Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quinta-feira, 22 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26834: Agenda cultural (885): Dia de África e Tarde Multicultural - Encontro de Culturas, que vai decorrer no próximo dia 24 de Maio, entre as 11h00 e as 18h00, na Livraria Municipal Verney - Oeiras, conforme o programa
Nota do editor
Último post da série de 17 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26812: Agenda cultural (884): "Livros a Oeste, Festival do Leitor", 13ª edição: "Chegados Aqui Para Onde Vamos?" - Conversa com os escritores Miguel Szymanski, Júlio de Almeida (o antigo comandante do MPLA, "Juju") e Luís Reis Torgal... Sábado, 17 de maio, às 17:00
sexta-feira, 16 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26806: Notas de leitura (1797): "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado em Lisboa em 1881, no tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores… (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Temos versado a questão colonial em diferentes dimensões, aqui no blogue, a dimensão racial tem sido a menos analisada. Em plena ascensão do colonialismo africano, os antropólogos deram uma mãozinha e puseram banho lustral nos ideais civilizadores do branco, o negro era infantil, menos inteligente que o branco, um quase inapto para as artes plásticas, tribal e sorna, precisava de monitores brancos. É dentro desse contexto e recorrendo ao livro "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado entre nós em 1881, que se pode dar entendimento ao nosso olhar sobre África e o africano, quando avançamos, depois da perda do Brasil, para os sonhos do Terceiro Império, a nossa missão civilizadora associar-se-ia à exploração de riquezas, face às quais o negro era totalmente inapto, não passava de uma criança mandriona.
Um abraço do
Mário
No tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores…
Mário Beja Santos
Quando o livro "As Raças Humanas", de Louis Figuier, foi editado em Lisboa, em 1881, já tinha conhecido quatro edições em França. É obra profusamente ilustrada, com elevada qualidade gráfica, o tema das raças estava no auge, as doutrinas evolucionistas, o pensamento filosófico positivista, os ideais republicanos laicos tinham entrado em colisão, daí a pergunta o que é o homem, de onde vem, se tinha ou não o papel de centro único da criação, como se tinham processado ao longo da História as migrações dos povos, etc. Figuier concluirá que a ciência não pode explicar a diferença existente entre os principais tipos da espécie humana, dirá mesmo que os homens são todos irmãos pelo sangue, que as diferentes raças eram derivadas de uma espécie única pelas modificações que o clima imprimiu no tipo positivo, competia à antropologia classificar as raças e Figuier acha que tal classificação se baseia na cor da pele, é uma apreciação de um valor secundário mas com ele pode formar-se um quadro exato e metódico dos povos habitantes da Terra. E dá um sentido à sua análise com apreciações que são hoje completamente dadas como erróneas: as medidas antropométricas constituíam a chave esclarecedora para distinguir o que essencialmente diferencia a raça branca da raça amarela, a raça amarela da raça parda, a raça parda da raça vermelha e a raça vermelha da raça negra.
E vamos viajar a partir da raça branca, um tal ramo europeu onde destacam as famílias teutónica, latina, eslava (do Norte do Sul), fino-húngara, grega; passa-se para o ramo aramaico e o leitor permitir-me-á que avance para a raça negra. Escreve Figuier:
“A raça negra distingue-se pelos seus cabelos pouco compridos e lanosos, pelo nariz achatado, pela maxila saliente, pelos lábios grossos, pelas pernas arqueadas, pela cor preta ou cinzenta carregada. Estes povos vivem nas regiões centrais e meridionais da África, nas partes meridionais da Ásia e da Oceânia.
Os habitantes da Guiné e do Congo são muito pretos, mas os Cafres são apenas cinzentos-escuros e parecem-se com os Abissínios. Os Hotentotes e os Bosquímanos são amarelados comos os chineses, posto que tenham as feições e a fisionomia dos negros.”
Figuier enuncia os Cafres e os Hotentotes e assim chegamos aos negros:
“Os negros ocupam uma grande parte da África Central e Meridional, a Senegâmbia, a Guiné, uma parte do Sudão Ocidental, a Costa do Congo, assim como a extensa região que ainda há pouco quase completamente desconhecida entre a Costa do Congo a Oeste e a Este da Costa de Moçambique e do Zanzibar, são os lugares habitados pelos negros propriamente ditos. A Guiné e o Congo são as terras clássicas dos negros. É ali que vivem os representantes desta raça com as feições mais características e repelentes. Julga-se que a invasão na África dos povos asiáticos e europeus, tendo-se sempre feitos pelo istmo do Suez e pelo Mar Vermelho, os negros foram empurrados para o Oeste do continente africano. Os habitantes da Guiné e do Congo serão, pois, os descendentes e os representantes contemporâneos dos negros primitivos.
(…) A fisionomia do negro é de tal modo característica que é impossível o não reconhecer à primeira vista, mesmo quando o indivíduo tivesse a pele branca. Os seus lábios proeminentes, a fronte curta, os dedos salientes, os cabelos lanosos, a pouca barba, o nariz largo e achatado, o queixo retraído, os olhos redondos dão-lhe um aspeto particular entre todas as demais raças humanas. Muitos têm as pernas arqueadas, quase todos pouca barriga de perna, os joelhos flexionados, o corpo inclinado e o andar preguiçoso. Podemos acrescentar que nesta raça o tronco tem menos largura que nas outras raças, que os braços são proporcionalmente um pouco mais compridos, que as pernas têm uma curvatura assaz sensível e que a barriga das pernas é um pouco achatada. A cavidade óssea da bacia é muito mais estreita no negro do que no europeu, mas é mais larga no sentido do osso sacro, o que torna para as negras fáceis os partos. Segundo medidas exatas, a bacia superior é 1/4 mais larga no europeu do que no negro. Também as coxas dos negros diferem das dos brancos: no primeiro são sensivelmente achatadas. O pé participa desta fieldade das formas. O vício de conformação que entre nós isenta do serviço militar, o pé chato, não só para o negro não é uma deformação, mas é também um caráter constante.
(…) A cor da pele tira à fisionomia do negro toda a beleza. O que dá graça à cara do europeu é cada parte do rosto ter o seu colorido próprio. As maçãs do rosto, o nariz, a fronte, o queixo, têm, no branco, tons particulares. Na fisionomia do negro tudo é negro. As sobrancelhas, negras como o rosto, perdem-se na cor geral. Apenas há um tom diferente na linha de contacto dos lábios. A pele dos negros é muito porosa e tanto que os poros se apresentam de modo visível. Nem todos os negros têm a pele dura, pelo contrário, pelo contrário, alguns têm-na macia e acetinada. O que há de desagradável na pele do negro é o cheiro nauseabundo que exala suando. Estas emanações são tão difíceis de suportar como as que são exaladas de certos animais. A natureza apropria o negro às regiões em que vive. Em geral, o seu temperamento é linfático. O seu andar vagaroso, a sua preguiça invencível, impacientam o europeu, que não pode compreender tanta indolência. Os negros são menos sensíveis que os europeus à influência de excitantes. A aguardente, a mais forte, o rum, a pimenta, os mais irritantes condimentos francamente excitam a inércia do seu palato.”
Chegámos agora à contundente questão da inteligência e da inferioridade racial. Socorrendo-se de argumentos antropomórficos hoje dados como anacrónicos, Figuier refere o ângulo facial, a fronte muito inclinada para trás, as maxilas muito proeminentes e classifica:
“Aproximava-se do macaco, cujo ângulo facial, nos macacos antropomorfos, tais como o orangotango e o gorila, é de 50º. Esta fraqueza relativa de inteligência que nos é revelada pela pequenez do ângulo facial dos negros vai ser confirmada por nós, examinando-lhe o cérebro. (…) A inferioridade intelectual do negro é evidente na sua fisionomia sem expressão nem mobilidade. O negro é uma criança e como uma criança é impressionável, inquieto, sensível ao bom tratamento suscetível de dedicações, mas, em certos casos, sabendo também odiar e vingar-se. Os povos da raça negra que existem no interior de África, os estados de liberdade mostram-nos pelos seus hábitos e pelo estado do seu espírito que não podem passar de além da vida de tribo. Além disso, em muitas colónias custa tanto tirar bom resultado da educação dos negros, a tutela dos europeus é-lhe de tal modo indispensável para lhe manter os benefícios da civilização, que a inferioridade da sua inteligência, comparada com a do resto da humanidade, é um facto incontestável.”
Instituiu-se assim a inferioridade do negro, a plena dependência do civilizado, a fatalidade da sua anatomia, a sua indolência masculina pondo a mulher a trabalhar como escrava, as suas crendices em divindade secundárias, a crença no poder do acaso. E, de repente, Figuier descobre que os negros possuem muitas vezes uma extraordinária memória, uma extrema facilidade para aprender as línguas, o seu enorme talento nas imitações. Os negros, enfatiza Figuier, são rebeldes às artes plásticas, mas são muito sensíveis à música e à poesia. E conclui dizendo que a família negra tem menos inteligência que qualquer outra família humana e que é preciso dar muito tempo aos negros libertos para viverem numa igualdade com outras raças.
Era esta a doutrina que alimentava o pensamento colonialista e que efetivamente só se começou a desmoronar no fim da Segunda Guerra Mundial. O racismo mudou de figura, está associado a uma religião eleita, a certos fundamentalismos monoteístas, à emergência do nacionalismo de base racial e ao terror das migrações que assolam a Europa e a América do Norte; mas não sejamos ingénuos, os chineses não querem contaminações com outros grupos populacionais… O racismo diminuiu, tem uma face muito obscura, mas está muito longe de se ter extinguido.
Nota do editor
Último post da série de 12 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)
segunda-feira, 7 de abril de 2025
Guiné 61/74 - P26661: Notas de leitura (1787): Libelo acusatório sobre o colonialismo, como não se escreveu outro, no livro "Discurso Sobre o Colonialismo", por Aimé Césaire, editado em 1955 (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Passando em revista os nomes sonantes do pensamento anticolonial, verifiquei que faltava nesta listagem uma referência a uma figura de primeiro plano, Aimé Césaire, hoje e ainda figura de proa surrealista, dos anos 1950 e 1960, alguém que, no primeiro Congresso dos Escritores Artistas Negros, em 1956, aludiu entusiasticamente às relações entre a situação colonial e a cultura, defendendo a necessidade militante de os intelectuais se comprometerem na luta popular de libertação nacional, a fórmula iria ser tomada à letra por líderes anticoloniais, como Amílcar Cabral, que reclamaram o direito dos povos, em situação colonial, a terem a sua própria história.
Um abraço do
Mário
Libelo acusatório sobre o colonialismo como não se escreveu outro
Mário Beja Santos
A Martinica forneceu ao pensamento anticolonial duas figuras de referência: Aimé Césaire [foto à direita] e Franz Fanon, obviamente com características diferentes.
A obra que sujeitamos a análise, Discurso Sobre o Colonialismo, foi editada em 1955, (por coincidência, o ano da Conferência de Bandung, ponto de viragem para as lutas anticoloniais) o poeta lança-se num requisitório, como escreve Mário de Andrade, jamais um outro escritor negro proferiu, com tamanho talento, ao rosto dos opressores.
Procurou reverter toda aquela argumentação da civilização dita cristã e ocidental. Começa por observar o que não é colonização: nem evangelização, nem empresa filantrópica, nem vontade de recuar as fronteiras da ignorância, da doença, da tirania, nem propagação de Deus, nem extensão do Direito. Colonizar é assunto de aventureiros e piratas, de comerciantes e de armadores, de pesquisadores de ouro e de mercadores. Tudo isto é uma hipocrisia recente.
O colonialismo não aspira à igualdade, mas sim à dominação. E Césaire lança a questão das raças ditas superiores e das inferiores. Civilizar, para certos apologistas do colonialismo, é não tolerar a “preguiça” dos povos selvagens. E o seu libelo acusatório sobe de tom:
“Onde quero eu chegar? A esta ideia: que ninguém coloniza inocentemente, nem ninguém coloniza impunemente; que uma nação que coloniza, que uma civilização que justifica a colonização é uma civilização doente e a colonização é testa de ponte numa civilização de barbárie.”
Daí, ele enuncia as expedições coloniais e os seus cadáveres: o coronel de Montagnac, um dos conquistadores da Argélia, o conde d’Hérrisson, que veio com um barril cheio de orelhas, o marechal Bugeaud que dizia que se devia fazer uma grande invasão em África que se assemelhasse ao que faziam os Francos, ao que faziam os Godos.
Importa não esquecer os massacres e as execuções, as conquistas coloniais fundadas sobre o desprezo pelo homem indígena, e assevera:
“Bem vejo as civilizações em que a colonização introduziu um princípio de ruína: Oceânia, Nigéria, Niassalândia. Vejo menos bem o que ela lhes trouxe. Segurança? Cultura? Juridismo? Entretanto, olho e vejo por toda a parte por onde existem, frente a frente, colonizadores e colonizados, a força, a brutalidade, a crueldade, o sadismo, o choque, e, parodiando a formação cultura, a fabricação apressada nuns tantos milhares de funcionários subalternos, ‘boys’, artesãos, empregados de comércio e intérpretes necessários à boa marcha dos negócios.”
Dirige-se em réplica de contraponto:
“Lançam-me à cara factos, estatísticas, quilometragens de estradas, de canais, de caminhos de ferro. Mas eu falo de milhares de homens sacrificados no Congo-Oceano. Falo dos que, no momento em que escrevo, cavam à mão o porto de Abidjan. Falo de milhões de homens arrancados aos seus deuses, à sua terra, aos seus hábitos, à sua vida, à dança, à sabedoria. Falo de milhões de homens a quem colocaram sabiamente medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a genuflexão, o desespero, o servilismo.”
Dentro do seu libelo acusatório, vai desmascarando posições racistas, posturas de superioridade cultural e questiona os tais intelectuais burgueses franceses:
Césaire também vai zurzir em missionários, etnólogos, amadores do exotismo, sociólogos agrários, a todos aqueles que, diz ele, desempenham o seu papel na sórdida divisão do trabalho, escarnece dos estudos sobre o primitivismo, os romancistas da civilização que negam os méritos às raças não-brancas, sempre para chegar à conclusão que todos os progressos da Humanidade acabaram por ser desencadeados pela raça branca, dirige-se mesmo a uma figura de proa do tempo, Roger Caillois:
“A inaudita traição da etnografia ocidental que, há algum tempo, com uma deterioração deplorável do sentido das suas responsabilidades, se engenha a pôr em dúvida a superioridade omnilateral da civilização ocidental sobre as civilizações exóticas”.
Acusa-o por favor parte do lote dos intelectuais europeus que se encarniçam a renegar os diversos ideais da sua cultura, isto quando no fundo, todos pensam pela mesma cartilha: o Ocidente inventou a ciência, só o Ocidente sabe pensar, no entanto, esses mesmos ocidentais esquecem certas verdades: a invenção da aritmética e da geometria pelos egípcios; a descoberta da astronomia pelos assírios; o nascimento da química pelos árabes; o aparecimento do racionalismo no Islão numa época que o pensamento ocidental tinha uma feição pré-lógica.
E despede-se na sua catilinária prevendo o que na prática veio a acontecer:
“Se a Europa Ocidental não toma de modo próprio em África, na Oceânia, em Madagáscar, isto é, às portas de África do Sul, nas Antilhas, isto é, às portas da América, a iniciativa de uma política das nacionalidades, a iniciativa de uma política nova fundada no respeito dos povos e das culturas, se a Europa não galvaniza as culturas moribundas ou não suscita as culturas novas, se não se torna despertadora de pátrias e civilizações, a Europa terá perdido a sua derradeira oportunidade.”
Eis, em síntese, um dos documentos de referência que levou ao conclave da liberdade dos povos colonizados, um conteúdo que chamou à atenção de futuros líderes anticoloniais, Amílcar Cabral seguramente que tomou em conta o princípio que Césaire enuncia, o direito dos povos, em situação colonial, a terem a sua própria história, como Cabral escreveu:
“(…) a libertação nacional de um povo é a reconquista da personalidade histórica desse povo, é o seu regresso à História, pela destruição do domínio imperialista a que esteve sujeito.”
Césaire foi um notável poeta que nos deixou um poderoso lirismo de combate, como se exemplifica: “Vejo a África múltipla e una/vertical na sua tumultuosa peripécia/com os seus refegos, os seus nódulos/um pouco à parte, mas ao alcance/do século, como um coração de reserva.”
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Nota do editor
Último post da série de 4 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26651: Notas de leitura (1786): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Na Terra do Novo Deus: O general Henrique Dias de Carvalho na Guiné (1898-1899) (5) – 2 (Mário Beja Santos)
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Guiné 61/74 - P26165: Notas de leitura (1745): À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (3) (Mário Beja Santos)


Queridos amigos,
Aqui se versa a história do comércio de escravos, a era colonial e o quadro das independências no continente africano. A par de dados inequivocamente rigorosos, é nítido o desconforto de Basil Davidson a analisar o pacto estabelecido ao longo de séculos pelas chefaturas africanas e os comerciantes de escravos. É fidedigno o relato deste crescendo comercial polarizado para as Américas, tocou o Brasil, o Caríbe e a América Central e uma boa parte do que é hoje os Estados Unidos da América, prende-se com o açúcar, o tabaco, o algodão, a prata e o ouro e os diamantes, o trabalho do engenho, das plantações, das minas, até mesmo como na África do Sul o negro era escravizado ou induzido ao trabalho forçado. Houve escravos que resistiram, foi o caso do Haiti, revoltaram-se e foram massacrados pelos exércitos franceses.. Estes escravos africanos foram pioneiros do Novo Mundo,na Virgínia, Carolinas, na Geórgia, reformularam a estrutura do Brasil. A era colonial que despontou no século XIX entrará no ocaso no fim da Segunda Guerra, dos anos 1960 em diante o quadro político irá transfigurar-se. Desgraçadamente, ainda se pode utilizar o título de uma obra de René Dumont, "A África negra começou mal", este mesmo agrónomo escreverá mais tarde sobre a África estrangulada e o drama dos africanos nordestinos, em particular na região do Sahel.
Um abraço do
Mário
À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (3)
Mário Beja Santos
A edição original é de 1978 e a tradução portuguesa de 1981, Sá da Costa Editora, que também produziu uma edição para o Ministério da Educação da República Popular da Angola. Basil Davidson, jornalista e escritor, tem vasto currículo ligado aos movimentos independentistas de língua portuguesa, recordo que foi ele que propiciou a ida de Amílcar Cabral a Londres em 1960, o líder do PAIGC (então PAI) apresentou um significativo documento sobre as colónias portuguesas, deu conferências e conversou com parlamentares, estabeleceu apoios. Este livro é uma introdução à história dos africanos, decorre às vezes numa atmosfera de intenso elogio ao contributo dos africanos para o progresso do Mundo Antigo, enfatizará a ascensão e esplendor de civilizações famosas do vale do Nilo, e iremos ver referências a mercadores e impérios, o Gana, o Mali e o Songai; haverá uma exposição quanto à importância da África Oriental e Central, como é óbvio procuraremos relevar o que ele escreve sobre a África Ocidental. Em tom francamente divulgativo, seguem-se exposições quanto ao modo de vida dos africanos, uma exposição sobre o comércio de escravos e, por fim, um capítulo dedicado ao colonialismo e independência.
Chegou o momento de nos centramos no comércio de escravos, em devido tempo já se observou que Davidson é francamente omisso quanto à natureza do comércio de escravos que se fazia dentro do continente, do Norte de África na bacia do Mediterrâneo e através do Norte de África para a Península Arábica e arredores. Dirá, de raspão, que o comércio de escravos remontava à época romana e que fazia parte importante da vida quotidiana da Europa, fala em escravos europeus, e dirá em dado passo:
“Estados cristãos, especialmente as cidades-Estados da Itália, tais como Génova e Veneza, vendiam muitos escravos europeus para os reis do Egito e Ásia Ocidental. E quando o fornecimento de não-cristãos baixava, eles compravam cristãos e vendiam-nos também.”
Suaviza a vida destes escravos, dizendo que eram muito bem tratados porque eram caros e acrescenta:
“Enquanto o comércio de escravos se confinou à Europa e África pouco mais foi do que um comércio de cervos domésticos e artífices, dado que as condições de vida dos escravos eram muito semelhantes às da maioria da gente pobre desses tempos.”
Há algo de muito cor-de-rosa nesta narrativa, para contrastar com a brutalidade do tráfico negreiro que se processará por europeus de África para as Américas, tráfico que envolveu portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, holandeses e dinamarqueses, sobretudo. Tornara-se vital encontra mão de obra para a indústria açucareira, seguir-se-á o cultivo de algodão e a pesquisa de ouro e pedras preciosas. Os chefes africanos entraram no comércio de escravos, fizeram acordos amigáveis, aceitaram auxílio militar ocasional de piratas, ficaram satisfeitos por comprar produtos europeus, venderam ouro, marfim, pimenta e as provisões alimentares às tripulações dos navios europeus. Estes reis, ávidos de riquezas, lançaram-se em guerras para ter mais prisioneiros que seriam feitos escravos. Davidson encontra uma explicação para este comportamento dos chefes africanos: sentiam a atração por possuir esses produtos longínquos e queriam comprar armas, medida que irá merecer a reprovação de muitos, há mesmo testemunhos de quem protestava dizendo que aquela venda de armas era como entregar aos africanos uma faca para cortar os nossos próprios pescoços. Davidson elenca o funcionamento do comércio e depois o seu termo, e as consequências futuras destes africanos que passaram a integrar o destino dos povos americanos. Releva igualmente a importância dos escravos na fase pioneira do Novo Mundo trabalhando como mineiros, agricultores e criadores de gado.
E assim chegámos ao último capítulo da obra, caminha-se para a África moderna, entre a era colonial e a África de Estados independentes. Enumeram-se as razões que conduziram povos europeus ao colonialismo africano e não se esconde que os africanos pagaram um preço extra pelo envolvimento dos seus reis e mercadores no comércio de escravos. Este processo colonialista fez-se acompanhar, obviamente, de uma lógica de extração de riqueza, depois da Conferência de Berlim as potências coloniais foram implicadas na ocupação efetiva do território e Davidson faz uma súmula de quatro períodos principais:
“Como funcionou o sistema colonial? Qual o seu significado para a África? As respostas a estas perguntam podem achar-se se observarmos o que aconteceu entre cerca de 1880 e 1960. Podemos distinguir quatro períodos principais.
Primeiro, o período de invasão e conquista anterior e posterior à Conferência de Berlim de 1884-1885. Durou até cerca de 1900
Segundo, o período de montagem do sistema colonial e de destruição dos últimos remanescentes da resistência armada africana. Este prolongou-se até 1920, ou mais tarde em algumas colónias.
Terceiro, o período central do domínio colonial. Na maioria dos casos, este estendeu-se de cerca de 1920 até cerca de 1950, embora também com exceções.
Quarto, o período em que uma nova e sempre bem-sucedida forma de resistência política africana contra o domínio estrangeiro ocupou o centro do palco. Isto começou a acontecer cerca de 1950. A nova forma de resistência política chamou-se nacionalismo. Era um nacionalismo orientado, não para a conquista de outros, mas para a recuperação da independência africana adentro das fronteiras coloniais, que os africanos agora aceitavam como sendo as fronteiras das novas nações independentes que queriam construir.”
Conhecemos bem as guerras que ocorreram dentro deste quarto de período. O autor procura fazer uma reflexão sobre os insucessos africanos, é o caso do baixo nível tecnológico, a desunião no interior dos Estados africanos, a propagação de tribalismo, as debilidades da educação colonial (que refletiam atitudes das classes dominantes da Europa). Conta-se sumariamente a história das vias de resistência africana, a importância que teve a Segunda Guerra Mundial na desarticulação dos ideais imperiais, a alvorada da liberdade política e os casos de luta armada.
Os graves problemas não desapareceram com as independências, é o caso das fronteiras. “A ideia europeia de Estado, legado aos africanos, é que ele deve consistir numa única nação, com uma fronteira a limitá-lo. Para além da fronteira ficam outras nações diferentes. Contudo, esta asseada ideia de que devia ser um Estado não foi a ideia que os europeus efetivamente aplicaram em África. Eles retalharam a África em cinquenta colónias, ao sabor dos puxões e empurrões dos interesses e rivalidades europeus, e de maneira nenhuma de acordo com os interesses dos povos cujos países invadiram.
Muitas vezes os europeus limitaram-se a traçar linhas em mapas, mesmo quando tinham apenas uma vaga noção acerca dos povos e dos países através dos quais as linhas passavam. O resultado foi que poucas das fronteiras coloniais faziam qualquer sentido para a gente que vivia lá dentro.”
O Congo é um exemplo flagrante.
Subsistem os perigos da herança colonial e de um nacionalismo estreito. O fim da Guerra Fria parecia anunciar a retoma da via democrática, em muitos casos estes países imobilizaram-se e aguardam vias para o desenvolvimento, isto a despeito da ajuda da cooperação internacional se fazer com inegáveis benefícios, como é flagrante a gradual descida da mortalidade infantil e de doenças devastadoras.
Notas do editor
Post anterior de 11 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26141: Notas de leitura (1743): À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (2) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 15 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26158: Notas de leitura (1744): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (2) (Mário Beja Santos)
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Guiné 61/74 - P26141: Notas de leitura (1743): À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (2) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Desta edição em português se fez outra destinada ao Ministério da Educação da República Popular de Angola, em 1981. A este país recentemente independente interessava um relato que não se cingisse à visão colonial ou mesmo à história monumental da UNESCO. Confiou-se no poder divulgador de Davidson que pesquisou em diferentes livros o passado africano, e há que reconhecer que fez um levantamento corretamente cingido a investigações de referência. Mas ao abordar a questão ainda hoje muito tensa do comércio de escravos tudo se irá polarizar no negócio europeu, passa-se uma esponja sobre o tráfego praticado entre a Arábia e o Norte de África, a vida destes impérios do norte, centro e sul do continente onde se praticava o comércio negreiro e onde ninguém possuía direitos. Ora o que ele vai enfatizar é o comércio negreiro praticado pelos europeus, o outro, praticado durante séculos entre gente da mesma cor, não conta. Assim se pretendia fazer lavrar o mito de que tinham sido os colonialistas europeus a definhar África através do comércio mais ignóbil do mundo. Mas Davidson era um homem comprometido com estes movimentos de libertação e fez parte fraca. O passado de África teve os seus momentos de glória e as múltiplas fraquezas e ações ignóbeis que encontramos nos outros impérios.
Um abraço do
Mário
À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (2)
Mário Beja Santos
A edição original é de 1978 e a tradução portuguesa de 1981, Sá da Costa Editora, que também produziu uma edição para o Ministério da Educação da República Popular da Angola. Basil Davidson, jornalista e escritor, tem vasto currículo ligado aos movimentos independentistas de língua portuguesa, recordo que foi ele que propiciou a ida de Amílcar Cabral a Londres em 1960, o líder do PAIGC (então PAI) apresentou um significativo documento sobre as colónias portuguesas, deu conferências e conversou com parlamentares, estabeleceu apoios. Este livro é uma introdução à história dos africanos, decorre às vezes numa atmosfera de intenso elogio ao contributo dos africanos para o progresso do Mundo Antigo, enfatizará a ascensão e esplendor de civilizações famosas do vale do Nilo, e iremos ver referências a mercadores e impérios, o Gana, o Mali e o Songai; haverá uma exposição quanto à importância da África Oriental e Central, como é óbvio procuraremos relevar o que ele escreve sobre a África Ocidental. Em tom francamente divulgativo, seguem-se exposições quanto ao modo de vida dos africanos, uma exposição sobre o comércio de escravos e, por fim, um capítulo dedicado ao colonialismo e independência.
Já viajámos por impérios do passado, Gana, Mali e Songai, seguidamente o autor transporta-nos para a África Oriental e Central, dá-nos uma descrição da cultura Suaíli, o viajante árabe Ibn Battuta, que referenciou Tombuctu e as cidades do Mali e Songai, rumou para o sul, esteve onde é hoje a capital a Somália, Mogadíscio, e depois Quíloa, o principal centro do comércio do ouro e do marfim da África Oriental, situada numa pequena ilha junto da costa da parte sul da Tanzânia. Tudo vai mudar em 1498, com a viagem de Vasco da Gama, ele não encontrou Quíloa na sua primeira viagem, esteve em Mombaça e depois Melinde. Davidson refere os reinos Xonas, foram visitados por portugueses que partiam de Sofala e que avançaram para esta região entre os rios Zambeze e Limpopo. No século XV, quando os Xonas se lançaram num importante período de expansão política, eles já tinham criado importantes Estados e haviam completado as altas muralhas do Grande Zimbabué, residência dos seus governantes mais poderosos, cerca de 1400.
Impõe-se uma referência ao reino de Angola, há a considerar o reino do Congo e o dos Quimbundos, a sul, na atual parte ocidental e central de Angola, chamava-se Ndongo e o rei tinha o título de Ngola. Em 1500, os portugueses do Congo confundiram o título do rei com o nome do país, entrou em uso o nome de Angola. O autor recorda a correspondência entre os reis de Portugal e os do Congo. E voltamos à África Ocidental, fora a região mais densamente povoada do continente, sabe-se que tudo mudara com a avassaladora extensão do deserto, foi aqui que se deu o impacto do comércio de escravos do Atlântico, levaram para a América as artes, as técnicas e o trabalho da gente negra. O autor dá-nos o quadro do passado recente antes da vinda dos europeus:
“Os africanos ocidentais comerciavam com o Norte e o Leste. Vendiam os produtos das suas florestas, o ouro e a noz de mascar aos mercadores viajantes do Sudão, do Mali e a gente do território dos Haússas. Toda a África Ocidental era atravessada por uma rede de rotas comerciais ligadas às cidades mercantis, tais como Djenne, Tombuctu e Kano. Os africanos ocidentais ao sul do Sudão também comerciavam muito entre eles próprios.” O autor fará referência aos reinos Iorubas, ao império do Oyo, ao império do Benim, que manteve boas relações com os portugueses. “O povo de Benim viu que os europeus estavam desejosos de comprar a pimenta que eles cultivavam em quantidade, pois a pimenta era então um produto valioso na Europa. Descobriram também que os europeus tinham grande admiração pelos excelentes algodões tingidos e queriam comprá-los. Em contrapartida, o povo do Benim achou que os europeus possuíam coisas úteis para lhes vender, nomeadamente artigos de linho e de metal.” As obras de arte produzidas deste intercâmbio são hoje altamente disputadas pelos museus e grandes colecionadores.
Uma palavra agora para o reino do Achanti, que englobava a maior parte do que é agora a República do Gana. Depois de 1700, os Achantis dominaram um vasto território durante quase 200 anos. E depois de uma descrição feita deste reino de Achanti, Davidson descreve o sistema político africano, a governação, as linhagens, as sociedades secretas, mas também a religião, o encontro entre o cristianismo e o Islão, a feitiçaria, a tecnologia prática, o tratamento dos metais, a fiação, tintura e tecelagem; e igualmente pormenoriza a arte de viver, a literatura, a música, o teatro. E assim chegamos à história do comércio de escravos entre África e o Mundo Ocidental.
Chama-se a atenção do leitor que Davidson, não se sabe bem porquê, não tem uma palavra sobre o comércio de escravos antes da chegada dos portugueses e outros, ora a escravatura vem desde os tempos antigos, em qualquer conquista entre povos africanos se escravizava população e esta era comerciada pelo continente. A sua narrativa começa exclusivamente com a chegada dos portugueses, mas antes, porém, socorre-se de uma descrição mirabolante, truncada do que fora a escravatura no passado. Vale a pena reproduzi-la para se ver a onde nos leva a manipulação e a ignorância:
“As primeiras incursões em busca de cativos negros que pudessem ser vendidos na Europa têm de ser encaradas no contexto da época. Em 1441, quando Antão Gonçalves zarpou da costa portuguesa, o comércio de escravos já era muito antigo na Europa. Remontava à época romana e, mais atrás ainda, à Grécia antiga. Continuou parte importante da vida quotidiana na Europa até ao fim da Idade Média e mesmo posteriormente. Tratava-se sobretudo de comércio de escravos europeus. Estes vinham, normalmente, dos países eslavos da Europa Oriental, porque os povos eslavos converteram-se ao cristianismo mais tarde que os outros europeus; e os cristãos, como os muçulmanos, não viam nada de errado em escravizar os não-crentes. Este comércio não se confinava à Europa. Estados cristãos, especialmente as cidades-estados da Itália, tais como Génova e Veneza, vendiam muitos escravos europeus para os reis do Egito e da Ásia Ocidental e quando o fornecimento de não-cristãos baixava, eles compravam cristãos e vendiam-nos também. Os genoveses eram tão ativos na venda de cristãos que o Papa Martinho V, em 1425, emitiu uma ordem de excomunhão contra eles. Mas o destino destes cativos era muito diferente do dos escravos transatlânticos de épocas posteriores. Tal como em África, eles tornavam-se pessoas sem direitos que podiam ser compradas e vendidas, ou oferecidas de presente, para servirem como pessoal doméstico ou artífices especializados. Podiam ascender a postos de autoridade, casar no seio das famílias dos amos, trabalhar para reaverem a liberdade. Eram muito bem tratados, porque eram caros. Apenas os ricos podiam tê-los. Por conseguinte, Gonçalves e os seus colegas capitães, trazendo prisioneiros africanos para Lisboa, não viam crime no que faziam e sabiam que a carga era valiosa.”
Assim se passa uma esponja sobre a história do comércio negreiro africano que antecede o comércio negreiro europeu em África…
(continua)
Notas do editor
Vd. post de 4 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26114: Notas de leitura (1741): À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26128: Notas de leitura (1742): "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar 1878-1926", por Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (1) (Mário Beja Santos)
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
Guiné 61/74 - P26114: Notas de leitura (1741): À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (1) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
A obra de Basil Davidson não esconde os objetivos subjacentes: mostrar como houve civilizações e culturas prodigiosas antes da chegada do europeu, é uma escrita com o seu poder elegíaco, e se assim não fosse não tinha havido uma edição a pedido do Ministério da Educação da República Popular da Angola. Tendo sido um ativista fervoroso pelas causas dos movimentos independentistas (PAIGC, MPLA e FRELIMO), também aqui deixa a sua marca da água, veremos adiante que trata a questão da escravatura na África pré-colonial como cão por vinha vindimada, era quase tudo compra de gente que ficava em família, segue-se então o comércio ignóbil dos europeus, que deixou os seus filhos e filhas povoarem vastas regiões das Américas e das Caraíbas, e que deram um contributo vital para o desenvolvimento do Novo Mundo. A despeito de óbvia parcialidade no tratamento das chamadas "questões quentes", Davidson é um excelente escritor e o seu livro uma lição de divulgação, uma boa obra de consulta para certos investigadores e universitários que queiram procurar aprender a escrever para o grande público.
Um abraço do
Mário
À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (1)
Mário Beja Santos
A edição original é de 1978 e a tradução portuguesa de 1981, Sá da Costa Editora, que também produziu uma edição para o Ministério da Educação da República Popular da Angola. Basil Davidson, jornalista e escritor, tem vasto currículo ligado aos movimentos independentistas de língua portuguesa, recordo que foi ele que propiciou a ida de Amílcar Cabral a Londres em 1960, o líder do PAIGC (então PAI) apresentou um significativo documento sobre as colónias portuguesas, deu conferências e conversou com parlamentares, estabeleceu apoios. Este livro é uma introdução à história dos africanos, decorre às vezes numa atmosfera de intenso elogio ao contributo dos africanos para o progresso do Mundo Antigo, enfatizará a ascensão e esplendor de civilizações famosas do vale do Nilo, e iremos ver referências a mercadores e impérios, o Gana, o Mali e o Songai; haverá uma exposição quanto à importância da África Oriental e Central, como é óbvio procuraremos relevar o que ele escreve sobre a África Ocidental. Em tom francamente divulgativo, seguem-se exposições quanto ao modo de vida dos africanos, uma exposição sobre o comércio de escravos e, por fim, um capítulo dedicado ao colonialismo e independência.
Tudo começa com a descoberta em 1888 das ruínas de grandes edifícios de pedra na região do Zimbabué, quem teria construído aquelas grandiosas muralhas de pedra e sabido fazer elegantes pulseiras de ouro batido? Os primeiros arqueólogos não encontravam resposta. Hoje sabe-se que estas paredes do Zimbabué terão cerca de mil anos. Como se sabe que houve povos africanos pioneiros no último período da Idade da Pedra e a paleontologia dá como certo e seguro de que o homem, tal como o conhecemos, tem aqui a sua origem.
O povo mais bem-sucedido foi aquele que vivia nas margens do rio Nilo, no território que depois foi o Egito. Davidson dá-nos um quadro de tão portentosa civilização e a sua cronologia. Ali perto nasceu outra civilização, o reino de Kush, construído em duas fases, a primeira sobre a influência egípcia e a fase em que a capital era Méroe, a cerca de 140 km a Norte da moderna Kartum, a capital do Sudão, o poder e a influência de Méroe durou aproximadamente oito séculos. Estes kushitas eram grandes viajantes e comerciantes, inventaram um alfabeto novo com signos para 23 letras (os cientistas ainda trabalham na sua decifração); hábeis agricultores, mas também fortes na guerra, utilizavam a cavalaria, domesticaram o elefante africano; no auge do seu poderio, entre aproximadamente 300 a.C. e 200 d.C., os kushitas dominavam a parte das parcelas do Norte e do centro do Sudão Oriental.
O autor volta-se agora para os povos berberes; antes do ano 2000 a.C., uma grande parte do que é atualmente o deserto do Saara consistia em pradarias bem irrigadas onde viviam e labutavam muitos grupos africanos da Idade da Pedra; as alterações climáticas reconfiguraram estes povos saarianos, deram-se impressionantes migrações; os Tuaregues estão entre os descendentes destes primeiros saarianos; aqueles que viviam no Norte de África aprenderam a metalurgia com os vizinhos do outro lado do Mediterrânio, na Hispânia. O autor refere Cartago e Roma em África e dá um enfoque aos primeiros reinos cristãos de África. O Egito chegou a ser terra cristã; mas a comunidade mais original é a Igreja Copta, criou elegantes igrejas, belas bibliotecas, muitas pinturas e esculturas religiosas; tiveram diferendos com Bizâncio, mas ficaram independentes; há também a registar o cristianismo núbio.
África foi sempre um continente difícil, se bem que possuidor de territórios aprazíveis, ao longo de alguns dos grandes rios, ou nas margens dos lagos, ou nas férteis terras altas orientais que constituem atualmente o Quénia, a Uganda, o Norte da Tanzânia, o Ruanda e o Burundi; mas a maioria dos africanos só pode sobreviver e prosperar respondendo a severos desafios de clima e solo.
“Por vezes foram ajudados pela exuberância da natureza de África, pelas suas altas florestas ou grandes manadas de animais de boa carne, tais como antílopes e búfalos; mas estas mesmas vantagens também acarretavam desvantagens. As florestas eram de difícil penetração; com frequência era difícil viver nelas. Os animais incluíam perigosas feras. A maioria dos africanos teve também de resistir às doenças peculiares das regiões tropicais. Estas incluíam a malária, transmitida pelos mosquitos; certas outras doenças, tais como a bilharzíase, transmitida por caracóis aquáticos ou a debilitação provocada pelos ancilóstomos (infeção parasitária); e, entre as piores, a doença transmitida pela mosca tsé-tsé.”
A despeito destas adversidades, a população fixou-se, desenvolveu a sua agricultura, utilizou o ferro, gerou civilizações. Podemos falar do mundo africano dedicado ao comércio, em duas regiões distintas. A primeira foi o império de Monomotapa, ligado ao comércio mundial pelos mercadores suaílis que, das cidades da costa oriental, penetravam no interior; a segunda, foi a África Ocidental a sul do Sudão, dotou-se de mercadores sudaneses e berberes do Saara do Norte de África. Os africanos produziram e exportaram muitas centenas de toneladas de ouro.
É a vez de ser referenciado o Andaluz, em inícios do século VIII muçulmanos do Norte de África ergueram uma civilização nas regiões meridional e central de Espanha que durou até 1492, quando os Reis Católicos conquistaram Granada. É descrita esta brilhante civilização andaluza, a sua arte e os seus eruditos.
A sul do Saara temos os impérios das savanas. Estes povos centravam-se principalmente em ricas cidades-mercados onde os seus reis e mercadores viviam, eram povoados como forte atrativo para outros negociantes. E fala-se do Gana, teve o auge do seu poder cerca do ano 1000, os seus reis controlavam as rotas que levavam para o Sul, do Gana para o país que ficava à volta das nascentes do rio Níger, tinha o domínio da exportação do ouro, produziam moedas que circularam em dois continentes. A ascensão do Mali foi em grande parte obra do povo Mandinga de Wangara. Depois de 1250, o Mali expandiu-se até se transformar num dos maiores Estados do seu tempo. São desconhecidas as datas dos reinados dos primeiros monarcas do Mali. Sabe-se mais do bem-sucedido Kankan Mussa, que tomou o poder cerca de 1312, reinou até 1337. Dele sabemos mais através de um viajante árabe Ibn Batuta que nos deixou um relato palpitante do rei e da sua civilização. Este Kankan Mussa ficou na história por uma famosa peregrinação a Meca. “Diz-se que Mussa levou com ele cerca de 80 carregamentos de ouro do Mali, 500 dos seus servos traziam um bastão de ouro com o peso de 2 quilos. O imperador deu a maior parte deste ouro no Cairo, enquanto os cortesões também se serviam do ouro para fazerem compras nos mercados elegantes da capital egípcia.” O autor faz uma descrição deste império e depois fala-nos dos Songhai do Sudão Central que se impuseram depois da derrocada do Gana.
Deles iremos falar adiante, bem como de Tombuctu, haverá uma curta referência às cidades da costa Oriental e voltaremos à África Ocidental.
Mário Pinto de Andrade, Ana Maria Cabral, Pedro Pires e Basil Davidson, Cidade da Praia. 1980. FMSMB - Arquivo Mário Pinto de Andrade
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 3 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024
sexta-feira, 19 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25413: In Memoriam (502): Historiador René Pélissier (1935-2024), que dedicou vasta obra literária às antigas possessões portuguesas em África
1. Com a devida vénia, reproduzimos o texto publicado no dia 3 de Abril de 2024 na página do Centro de História da Universidade de Lisboa, enviado ao Blog pelo nosso amigo e camarada, Mário Beja Santos:
Faleceu o historiador francês René Pélissier, estudioso do terceiro império português. René Pélissier (Nanterre, 1935) obteve, em 1975, o Doctorat d’État ès lettres pela Universidade da Sorbonne, com a tese intitulada Résistances et révoltes en Angola 1845-1961, investigação pela qual foi distinguido, em 1978, com o Prix Kastner-Boursault da Academia Francesa. A sua carreira de investigador esteve ligada ao Centre national de la recherche scientifique (CNRS), onde chegou a Directeur de recherche.
René Pélissier foi autor de uma vasta obra sobre as colónias portuguesas, em que se destacam as monografias Les guerres grises. Résistances et révoltes en Angola (1845-1941), 1978, La colonie du Minotaure. Nationalismes et révoltes en Angola (1926-1961), 1979, Naissance du Mozambique. Résistances et révoltes anticoloniales (1854-1918), 1984, Timor en guerre. Le crocodile et les Portugais (1847-1913), 1996, Naissance de Ia Guinée. Portugais et Africains en Sénégambie (1841-1936), 1996, e Les campagnes coloniales du Portugal (1844-1941), 2004. A sua obra foi editada em Portugal e alguns dos seus livros conheceram várias edições. Abordando, principalmente, os aspectos militares das conquistas portuguesas e das resistências locais durante o terceiro império, a sua obra constituiu uma novidade no período em que foi publicada e mantem-se actual. Dedicou-se, igualmente, à divulgação da bibliografia sobre o império português e os países de língua oficial portuguesa, tendo elaborado inúmeras recensões críticas e ensaios bibliográficos.
Ao longo do seu percurso como historiador reuniu uma extensa biblioteca com mais de 12.000 volumes, a maior parte deles sobre o antigo império português, a qual doou à Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
A 3 de Março de 2022, foi-lhe atribuído o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, sob proposta da Faculdade de Letras, como reconhecimento de mérito académico, científico e profissional no estudo e na divulgação da história de Portugal. A cerimónia de entrega do diploma e das insígnias decorreu em Paris, na Embaixada de Portugal em França.
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Notas do editor:
(1) - René Pélissier tem 39 referências no nosso Blog. Mereceu por parte do nosso camarada Mário Beja Santos várias referências e recensões aos seus livros. Talvez o Mário possa elaborar, para publicação, um trabalho sobre este brilhante historiador que dedicou alguns dos seus livros à África lusófuna, originando por vezes algumas discordâncias com os antigos combatentes portugueses.
(2) - À sua família deixamos o nosso pesar pela perda do seu ente querido.
(3) - Último post da série de 10 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25259: In Memoriam (501): António Lobato, maj pil av, ref (Melgaço, 1938 - Lisboa, 2024), autor de "Liberdade e Evasão: o Mais Longo Cativeiro": Falta uma dimensão ao homem que não conheceu a prisão, escreveu ele, citando o filósofo Emmanuel Mounier. A sua vida foi também ela uma luta contra o esquecimento e a ingratidão. Repousa, finalmente, em paz, em Rio de Mouro
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Guiné 61/74 - P25060: O nosso blogue em números (91): Temos esperança que a Guiné-Bissau ultrapasse a China em 2024,... pelo menos em número de visualizações de páginas do nosso blogue!
A principal origem dos que visitam o nosso blogue, quase dois terços, é Portugal (40%) e os EUA (25%) (Gráfico nº 8)
Segue-se, à distância, com menos de 5% cada, o Brasil, a Alemanha e a França. Tudo somado, são quase 80%.
Este perfil não se tem alterado desde 2014, ano em que o Brasil perdeu o 2º segundo lugar para os EUA.
Os EUA (que tinham 7,6% do total de visualizações em 31/12/2013), deu então um salto para os 17,6%). E o Brasil ficou-se pelos 7,8%... Mas Portugal também vindo a perder peso relativo: em 2014 tinha uma "quota" de 48,2% .
Há uma explicação: a crescente penetração da Internet em todos os países do mundo...(Veja-se o crescente peso relativo do "Resto do Mundo", que era de 13,2% em 2015).
12 > Ucrânia > 62 mil
13 > Região desconhecida > 58,5 mil
14 > Itália > 56,4 mil
15 > China > 50,6 mil
16 > Guiné-Bissau > 41,4 mil
17 > Países Baixos > 39,4 mil
18 > Irão > 36,5 mil
19 > Hong Kong > 35,9 mil
Ficamos felizes por saber que , no nosso "Top 20", estão 3 países lusófonos: Portugal (1º), Brasil (3º) e Guiné-Bissau (16º).
E, nos restantes, há também muitos portugueses e outros falantes da língua portuguesa que seguem ou visualizam, com regularidade, o nosso blogue, nomeadamente nos EUA, França e Alemanha, sem menosprezar a Suécia, o Reino Unido, o Canadá e a Espanha...
Recorde-se, mais uma vez, que estes números respeitam apenas ao período que vai de maio de 2010 ao final do ano de 2023, ou seja, desde quando passámos a ter o contador do Blogger (ver aba, do lado esquerdo do blogue). Há, portanto, 1,8 milhões de visualizações, que ficam de fora, desde abril de 2004 até abril de 2010.
2. O caso da "nossa" Guiné-Bissau é interessante:
(i) há dois anos atrás (2021) estava em 19º lugar, com 23,5 mil vizualizações;
(ii) dois anos depois, sobe 3 lugares, está com um total acumulado de 41,4 mil visualizações...e temos esperança que ultrapasse a China em 2024... (Os valores da China, todavia, são os mesm0s de 2021, deixou de aparecer nos útimos dois anos,)
Cabo Verde, por sue turno, já não aparece no nosso "top 20", como aconteceu num ano atrás.
Estes números são interessantes, reflectem também a crescente penetração da Internet na nossa "pequena" Guiné Guiné (que, de resto, quadriplicou a sua popukação em 50 anos: de 0,5 para 2 milhões!).
De acordo como quadro a seguir, a Guiné-Bissau passou de 1500 utilizadores da Internet em 2000 para 900 mil em 2021. O grau de penetração da Internet e agora de 44%, ligeiramente superior ao totald e África, mas mesmo assim aquém dos 62% de Cabo Verde.
De qualquer modo, parece poder concluir-se que há mais interesse pelo nosso blogue na Guiné-Bissau do que em Cabo Verde... E seguramente do que na China!
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Nota do editor:Último poste da série > 8 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25049: O nosso blogue em números (90): A pequena Guiné-Bissau vem na lista dos 12 primeiros países onde somos mais vistos, e por pouco não ultrapassava, em 2023, a Suécia (11.º lugar)...
sexta-feira, 20 de outubro de 2023
Guiné 61/74 - P24775: Notas de leitura (1626):"Portugueses em África, Uma Breve História, Da Conquista de Ceuta à Descolonização", por Pedro Rabaçal; Marcador Editora (Editorial Presença), 2017 (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Trata-se de uma iniciativa de divulgação, abarca a presença portuguesa em vários continentes, o capítulo dedicado à Guiné afigura-se-nos no essencial correto, menos correto o capítulo que dedica a descolonização, a bibliografia apresentada é muito precária e alguns dislates não impedem de considerar que a obra cumpre a sua função meramente expositiva e didática.
Um abraço do
Mário
Portugueses em África: uma breve história da nossa presença na Guiné
Mário Beja Santos
A obra intitula-se Portugueses em África, Uma Breve História, Da Conquista de Ceuta à Descolonização, por Pedro Rabaçal, Marcador Editora (Editorial Presença), 2017. É uma obra de divulgação por alguém que tem no seu currículo o gosto por investigar, veja-se os títulos do que já publicou na Marcador Editora: 100 heróis e vilões que fizeram a História de Portugal; Imperadores Romanos, a vida de 30 Césares; Os grandes ditadores da História; 100 datas que fizeram a História de Portugal. Abarcando todas as parcelas do Império Português, ao longo de cerca de 150 anos, seleciona-se o que sobre a Guiné escreveu.
Tem um capítulo autónomo intitulado Guiné, a rebelde. Inevitavelmente fala nos lançados e tangomaus, no Tratado Breve dos Rios da Guiné, de André Alvares de Almada, nos piratas e presídios, na edificação da fortaleza de Cacheu, no enorme refluxo marcado pela Dinastia Filipina e a tentativa, após a Restauração, para melhorar a presença portuguesa; dá-nos um breve quadro da missionação e dos seus magros resultados; estamos chegados ao tráfico negreiro, a par do assédio francês e britânico, dá conta de que altas figuras da mestiçagem prosperavam com o comércio negreiro, caso de Caetano Nosolini e a sua mulher Aurélia Correia, e faz uma exposição digna de destaque:
“A atividade negreira de Caetano Nosolini correspondia à maioria da média anual de 2000 negros vendidos a Cuba. Enquanto não eram vendidos, trabalhavam nas suas plantações de café, amendoim, arroz, milho. As acusações e protestos contra Nosolini não passaram de uma brisa aquando das suas nomeações para governador interino da Guiné. Uma delas era a do homicídio do capitão mercador francês Dumaige, seguida da sua prisão e absolvição. A anulação da indemnização não teve efeito, dado a marinha francesa ter confiscado várias toneladas de mercadorias de Nosolini, sob a ameaça do uso da força.
O combate ao tráfico de negreiros significou o fim da prosperidade mercantil da Guiné no início do século XIX. As reduzidas guarnições locais passaram a ser pagas em géneros, como panos e barras de ferro, remunerações cuja a modéstia e lentidão despertavam frequentes atos de indisciplina. O hábito de enviar degredados merece ser exemplificado pelo caso do capitão-mor Manuel Pinto Gouveia, nomeado em 1905 e acompanhado de uma guarnição de 150 criminosos.
Um rival e concorrente de Nosolini, o também negreiro Joaquim António de Matos, não soube reconverter-se a novas atividades com a abolição da escravatura. E os negócios não lhe correram bem, como quando a Royal Navy destruiu o seu estabelecimento na ilha das Galinhas e libertou os escravos, em 1842”.
O autor debruça-se sobre os assédios francês e britânico, prossegue com os confrontos entre português e autóctones e o papel exercido por Honório Pereira Barreto. São referenciados vários desastres, como Bolor (1878) e a derrota de 15 de janeiro de 1886, num afluente do Rio Grande de Buba. Trata-se de um período de enorme instabilidade, em que os residentes dentro de Bissau vivem na maior das inseguranças. Mas tentou-se a expansão militar, sempre com enormes dificuldades e assim se chegou à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. A narrativa destaca as campanhas do capitão Teixeira Pinto, as violências do seu braço direito, Abdul Indjai e entramos num capítulo sobre a modernização da economia. Extinta a escravatura, a agricultura e a exploração madeireira passaram a ser as principais riquezas da Guiné, alargou-se a relação dos produtos de exportação, chegou-se ao século XX com o comércio externo nas mãos de sete casas comerciais (três francesas, uma franco-britânica, uma alemã e uma belga, e uma única portuguesa). Somente 18% do comércio externo da Guiné era realizado com Portugal (isto de 1909 até 1913), o controlo português surgiu em 1927 com a criação da CUF.
O autor refere a questão das grandes carências, da divisão entre civilizados, assimilados e indígenas, o período de transformações trazidos por Sarmento Rodrigues. E procede a uma inflexão, dedica um capítulo às rebeldias guineenses e às respetivas operações ditas de pacificação que culminam com a rendição da ilha de Canhabaque em fevereiro de 1936.
Inevitavelmente que irá falar da Guiné no capítulo dedicado à Guerra Colonial, há poucas novidades: o início de guerra em janeiro de 1963, a Operação Tridente, a natureza dos armamentos das tropas portugueses e guineenses, a chegada dos técnicos cubanos em 1965, as tentativas de Spínola em reverter os avanços do PAIGC, as ofensivas diplomáticas de Amílcar Cabral, os desastres da Operação Mar Verde, como Sékou Touré se aproveitou desta operação para proceder a uma nova purga sangrenta na República de Conacri; e temos a questão cabo-verdiana como um dos motores do assassinato de Amílcar Cabral mas o autor não perde a oportunidade para referir outros hipotéticos responsáveis.
Faz perguntas:
“O que o Estado Novo tencionava ao ajudar membros do PAIGC a tomar o poder dentro do partido? Fazê-lo mudar de lado? Uma simples aliança temporária contra o inimigo comum? Quem sabe, enfraquecer e dividir o PAIGC, o que soa mais provável. Porém, a eliminação de Amílcar Cabral acabou por não dar em nada.
Uma vez decapitado, o PAIGC deixou crescer outra cabeça dirigente, como uma hidra, e os respetivos combatentes lutaram com a maior firmeza, ansiosos por vingar a morte do líder. O escândalo internacional perante a morte de um famoso e respeitado não foi de certeza uma vitória diplomática para Portugal. O crime não serviu de nada ao Estado Novo nem ao colonialismo português. Amílcar Cabral era um homem, mas nenhuma bala podia eliminar as suas ideias”.
Trata-se, pois, de um livro de divulgação, dá-se como certos elementos altamente discutíveis e jamais comprovados, é mais uma obra a juntar aos extenso reportório de tantos outros títulos orientados pelo prazer de fazer histórias breves do Império Português.
Notas do editor
Último poste da série de 16 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24762: Notas de leitura (1625): "Militar(es) Forçado(s), por Maximino R. Costa; edição de autor, 2017 (Mário Beja Santos)