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quarta-feira, 29 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)




Guiné > Bissau > Brá > Depósito de Adidos > 1973 > O fur mil Augusto Silva Santos, de rendição individual: terminada a comissão da CCAÇ 3306, em dezembro de 1972, foi colocado no Depósito de Adidos, na Secção de Justiça. Regressou a acasa em dezembro de 1973.


Fotos (e legenda): © Augusto Silva Santos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta é mais uma "história pícara" (*) que fomos repescar, com a devida vénia, à série "Os fidalgos de Jó", da autoria do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-fur mil, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, e Depósito de Adidos, Brá, 1971/73) (**)


A minha passagem pelo Depósito de Adidos, Secção de Justiça, 1973

por Augusto Silva Santos




Depois da partida do BCAÇ 3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no quartel do Depósito de Adidos,  em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ 3306 colocada em Jolmete, para onde fui em rendição individual.

No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também, periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.

Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.

Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.

Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). 

Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que, a partir de determinada altura e por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1.º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o cor paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda.

Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).

O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.

Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.

Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.

Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo”( por andar sempre todo emproado, usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.

Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

Lembro-me que, no 2º semestre de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.

O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MiG.

Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.

Esclareciment posteriro do autor, em comentário a este poste P23397:

De: Augusto Silva Santos

Olá, Luís e restantes Camaradas!

A propósito desta republicação, importa agora esclarecer que o nosso camarada "Grelhas" não era Fuzileiro, como na altura me fizeram acreditar, mais sim Soldado de uma CCaç., que agora não consigo identificar. 

[O "Grelhas" pertencia à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022] 
 
Através do nosso camarada Albino Jorge Caldas, que pertenceu à CCaç 3518, "Marados de Gadamael", (1971/74) e, por mero acaso, vim a tomar conhecimento que o famoso "Grelhas", de seu nome próprio Armando, era taxista no Porto, tendo-me inclusive facultado o seu contacto telefónico.
 

[ No Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022, o Albino Jorge Caldas confirma que o "O Grelhas hoje é taxista na cidade do Porto, sempre em forma e pronto para umas confusões se necessário."]

Após animada conversa relembrando velhos tempos e peripécias, o nosso amigo Armando "Grelhas" acabou por me confidenciar que as "saídas" eram conseguidas através de uma chave falsa de uma porta não controlada, da qual era portador. Era também ele que se encarregava de elaborar a "escala" de saídas (poucos de cada vez, para não dar nas vistas).

Embora sem ter total conhecimento do "esquema" montado, confesso que na altura foi algo que, após duas situações menos agradáveis, me deixou mais confortável (se assim se pode considerar), pois o amigo "Grelhas" nunca mais permitiu que algum recluso faltasse aquando do render da guarda, sempre que eu estava de serviço.

Forte Abraço para todos!

29 de junho de 2022 às 22:29




Guiné > Bissau > Brá > Depósito de Adidos > Casa de Reclusão Militar > Março de 1973 > O "carcereiro" em alegre e franco convívio com alguns reclusos por ocasião de um aniversário. "O camarada ao fundo, de óculos e barba, é o Carlos Boto, já aqui referenciado por outros camaradas"... Vê-se que está de gravador na mão, recolhendo declarações de outro camarada, possivelmente o aniversariante e ambos... reclusos. O Carlos Boto deve seguido depois para Cabuca, onde animaria a rádio local "No Tera" (A nossa Terra)... Ainda hoje os seus camaradas desse tempo (2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74) andam à procura do seu paradeiro...


Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)

(**) Vd. poste de 22 de setembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12070: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (14): A minha passagem pelo Depósito Geral de Adidos, em Brá

(***) Último poste da série > 13de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca

(...) Na Guiné e, também, em teatro de guerra, se viveram grandes momentos de paródia guerreira, relatados na Rádio “No Tera”.

(...) O seu grande dinamizador foi o despromovido Carlos Boto, que, condenado disciplinarmente, cumpria a sua 3ª comissão de serviço.

Foi ele quem pediu ao Cap Vaz o aparelho de rádio RACAL que, devidamente afinado, passou a transmitir em onda curta 25 M, nas bandas dos 12.900 e 13.700 KHZ/s. Transmitia ainda em 31 M na banda dos 9.200, na onda marítima e na onda média.

A rádio era liderada por Carlos Boto (Produção, Direcção e Montagem), e contava com a colaboração de Zé Lopes (Discografia),Toni Fernandes (Sonoplastia), Arménio Ribeiro (Exteriores) e Victor Machado (Locução). (...)


Vd. também poste de 15 de março de  2012 > Guiné 63/74 - P9607: O PIFAS, de saudosa memória (9): Dois terços dos respondentes da nossa sondagem conheciam o programa e ouviam-no, com maior ou menor regularidade...

(...) No redescobrimento do PIFAS, cujos artigos tenho lido com alguma sofreguidão, pois sempre que possível lá o conseguíamos sintonizar, não posso deixar de recordar que também nós, no “buraco” que era Cabuca, também tínhamos uma estação de rádio, que com alguma dificuldade era ouvida em Bissau!

Na verdade, fruto de um engenhoso camarada, de nome CARLOS BOTO, com a excepcional ajuda do Fur Mil de Transmissões Henriques, também a 2ª Cart/Bart 6523 tinha a sua estação de rádio que transmitia em ONDAS CURTAS nas frequências 41m - na banda dos 8000 Khc/seg e 75m - na banda dos 4100 Khc/seg, que emitia directamente de Cabuca todos os dias das 19h30 às 23h00.

Tal só foi possível, graças a um generoso e eficaz trabalho de antenas, apoiadas num “Racal”, pelo pessoal das Transmissões, tendo-se então criado um estúdio improvisado, que com o recurso a um gravador de fitas e a um velho microfone difundia um excelente programa diário.

A estação chamava-se NO TERA. Tinha a discografia do Zé Lopes, a sonoplastia do Toni Fernandes, os exteriores do Arménio Ribeiro, a locução do Quim Fonseca (este vosso camarigo) do Victor Machado e esporadicamente do António Barbosa e a produção, montagem e apresentação estava a cargo do CARLOS BOTO.

Dos programas emitidos, relembro os seguintes :

- Publicidade em barda ;
- Serviço noticioso ;
- Charlas Linguísticas ;
- O folclore da tua terra ;
- Espectáculos ao Vivo ;
- Concursos surpresa e,
- MÚSICA NA PICADA, entre outros.

E, como nota de rodapé, gostaria que algum dos Camarigos, designadamente os que ainda estão hoje ligados á rádio , nos ajudassem a descobrir o CARLOS BOTO, já que todas as nossas diligências para o encontrarmos, se têm mostrado infrutíferas.

Finalmente e com a promessa de voltar à carga sobre a nossa Rádio NO TERA, gostaria de referir ainda um episódio que nos encheu de alegria, já no distante ano de 1973, quando ao ouvirmos o PIFAS, a nossa rádio foi referida como tendo sido audível em Bissau! O pessoal rejubilou de alegria e sentimo-nos então muito mais motivados para melhorar os nossos programas, já que corríamos o risco de sermos ouvidos, quem sabe, pelas bandas do QG…!

(...) Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74) (...)

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca



1. Em mensagem do dia 3 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais uma memória boa da sua guerra, desta vez não dele propriamente dita mas do Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523.


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA

48 - Clube de Cabuca
 
Sempre que eu e o camarada Ricardo Figueiredo comentamos as “Memórias boas da minha guerra”, ele fala da sua vivência no “Clube de Cabuca “(73/74), onde tudo de bom acontecia, com sério destaque para o caso da Rádio “No Tera”.

Agora, que tive conhecimento desse período admirável, vejo-me na agradável obrigação de registar este pequeno contributo para a História Colectiva da Guerra do Ultramar.

A todos os obreiros daquele louvável trabalho, presto a minha singela e devida Homenagem!

Os militares da 2.ª CART/BART 6523, logo que instalados em Cabuca, destacaram-se pelo seu espírito de camaradagem e solidariedade.



No “Clube de Cabuca”, os seus esforçados associados  assumiram a criação do Jornal, da Biblioteca, da “Tele-Escola” e de muitas actividades de desporto e recreio. Todavia, foi a criação da rádio “No Tera” que teve mais impacto junto dos militares da 2.ª CART.  “Os Abutres”.

Extracto de um texto publicado no Jornal “ O Abutre” 


“Parece-me mentira mas é pura verdade. 
Eu que ando nestas andanças desde 1961 e tendo cumprido duas comissões em Moçambique e uma em Angola, sempre estive no mato integrado em Companhias Operacionais, nunca encontrei um punhado de bons rapazes que em vez de pensarem em si próprios, pensam antes de mais nada nos outros, que, por motivos vários, não tiveram a felicidade de poderem ir mais além na sua cultura. Pois graças a esse punhado de rapazes, que arregaçaram as mangas e sem olharem a sacrifícios de toda a ordem, especialmente pelo isolamento em que vivemos, esses rapazes, dizia eu, já puseram a funcionar aulas para a 4ª Classe e Ciclo Preparatório, uma Biblioteca onde já temos um número de livros muito engraçado e onde todos nós podemos requisitá-los para melhor passarmos os nossos momentos de ócio e iremos ter um Jornal diário do Porto, Jornal de Notícias (não esquecer que 60% do pessoal é nortenho), e três vezes por semana o Jornal A Bola. Montaram um Posto Emissor Interno, que quando só podemos estar nos respectivos abrigos nos proporciona umas horas de boa música, um Campeonato de Futebol inter-Pelotões e ainda o nosso jornal “O Abutre”.

Foi só isto que este punhado de rapazes já fizeram, e segundo parece ainda não querem parar por aqui….”

Adelino A. Monteiro
1.º Sarg. Art.

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Rádio “No Tera” 

GoodMorning Vietnam!

Quem não se lembra deste filme de sucesso, parodiando peripécias da guerra dos americanos em terras do Vietnam? Para nós, os ex-combatentes, este filme sobre a guerra despertou-nos, desde logo, alguma e evidente curiosidade.


Foi o grande actor Robin Williams quem deu vida a esta intervenção permanente junto dos militares, através de uma estação de rádio instalada em Saigão. Embora o filme tenha sido realizado em 1987, o seu enredo diz respeito ao período de intervenção militar entre 65 e 67. 

O que ninguém se lembra é que, quase na mesma altura, na Guiné e, também, em teatro de guerra, se viveram grandes momentos de paródia guerreira, relatados na Rádio “No Tera”.



O seu grande dinamizador foi o despromovido Carlos Boto, que, condenado disciplinarmente, cumpria a sua 3ª comissão de serviço.

Foi ele quem pediu ao Cap. Vaz o aparelho de rádio RACAL que, devidamente afinado, passou a transmitir em onda curta 25 M, nas bandas dos 12.900 e 13.700 KHZ/s. Transmitia ainda em 31 M na banda dos 9.200, na onda marítima e na onda média.

A rádio era liderada por Carlos Boto (Produção, Direcção e Montagem), e contava com a colaboração de Zé Lopes (Discografia),Toni Fernandes (Sonoplastia), Arménio Ribeiro (Exteriores) e Victor Machado (Locução).



- Ráaadiiiooo… “No Tera”!!! … Boa Tarde… Cabuca! – gritava repetidamente o locutor de serviço, logo após a entrada do sucesso musical - Pop Corn (https://www.youtube.com/watch?v=mBDgfBunNyc). E anunciava:
- Já de seguida: - Múuusicaaa na picadaaa - programa de discos pedidos.
- Mais logo, depois do noticiário das 21,00, teremos: - Resenha desportiva
- E a partir das 22.00: - Concurso surpresa.


Repórteres da Rádio "No Tera" entrevistam o Furriel Quim Fonseca, responsável pela habitual celebração/transmissão da Missa Dominical em crioulo

A Rádio “No Tera” era um orgulho para todos os Cabucanos, incluindo os seus verdadeiros indígenas. Toda a gente acompanhava a Rádio e nela colaborava dentro das suas possibilidades.

A rádio PIFAS, sediada em Bissau, que cobria todo o espaço militar guineense, chegou a fazer referências de elogio ao bom desempenho da Rádio “No Tera”.

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Concurso polémico

Durante uns dias, a rádio anunciou o “Concurso Mama Firme”. Esperava-se, desta forma, classificar e premiar as medidas peitorais das mulheres Cabucanas. Diga-se de passagem que a tropa se esforçou imenso para que as suas conhecidas, especialmente as suas lavadeiras, ali viessem expor o seu porte. O Carlos Boto, que fora o promotor da ideia, esteve quase a levar um enxerto de porrada do corpulento milícia Jeremias, devido às insistências junto de sua mulher.

Quem também não gostou da ideia, foi o Chefe de Tabanca Mamadu, que lembrou os radialistas de que às mulheres de Cabuca estava vedada a participação em concursos de beleza. E justificou:
- Poderíamos premiar a beleza interior porque somos nós que a fazemos e não a beleza exterior, porque essa é um produto de Deus.

Decepcionados pelo fracasso, os promotores da iniciativa, reunidos de emergência, resolveram considerar a informação do Chefe de Tabanca e alterar para um “Concurso de …Piças”.

Naquele dia, a emissão da rádio abriu excepcionalmente às 15H00, por forma a poder publicitar massivamente a forçada alteração do concurso anunciado.

Foi no refeitório, por volta das 17,30, que se iniciou o evento. Para começar, ninguém queria mexer em piça alheia. Teve que ser o Oficial Dia, António Barbosa, a assumir a função de Juiz Árbitro, Decididamente, sacou a faca de mato e traçou sobre a mesa uma linha para servir de medida limite para admissão ao concurso. E avisou:
- Quem não chegar ao traço, fica logo de fora e quem o ultrapassar mais, ganhará uma garrafa de whisky.

Não levou muito tempo a que aparecessem alguns a “experimentar” a medida. Porém, não satisfeitos, voltavam para trás, e exercitavam-se a “tocar ao bicho”, na esperança de que ele crescesse de forma satisfatória. Aliás, ninguém abdicou de se exercitar ali…descaradamente. Numa das mesas viam-se o Matosinhos, o Carvalho e o Maia em acção, ao mesmo tempo que olhavam afincadamente para a mesma revista… erótica.

Quem não se desenrascava era o Zé Faroleiro, cuja fama e porte de machão eram bem conhecidos. Por mais festas que fizesse ao animal, não conseguia despertá-lo.
- Ó filhos da puta! Badalhocos!!!– gritou o Vagomestre, surgindo dos lados da cozinha. E acrescentou:
- Não tendes vergonha de sujar a mesa onde comeis, com pintelhos e pingos??? Francamente!!!

O concurso ficou pontualmente suspenso, precisamente quando havia algumas dúvidas quanto ao vencedor. Furioso, o Vagomestre chamou o básico Pequenitaites, ajudante da cozinha:
- Ó Faxina, vem cá. Traz um pano húmido e limpa esta mesa.

Quando este se aproximou, tomou conhecimento das medidas que apontavam para o possível vencedor. De repente, exclamou:
- Se é assim, eu podia ganhar!

A gargalhada foi geral. Mas o básico aproximou-se e, um tanto envergonhadamente, abriu a braguilha, sacou o marmanjo e, meio encoberto pelo pano da limpeza, pousou-o sobre a mesa.

Como o Pequenitaites parecia que não atingia a medida maior, logo alguns intervenientes (os mais avantajados) tentaram afastá-lo. Porém, o básico subiu para um pequeno tijolo de barro para poder chegar com os testículos ao tampo da mesa e poder competir em condições de igualdade.
- Ei pá!!! Foda-se!!! Mas que grande piça!!! – exclamaram abismados, os presentes.

Todas as outras murcharam e… ficaram desclassificadas.

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Notas:

1 - A Rádio “No Tera” veio a ser suspensa por ordem do Capitão Vaz. Quando esteve programada a visita de Spínola a Cabuca, a Rádio “No Tera”, além de anunciar essa deslocação do Governador-Geral da Guiné, incentivava os militares a limparem as instalações e a esmerarem-se na sua apresentação. Ora, como é de calcular, esta incúria foi manifestamente prejudicial em termos de segurança e bastante comprometedora junto das Forças Inimigas.

2 – Doze anos depois do regresso, o Ricardo Figueiredo teve a oportunidade de saber da boca do Pequenitaites que o tamanho do seu pénis só lhe trouxera dissabores. Confessou-lhe que as namoradas se assustavam e que a mulher que mais amara trocou-o por um lingrinhas que era conhecido por “Pilinha de Gato”.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18251: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (47): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (2)

domingo, 22 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12070: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (14): A minha passagem pelo Depósito Geral de Adidos, em Brá

1. Em mensagem do dia 19 de Setembro de 2012, o nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), enviou-nos mais uma história dos Fidalgos de Jol.

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal
Antes de mais, que esteja tudo bem contigo e família, são os meus sinceros votos.
Já há algum tempo (quase um ano) que não te "brindava" com mais uma das minhas estórias, pelo que resolvi, mais uma vez, vasculhar o meu baú e "sacar" algumas memórias da minha passagem por terras da Guiné. Além do mais, importa continuar a "alimentar" o nosso blogue... 
Nesta perspectiva, junto estou a enviar ficheiro que relata a minha passagem pelo Depósito de Adidos em Brá, após ter deixado de pertencer à CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, mas que por uma questão cronológica gostaria que continuasses (caso aches oportuno) a incluir nas "Estórias dos Fidalgos do Jol" sob o título "A minha passagem pelo DA".
Deixo ao teu critério.
Junto seguem também ficheiros com algumas fotos que poderás publicar de acordo com as minhas sugestões, ou fazê-lo como melhor entenderes.
Muito obrigado pela tua disponibilidade em continuares ao "serviço" das nossas memórias.

Recebe um Grande e Forte Abraço
Augusto Silva Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL

14 - A MINHA PASSAGEM PELO DA

Depois da partida do BCAÇ 3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ 3306 colocada Jolmete, para onde fui em rendição individual.


Crachá do Depósito de Adidos

No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.
Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.
Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.

Brá / Depósito de Adidos, Fev1973

Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que a partir de determinada altura e, por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1.º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o Cor. Paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência, partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda.
Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).



Brá / Casa de Reclusão Militar, Mar1973 – Em convívio com alguns reclusos por ocasião de um aniversário. O camarada ao fundo, de óculos e barba, é o Carlos Boto, já aqui referenciado por outros camaradas

O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.
Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos, que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.

Brá / Depósito de Adidos

Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.

Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo” por andar sempre todo emproado (usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.
Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

Brá Depósito de Adidos – No dia em que fiz a última Guarda de Honra ao General Spínola, antes do seu regresso a Portugal

Lembro-me que, nos finais de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos de camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.
O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MIGs.

Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10495: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (13): Aventura com final feliz: O Cabo 'Bigodes', o Dandi e a mulher mais velha do Dandi...

quinta-feira, 15 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9607: O PIFAS, de saudosa memória (9): Dois terços dos respondentes da nossa sondagem conheciam o programa e ouviam-no, com maior ou menor regularidade...


1. Resultados da sondagem que correu no nosso blogue, de 8 a 14 de março de 2012... Pergunta: "Com que regularidade ouvias, no teu tempo, o programa de rádio das Forças Armadas, PFA ou PIFAS ?"

Responderam um total de 116 leitores. Naturalmente que os resultados não se podem generalizar... É uma mera consulta de opinião com resultados meramente indicativos ou tendenciais...



Assim, cerca de 2/3 dos respondentes conheciam e ouviam o PFA ou PIFAS: cerca de 39% ouviam-no "todos os quase todos os dias"; os restantes 27% só mais esporadicamente...

O restante terço que não ouvia o PFA ou PIFAS, apresenta as suas razões:

- 6% do pessoal não se interessa por este tipo de programas de rádio;
- 13% não tinham aparelho de rádio ou tinham dificuldade, no mato, em sintonizar o programa;
- Os outros 15% não são do tempo do PIFAS que, ao que sabemos, nasce no tempo do "consulado" de Spínola...

Obrigado a todos os que tiveram a gentileza de responder ao nosso pedido...

2.  Reproduzem-se a seguir alguns mails de camaradas nossos sobre a sondagem:

(i) José Paracana [, ex-alferes miliciano, da Cheret, QG, Bissau, CTIG, 1971/73]




Viva lá, camarada LG!



Posso informar que eu sempre estive no QG, em Bissau. E lembro que ouvia diariamente o Pifas! Uma tarde até estive ao microfone da rádio porque um sr. sargento (cujo nome esqueci), que estava à frente de uma das rubricas da estação, convidava à intervenção. E eu fui falar sobre Coimbra: a dos estudantes e suas praxes académicas. Descrevi as sessões de gozo dos caloiros; dos seus julgamentos (na cabe da Real República dos Kágados), da queima das fitas e sua organização, das Latadas,etc.


Lembro que, fugindo completamente à censura (anos 1961-1966) porque a Pide não actuava antes dos cortejos - empunhei um cartaz onde se escreveu o seguinte: "Em Lisboa há um Te(n)rreiro com 42 buracos/ tachos!" Claro que o visado era o Almirante do bacalhau...


Continuação do bom trabalho e até breve!


Abraço do José Paracana
 
(ii) Antonio Sampaio [, ex-Alf Mil na CCAÇ 15 e Cap Mil na CCAÇ 4942/72, Barro, 1973/74]:
  
 Amigo, gostava de colaborar, mas com verdade. Não me recordo nada desse programa. Enquanto estive em Mansoa, tinha concerteza possibilidade de o ouvir. Depois em Barro já seria mais episódico. De qualquer maneira nunca fui muito de “telefonia”.


Recordo no entanto um bom amigo que esteve também em Mansoa e depois foi para a Rádio Bissau. Era já locutor na RR  [Rádio Renascença,] cá e conseguiu sair do mato para a cidade lá. Era o Fernando de Sousa (actualmente no internacional da SIC).  Por curiosidade o contacto directo com os tiros, só o teve muito mais tarde em Angola quando fazia uma reportagem no tempo da guerra civil. A coluna em que se deslocava foi atacada quando ele estava a fazer um directo. Um abraço, António Sampaio

(iii) Belmiro Tavares [,ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66]

Caro Companheiro,

No meu tempo, que eu saiba, não havia PFA... nem PIFAS.

A Rádio Bissau trabalhava poucas horas por dia; havia um programa afamado – discos pedidos. Por mais estranho que pareça o disco – de longe – mais pedido era: “O Tango dos Barbudos”.


Aquele Abraço,
Belmiro Tavares


[Nota do editor: Belmiro, quem não se lembra, nos bailes dos bombeiros das nossas parvónias, de ouvir, em aordeão ou até guitarra elétrica, esse clássicos do tango, o Tango dos Barbudos ? ... Há músicas que levaremos para tumba e para a longa viagem do além, tal como a pensavam os antigos egípcios... Se calhar este tango, ouvido no rádio a pilhas em Binar, é um deles... BAqui tens uma versão instrumental, no You Tube, para matares saudades... E já  agora fica também com esta versão, mais fraquinha, em guitarras elétrica, duns rapazes do teu tempo, 1966... Os Blusões  Negros].


(iv) José Pereira [ex-1.º Cabo Inf, 3.ª CCAÇ e CCAÇ 5, Nova Lamego, Cabuca, Cheche e Canjadude, 1966/68]

 Olá, sou o Zé Pereira, estive na CCAÇ 3 e na CCAÇ  5, na zona de Nova Lamego. Bepois vim para Bissau aguardar embarque e estive a fazer servico no Comando Chefe e no PFA onde estava o João Paulo Diniz, em 68 lembro-me muito bem o chefe era o major Magalhães.


Um abraço, José Pereira
 
[Nota do editor: Zé Pereira, há dias falei com o José Paulo Diniz, ele disse-me que esteve em Bissau, de entre agosto de 1970 e agosto de 1972 (mais ou menos)... Logo não poderá ser do teu tempo. Deves estar a fazer confusão com outro nome. Mas podemos esclarecer isso no nosso próximo encontro, em Monte Real, no dia 21 de abril... Ele vai lá estar. E tu ? Um abraço].


(v) Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74):

Meu Caro Camarada Carlos Vinhal,

No redescobrimento do PIFAS, cujos artigos tenho lido com alguma sofreguidão, pois sempre que possível lá o conseguíamos sintonizar, não posso deixar de recordar que também nós, no “buraco” que era Cabuca, também tínhamos uma estação de rádio, que com alguma dificuldade era ouvida em Bissau !

Na verdade, fruto de um engenhoso camarada, de nome CARLOS BOTO, com a excepcional ajuda do Fur Mil de Transmissões Henriques, também a 2ª Cart/Bart 6523 tinha a sua estação de rádio que transmitia em ONDAS CURTAS nas frequências 41m - na banda dos 8000 Khc/seg e 75m - na banda dos 4100 Khc/seg, que emitia directamente de Cabuca todos os dias das 19H30 às 23H00.

Tal só foi possível, graças a um generoso e eficaz trabalho de antenas, apoiadas num “Racal”, pelo pessoal das Transmissões, tendo-se então criado um estúdio improvisado, que com o recurso a um gravador de fitas e a um velho microfone difundia um excelente programa diário.

A estação chamava-se NO TERA. Tinha a discografia do Zé Lopes, a sonoplastia do Toni Fernandes, os exteriores do Arménio Ribeiro, a locução do Quim Fonseca (este vosso camarigo) do Victor Machado e esporadicamente do António Barbosa e a produção, montagem e apresentação estava a cargo do CARLOS BOTO.

Dos programas emitidos, relembro os seguintes :

- Publicidade em barda ;
- Serviço noticioso ;
- Charlas Linguísticas ;
- O folclore da tua terra ;
- Espectáculos ao Vivo ;
- Concursos surpresa e,
- MÚSICA NA PICADA, entre outros.

E, como nota de rodapé, gostaria que algum dos Camarigos, designadamente os que ainda estão hoje ligados á rádio , nos ajudassem a descobrir o CARLOS BOTO, já que todas as nossas diligências para o encontrarmos, se têm mostrado infrutíferas.

Finalmente e com a promessa de voltar à carga sobre a nossa Rádio NO TERA, gostaria de referir ainda um episódio que nos encheu de alegria, já no distante ano de 1973, quando ao ouvirmos o PIFAS, a nossa rádio foi referida como tendo sido audível em Bissau! O pessoal rejubilou de alegria e sentimo-nos então muito mais motivados para melhorar os nossos programas, já que corríamos o risco de sermos ouvidos, quem sabe, pelas bandas do QG…!

Um abraço de amizade do camarigo,
Ricardo Figueiredo
Fur Mil At Art da 2ªCart/Bart 6523
Cabuca-Guiné

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9589: O PIFAS, de saudosa memória (8): "Emoções", programa de música, Antena 1, sábado, 10 de março, das 5 às 7h da manhã: ouvir a voz do João Paulo Diniz, 40 anos depois...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5486: Estórias avulsas (22): Partida e chegada ao inferno (Jorge Canhão)



1. O nosso Camarada Jorge Canhão*, ex-Fur Mil At Inf da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa 1972/74, enviou-nos a seguinte mensagem em 15 de Dezembro de 2009:


Camaradas,

Agora tenho a mania que sou escritor, (deve ser do PDI), por isso, decidi debitar no papel algumas das minhas lembranças, enquanto existe memória no conhecimento da rapaziada.

São histórias engraçadas (nem todas), mas que reflectem o que um rapazinho, então com 22 anos, sentiu e passou pelas terras da Guiné.

Já avisei todos os meus contactos, para abrirem o blogue lerem o que escrevi sobre o jantar e se encontra no poste P5475.

Partida e chegada ao Inferno

Saímos de Lisboa em avião, do Aeroporto da Portela, de onde demos os primeiros passos na manhã de 5 Outubro de 1972 - feriado nacional -, na direcção da desconhecida Guiné, onde chegámos poucas horas depois.

Logo no aeroporto de Bissalanca tive os meus dois primeiros choques quase em simultâneo. O primeiro foi o clima, assim que abriram as portas do avião aquele calor sufocante e a humidade, fizeram-me lembrar das historinhas que nos contavam em crianças sobre a existência do “inferno”.


Mal sabia eu que ali, havia um inferno real: A guerra colonial que me impuseram.

O outro choque foi cruzarmo-nos com os velhinhos que tinham acabado a comissão e que só uma pequena divisória em vidro nos separava. Com espanto meu, vejo uma cara toda sorridente a fazer gestos e a chamar-me, era o meu companheiro de infância Carlos Boto, a regressar á Ajuda em Lisboa.

Tinha começado bem a minha comissão, que mais me esperaria? Fomos para o Cumeré onde fizemos o IAO. Lá começámos os nossos treinos já com bala real, que a princípio só os graduados usavam.

Pequenas histórias minhas do Cumeré

1. O nosso primeiro IN – As formigas

Numa bela noite, estava a companhia acampada em tendas à volta das quais tínhamos valas individuais, quando o inesperado aconteceu devido a uma brincadeira.

Eu estava no meio do acampamento deitado no chão envolto no poncho, quando três camaradas soldados passaram por mim dizendo: “Olha este tão pequenino aqui a dormir.”

Claro que não tinham reparado que eu estava acordado, então passaram por um Unimog onde o Fur Mil Almeida estava a dormir com o poncho colocado, e lembraram-se de lhe dar uma chapada escondendo-se de imediato.

A reacção imediata do Almeida, foi saltar do Unimog, tirando o poncho e começando a gritar que estávamos a ser atacados. Começaram a “chover” tiros de todos os lados e eu, que estava no meio do “fogachal”, nem sequer ousei levantar a cabeça, pois sabia o que se tinha passado e ainda era muito cedo para ser atingido. E, para mais, daquela maneira.

Entretanto o Fur Mil Toni “O Barbio” começou a gritar para não fazerem mais fogo, que, tal como tinha começado, rapidamente, também assim logo cessou.

Quando a rapaziada começou a sair das valas, começou uma grande algazarra, que raio seria aquilo?

Nem mais nem menos umas simpáticas formiguinhas que só à noite saíam, decidiram apanhar boleia na rapaziada agarrando-se a tudo o que era carne. Nesse momento não seria como dizíamos na gíria “carne para canhão”, mas sim para formigas.

Foi o primeiro ataque que tivemos. Assim começou a nossa aprendizagem. Nessa altura o Fur Mil Almeida disse que estava a sonhar, que estávamos a ser apanhados à mão, quando levou a chapada e acordou.

Só cerca de 30 anos depois é que os intervenientes nesta história souberam que eu tinha assistido a tudo.

2. O nosso segundo IN – As abelhas

Passados dias numa operação efectuada a nível de companhia, quando calmamente seguíamos pelo mato (ainda na zona próxima do Cumeré), alguns “engraçados” que iam à frente lembraram-se de hostilizar um enxame de abelhas, que, sossegadamente, estavam na sua colmeia.

Como era de esperar, seguiu-se um ataque com algumas ferroadas, que deram origem a algumas evacuações para o hospital de Bissau. Os atingidos passaram por mim a correr e eu a tentar agarrá-los e a não os deixar mexer-se Para evitar mais picadelas. Este foi o nosso segundo ensinamento.

3. Um não levantamento de rancho

Também num dia em que eu estava de sargento de dia à companhia, deram para o almoço umas sardinhas enlatadas todas feitas em papa. Os soldados reagiram e virando-se para mim perguntaram-me o que é que haviam de fazer e se fosse eu, o que faria?

Sardinhas enlatadas (in Wikipédia, enciclopédia livre)

Na minha ingenuidade militar, mas na minha condição de ser humano, respondi-lhes que não comeria aquilo, pois nem para animais era próprio. Foi o suficiente para um levantamento de rancho, e ainda estávamos no Cumeré. Momentos depois aparece o Comandante do Batalhão Tenente-coronel Eurico Simões Mateus (já falecido), agredindo um cabo com uma chapada e ameaçando de prisão quem não obedecesse. Assim se gorou um levantamento de rancho.

A 3 de Novembro, saímos do Cumeré para a nossa “nova casa” Mansoa, mas essa é outra história que mais tarde espero contar.

Oeiras, 15 Dezembro 2009,
Um abraço,
Jorge Canhão
Fur Mil At Inf da 3ª Cia do BCAÇ 4612/72

Imagens: © Wikipédia, enciclopédia livre. Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR: