1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2018:
Queridos amigos,
Nunca me ocorrera quando e como os sírio-libaneses arribaram à Guiné, como se poderá ler neste documento foi coisa que ocorreu na viragem do século, vinham do Monte Líbano, o Império Otomano dava sinais claros de decadência, eles sonhavam com melhores condições de vida, embrenharam-se por toda a África Ocidental, mas muitos foram para mais longe, para as Américas do Norte e do Sul, convém não esquecer Seu Nacib, a paixão de Gabriela, em Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado. Sempre minoritários, optaram por locais do interior, fugiram discretamente à discriminação, não encontrei nenhum registo de hostilidades entre estes comerciantes e os mauritanos.
Um abraço do
Mário
Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926
Beja Santos
A surfar na net deparou-se-me esta dissertação de mestrado em Antropologia Social na Universidade de Campinas, não podia resistir à leitura, tendo tido, como direto colaborador, no Pel Caç Nat 52, Zacarias Saiegh, de ascendência sírio-libanesa, sabendo que ao tempo os sírio-libaneses continuavam muito ativos no comércio, a despeito da guerra, resolvi inteirar-me como tinham chegado à Guiné.
É o que Olívia Gonçalves Janequine nos sintetiza sobre o seu trabalho:
“Vê-se que a colónia não se presta à adaptação da raça branca. (…) Uma vez que o clima é debilitante para o branco, este não deve, normalmente, passar na colónia duas estações chuvosas consecutivas. Convém, portanto, que ele aí permaneça apenas por períodos de 18 meses. (…)
“O sírio é tão bom vendedor quanto o contratante negro, mas ele vive, em geral, mais miseravelmente que este último. Por sua insensibilidade moral, pelos procedimentos condenáveis que ele adota em suas transações com os indígenas, pelo conhecimento que possui dos costumes e da língua destes, o sírio é um concorrente ameaçador, não somente para as grandes casas europeias mas também e principalmente para os pequenos comerciantes”.
Calvet Magalhães também os vai zurzir no seu relatório, falando nas suas balanças viciadas, na ganância dos seus lucros.
A I Guerra Mundial afetou a presença síria na Guiné, Portugal entrou na guerra no lado oposto ao dos otomanos, havia que deter cidadãos alemães e seus aliados residentes na Guiné, os sírios teriam sido detidos em julho de 1916 e apenas no Cacheu e não há relatos de consequências para os sírio-libaneses noutros pontos da Guiné.
Importa igualmente dizer que Olivia Janequine analisa as atividades económicas deste comércio sírio no contexto de toda a África Ocidental e explana também o contexto da economia da Guiné Portuguesa na I República. No fundo, os sírio-libaneses granjearam posições em Bissau, Bafatá, Bambadinca, Sonaco e Farim e em centros menores como Cacheu, Geba e Xitole.
“Na passagem do século XIX para o século XX, no contexto da sua grande migração, alguns milhares de sírio-libaneses foram para a África Ocidental e ali se estabeleceram. Em toda a região, tornaram-se intermediários no circuito comercial, então em plena ascensão, que fazia chegar as matérias-primas da região à indústria europeia e os bens de consumo produzidos na Europa aquele que era o novo mercado.
"Com o contexto global e regional sempre em perspetiva, esta dissertação apresenta uma investigação sobre o processo de estabelecimento de migrantes sírio-libaneses na Guiné Portuguesa”, o período de estudo corresponde à I República.
A mestranda deu particular realce na investigação aos documentos que circulavam entre administradores coloniais, pois verificou que estes sírio-libaneses aparecem em relatórios, censos, anuários e artigos publicados em periódicos coloniais sempre como tema acessório. Parte do marco temporal, a partir da década de 1880, houve um grande movimento emigratório a partir da região do Império Otomano denominada Grande Síria (atuais Síria, Líbano, Jordânia, Israel, Territórios Palestinos e uma fração da Turquia) especialmente na área onde está localizado o Monte Líbano.
Zacarias Saiegh, da I Companhia de Comandos Africana,
executado em Porto Gole em dezembro de 1977.
A mestranda deu particular realce na investigação aos documentos que circulavam entre administradores coloniais, pois verificou que estes sírio-libaneses aparecem em relatórios, censos, anuários e artigos publicados em periódicos coloniais sempre como tema acessório. Parte do marco temporal, a partir da década de 1880, houve um grande movimento emigratório a partir da região do Império Otomano denominada Grande Síria (atuais Síria, Líbano, Jordânia, Israel, Territórios Palestinos e uma fração da Turquia) especialmente na área onde está localizado o Monte Líbano.
Estes migrantes eram conhecidos por “turcos”, caso do Brasil, mas também os tratavam por árabes ou sírios. Nos documentos referentes à Guiné Portuguesa no período 1908-1950 são tratados como: “syrien”, “syrios”, “syrianos”, “franceses (naturais da Síria” e também “libaneses”. Pude constatar que eram referidos como sírio-libaneses ou só libaneses.
Esta migração prende-se com o declínio otomano, os sírio-libaneses lançaram-se num êxodo, na Europa, em direção às Américas (EUA, Brasil e Argentina). Uma dessas levas europeias encaminhou-se para a rede do comércio internacional de tecidos, outra para a África Ocidental, a partir do porto de Marselha.
Esta migração prende-se com o declínio otomano, os sírio-libaneses lançaram-se num êxodo, na Europa, em direção às Américas (EUA, Brasil e Argentina). Uma dessas levas europeias encaminhou-se para a rede do comércio internacional de tecidos, outra para a África Ocidental, a partir do porto de Marselha.
A invasão colonial na África Ocidental era impressionante, tratava-se da avidez dos mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores de manufaturas. Iremos encontrar estes migrantes vindos do Monte Líbano em regiões como o Senegal, a Costa de Marfim, a Nigéria e o Gana (então conhecida como Costa do Ouro) mas também a Serra Leoa, a Guiné Francesa, o Sudão Ocidental. Terão partido do Senegal e da Guiné Francesa até à Guiné Portuguesa. Um investigador aponta que em 1960 na África Ocidental os libaneses residentes aproximavam-se das 40 mil pessoas.
Irmã do falecido Faraha Heneni, um dos importantes comerciantes libaneses (ou de origem sírio-libanesa) de Bafatá, imagem do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.
Diz a mestranda que em casos como a Guiné Senegal, Guiné Portuguesa e Serra Leoa, o movimento migratório ficou restringido nos primeiros anos às principais zonas urbanas, muito cedo começaram a ser hostilizados os comerciantes locais, há dados que tal aconteceu no Senegal, em Serra Leoa e na Guiné Portuguesa houve o seu claro repúdio pela Liga Guineense em 1915.
A investigadora dedica particular interesse à análise da administração colonial e o seu relacionamento com os estrangeiros, recorda que a administração era constituída por uma minoria de metropolitanos cercada de funcionários oriundos de outros territórios ultramarinos, principalmente de Cabo Verde e crioulos guineenses, muitos deles de origem cabo-verdiana. Até a uma efetiva pacificação, o comércio processava-se em praças, isto é, em aglomerações onde comerciantes europeus, cabo-verdianos e luso-africanos viviam ou se estabeleciam e que se tornaram nos principais centros urbanos da Guiné ainda no século XIX.
A escassa presença portuguesa prendia-se a diferentes fatores: a hostilidade das populações locais, a insalubridade do território, o clima, verdadeiramente devastador, tal como o Governador Carlos Pereira, o primeiro nomeado após a vitória republicana escreveu numa obra que redigiu em francês em 1914:
Diz a mestranda que em casos como a Guiné Senegal, Guiné Portuguesa e Serra Leoa, o movimento migratório ficou restringido nos primeiros anos às principais zonas urbanas, muito cedo começaram a ser hostilizados os comerciantes locais, há dados que tal aconteceu no Senegal, em Serra Leoa e na Guiné Portuguesa houve o seu claro repúdio pela Liga Guineense em 1915.
A investigadora dedica particular interesse à análise da administração colonial e o seu relacionamento com os estrangeiros, recorda que a administração era constituída por uma minoria de metropolitanos cercada de funcionários oriundos de outros territórios ultramarinos, principalmente de Cabo Verde e crioulos guineenses, muitos deles de origem cabo-verdiana. Até a uma efetiva pacificação, o comércio processava-se em praças, isto é, em aglomerações onde comerciantes europeus, cabo-verdianos e luso-africanos viviam ou se estabeleciam e que se tornaram nos principais centros urbanos da Guiné ainda no século XIX.
A escassa presença portuguesa prendia-se a diferentes fatores: a hostilidade das populações locais, a insalubridade do território, o clima, verdadeiramente devastador, tal como o Governador Carlos Pereira, o primeiro nomeado após a vitória republicana escreveu numa obra que redigiu em francês em 1914:
“Vê-se que a colónia não se presta à adaptação da raça branca. (…) Uma vez que o clima é debilitante para o branco, este não deve, normalmente, passar na colónia duas estações chuvosas consecutivas. Convém, portanto, que ele aí permaneça apenas por períodos de 18 meses. (…)
" As obras de saneamento realizadas ultimamente na colónia, assim como o melhor conhecimento e uma aplicação mais rigoroso das prescrições higiénicas por parte dos brancos, fizeram baixar consideravelmente os números das estatísticas nosológicas (referentes a doenças), o que facilita hoje em dia a contratação dos funcionários necessários à boa organização dos serviços públicos e dos colonos necessários ao seu desenvolvimento económico”.
A investigadora destaca o papel da Liga Guineense, as suas contendas com Teixeira Pinto e as atrocidades e prepotências praticadas na Península de Bissau por Abdul Injai e a hostilidade ao comércio libanês.
Estes sírio-libaneses eram 101 na Guiné Portuguesa em 1924. Devemos ao relatório produzido por Calvet Magalhães, Administrador da Circunscrição de Geba, e referente a 1914, o dado de que havia mais de 20 estabelecimentos sírios só em Bafatá, refere a sua presença em Contuboel e Sonaco.
A investigadora destaca o papel da Liga Guineense, as suas contendas com Teixeira Pinto e as atrocidades e prepotências praticadas na Península de Bissau por Abdul Injai e a hostilidade ao comércio libanês.
Estes sírio-libaneses eram 101 na Guiné Portuguesa em 1924. Devemos ao relatório produzido por Calvet Magalhães, Administrador da Circunscrição de Geba, e referente a 1914, o dado de que havia mais de 20 estabelecimentos sírios só em Bafatá, refere a sua presença em Contuboel e Sonaco.
Fica claro que esta concentração do comércio sírio era no interior da Guiné, posicionavam-se em locais que podiam ser abastecidos através do rio Geba.
A investigadora estudou também dados sobre a presença destes comerciantes em Farim. Mas ao contrário da circunscrição de Farim, a região de Bafatá (pertencente à circunscrição de Geba) encontrava-se sob plena administração portuguesa. A autora sugere que os sírio-libaneses não queriam entrar em concorrência com as elites locais europeias e crioulas. A Liga Guineense criticava as práticas comerciais dos sírios e o próprio Governador Carlos Pereira tece-lhes considerações bem pouco abonatórias:
“O sírio é tão bom vendedor quanto o contratante negro, mas ele vive, em geral, mais miseravelmente que este último. Por sua insensibilidade moral, pelos procedimentos condenáveis que ele adota em suas transações com os indígenas, pelo conhecimento que possui dos costumes e da língua destes, o sírio é um concorrente ameaçador, não somente para as grandes casas europeias mas também e principalmente para os pequenos comerciantes”.
Calvet Magalhães também os vai zurzir no seu relatório, falando nas suas balanças viciadas, na ganância dos seus lucros.
A I Guerra Mundial afetou a presença síria na Guiné, Portugal entrou na guerra no lado oposto ao dos otomanos, havia que deter cidadãos alemães e seus aliados residentes na Guiné, os sírios teriam sido detidos em julho de 1916 e apenas no Cacheu e não há relatos de consequências para os sírio-libaneses noutros pontos da Guiné.
Importa igualmente dizer que Olivia Janequine analisa as atividades económicas deste comércio sírio no contexto de toda a África Ocidental e explana também o contexto da economia da Guiné Portuguesa na I República. No fundo, os sírio-libaneses granjearam posições em Bissau, Bafatá, Bambadinca, Sonaco e Farim e em centros menores como Cacheu, Geba e Xitole.
Em 1948, apenas algumas companhias comerciais maiores de sírio-libaneses como a Aly Souleiman & C.ª atuavam no interior e estavam presentes nos portos marítimos de Cacheu e Bissau, as firmas sírio-libanesas representavam aproximadamente metade dos estabelecimentos comerciais em Geba, Xitole, Farim e Bafatá, isto já noutro período histórico, é referência que consta do Anuário da Guiné Portuguesa de 1948.
É possível ler todo este documento da dissertação de mestrado de Olivia Gonçalves Janequine em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279139/1/Janequine_OliviaGoncalves_M.pdf
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18594: Antropologia (27): Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)
É possível ler todo este documento da dissertação de mestrado de Olivia Gonçalves Janequine em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279139/1/Janequine_OliviaGoncalves_M.pdf
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18594: Antropologia (27): Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)