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segunda-feira, 28 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18689: Bibliografia de uma guerra (91): "A GUERRA VISTA DE BAFATÁ – 1968-1970", livro da autoria de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf); edição de autor, 2018



1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70), que publicou recentemente um livro intitulado "A Guerra Vista de Bafatá 1968-1970", com data de 22 de Maio de 2018:

Carlos: 
Como já te havia dito, publiquei um livro com tudo o que escrevi para o blogue. Aí, os postes são colocados por ordem cronológica, tendo feito pequenas correções ortográficas e de forma de apresentação. 

O título, como não podia deixar de ser, é: "A GUERRA VISTA DE BAFATÁ – 1968-1970", título que como é sabido era o atribuído a todos os escritos, por mim enviados para publicação no blogue. 

Mandei imprimir “meia dúzia” de livros tendo como destino praticamente a “família”. Segue em anexo a capa e contra-capa do mesmo.

Trata-se de um livro com 280 páginas e mais de trezentas fotografias a cores. Se algum camarada tiver interesse em adquiri-lo, a preço de custo (14 euros), fará o favor de entrar em contacto. 

Com um abraço 
Fernando Gouveia

********************

2. Mensagem do editor:

Caro Fernando
Muito obrigado pelo envio do teu livro cuja qualidade gráfica é digna de nota.
As capa e contracapa estão apelativas, e mesmo para quem conhece o conteúdo dos "Postes", porque publicados no Blogue, tê-los em papel é outra sensação e estão mais à mão para consulta, porque a tua série no Blogue, "A Guerra Vista de Bafatá", também título deste teu livro, é um espólio invulgar e de especial interesse, de fotos e narrativas.

É de salientar que assumiste totalmente a edição do livro pelo que mereces por inteiro os meus parabéns pela obra feita.
Dedicaste-o aos teus netos, para como dizes: "levar, longe quanto possível, as memórias duma guerra que marcou de forma indelével muitos milhares de portugueses".

Os camaradas que quiserem adquirir o teu livro poderão contactar-te directamente ou deixar nos comentários o seu interesse que logo encaminharemos para ti.
Lembra-se que o preço a pagar, é o de custo para ti, 14,00€, já que a tua iniciativa não foi para fins comerciais mas sentimentais.

Renovados parabéns, e que os teus netos sejam futuramente os porta-vozes, ou transmissores, das tuas memórias de Bafatá nos já longínquos anos de 1968 a 1970.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18668: Bibliografia de uma guerra (90): Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha; Roma Editora, 2005 (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 26 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13044: (Ex)citações (227): A guerra vista de Bafatá. O edifício-sede do batalhão (António Bernardo, CCS / BART 2920, Bafatá, 1970/72)

1. A propósito da mensagem: Guiné 63/74 - P13034: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (88): O senhor Camilo da Bafatá, da autoria do nosso Camarada Fernando Gouveia, que foi Alf Mil Rec e Inf, em Bafatá, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2014, recebemos do Sr. António Bernardo a seguinte mensagem:


Caro Fernando,

Permite-me emendar-te na legenda das fotos. O edifício-sede do batalhão é o assinalado na foto que envio em anexo e defronte do qual, situava-se a casa do Sr. Camilo. De estilo colonial, composta de dois pisos. No rés-do-chão, o estabelecimento comercial; no piso superior, a residência.

Era do conhecimento geral, os "lautos jantares à oficialidade lá do sítio", tanto assim, que foi no lauto almoço do domingo de Páscoa de 1972 (2 de abril) que o cmdt do BART 2920, tomou conhecimento do acontecido na CART 2742 em Fajonquito e relatado no poste 5932. 




Cumprimentos.


António Bernardo

[ CCS / BART 2920, Bafatá, 1970/72]



___________

Nota de M.R.: 

Vd. Também o poste em referência: 


Vd. último poste desta série em: 


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13034: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (88): O senhor Camilo da Bafatá

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2014:

Carlos:
Além de constituir “paparoca para o blogue” mas sobretudo com vista a esclarecer determinados mal entendidos relacionados com um tal Sr. Camilo de Bafata, agradecia, se assim o entenderes, a publicação do que se segue na ainda série “A GUERRA VISTA DE BAFATA”

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

88 - O Sr. Camilo de Bafata

Caros camaradas, principalmente os que fizeram comentários sobre esse Senhor, o tal que costumava dar uns lautos jantares à oficialidade lá do sítio.

Porque ando a rever tudo quanto escrevi no blogue e à semelhança daquele comentário que tardou anos, sobre um dos três majores que “não teria sido morto e até estava vivinho da silva”, também só agora, passados três anos é que tomei conhecimento de um comentário ao meu Poste 6185 de 19MAR10 pela razão de só ter sido feito passados três meses da sua publicação.

Como “sói” dizer-se: Camilo há só um, o de Bafata e mais nenhum. Não era o de Nova Lamego e sobretudo não era o impostor de Bambadinca, que na minha cara me disse que, sim senhor, era ele e que, sim senhor, era ele que dava os tais jantares em Bafata.

Lendo o tal comentário, anónimo, (que para mim não o é mas respeito essa atitude) fica-se a saber que o tal Sr. Camilo, como aliás sempre fui dizendo, era natural de Mirandela e exercia as funções de gerente da “Casa Esteves” situada em frente à sede do Batalhão e da sua própria casa.

Segue-se a transcrição do atrasado comentário:

Anónimo disse…
Sr. Fernando:
Obrigada por “revisitar” e gostar tanto da terra que me viu nascer e de onde tenho tantas recordações muito felizes… Não valerá a pena identificar-me, porquanto sou filha de um dos comerciantes portugueses que lá residiram, portugueses estes que me parece não serem muito da vossa simpatia… Adiante, e para quem realmente conheceu Bafatá, o Sr. Camilo era transmontano, de Mirandela, (infelizmente já falecido) e não o Senhor Cabo-Verdiano da fotografia, e era o gerente da casa “Esteves”, edifício que se situava em frente do quartel, e que, de facto oferecia alguns jantares, para os quais eram também convidados alguns militares. O que não significa que praticasse o tal jogo de dominó, como insinuaram… Foi uma óptima pessoa, e um grande amigo do meu pai, e da minha família, pelo que me parece conveniente, fazer alguma justiça à sua memória. De qualquer modo Sr. Fernando, adoro as suas histórias sobre Bafatá e como esta terra o deixou apaixonado… Muito obrigada por gostar de Bafatá. Uma sua leitora que espera sempre ansiosamente pelo capítulo seguinte.
Domingo, Junho 13, 2010 12:15:00 da manhã

O impostor.

À esquerda o edifício do Batalhão e mais abaixo a casa do Sr. Camilo. À direita em frente à sua casa ficava a casa comercial Esteves. (Fotos com 40 anos de diferença).

Fernando Gouveia
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12996: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (87): Diário da ida à Guiné - 18/03/2010 - O dia seguinte

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12996: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (87): Diário da ida à Guiné - 18/03/2010 - O dia seguinte

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2014:

Caro Carlos: Caros Camaradas:
Parafraseando Hélder de Sousa (P12957) também “hesitei um pouco como enquadrar este meu artigo”.
Do mesmo modo também será para “dar cumprimento ao apelo do nosso editor chefe no sentido de “alimentar o blogue”.

O que vou contar ficou em suspenso quando escrevi, na série A Guerra Vista de Bafatá, o relato do 14º dia da minha viagem à Guiné-Bissau, em Março de 2010.
Escrevi então (P6668), “…no aeroporto de Lisboa, uma navalha de ponta e mola, que trazia na bagagem, protagonizou uma estória que só contada”.

Vou então contá-la, para ser inserida na série A GUERRA VISTA DE BAFATÁ com título: DIÁRIO DA IDA À GUINÉ – 18/03/2010 – O DIA SEGUINTE*.

Antes porém, e de forma introdutória, direi que já tenho essa navalha, de origem espanhola, há várias décadas. Acompanha-me, sempre que é possível, nas minhas viagens, quer como arma de defesa mas principalmente como auxiliar de cozinha.


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

87 - DIÁRIO DA IDA À GUINÉ – 18/03/2010 – O DIA SEGUINTE

Pois bem, uma vez fui a Paris, de carro, em 1986. Estava na fila para visitar a Petit Chapelle que, por fazer parte do Palácio da Justiça, havia uma segurança redobrada.
Estava então na fila que se desenvolvia entre dois separadores onde só cabia uma pessoa, uma atrás da outra. Em determinado momento da espera verifiquei que lá à frente os guardas passavam detectores de metais pelas pessoas além de verificarem o conteúdo de todas as carteiras e sacos. E a minha navalha no bolso!

Como não tinha espaço para recuar sem dar na vista aos guardas, entrei em pânico. Mas como demorei a entrar tive o tempo suficiente para acalmar e resolver a situação. De modo que ninguém se apercebesse, tirei a navalha do bolso e coloquei-a bem no fundo do pequeno saco que levava ao ombro. Os detectores não acusaram nada, o guarda espreitou de fugida para dentro do saco e lá vi a espectacular Petit Chapelle.

Contra luz da Petit Chapelle. 

Há uns anos atrás, numa caçada ao javali, por acaso na Quinta de Vale Meão, quando procedíamos ao “mata Bicho” antes da caçada esqueci-me da dita em cima da grande mesa dos “comes”. Alguém, dos cerca de 200 caçadores presentes “guardou” a minha preciosidade e não se “descoseu”.
Também desta vez tive algum tempo para delinear uma estratégia. Antes de se ir para a caçada iria haver um breefing, entre outras coisas, para a distribuição das portas. Deixei o Presidente da Associativa de Caça falar e então de improviso fiz um “choradinho” sobre a minha navalha de estimação, sem resultado imediato. Tinha sido realmente “guardada”.
Mais tarde os remorsos falaram mais alto e vieram entregar-ma.

O resultado da batida. 

Voltando então à Guiné e à viagem de regresso como contei no (P6668). Só trazia bagagem de mão (de cabine), um trólei e uma mochila. Como nessa altura referi não me preocupei com a navalha que vinha no fundo da maleta pois já tinha assistido, dias antes no aeroporto de Bissau ao “faz de conta” das máquinas de inspecção de bagagens.

Última fotografia, como despedida, que tirei no aeroporto de Bissau. 

Quando cheguei a Lisboa, já com atraso, ia ter pouco tempo para apanhar o avião para o Porto. Sempre achei este aeroporto muito esquisito e complicado pelo que, e mesmo perguntando, não consegui mudar interiormente para o terminal do avião do Porto. Como já estava muito atrasado, alguém me aconselhou a ir pelo exterior, para o outro terminal, apanhando um autocarro gratuito.

Foi o que fiz. Porém quando entrei no novo terminal é que caí em mim: Estava a entrar. Tinha que passar a bagagem pelas máquinas de ultra sons que agora não eram de “faz de conta”. Agora, como qualquer passador de droga que se preze também não entrei em pânico. O trólei passou pela máquina e à saída peguei nele e comecei a dirigir-me, à pressa, para a porta de embarque. Foi nessa altura que um guarda me pediu para abrir a mala. Por fora não, mas agora, interiormente, entrei em pânico.

Vasculharam a mala mas não encontraram nada. Eu tinha-a escondida muito bem no meio da roupa. A seguir um outro guarda, face à suspeita inicial, mandou passar outra vez a mala pela máquina. A essa passagem já assisti e pude ver perfeitamente no ecrã, no meio das manchas acastanhadas de tudo que estava dentro da mala também uma mancha bem definida, azul, com o formato da lâmina da navalha.

A navalha em questão. 

Antes que os guardas dissessem alguma coisa passei a explicar que vinha de visita à Guiné-Bissau, que era ex-combatente, que a navalha me tinha sido muito útil na Guiné, etc. etc. e que gostaria de a conservar. Surpreendentemente viraram-se para mim e disseram-me que podia fazer uma de duas coisas, ou entregá-la ali no posto da PSP e que depois a levantaria quando quisesse ou então despachava a mala no porão do avião.
Como estava em cima da hora para embarcar para o Porto resolvi, a correr, entregá-la na polícia. Estavam dois guardas. Foram-me dizendo que não podiam ficar com a navalha pois era ilegal por ter uma lâmina com mais de 9cm, etc. etc.
Expliquei-lhes que não tinha tempo para ficar ali a discutir (o sexo dos anjos). Ainda disseram que então tinham que pôr a navalha no lixo. Disse-lhes que fizessem o que quisessem e a correr fui para porta de embarque.

Tarde de mais, teria que ir no próximo avião, uma hora depois.
Vai daí, como já tinha mais tempo, fui novamente ao posto da PSP. Estavam os dois guardas com a minha navalha de estimação nas mãos, muito provavelmente a decidirem quem iria ficar com a preciosidade.

Autenticamente saquei-lhes a navalha das mãos dizendo-lhes que tinha muita pressa para ir apanhar o avião para o Porto. Ao sair notei que estavam como que paralisados a olhar para o meu afastamento. Meti a navalha na maleta que despachei para o porão e nas calmas esperei pelo próximo avião.

A foto é a prova que ela continua comigo.

Abraços
Fernando Gouveia
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 1 DE JULHO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6668: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (35): Diário da ida à Guiné - 17/03/2010 - Dia catorze

Último poste da série de 24 DE MARÇO DE 2011 > Guiné 63/74 - P7989: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (86): Fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro...

quinta-feira, 24 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7989: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (86): Fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro...

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 22 de Março de 2011:

Carlos:
No rescaldo da publicação de NA KONTRA KA KONTRA gostaria que, inserido no tema "A Guerra Vista de Bafata", fosse publicado o agradecimento que se segue, bem como a capa do livro em causa.

Um abraço
Fernando Gouveia


Fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro…

Finda a publicação de NA KONTRA KA KONTRA*, estória que escrevi debaixo da adrenalina acumulada durante a minha visita à Guiné-Bissau, em Março de 2010, cumpre-me agradecer a todos os camaradas que ao longo da postagem dos episódios, por comentários ou outras formas, me apoiaram e me incentivaram a continuar.

Tendo ao longo destes dois anos, escrito para o blogue várias estórias sobre a minha vivência na Guiné, de 1968 a 1970, podem crer que até tornar a ir lá, faz agora um ano, nunca me tinha passado pela cabeça escrever algo que pudesse vir a dar um livro. Penso fazê-lo. Não me considero escritor e esse será provavelmente o meu primeiro e último livro.

Foram as diversas pessoas que, através dos referidos comentários, me “convenceram” a levar para a frente a publicação em livro. Só lamento não estar nas minhas mãos a questão do filme ou telenovela, como também muitos amigos sugerem.

Fazendo fé em tudo aquilo que o título supra encerra, tendo dois filhos, tendo plantado umas quantas árvores, só me faltava publicar um livro.

É o que espero, venha a acontecer.

Como já há projecto da respectiva capa, ele aí vai:


Um abraço a todos.
Fernando Gouveia
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Nota de CV.

(*) Vd. poste de 17 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7956: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (85): Na Kontra Ka Kontra: 49.º e último episódio

quinta-feira, 17 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7956: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (85): Na Kontra Ka Kontra: 49.º e último episódio




1. Quadragésimo nono e último episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 16 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


49º EPISÓDIO

O miúdo que a foi chamar, talvez lhe tenha dito que género de pessoa a procurava. Talvez a arranjar-se demorou algum tempo, o que a Magalhães Faria pareceu uma eternidade. Sentado debaixo do alpendre lateral da oficina do Tchame não a viu chegar. Só deu por ela quando já estava junto dele.

Cedeu-lhe a cadeira e ficaram a olhar um para o outro como se nunca tivesse acontecido KA KONTRA, ela sorrindo, ele admirando talvez a forma impecável como vinha vestida e o rosto sem uma ruga. Conversaram tanto que, quando deram por isso, já tinha ido embora todo o pessoal que se tinha juntado com a chegada do visitante. Ela chegou a dizer-lhe que andava com alguns problemas de saúde e que ali em Bafata não sabiam o que ela tinha. Ele foi-lhe dizendo que se sentia muito só.

Asmau e Magalhães Faria.


EPÍLOGO

Asmau acaba por contar a Magalhães Faria tudo o que passou naquilo que, a seus olhos, foi uma longa existência: Desde que o Alferes a comprou por “vaca e meia”, tinha ela dezasseis anos, até agora com cinquenta e seis. Ou seriam cento e cinquenta e seis como diria Teresa Batista (Jorge Amado)?

Bafata tinha sido o seu destino quando, cansados de guerra, ela e a família, fugiram de Madina Xaquili. Não tinham ido por Galomaro para a tropa não os detectar. Em Bafata tinham familiares que os acolheram, até recomporem as suas vidas. O pai Adramane era parente do Régulo de Canquelifá, pai de Ibraim. Este ajudou a nova família a instalar-se. De imediato iniciou o relacionamento com a Asmau que conduziu, mais tarde, ao casamento dos dois. Tudo se encaixava, pensa Magalhães Faria: O Ibraim logo tinha sabido o que se tinha passado em Madina Xaquili, entre a Asmau e ele próprio.

Cada um sabia o que se tinha passado até à fuga para Bafata. Ela conta o que se passou daí para a frente. Refere que enquanto o Alferes esteve em Bafata, pouco saía das imediações da morança, por não querer encontrar-se com ele. O Ibraim levou-a pela primeira vez ao cinema só após o Alferes ter ido embora de vez. Logo a seguir casaram.

Demoram algum tempo a ter o primeiro filho mas logo vieram mais seis, ao todo quatro rapazes e três raparigas. Mas não demorou muito até morrer um, logo o mais velho. O Ibraim sofreu, talvez mais do que ela, com a morte desse filho por se tratar do primogénito e logo macho.

Ela, com vinte e tal anos, já tinha passado por muita adversidade: O divórcio do Alferes aos dezasseis anos, a morte trágica do marido Samba, a fuga para a nova vida e agora a morte de um filho.

Faltava ainda descrever muitas mais adversidades: O Ibraim, que já tinha tido um pequeno ataque de coração, não sobreviveu ao segundo. Sobreviveu ela. Sobreviveu ao divórcio do Alferes, ao Samba e agora ao Ibraim. Desgraças sucessivas. Só africana passa pelo que ela passou. Mais tarde, com a morte de dois outros filhos, com SIDA, carregou o fardo quase sozinha. Os pais pouca ajuda lhe deram antes de morrerem. Tudo suportou. Difícil diz ela, “foi aprender a chorar”, tal como diria Teresa Batista (Jorge Amado).

Gosto da maneira como vem vestida, interrompeu ele, tanto para fazer esquecer as tristes lembranças dela, como para mudar a conversa para assuntos mais prosaicos. E continuando:

Hoje, Asmau, já não vai haver tempo para irmos ao hospital ver o que se passa com a sua saúde, mas amanhã volto aqui e trataremos disso. No dia seguinte, bem cedo, chegava a Bafata, dirigindo-se directamente à morança da Asmau, aonde a tinha acompanhado no dia anterior.

Ir a um qualquer hospital procurar tratamento, pode ser muito complicado quando não se conhece ninguém, porém no de Bafata trabalhava lá uma médica portuguesa que muito facilitou o atendimento. À custa de um pequeno “óbolo” ao hospital por parte Magalhães Faria, tudo ficou à disposição para o tratamento de Asmau.

Já eram horas de almoço quando os dois se despacharam. Sem a convidar para almoçar, quando deram por eles estavam sentados no restaurante do seu amigo Dionísio Castro, situado no prédio da sede dos “Médicos do Mundo”. Talvez não tivessem reparado no que comeram mas o que é certo é que a conversa se prolongou por toda a tarde.

KA KONTRA foi o que cada um prometeu ao outro não mais acontecer. Ela estava a viver sozinha: O único filho vivo estava a trabalhar em Portugal e as três filhas estavam com os maridos, duas em Bissau e outra para os lados do Gabu.

Logo ali combinaram, que dada a mútua solidão, ele a viria buscar passados dois dias, o tempo necessário para ela reunir alguns pertences a levar para a que iria ser a sua nova casa.

Mas definiram bem que ela iria ter o seu quarto, que o que ambos precisavam era de afecto, que ela iria ter um ordenado para justificar o pouco trabalho que iria ter na empresa dele, como orientadora do pessoal menor. Também teria sempre um carro com condutor à disposição, para a levar quer a Bafata, quer a qualquer lugar, sempre que se quisesse encontrar com amigos e familiares.

Nem sempre ele a levava a Bissau. Lá tinha negócios e “negócios”, como homem que era. Quando a levava não se coibia de a “mostrar”. Compra-lhe os melhores vestidos, perfumes e algumas jóias embora para ela “qualquer latão fosse ouro”, mais uma vez como diria Teresa Batista (Jorge Amado).

O aeroporto fascinava-a por causa dos aviões. Quando ele ia esperar amigos de Portugal sempre ela o acompanhava. Pressentindo que ela gostaria de um dia voar, depressa programa uma viagem, num táxi aéreo, até aos Bijagós. Felicidade dos dois. Ele deliciou-se só de ver as expressões de felicidade dela ao contemplar, lá do alto, matas, tabancas, rios, ilhas, ilhotas. Viu pela primeira vez o mar aberto, com que ficou deslumbrada, como deslumbrado estava ele só de a contemplar.

Para recordar os velhos tempos, um dia, fizeram uma refeição em que a “bianda “ foi confeccionada por ela, agora com sal, tendo comido sentados numa esteira no chão, debaixo do grande mangueiro. Muito se riram, muitos olhares trocaram. Momentos de muita ternura.

Quando ao fim da tarde ele se senta sozinho debaixo do mangueiro desfilam na sua memória todos os casos “amorosos” e profissionais, mas agora, numa paz de espírito não supostamente alcançável, mas alcançada. A sua ex-bajuda torna-se numa fonte de ternura não antes imaginável. Paixão. Um amor casto.

Renovam-se os afectos expressos na ternura de palavras, sorrisos, olhares, gestos, como se de um casal de namorados se tratasse.

Sexo é coisa que agora, ele e também ela, sabem separar do amor e da ternura. Ele raramente a trata por tu, talvez por não querer recordar a intimidade que outrora houve mas que agora é outra, sublimada.

Todos os fins de tarde, sentados ou na varanda ou debaixo do mangueiro, ele não se cansa de olhar para ela. Muitas vezes ela faz o mesmo. Gosta muito de a ver dormir na cadeira de lona, especialmente encomendada por ele de Portugal.

Um dia descobre que o sexo o impedira de amar. (como diria a personagem do velho jornalista num dos últimos livros de Gabriel Garcia Márquez). Como que descobre a vida novamente. Desperta nele o amor julgado perdido. Os negócios passam a uma fase de excelência e os amigos regozijam-se ao vê-lo prosperar.

Vários anos se iriam passar. O Dionildo deixaria de vir África abaixo a trazer as carrinhas. A sua coluna ressentir-se-ia da vida agitada que sempre levou. A Sextafeira há muito que tinha deixado de lhe dar atenção.

Whisky ele, e ela uma “fanta”, era o que invariavelmente tomavam quando à noite ficavam até tarde na varanda da casa. Ela recostada na cadeira de lona portuguesa.

Xilogravura no tronco do mangueiro com um coração e as letras A e MF traduz um amor que tinha parecido inatingível.

Y(e, em crioulo), numa ida a Bissau, não se esquece de por em favor dela a sua apólice de seguro de vida.

Zumbidos de mosquitos era a única coisa que se iria ouvir naquela noite serena de fim da época das chuvas, com os dois dormitando sentados na varanda daquela casa para os lados de Safim. Notando ela que ele não se levantava para se irem deitar foi tocar-lhe ao de leve para lhe lembrar que já era tarde. Os dois, trôpegos, amparando-se mutuamente, dirigem-se para o quarto que agora já compartilham.


FIM de NA KONTRA KA KONTRA

**********

Agradecimentos:

Ao “Blog Luís Graça e Camaradas da Guiné” em particular ao próprio Luís e ao editor Carlos Vinhal que me tem aturado todo este tempo.

A António Pimentel:
Por ter sido quem “provocou” tudo isto, na visita que ambos fizemos à Guiné-Bissau em Março de 2010, ao apresentar-me ao empresário que estava interessado em produzir a primeira telenovela guineense. Pelo apoio que deu ao longo destes meses de escrita.

A Francisco Allen pelo apoio dado na Guiné-Bissau e Artur Rêgo pelo seu apoio.

Ao verdadeiro Alferes:
Cuja sua história serviu de base para este seriado.

À verdadeira Asmau:
A “bajuda “ mais espectacular da Guiné Portuguesa.

Ao verdadeiro Dionildo:
Que pela sua maneira de ser proporcionou muitas dicas ao autor.

Ao verdadeiro Ibraim:
Grande amigo do autor, já falecido.

A João:
Que em Madina Xaquili muito ensinou ao autor.

À verdadeira Bobo:
Que sempre tinha um sorriso para com o autor.

A Sadjuma:
O milícia mais aprumado do seu Pelotão.

A Braima:
Que na “Tabanca” deliciou o autor com os seus acordes.

A Ibraim:
Que, além de dar o nome a uma personagem, muitos ensinamentos transmitiu ao autor, sobre os costumes do povo guineense.

Ao povo guineense:
Que pela sua afabilidade conquistou e motivou o autor para esta escrita.

À minha mulher com quem aprendi a gostar de ler.


Porto e Portugal: Agosto de 2010
Até sempre camaradas.
Fernando Gouveia
____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7950: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (84): Na Kontra Ka Kontra: 48.º episódio

Vd. postes da série Na Kontra Ka Kontra:

P7583, P7589, P7598, P7605, P7612, P7624, P7630, P7637, P7643, P7648, P7664, P7667, P7673, P7680, P7687, P7698, P7701, P7707, P7713, P7719, P7739, P7743, P7748, P7755, P7763, P7779, P7787, P7794, P7801, P7809, P7830, P7837, P7847, P7854, P7861, P7875, P7882, P7885, P7890, P7896, P7905, P7910, P7915, P7919, P7926, P7939, P7944, P7950

quarta-feira, 16 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7950: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (84): Na Kontra Ka Kontra: 48.º episódio




1. Quadragésimo oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 15 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


48º EPISÓDIO

Depois de tirar uma fotografia, despede-se e promete voltar para recordar os velhos tempos. Já no jeep, com ar condicionado, resolve definitivamente ir procurar a Asmau, quanto mais não fosse para a ajudar em alguma coisa que precisasse, caso ainda fosse viva. Pensa que será junto de algum africano que poderá obter informações do paradeiro duma mulher grande, de quem só sabe o nome. Lembrou-se do ourives de Bafata, de nome Tchame, que conhecera há quarenta anos na Tabanca da Ponte Nova. Ouvira dizer que na oficina, estava agora um filho. Para lá se dirigiu. Disse ao actual ourives que tinha conhecido o seu pai e que nesse tempo lhe tinha comprado umas peças. Achou a oficina igual à que conhecera quarenta anos atrás. Finalmente perguntou:

- Conhece uma mulher grande chamada Asmau?

Em dois segundos obtém a resposta.

– Conheço, mora aqui perto, se quiser mando-a chamar. O marido chamava-se Ibraim.

Asmau, Ibraim, podia apenas ser uma coincidência. Ibraims haveria muitos, por Ibraim ser o nome de um dos filhos do Profeta. Magalhães Faria, por momentos, fica paralisado. Como antigo guerreiro reúne forças e reage. Tinha que fazer uma pergunta:

– Tchame, esse Ibraim foi empregado do Cinema?

– Sim, foi.

Magalhães Faria como que mudou de cor, teve tremuras, pediu para se sentar, foi-lhe oferecida água. Esteve mudo por largos momentos. Ainda sem nada dizer começou a pensar:

- A Asmau foi casada com o meu melhor amigo guineense. Asmau era com certeza a namorada que o Ibraim nunca me quis mostrar. E isso teria acontecido por o meu amigo Ibraim sempre ter estado a par do que se passou em Madina Xaquili. Incrível, pensou.

Viria a saber ainda que o Ibraim tinha morrido com um ataque de coração, o que não deixou de relacionar com o não ingresso nos Pára-quedistas.

- Tchame, por favor mande-a chamar.

O miúdo que a foi chamar, talvez lhe tenha dito que género de pessoa a procurava. Talvez a arranjar-se demorou algum tempo, o que a Magalhães Faria pareceu uma eternidade. Sentado debaixo do alpendre lateral da oficina do Tchame não a viu chegar. Só deu por ela quando já estava junto dele.

Asmau recebeu Magalhães Faria com um sorriso.

Cedeu-lhe a cadeira e ficaram a olhar um para o outro como se nunca tivesse acontecido KA KONTRA, ela sorrindo, ele admirando talvez a forma impecável como vinha vestida e o rosto sem uma ruga. Conversaram tanto que, quando deram por isso, já tinha ido embora todo o pessoal que se tinha juntado com a chegada do visitante. Ela chegou a dizer-lhe que andava com alguns problemas de saúde e que ali em Bafata não sabiam o que ela tinha. Ele foi-lhe dizendo que se sentia muito só.

Asmau impecavelmente vestida.

Asmau e Magalhães Faria.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7944: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (83): Na Kontra Ka Kontra: 47.º episódio

terça-feira, 15 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7944: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (83): Na Kontra Ka Kontra: 47.º episódio




1. Quadragésimo sétimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 14 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


47º EPISÓDIO

Um dia resolve ir a Bafata, mais para reviver os velhos tempos e também os guineenses amigos que lá deixou. Na Asmau não deposita grande fé. Dada a apregoada esperança de vida dos guineenses o mais certo seria ter morrido. Se ainda viver, com cinquenta e muitos anos, deve estar velha e enrugada. Num Domingo mete-se à estrada. Passa por Safim onde é obrigado a parar por várias barreiras, policiais e do exército. São barreiras caricatas que obrigam os carros a parar com o auxílio de umas velhas cordas, com farrapos pendurados para se verem melhor. Uma pessoa é obrigada a parar e um guarda muito calmamente começa a dar voltas ao carro. Nada acontecerá enquanto o condutor não der o chamado “mata-bicho” ao polícia. Magalhães Faria depressa se apercebe como resolver a situação e passa a andar no “tabelier” com uma embalagem de barras de cereais. Em cada paragem uma barrita é suficiente para baixarem logo a corda.

Continuando a conduzir para Bafata, passa por Nhacra e Jugudul onde um velho amigo tem uma destilaria de aguardente de cana. No regresso parará ali para o cumprimentar. A estrada, agora uma recta com uns vinte quilómetros, atravessa as zonas de Madina Belel e Mato de Cão, ao tempo santuários do PAIGC. Não deixa de sentir alguma emoção. Chega a Bambadinca, que está perfeitamente irreconhecível. Tinha crescido imenso. Só consegue reconhecer o local do antigo quartel pelas antenas. O mercado de rua ajuda à confusão. Dentro da tabanca aparece um cruzamento. Para a esquerda diz Bafata 28 km, para a direita Xitole e Saltinho. Pára o Jeep. A placa com a palavra Bafata mexe com ele. Só ao fim de alguns minutos é que resolve arrancar.

A palavra Bafata “mexe” com Magalhães Faria.
(Foto de José Manuel)

Não virou à esquerda como devia mas sim à direita. Estava-lhe a custar enfrentar a realidade. Tinha acabado de resolver ir primeiro ao Saltinho, que não conhecia e sabia ser um local muito belo. Almoçaria lá e à tarde iria a Bafata. Nitidamente Magalhães Faria estava apreensivo em relação ao que podia vir a acontecer em Bafata. Chegado ao Empreendimento Turístico do Saltinho, que ocupa parte do antigo quartel e, antes de almoçar um óptimo prato de peixe bica, vai refrescar-se no Rio Corubal, que atravessa a nado depois de lhe confirmarem que por ali já não havia crocodilos. Embora tenha almoçado na esplanada, não deixa de ver na sala de refeições, as coloridas pinturas que as diversas Companhias da tropa portuguesa fizeram nas paredes. O Senhor Fernando, dono do empreendimento, leva-o a visitar todas as instalações mostrando-lhe até um tanque, com uma alta vedação de rede, onde tem os seus crocodilos de estimação. Magalhães Faria não deixa de ter um calafrio por ter andado a nadar calmamente no Corubal.

Magalhães Faria junto ao Corubal.

Despede-se do Senhor Fernando e ruma a Bafata. Em Bambadinca não pára, mas não deixa de reduzir a velocidade como dando tempo para os seus pensamentos se ordenarem, quiçá, dar meia volta e ir para casa. Absorto como ia, só dá conta que está a chegar a Bafata quando atravessa a ponte sobre o rio Colufe. Também não reconhece Bafata. Cresceu tanto que até há construções onde existia a pista de aviação. Resolve ir ver o que foi o seu quartel, o Comando de Agrupamento. Ainda funciona como quartel. Os militares presentes não põem quaisquer obstáculos e o ex-alferes chega a tirar uma fotografia sentado na, que deve ter sido, a sua cama de ferro, ainda utilizada. Uma grande emoção.

Magalhães Faria sentado no que pode ter sido a sua cama há 40 anos.

Princípio de tarde e o calor aperta. Magalhães Faria resolve ir beber uma cerveja a um café-restaurante, no rés do chão dum prédio situado na parte de construções coloniais, agora quase toda em ruínas. Por cima é a sede dos Médicos do Mundo. O restaurante pertence a um casal de portugueses mais ou menos da sua idade. Palavra puxa palavra, grande NA KONTRA, o dono é, nem mais nem menos, a mesma pessoa que há quarenta anos lhe deu boleia de Bambadinca para Bafata, na primeira vez que o ex-alferes regressou à Guiné, após férias na Metrópole.

O civil que há 40 anos deu uma boleia ao então
Alferes Magalhães.

Depois de tirar uma fotografia, despede-se e promete voltar para recordar os velhos tempos. Já no jeep, com ar condicionado, resolve definitivamente ir procurar a Asmau, quanto mais não fosse para a ajudar em alguma coisa que precisasse, caso ainda fosse viva. Pensa que será junto de algum africano que poderá obter informações do paradeiro duma mulher grande, de quem só sabe o nome. Lembrou-se do ourives de Bafata, de nome Tchame, que conhecera há quarenta anos na Tabanca da Ponte Nova. Ouvira dizer que na oficina, estava agora um filho. Para lá se dirigiu. Disse ao actual ourives que tinha conhecido o seu pai e que nesse tempo lhe tinha comprado umas peças. Achou a oficina igual à que conhecera quarenta anos atrás. Finalmente perguntou:

- Conhece uma mulher grande chamada Asmau?

O filho do célebre ourives de Bafata, Tchame.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7939: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (82): Na Kontra Ka Kontra: 46.º episódio

segunda-feira, 14 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7939: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (82): Na Kontra Ka Kontra: 46.º episódio




1. Quadragésimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 13 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


46º EPISÓDIO

Estabelecido a setenta quilómetros de S. Paulo, em Santos, cidade muito interessante com praia ao longo de uma avenida que faz lembrar Copacabana, tem oportunidade de conhecer toda a zona sul do Brasil. Visita as Cataratas de Iguaçú, vai à capital, Brasília, percorre a estrada marginal até ao Rio de Janeiro, passando pela maravilhosa cidadezinha de Parati com as suas casas tipicamente coloniais portuguesas.

Magalhães Faria e sua mulher apreciando a Baía de Santos

Porém, talvez um chamamento semelhante ao da negritude africana, agora a negritude brasileira faz com que esteja por períodos muito curtos em Portugal. Esta negritude vai novamente fazer mudar a sua vida. Agora é a sua mulher que se afasta, não aguentando as duplicidades. Magalhães Faria vê-se de novo em situação de KA KONTRA, semelhante à anteriormente vivida em Portugal.

A história repete-se e da mesma forma não quer também ficar dependente do agora ex-sogro. Regressa a Portugal e assume novamente a direcção da sua empresa, que vinha sendo gerida pelo Dionildo.

Ano de 2009. Dá-se a morte do Presidente Nino Vieira e do seu principal opositor, o Comandante-Chefe das Forças Armadas. Tudo aponta para que a partir de agora a democracia e a acalmia das armas vinguem. É neste contexto que Magalhães Faria toma a decisão de voltar à Guiné.

Ano de 2010. Chegado a Bissau, Magalhães Faria dá uma volta pela cidade. Bissau está muito modificada. Cresceu imenso para a periferia. O centro histórico está completamente degradado e em ruínas.

Uma rua de Bissau junto da Amura.

Vê a casa onde foi morto o Presidente Nino toda metralhada. Um Jeep de alta cilindrada, também furado de balas, está estacionado à porta desde os acontecimentos, há cerca de um ano.

A casa metralhada de Nino Vieira. 
(Foto de F. Allen)

Um jeep abandonado junto à casa de Nino Vieira.
(Foto de F. Allen)

As ruas têm os pavimentos cheios de buracos, no entanto há muito trânsito a ponto de se formarem engarrafamentos nas horas de ponta. Vê muita gente pelas ruas e pelas estradas. Na zona do mercado de rua, de Bandim, o aglomerado de viaturas e de pessoas é impressionante. Com a sua experiência empresarial começa a pensar que uma empresa ligada ao transporte de pessoas e mercadorias poderia ter sucesso. Meio dito meio feito.

O grande movimento na zona de Bandim.

Nos arredores da capital, para os lados de Safim, aluga uma casa e uns armazéns anexos, a preço muito mais em conta do que seria na capital. Começa a montar o negócio. Na sua mente já pairava a ideia de que o Dionildo o poderia ajudar muito, fazendo-lhe chegar de Portugal a desejada “mercadoria”: Carrinhas usadas. Iria concretizar-se a ideia que os dois tiveram na anterior estadia. Chegam as primeiras viaturas e o negócio prospera.

Magalhães Faria já não frequenta a “D. Berta”. Embora a velha senhora ainda esteja de boa saúde, o restaurante está decadente.

É no restaurante “O Porto”, perto do Grande Hotel agora em ruínas, que faz os encontros, quer de amizade quer de negócios, Por ali passam todos os europeus: Negociantes, cooperantes e turistas. Também por lá passam políticos guineenses com quem se relaciona. A vida parece sorrir-lhe. De quando em vez lá ouve à distância um c… f… É o Dionildo que acaba de chegar com mais uma carrinha, depois de percorrer cinco mil quilómetros África abaixo. Porém Magalhães Faria sente-se afectivamente só, principalmente à noite quando se encontra no silêncio da sua casa. O seu pensamento não deixa de fazer “paragens” na Asmau.

Nesse aspecto com o Dionildo as coisas eram bem diferentes. Todos os momentos livres aproveitava-os para estar com a sua amada Sextafeira. Amor platónico diziam alguns.

Magalhães Faria no restaurante “O Porto”.

Um dia resolve ir a Bafata, mais para reviver os velhos tempos e também os guineenses amigos que lá deixou. Na Asmau não depositava grande fé. Dada a apregoada esperança de vida dos guineenses o mais certo seria ter morrido. Se ainda viver, com cinquenta e muitos anos, deve estar velha e enrugada. Num Domingo mete-se à estrada. Passa por Safim onde é obrigado a parar por várias barreiras, policiais e do exército. São barreiras caricatas que obrigam os carros a parar com o auxílio de umas velhas cordas, com farrapos pendurados para se verem melhor. Uma pessoa é obrigada a parar e um guarda muito calmamente começa a dar voltas ao carro. Nada acontecerá enquanto o condutor não der o chamado “mata-bicho” ao polícia. Magalhães Faria depressa se apercebe como resolver a situação e passa a andar no “tabelier” com uma embalagem de barras de cereais. Em cada paragem uma barrita é suficiente para baixarem logo a corda.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7926: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (81): Na Kontra Ka Kontra: 45.º episódio

sexta-feira, 11 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7926: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (81): Na Kontra Ka Kontra: 45.º episódio




1. Quadragésimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 10 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


45º EPISÓDIO

Um dia, encontrando-se Magalhães Faria a almoçar com o filho na “D. Berta”, chega o Dionildo e de chofre diz-lhe:

- C… sabe quem está ali em baixo à porta? A sua primeira mulher.

O filho do Magalhães Faria arregalou os olhos e este ficou lívido.

- E sabe quem está com ela? Aquela bajudinha muçulmana que nasceu em Madina Xaquili, quando lá estávamos e a quem puseram o nome de Sextafeira. Agora está uma mulheraça.

Um NA KONTRA inusitado.

Magalhães Faria não teve como fugir à situação criada pelo Dionildo. Tentou explicar ao filho que era uma brincadeira do Dionildo mas teve que descer ao rés do chão e ir ter com a Asmau e a Sextafeira. Conversaram uns minutos, o suficiente para ficar a saber que a Asmau estava casada, que tivera sete filhos dos quais um morreu, e que vivia em Bafata. Tinha vindo visitar a Sextafeira que vivia com os pais em Bissau. Se Sextafeira estava uma mulheraça no dizer do Dionildo, Asmau com os seus 36 anos, bonita como sempre foi, agora bem vestida, com uma pujança física de fazer inveja até a Sextafeira, podia por a cabeça à roda a qualquer mortal. Se a pôs ou não a Magalhães Faria não se ficou a saber. Despediram-se e aparentemente tudo ficou na mesma.

Com o Dionildo é que as coisas não ficaram na mesma. A Sextafeira mexeu com ele. Um autêntico amor à primeira vista. Fizeram promessas de se tornarem a encontrar.

Decorrem alguns dias até que a guerra parece novamente instalada em Bissau. Ouvem-se tiros, rebentamentos e mais tarde, como sempre acontece, os boatos. A pretexto de uma tentativa de golpe terá sido feita uma nova depuração, e, inexplicavelmente, mais uma vez de balantas por balantas. Ambos, pai e filho, começaram a acusar a instabilidade que agora se estava a viver e resolvem regressar a Portugal.

No Porto, tentando refazer a sua vida profissional Magalhães Faria cria uma pequena empresa de transitários, privilegiando os transportes para a Guiné, destino pouco explorado. Parecia que a África, ou melhor a Guiné, ou porventura ainda a Asmau não lhe saía do pensamento.. O Dionildo passa a ser o seu “braço direito”.

Magalhães Faria não se sente bem a viver só, sem uma mulher a seu lado.

Conhece entretanto uma senhora brasileira com quem vem a casar depois de um curto namoro. Logo na viagem de núpcias, passada no Brasil, entusiasma-se com o país e, chegado a Portugal, prepara as coisas no sentido de o Dionildo ficar à frente do negócio. Parte novamente para o Brasil acompanhado da mulher para, com o apoio do sogro brasileiro, iniciar nova vida profissional. Mantém-se lá alguns anos, com vindas regulares a Portugal.

Magalhães Faria vai a Brasília e visita a Catedral.

O Rio de Janeiro foi visita obrigatória para Magalhães Faria.

Magalhães Faria e a terceira mulher
no Cristo Rei.

Estabelecido a setenta quilómetros de S. Paulo, em Santos, cidade muito interessante com praia ao longo de uma avenida que faz lembrar Copacabana, tem oportunidade de conhecer toda a zona sul do Brasil. Visita as Cataratas de Iguaçú, vai à capital, Brasília, percorre a estrada marginal até ao Rio de Janeiro, passando pela maravilhosa cidadezinha de Parati com as suas casas tipicamente coloniais portuguesas.

Magalhães Faria e sua mulher apreciando a Baía de Santos

Porém, talvez um chamamento semelhante ao da negritude africana, agora a negritude brasileira faz com que esteja por períodos muito curtos em Portugal. Esta negritude vai novamente fazer mudar a sua vida. Agora é a sua mulher que se afasta, não aguentando as duplicidades. Magalhães Faria vê-se de novo em situação de KA KONTRA, semelhante à anteriormente vivida em Portugal.

A história repete-se e da mesma forma não quer também ficar dependente do agora ex-sogro. Regressa a Portugal e assume novamente a direcção da sua empresa, que vinha sendo gerida pelo Dionildo.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7919: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (80): Na Kontra Ka Kontra: 44.º episódio

quinta-feira, 10 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7919: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (80): Na Kontra Ka Kontra: 44.º episódio




1. Quadragésimo quarto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 9 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


44º EPISÓDIO

Neste espectacular NA KONTRA o Dionildo conta a sua história:

Depois de o Alferes ter ido embora de Madina Xaquili e devido à pressão do PAIGC, passou a andar aterrorizado. Logo no primeiro ataque à tabanca, conhecendo o caminho para Bambadinca, resolve desertar. Contorna Galomaro de forma a não ser visto e em Bambadinca, apanha boleia de uma coluna que vai para o Xime com pessoal e material para embarcar numa LDG, com destino a Bissau. Numa situação como esta não era costume os próprios camaradas perguntarem pelas Guias de Marcha. Chegado a Bissau, junto do Cais da Amura onde as lanchas costumavam atracar, logo verificou que na Ponte Cais estava também o navio Uíge, de transporte de tropas. Soube que o barco ia partir à noite e pensou embarcar. Se bem o pensou melhor o fez. Apesar de ser o único militar a bordo vestido de camuflado, ninguém lhe perguntou o que quer que fosse, também pelo facto de irem no barco muitos militares de rendição individual. Ele seria mais um. Passada uma semana, desembarcava em Lisboa. Veste-se à civil com roupa que levava num pequeno saco e ruma ao Porto apresentando-se ao trabalho na empresa onde tinha trabalhado antes de ir para a tropa, a empresa do agora sogro do nosso Magalhães Faria. Passados precisamente quarenta dias aparece-lhe na empresa a Polícia Militar que rapidamente o mete num avião rumo a Bissau, agora com Guias de Marcha para a sua antiga Companhia, sediada em Madina Xaquili. Como perspectiva tinha outra comissão, a começar agora. Com o contínuo agravar da situação, passados poucos dias é planeada uma operação de alto risco, com a intervenção de um Pelotão de Comandos helitransportados e, para a qual, se pediram voluntários. O Dionildo viu ali uma possibilidade de limpar a sua “folha militar” e ofereceu-se. Tudo correu muito melhor do que esperava e até veio a ter um louvor. Retiraram-lhe o castigo e regressou à Metrópole com a sua Companhia. E o Dionildo termina dizendo:

- E aqui estou na empresa onde sempre trabalhei Senhor Faria.

– Magalhães Faria, Faria há muitos.

1990. Passaram 20 anos. Tinha havido a revolução de Abril. Deu-se a descolonização. Houve algumas convulsões na sociedade portuguesa. Embora readquiridas as liberdades a vida das pessoas não melhora substancialmente.

Quanto a Magalhães Faria as coisas não correm pelo melhor com a sua mulher. Não entrando em pormenores considerados íntimos nem considerando que tinham vinte anos de vida em comum ele, não suportando mais a situação artificial em que vive, escolhe o melhor momento e resolve divorciar-se. Os dois filhos do casamento, como já são crescidos compreendem perfeitamente o acto do pai.

Pouco tempo depois, por não querer estar dependente do pai da sua ex-mulher, começa a pensar em mudar a sua situação profissional. Para ganhar tempo e pensar bem na decisão a tomar, resolve fazer umas férias.

Na agora Guiné-Bissau não deixou de haver também convulsões políticas, inclusive com derramamento de sangue, muito sangue se pensarmos nos guineenses que serviram as tropas portuguesas. Em 14 de Novembro de 1980 e na sequência da política dos “burmedjus” de Luís Cabral, Nino Vieira, um papel, assume o poder. Em 1985 num considerado pseudo golpe, são fuzilados vários elementos ligados ao poder, entre eles Paulo Correia e Viriato Pã, conceituados balantas. Em 1990 são depurados mais balantas na continuação da mesma política de agradar às outras etnias. É neste ano que por causa da pressão internacional, o Presidente Nino anuncia a abertura democrática que se concretizará em 1991 com a revisão da Constituição.

É a pensar numa certa estabilização existente na Guiné, face à anunciada democratização, que Magalhães Faria, como que inoculado por um vírus, sente o chamamento de África. Pensa então numa ida a Bissau ver “in loco” como estão as coisas e se haveria alguma hipótese de montar lá um negócio. O recente divórcio muito contribui para isso. Combina ir com seu filho mais velho, proporcionando-lhe assim umas férias, e leva consigo o seu amigo de longa data, Dionildo.

Bissau, época seca. Chegados a Bissau são estabelecidos vários contactos. Magalhães Faria costuma reunir-se com os seus conhecidos no Café Restaurante da “D. Berta”, único local onde se sente à vontade, para além do Hotel. O Dionildo, pelo seu carácter mais extrovertido, já tinha estabelecido imensos contactos com vista ao que lhe pareceu, quer a ele quer a Magalhães Faria, ser uma boa oportunidade: Verificam que todos os transportes de pessoas e mercadorias eram feitos à custa de carrinhas de 8/9 lugares, conhecidas por toca-toca, transformadas para levarem o dobro de passageiros. Também de imediato verificam que essas carrinhas têm muita procura. Daí a congeminar um plano de trazerem viaturas usadas de Portugal e ganhar de sobra para viver, foi um passo.

Um dia, encontrando-se Magalhães Faria a almoçar com o filho na “D. Berta”, chega o Dionildo e de chofre diz-lhe:

- C… sabe quem está ali em baixo à porta? A sua primeira mulher.

O filho do Magalhães Faria arregalou os olhos e este ficou lívido.

- E sabe quem está com ela? Aquela bajudinha muçulmana que nasceu em Madina Xaquili, quando lá estávamos e a quem puseram o nome de Sextafeira. Agora está uma mulheraça.

Um NA KONTRA inusitado.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7915: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (79): Na Kontra Ka Kontra: 43.º episódio

quarta-feira, 9 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7915: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (79): Na Kontra Ka Kontra: 43.º episódio




1. Quadragésimo terceiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 8 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


43º EPISÓDIO

Em Lisboa, o ainda Alferes Magalhães, desembarca por volta das nove da manhã e como era de rendição individual, toma um táxi, leva as malas à Estação de Santa Apolónia onde as deposita e sempre no mesmo táxi vai aos Adidos e à sua Unidade de Mobilização, o RAL 1, tratar da sua desmobilização. Chega novamente a Santa Apolónia, paga a corrida de toda a manhã com uma nota de cinquenta escudos e ainda tem tempo para almoçar um óptimo coelho de cebolada, num restaurante ao lado da estação.

Porque do barco, por questões de segurança, não se podiam mandar telegramas, apenas receber, o agora simplesmente Magalhães Faria não pode avisar ninguém da sua chegada, pelo que aparece no Porto de surpresa.

Junho de 1970. Com a mulher colocada no Liceu Alexandre Herculano no Porto, Magalhães Faria tenta reatar o curso de Arquitectura que interrompera. Devido às convulsões académicas existentes nesta altura na Escola de Belas Artes, onde se tenta implementar um novo processo de ensino, a chamada “Experiência”, sente-se desfasado, sem os antigos colegas, e acaba por desistir. Para essa tomada de posição muito contribui o facto de o sogro ser empresário e lhe “acenar” com um emprego estável na sua empresa.

Um belo dia, o agora Senhor Magalhães Faria, ao inspeccionar um armazém de matéria prima da empresa, onde se encontravam vários empregados a trabalhar ouve nas suas costas a alguma distância dois C… F…

Magalhães Faria como que ficou paralisado. Aquelas expressões com aquela voz só podiam ter vindo de uma pessoa, o Dionildo. Não se voltou de imediato pois custava-lhe a acreditar na aparição daquele que passaria a ser conhecido pelo morto-vivo.

Neste espectacular NA KONTRA o Dionildo conta a sua história:

Depois de o Alferes ter ido embora de Madina Xaquili e devido à pressão do PAIGC, passou a andar aterrorizado. Logo no primeiro ataque à tabanca, conhecendo o caminho para Bambadinca, resolve desertar. Contorna Galomaro de forma a não ser visto e em Bambadinca, apanha boleia de uma coluna que vai para o Xime com pessoal e material para embarcar numa LDG, com destino a Bissau. Numa situação como esta não era costume os próprios camaradas perguntarem pelas Guias de Marcha. Chegado a Bissau, junto do Cais da Amura onde as lanchas costumavam atracar, logo verificou que na Ponte Cais estava também o navio Uíge, de transporte de tropas. Soube que o barco ia partir à noite e pensou embarcar. Se bem o pensou melhor o fez. Apesar de ser o único militar a bordo vestido de camuflado, ninguém lhe perguntou o que quer que fosse, também pelo facto de irem no barco muitos militares de rendição individual. Ele seria mais um. Passada uma semana, desembarcava em Lisboa. Veste-se à civil com roupa que levava num pequeno saco e ruma ao Porto apresentando-se ao trabalho na empresa onde tinha trabalhado antes de ir para a tropa, a empresa do agora sogro do nosso Magalhães Faria. Passados precisamente quarenta dias aparece-lhe na empresa a Polícia Militar que rapidamente o mete num avião rumo a Bissau, agora com Guias de Marcha para a sua antiga Companhia, sediada em Madina Xaquili. Como perspectiva tinha outra comissão, a começar agora. Com o contínuo agravar da situação, passados poucos dias é planeada uma operação de alto risco, com a intervenção de um Pelotão de Comandos helitransportados e, para a qual, se pediram voluntários. O Dionildo viu ali uma possibilidade de limpar a sua “folha militar” e ofereceu-se. Tudo correu muito melhor do que esperava e até veio a ter um louvor. Retiraram-lhe o castigo e regressou à Metrópole com a sua Companhia. E o Dionildo termina dizendo:

- E aqui estou na empresa onde sempre trabalhei Senhor Faria.

- Magalhães Faria, Faria há muitos.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7910: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (78): Na Kontra Ka Kontra: 42.º episódio

terça-feira, 8 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7910: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (78): Na Kontra Ka Kontra: 42.º episódio




1. Quadragésimo segundo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 7 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


42º EPISÓDIO

Aproxima-se o dia da boda e são os próprios noivos que decoram a capela com uma única espécie de flores: Narcisos poetas.

O casamento do Alferes Magalhães na
capela da Boa Nova.

O casamento é celebrado pelo pároco de Leça da Palmeira. São tiradas as fotografias da praxe e o almoço de casamento é servido no restaurante ali ao lado. Ao fim da tarde, o agora casal, segue para a viagem de núpcias. A intenção é irem ao longo da costa até ao Algarve. Porém no primeiro dia não passam de Coimbra…

De boas intenções está o inferno cheio, como se costuma dizer e é bem verdade: No segundo dia não “conseguem” passar de São Martinho do Porto e no terceiro, de Óbidos… Depois Lisboa foi uma autêntica barreira para continuarem mais para Sul. Para isso também contribuiu muito o terem ficado alojados num Hotel em plena Baia de Cascais, local espectacular que ele conhece muito bem. No curso intensivo sobre Informações que tinha tido em Lisboa antes de ir para a Guiné, tinha ficado alojado na messe dos Altos Estudos, em Pedrouços, perto de Cascais.

Nos dias que aí se mantêm, sempre lhes servem o pequeno almoço na varanda do quarto após o que rumam à capital onde muito há que ver. Não deixam de ir à feira da ladra, outro sítio que o Alferes conhece bem pois é nas imediações que se situa o “Casão” da Manutenção Militar e também o departamento onde o então Aspirante Magalhães frequentou o tal curso intensivo.

Já de regresso ao Porto, resolvem parar no “Pedro dos Leitões” pois ambos gostam muito de leitão à Bairrada. Quando estavam a deliciar-se com tal petisco notam que na maioria das mesas se come pescada ou bacalhau. Acham muito estranho ir àquele local e não comer leitão. Seguem viagem. Chegados a casa dos familiares comentam o caso do restaurante. Resposta imediata:

- Então não sabeis que hoje é Sexta-feira Santa? Como o amor é cego…

Até acabarem as férias da Páscoa da agora esposa de Magalhães Faria, os dois aproveitam todas as horas vagas da mulher para conhecerem melhor o Minho, com o seu verde inconfundível.

Quando dá por ela, o nosso Alferes já está metido num avião a caminho da Guiné, mas pouco tempo está em Bafata e, na Guiné. Acaba a comissão e regressa à Metrópole, agora no navio “Carvalho de Araújo”, mais um cargueiro adaptado para o transporte de tropas.

Chegada do navio Carvalho Araújo ao Funchal.

Passa pela ilha da Madeira que não conhece e aproveita as seis horas disponíveis para, numa excursão encomendada ainda do barco em alto mar, visitar o que é considerada a paisagem mais espectacular da Madeira: A Eira do Serrado de onde se vê a povoação do Curral das Freiras, uns setecentos metros por baixo de uma escarpa quase na vertical.

Madeira. O Alferes Magalhães na Eira do
Serrado com o Curral das Freiras lá ao fundo.

Em Lisboa, o ainda Alferes Magalhães, desembarca por volta das nove da manhã e como era de rendição individual, toma um táxi, leva as malas à Estação de Santa Apolónia onde as deposita e sempre no mesmo táxi vai aos Adidos e à sua Unidade de Mobilização, o RAL 1, tratar da sua desmobilização. Chega novamente a Santa Apolónia, paga a corrida de toda a manhã com uma nota de cinquenta escudos e ainda tem tempo para almoçar um óptimo coelho de cebolada, num restaurante ao lado da estação.

Porque do barco, por questões de segurança, não se podiam mandar telegramas, apenas receber, o agora simplesmente Magalhães Faria não pode avisar ninguém da sua chegada, pelo que aparece no Porto de surpresa.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Março de 2011 Guiné 63/74 - P7905: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (77): Na Kontra Ka Kontra: 41.º episódio