tendo obtido o título de Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais (1976), pela Universidade de Londres, defendendo uma tese que seria parcialmente publicada com o título Para o Estudo do Analfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal, o único livro que assinou com o seu nome civil. 

Ainda durante a década de 70 publica dois livros de poesia, um romance, uma novela, um livro de viagens em colaboração e uma antologia de textos sobre Gaia. Pertenceu sucessivamente à Delegação Norte da Secretaria de Estado da Cultura, ao inacabado Museu da Literatura e à direcção da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Em 1985, iniciou-se como professor na Escola Superior de Jornalismo do Porto e, actualmente, é professor convidado da Universidade Católica do Porto e da Fundação de Serralves.

Em 1984, por convite de Vasco Graça Moura, escreve Amadeo, biografia do pintor futurista Amadeo de Souza-Cardoso – ou «psico-socio-biografia», nas palavras do autor – e início da premiada Trilogia da Mão, na qual o escritor abordou a vida e obra de outras duas figuras artísticas nortenhas, a violoncelista Guilhermina Suggia (Guilhermina) e a barrista Rosa Ramalha (Rosa). Através dos três artistas, tipificou distintos estratos sociais (aristocracia, burguesia, povo) e o «imaginário nacional», entre o virar do século XIX e meados do século XX. Nesta primeira trilogia, o autor romanceia o próprio processo de biografar, através de uma escrita fragmentada, mais sensorial que objectiva. 

Seguiu-se a publicação de um segundo tríptico (A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins e O Pórtico da Glória), onde a História volta a cruzar a ficção, mas desta feita incorrendo na autobiografia familiar. Entre 2000 e 2004 publicou uma outra trilogia, composta por Ursamaior, Oríon e Gémeos, e que é descrita pelo autor como relacionada com «situações de alguma marginalidade» e «discurso problemático com o poder», transversais a três gerações de personagens, uma por volume.

A História, a Cultura, a Pátria, a Identidade Nacional e Pessoal são o coração das aturadas pesquisas do escritor Mário Cláudio, resultando em obras que dificilmente podem ser rotuladas de «romances históricos», correspondendo antes à preocupação de revisitar, ou mesmo rever, episódios marcantes da cultura portuguesa, e onde os factos reais são inspiração e ponto de partida para imaginativas demonstrações. Melhor dizendo, para usar palavras do autor: «toda a biografia é um romance».

O autor está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata. Foi condecorado com a Ordem de Santiago de Espada e, em 2004, recebeu o Prémio Pessoa.
Centro de Documentação de Autores Portugueses
02/2005

(Excerto, reproduzido com a devida vénia do sítio DGLAB - Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas)

Para saber mais sobre Mário Cláudio e a sua já vastíssima obra, clicar aqui em Bookoffice. Vd. também, uma entrevista recente dada ao Público. 27/3/2015.

(**) Sinopse da obra (144 pp.)

Retrato de Rapaz - CLÁUDIO, MÁRIO
Um discípulo no estúdio de Leonardo da Vinci

Um discípulo no estúdio de Leonardo da Vinci.

Farto do descaminho de Giacomo, o pai vem deixá-lo ao estúdio de banho tomado, mas ainda com andrajos e piolhos, para que o artista que exuma cadáveres e constrói máquinas voadoras o endireite e faça dele seu criado. A beleza do rapaz impressiona, porém, Leonardo, que logo pensa nele para um anjo, concluindo porém que lhe assentam melhor corninhos de diabrete, e assim o rebaptizando como Salai. Serão, de resto, os pecadilhos do rapaz que o farão cair nas boas graças do amo e o elevarão à categoria de aprendiz sem engenho mas com descaramento para emitir opiniões, borrar a pintura, traficar pigmentos e até surripiar desenhos. E, num jogo de pequenas traições mútuas, vai-se criando entre Salai e o pintor uma cumplicidade que os aproximará como se fossem pai e filho. Mas eis que irrompem na vida de ambos Três Graças viciosas que semeiam a discórdia e o ciúme, ameaçando fazer esmorecer a estrela que os reuniu…

Retrato de Rapaz é uma novela fulgurante sobre a relação entre mestre e discípulo, nem sempre isenta de drama e decepção, e sobre a criatividade de um artista genial em tudo, mesmo na gestão dos seus afectos. Com a presente obra, Mário Cláudio compôs, com a arte e a mestria a que nos habituou, um retrato belíssimo que pode ser apreciado como uma pintura.

Fonte: Cortesia de Leyaonline