terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2010:

Queridos amigos,

Continuo deliciado, a ler e a rever um livro bem reflectido, bem estruturado e útil para pensarmos a Guiné onde combatemos e onde o imprevisível, na actualidade, não pára de nos surpreender.

Nós constamos da bibliografia deste autor, que nos trata com muito apreço.
Todos os confrades, permitam-me a sugestão, terão tudo a ganhar com esta leitura aliciante de alguém que escreveu um livro de história e ciências jurídicas numa linguagem muito clara e acessível.

Um abraço do
Mário


Do nacionalismo à luta armada, Che Guevara e Amílcar Cabral

por Beja Santos

Continuamos à volta do portentoso livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” de António E. Duarte Silva (Edições Almedina, 2010)*.

No texto anterior, procurou-se dar uma panorâmica dos principais eventos do século XIX ao século XX, na óptica dos grandes vectores da colonização, tendo em consideração a obra incontornável de Sarmento Rodrigues.

Nesta viagem que nos levará, no próximo texto, à apreciação das diferentes constituições bissau-guineenses, vamos agora resumir as principais etapas que vão do nacionalismo até à luta armada (a história da luta armada será encarada na recensão de outro livro de António E. Duarte Silva,  A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Afrontamento, 1997).

É o governador Raimundo Serrão quem sucede, em 1949, a Sarmento Rodrigues. Serrão teve uma governação pálida. Praticamente limitou-se a inaugurar as obras encetadas por Sarmento Rodrigues. Por este tempo, terão surgido os primeiros movimentos políticos de contestação ao poder colonial. Revelar-se-ão insignificantes. O PCP terá tido alguma influência junto da pequena burguesia que contesta o colonialismo graças à farmacêutica Sofia Pomba Guerra. Crê-se que terá sido ela a apresentar Aristides Pereira e Osvaldo Vieira a Amílcar Cabral.

Nesta época, guineense e “activo” do PCP era Vasco Cabral. A seguir a Raimundo Serrão vem um governador polido e de modos aristocráticos, Diogo Mello e Alvim, isto numa altura em que Amílcar Cabral e a mulher publicam artigos alusivos à agricultura na Guiné Portuguesa no Boletim Cultural.

Também por esta época alargam-se os quadros da PIDE mas quem dá informações sobre as manifestações de “subversão” é a PSP. Cabral aparece ligado à tentativa de uma associação desportiva e recriativa, autorização que foi negada. Em 1955 é criado o clandestino MING – Movimento para Independência Nacional da Guiné. O PAI – Partido Africano da Independência terá sido constituído a 19 de Setembro de 1956, o pensamento de Cabral está em marcha, insere-se na vaga pan-africana. As elites crioulas, os mestiços, os pequenos quadros, os comerciantes, empregados públicos, manifestam simpatia pelos princípios do PAI.

Cabral aproveita-se das boas relações que desenvolvera em Lisboa no Centro de Estudos Africanos, contacta outros grupos que pretendem a libertação das colónias portuguesas. Os chamados “civilizados” guineenses, sempre hostis aos cabo-verdianos, decidem formar um Movimento de Libertação da Guiné que se diluirá quando, em plena década de 1960 a Organização da Unidade Africana reconhecer o PAIGC como o único movimento de libertação de toda a Guiné.

As autoridades portuguesas continuam impassíveis, não se apercebem da crescente contestação e das suas diferentes orientações: é uma longa calma que precede a tempestade. Nem o massacre do Pindjiquiti (o autor privilegia a ortografia tradicional, era assim que se escrevia e é assim que se escreve hoje).

Ainda há muitos dados sobre este massacre por esclarecer mas parece incontornável que houve uma péssima gestão negocial do gerente da Casa Gouveia, o conhecido historiador António Carreira, e a PSP perdeu o controlo da situação chacinando os amotinados, atirando sobre manifestantes fugitivos, liquidando implacavelmente os feridos.

Valerá, a tal propósito ler, o que escreveu o nosso confrade Leopoldo Amado em http://guineidade.blogs.sapo.pt/arquivo/1019191.html. [Mas também Mário Dias, o único de nós que esteve lá nesse dia...]

Os partidos políticos estão em formação tanto o MLG como o PAI, os nomes sonantes são os de Rafael Barbosa e Amílcar Cabral. Cabral, no exterior, procura mobilizar a consciência do movimento de liberação. Em 1960, Cabral já está instalado em Conacri e o PAI dá lugar ao PAIGC. A luta pelo reconhecimento internacional ia começar. No interior, de 1960 a 1962, a luta política ganha consistência.

O MLG lança-se declaradamente na guerra em Julho de 1961, atacando São Domingos e depois Susana e Varela. MLG e outras organizações operam a partir do Senegal e da Guiné Conacri. No essencial, nunca se entenderão, o problema cabo-verdiano é o grande óbice, os cabo-verdianos fingem ignorar este dado primordial ou julgam-no ultrapassável.

Por essa época, em Dakar, o diplomata Luís Gonzaga Ferreira tenta uma aproximação entre os guineenses e Salazar, revelar-se-á um insucesso, Salazar escolhera o seu caminho. A subversão alastra rapidamente, o PAIGC apostava com bons resultados na propaganda e na separação das populações. Em Janeiro de 1963, ainda deficientemente equipados e com a maior parte dos quadros ainda em formação sobretudo na China e na Checoslováquia, começou a luta armada com um ataque a Tite, o que veio desorientar as Forças Armadas Portuguesas. Em Julho desse ano a guerra atingia o Oio e o PAIGC instalou-se no Morés; o sul da colónia entrou em convulsão, foi aqui que se deu o mais rápido separar das águas. As autoridades portuguesas não sabiam o que fazer.

Para o brigadeiro Louro de Sousa, comandante militar da Guiné, a guerra estava perdida. Em Maio de 1963 é capturado um sargento da Força Aérea, trata-se do primeiro importante prisioneiro de guerra. De Janeiro a Março de 1964 vai ter lugar a chamada batalha de Como, a Operação Tridente. Teve imensos custos para o lado português serviu para muito pouco já que o PAIGC se ia espalhando com sucesso pelas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine.

É nesta região, em Cassacá, que o PAIGC irá realizar o seu congresso, reorganizar a luta armada, reformular as estruturas partidárias e julgar os camaradas acusados abertamente de crimes inqualificáveis e até abomináveis crimes contra o povo. Foram julgados e fuzilados vários dirigentes.
Ainda hoje não está claro que crimes cometeram e à ordem de quem.

1964 foi o ano decisivo no alargamento da luta de guerrilhas. O PAIGC avançou para a região de Bissau mas a guerra não chegou ao interior da península como não chegará aos Bijagós, à ilha de Bolama e mesmo ao “chão fula”. Os grupos do PAIGC passam a actuar praticamente em toda a região Sul, abaixo do Geba e a oeste do Corubal. Em Abril, Arnaldo Schultz é nomeado como governador e comandante militar.

Schultz apercebe-se que o PAIGC fora bem sucedido no Sul e que tem um relativo controlo na região do Morés, actuando com subtileza em diferentes corredores que garantem o abastecimento das bases instaladas no interior. Por esta época as FARP estão em reorganização e o seu equipamento está, no mínimo, em paridade com as forças portuguesas. Os movimentos de libertação da Guiné, Angola e Moçambique passam a afinar posições, junto dos comités da ONU mas é indiscutivelmente o nome de Cabral que sobressai em todas as assembleias, pela sagacidade, conteúdo, leitura do futuro.

Quando Che Guevara percorre alguns pontos de África, já se tinha encontrado com Cabral. Os meios de comunicação não deram projecção a este encontro em que Guevara prometeu o envio de armas. Segundo Óscar Oramas (que virá a ser nomeado embaixador cubano, em Conacri) Guevara terá comentado que Cabral “era o dirigente africano de maior talento e que mais o tinha impressionado”.

A ajuda cubana virá, como é sabido. Será aliás em Cuba que em Janeiro de 1966 a I Conferência de Solidariedade dos povos da África, da Ásia e da América Latina e será aqui que Cabral terá ensejo de proferir uma das suas mais importantes intervenções ideológicas, inovando conceitos de matriz marxista, orientando-os para a realidade africana.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6790: Notas de leitura (135): Rui Patrício: A vida conta-se inteira, de Leonor Xavier (Mário Beja Santos)

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