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quarta-feira, 18 de junho de 2025

Guiné 671/74 - P26934: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834. Tite e Fulacunda, 1968/60) (1): RI 15, Tomar, outrubro de 1967: a "graxa" que custava 3$00, a caixa, e que o 1º sargento queria descontar no meu pré de 1º cabo miliciano (que era de 90$00 mensais, 37 euros a preços de hoje)


Capa do livro de Joaquim Caldeira,  "Guiné - Memórias da Guerra Colonial", publicado pela Amazona espanhola (2021)


1. Texto enviado pelo Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905 (*),   ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69)

(Vive em Coimbra; reformou-se da Caixa Geral de Depósitos em 1996; foi um dos primeiros camaradas a ter um blogue criado uns anos a seguir; o blogue chamava-se Reviver a Guiné; ele já não se lembra exatamente da URL, talvez: https://reviverguine.blogspot.com

O blogue foi enretanto descontinuado. Recuperou muitas histórias, integrando-as no seu livro de 2021. Ainda não conseguimos localizá-lo no Arquivo.pt nem no Archive Net... A URL pode estar errada.

2. Perguntámos ao asssistente de IA da Gemini / Google, "quando é que apareceram os primeiros blogs em português no servidor Blogger"... A resposta foi a seguinte:

(...) "O Blogger foi lançado em agosto de 1999 pela Pyra Labs. Foi uma das primeiras ferramentas a facilitar a publicação de blogs, popularizando o formato. Em 2003, o Blogger foi adquirido pelo Google.

Embora não haja uma data específica para o surgimento dos primeiros blogs em português no servidor Blogger, podemos inferir que começaram a aparecer pouco depois do lançamento da plataforma e com a popularização da internet no Brasil e em Portugal no início dos anos 2000.

Naquela época, os blogs eram frequentemente usados como diários online, e o Blogger, por ser uma ferramenta gratuita e fácil de usar, contribuiu para a proliferação desses espaços pessoais na internet. (...)


3, Esta é uma das histórias que o Joaquim Caldeira reteve da sua passagem pelo RI 15 (Tomar), em outubro de 1967. 

Era 1º cabo miliciano e recebia de pré 90$00 (noventa escudos) (equivalente naquela época a 37,00 euros da preços de hoje de acordo com o simulador de inflação da Pordata).

Passado menos de 3 meses o seu batalhão, o BCAÇ 2834, estava a embarcar, em 10 de janeiro de 1968, para o CTIG.


Data - domingo, 8/06/2025, 19:30

Assunto -  História anterior à guerra



A "graxa" do 1º sargento...

por Joaquim Caldeira


Decorria o ano de 1967 e o mês de outubro.

Em formatura, aguardávamos a chamada para nos ser entregue o pré correspondente à patente.

No meu caso, 90$00 (noventa escudos). Sobre este montante, ainda eram deduzidos 8% para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), de que eu era subscritor e exigia que os descontos fossem feitos para efeitos de contagem de tempo.

Afinal, o meu primeiro trabalho na CGD (Caixa Geral de  Depósitos) tinha sido, exatamente, a contagem de tempo e o abono das pensões aos novos subscritores. Era, portanto, um assunto do qual eu sabia muito, e bem, o que deveria ou não fazer.

Chegada a minha vez, em sentido, feita a devida continência, recebia o pré com a mão direita, conferia, passaria para a mão esquerda com a qual guardaria o dinheiro, nova continência, dois passos à retaguarda, meia volta e iria embora.

Só que o valor não estava correto. E reclamei, no ato.

Com modos de malcriado e muito zangado, o primeiro sargento quis saber o motivo da minha discordância. Em resposta, informei que deveria receber 82$80  e não 79$80. 

Com péssimos modos, esclareceu que a diferença correspondia ao valor da caixa de graxa (3$00) que ele disponibilizava diariamente, na arrecadação, conforme aviso na entrada da caserna. Ripostei que utilizava a minha e, portanto, não pagava. 

 − Paga, sim senhor, como todos os outros. 

 − Então, irei reclamar para o comando.

Pôs-me fora do gabinete e eu mantive que iria reclamar. Era uma sexta feira à tarde e deixei isso para a segunda feira seguinte.

Dia seguinte, sábado, munido de uma licença de fim de semana, rumei à estrada Tomar-Coimbra, devidamente fardado por ser mais fácil obter boleia e vai de fazer o gesto habitual do pedido de boleia. Ninguém parava e, passada meia hora, já com fome, fui a uma tasca que estava junto à estrada e comprei algo para comer e regressei ao meu posto.

Passa um carro preto, marca Mercedes, com um único ocupante. Pára à frente, o que me obrigou a uma ligeira corrida e...

 − Bom dia, vou para Coimbra.

 − Está com sorte, entre. Vou para Condeixa e fica perto de casa. 

E começámos uma conversa sobre a tropa. Onde eu estava e há quanto tempo.

− Olhe, estou no quartel de Tomar há duas semanas e vim formar batalhão para ir até ao Ultramar.

− E antes da tropa, que fazia ?

Lá fui informando de que era “funcionário” da CGD, meio ano em Lisboa e meio ano em Aveiro, com pedido para ser colocada em Coimbra, minha terra de eleição.

− Muito bem. E quem é o seu comandante aqui em Tomar?

− Para ser franco, estou há tão pouco tempo que ainda nem sei quem é e nem sei ainda o seu nome.

Quis saber mais da minha experiência de trabalho e lá expliquei que há muito vivia do meu trabalho e que, além de saber fazer de tudo, tinha facilidade de adaptação a tudo.

E chegámos a Condeixa.

− Já agora, vou levá-lo a Coimbra. É um pulo.

E assim foi. Deixou-me no Largo da Portagem, praça de entrada na cidade.

E, na despedida, disse:

− E o seu comandante...sou eu.

Perfilei-me em sentido, continência e votos de bom fim de semana trocados de ambas as partes.

No dia seguinte, domingo, à tarde, enfio-me na camioneta para Tomar e, após a chegada, rumei ao quartel e, neste, à minha camarata. E passada a noite, estava a vestir a farda para novo dia de instrução aos homens que eu queria bem treinados para me defenderem a pele quando chegasse a hora.

Ouvi, então, que o cabo da secretaria chamava:

− O cabo miliciano Caldeira?

− Sou eu. Há alguma novidade?

− Há sim. Vá ao nosso primeiro.

Era o primeiro sargento da secretaria. Chegado lá, aos berros, perguntou:

− Que merda fez você durante o fim de semana? Vá apresentar-se, com urgência, ao nosso comandante.

Confesso que fiquei inquieto. Aqueles modos e ir ao comandante, poderia ser alguma coisa de desagradável.

E lá fui, ao edifício por cima da porta de armas, local do gabinete do comando. Chegado lá, um cabo sentado a uma secretária, perguntou-me ao que ia e, após a minha informação, levantou-se, bateu na porta e entrou.

Pouco tempo depois, saiu e disse que o nosso comandante pedia para que eu entrasse.

É pá! Isto estava tudo do avesso. Afinal, o comandante não devia estar muito zangado. Até pedia para que eu entrasse.

Entrei, sentido, continência e...

− Bom dia, meu comandante. Passou um bom fim de semana?

Que sim e indagou que tal foi o meu. Mas sempre afável e de modos educadíssimos. O que estaria para vir?

Afinal, as minhas capacidades de saber tratar com papeladas poderia ter muita utilidade porque o seu gabinete estava muito desorganizado e, se eu aceitasse, poderia dar um jeito e arrumar toda a documentação.

Até tinha a possibilidade de ficar livre de dar a instrução que, nos meses de inverno, é sempre mais desconfortável.

Aceitei logo. Passei a ter horário de comandante. E logo que soube do meu novo posto, o primeiro sargento veio ter comigo para me restituir os 3$00 que indevidamente me tinha cobrado da graxa para as botas e que eu nunca tinha utilizado.

Moral da História:

"Temos sempre muito a ganhar quando sabemos mamar. Até o comandante."


(Revisão / fixação de texto, título: LG)

___________________

Nota do editor:


(*) Vd, poste de 5 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26845: Tabanca Grande (575): Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 905

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26863: Casos: a verdade sobre... (53): o ataque do PAIGC a Bissássema em 3 de fevereiro de 1968: entre a propaganda e o "apagão"



Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > 10 de março de 1968 > CCAÇ 2314 > Destruição, pelas NT, da tabanca, antes da retirada.  Très anos depois será reocupada e nela construído um reordenamento.


Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > s/d > 10 de março de 1968 > CCAÇ 2314 > Destruição, pelas NT, da tabanca, por ocasião da retirada.


Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > s/d >  c. 3 fev / 10 mar 68 > CCAÇ 2314 >  O alf mil at inf José Manuel Pais Trabulho.

Fotos do álbum do cor GNR ref Pais Trabulo, disponíveis na página do facebook da CCAÇ  2314 - Age quod agis, 9 de dezembro de 2020 (com a devida vénia...)



Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 04325.001.006 | Título: PAIGC - Communiqué | Assunto: Amílcar Cabral, Secretário-Geral, informa que o PAIGC, no combate de 03.FEV.1968 em Bissássema, a 12 km de Bissau, fez 3 prisioneiros portugueses, da companhia sediada em Tite. Terão direito ao tratamento previsto pelas convenções internacionais. | Data: Segunda, 19 de Fevereiro de 1968 | Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade | Tipo Documental

Citação:
(1968), "PAIGC - Communiqué", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84046 (2025-5-30)


(Reproduzido com a devida vénia...) Vd. tradução para português a seguir:


PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cbo Verde


Comunicado


No dia 3 de fevereiro do corrente, na sequência de um combate que opôs uma unidade do nosso Exército regular a um contingente colonialista, perto da tabanca de Bissássema, a 12 km de Bissau, na margem esquerda do rio Geba, foram feitos prisioneiros os elementos do exército colonial português, de que se apresenta a seguir a identificação:
  • Alferes de infantaria, António Júlio Rosa;
  • 1º cabo nº 093526/66, Geraldino Marques Contino;
  • Soldado nº 034680/66, Victor Manuel de Jesus Capítulo.
Todos os três pertencem à companhia 1743, estacionada em Tite.

Na sequência do mesmo confronto, 18 soldados inimigos foram postos fora de combate.

O inimigo, que retirou em debandada para o campo fortificado de Tite, abandonou no terreno uma grande quantidade de material, incluindo 8 aparelhos emissores-recetores de campanha, de fabrico inglês,

De acordo com os princípios do nosso Partido, estes novos prisioneiros terão direito ao tratamento previsto pelas convenções internacionais

Amílcar Cabral, Secretário Geral





Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) (escala 1/50 mil) > Posição relativa de Tite, Jabadá, Enxudé, rio Geba e Bissássema (a sudoeste de Tite)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Já aqui o dissemos: tanto as NT como o PAIGC parece terem feito um "apagão" da batalha de Bissássema (que, em rigor, vai de 31 de janeiro, início da operação para reocupar Bissássema, a 10 de março de 1968, altura em a tabanca foi queimada e abandonada pelas NT, para renascer três anos depois com o gen Spínola  a mandar fazer um grande reordenamento de 100 moranças mais os equipamentos coletivos habituais: escola, posto sanitário, lavadouros, mercado, etc.) (*)


Na riquíssima e incontornável plataforma Casa Comum, desenvolvida pela Fundação Mário Soares e Maria Barroso, que reúne diversos arquivos, surpreendentes e relevantes para a documentação e o conhecimento da guerra colonial (nomeadamente, o de Amílcar Cabral e o Mário Pinto de Andrade), há uma única referência a Bissássema, num comunicado assinado por Amílcar Cabral, em francês,  datado de 19/2/1968, quinze dias depois dos acontecimentos, sobre o grande "ronco" do dia 3; omite-se, portanto, os desaires que o PAIGC sofreu, nesse e nos dias seguintes. 

Cabral era perito em tirar o melhor partido dos sucessos militares e hábil em ignorar ou escamotear os revezes (tal como, de resto,  os nossos comandantes, o que é "humano", afinal não somos heróis nem santos, isto é, "semideuses"...).

Por sua vez, no livro da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). , 6º Volume: Aspetos da Atividade Operacional, na Guin+e  no período de 1967/70, só há 5 referências a Bissássema: omite-se a acção do PAIGC, ocorrida em 3/2/1968 (*), de que resultaram 3 prisioneiros portugueses, da CART 1743, sediada em Tite.  Lapso ?  "Branqueamento" ou "apagão" ? 

Há uma referência, mas com outra data (8/2/1968), no cap II (Atividade operacional, relativa ao 1º semestre de 1968)

(...) Zona Sul

Acção - 08Fev68

Forças da CCaç 2314 e 2 Gr Comb/CArt 1743, que ocupavam temporariamente Bissássema, SI, em reação ao ataque desencadeado sobre a povoação, expulsaram e perseguiram o ln que já havia penetrado em dois pontos do perímetro defensivo, causando-lhe 15 mortos e muitos feridos em número não estimado e apreendendo:

1 LGFog
2 Pistolas metralhadoras PPSH;
7 Gran LGFog;
Munições e material diverso. (...)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 166 (Com a devida vénia...)

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

Pergunta-se; será que o ataque a Bissássema, de 3 /2/1968 foi deliberadamente omitido pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (CECA) ? (**)

À partida, julgamos que não faria sentido essa omissão, mais de  4 décadas depois  do fim da guerra e da independência da Guiné-Bissau...  Mas confirmamos que a CECA também não refere, por exemplo, o ataque do PAIGC a Cantacunda, dois meses depois,  em 10/11 de abril de 1968, de que resultaram 1 morto e 11 "elementos retidos pelo IN" (prisioneiros de guerra, levados para Conacri, e só libertados, tal como os de Bissássema na sequência da Op Mar Verde, em 22 de novembro de 1970).

Em conclusão, no volume nº 6, Tomo II, Guiné, Livros I, II e III, a CECA centra-se apenas na atividade operacional das NT e só esporadicamente refere a atividade IN.

O hoje cor GNR ref Pais Trabulo (ex-alf mil até inf, CCAÇ 2314, Tite, 1968/69)  escreveu (*):

(...) "Ainda hoje, temos no nosso pensamento a visão dolorosa do estado dos nossos camaradas em fuga para Tite, bem como as lágrimas que corriam nas suas faces, os olhos cobertos de lama e a maioria descalços, ou mesmo nus, parecendo figuras de filmes de terror, apenas com forças para agarrarem, desesperadamente, a arma, a sua única salvação para manter a vida, quando em redor somente havia a morte…

Sabe-se que esta intervenção, em Bissássema, foi um fracasso para ambos os lados e que o PAIGC sempre ocultou no seu historial:

(i) se, pelo lado português, para além dos três prisioneiros e dois desaparecidos e feridos, não se conseguiu concretizar os objetivos propostos;

(ii)  para o lado do PAICG, o elevado números de baixas levou a que sempre escondesse as suas consequências, tendo, inclusivamente, sido considerado por alguns, como um dos maior desaires que sofreu o movimento de libertação da Guiné." (...)

Esperemos que o nosso novo grão-tabanqueiro nº 905, o Joaquim Caldeira, nos possa akjudar a responder a algumas das nossas dúvidas.


 (seleção, revisão / fixação de texto, tradução,  edição de fotos: LG)

________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


24 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26839: Facebok...ando (79): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte II: a tragédia de 3 de fevereiro de 1968 e dias seguintes, que a NT e o PAIGC tentaram esquecer


domingo, 25 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26845: Tabanca Grande (575): Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 905

1. Em mensagem de 22 de Maio de 2025, o nosso camarada e novo membro desta tertúlia, Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2314/BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69), enviou-nos as suas fotos da praxe a fim de ser apresentado.

Recordamos que o nosso camarada Aníbal José da Silva, no seu poste Guiné 61/74 - P26825: (Ex)citações (433), referiu o nome do Joaquim Caldeira por ter encontrado na Net um texto da autoria deste. Segundo o relato do Caldeira, comandava, em 4 de Agosto de 1969, a coluna apeada entre Tite e Nova Sintra, que escoltava alguns militares da CCAV 2483, entre os quais o malogrado Soldado Domingos da Conceição Verdade Ventinhas, falecido em virtude dos ferimentos resultantes do accionamento, por ele próprio, de uma mina antipessoal reforçada com TNT. O Aníbal, que caminhava junto do Ventinhas, ficou ferido com gravidade pela projecção de lama que o atingiu especialmente na cara, resultando a perda de visão durante algum tempo e sequelas que ainda hoje se mantêm.


Lembremos o texto do Aníbal José da Silva no P26825:

EMOÇÕES E AMIZADES FORTES

Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, na Guiné, tive acesso ao Blogue do Batalhão de Artilharia 1914, que o meu, Batalhão de Cavalaria 2867, rendeu na região do Quínara em Março de 1969.

Nele li as crónicas do Furriel Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (ver recorte de imprensa abaixo). Fiquei com muita curiosidade e vontade de falar com o Caldeira.

Através do mensenger do facebook fiz-lhe chegar, em 30/11/2016, a seguinte mensagem:

Amigo Joaquim Caldeira

Peço desculpa por o tratar assim, mas creio que não me levará a mal este tratamento. Não nos conhecemos pessoalmente, muito embora tivéssemos tido um contacto pessoal, no, para mim, trágico dia 04/08/69.

Na net, ao pesquisar informaçoes e relatos sobre Nova Sintra, encontrei as suas crónicas e numa delas a referência àquele dia trágico com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”. Eu era o vagomestre da CCAV 2483 sediada em Nova Sintra, que naquela madrugada chuvosa, fomos comboiados de Tite para Nova Sintra, numa coluna apeada que o meu amigo comandava e que segundo refere na crónica “tinha perdido os dois olhos”.

As lesões que sofri nos olhos e de que tenho sequelas, não foram tão graves quanto à aparência daquele dia. Estive quarenta dias no Hospital Militar de Bissau, trinta dos quais internado e dez na consulta externa. Nos primeiros vinte dias não via rigorosamente nada, para além das dores horríveis nos olhos.

E passo a apresentar-me. O meu nome é Aníbal (...) e quero agradecer-lhe o muito que fez por mim naquele dia.


Dias depois o Caldeira telefonou-me, mas não foi possível estabelecer qualquer conversa, tendo ele enviado a seguinte mensagem:

“Boa tarde, sou o Caldeira. Ainda estou comovido com a notícia de que, o homem que ficou cego naquela manhã, afinal vê. Levei quase 50 anos com estes demónios que me atormentavam desde então. Desculpa não ter conseguido falar. È muita emoção para gerir. Temos muito que falar , muitas memórias para recordar. Afinal, consegues ver e estou muito feliz por isso. Em boa hora me lembrei de escrever aquela aventura. Sem isso nunca teria tido paz e sossego. Também nunca cheguei a saber quem foi que pisou a mina. Assim que puder eu ligo. Ficas a pertencer ao meu grupo de combate.

Um abraço sentido,
J Caldeira”.


Fur Mil Joaquim Caldeira em Tite
Joaquim Caldeira na actualidade


Sobre a CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834

********************

Comentário do coeditor CV:

Caro Joaquim Caldeira,

Sê bem aparecido na tertúlia e que te mantenhas por cá, assim como nós todos, por muitos e bons anos, são os votos da tertúlia.

Ocupas "administrativamente" o lugar 905 deste já extenso grupo de antigos combatentes e amigos da Guiné que se sentam à sombra deste frondoso "Poilão".

O nosso editor Luís Graça já te disse o essencial sobre o nosso Blogue que é um repositório de memórias contadas na primeira pessoa, pelo que não te vou maçar quanto a isto.

Sendo tu o primeiro representante da tua 2314 na tertúlia, tens a responsabilidade acrescida de nos deixares algo que a perpetue na nossa página, que queremos faça parte da História de Portugal e da guerra na Guiné, em particular. As guerras são uma desgraça, criada nos gabinetes do Poder, que matam a eito, não poupando civis e militares, homens, mulheres e crianças, novos ou velhos. Não queremos que volte a acontecer algo semelhante com e em Portugal e, se possível no mundo inteiro.

É fácil, como já sabes, é só enviares os textos, em word preferencialmente, e as tuas fotos, devidamente legendadas, em formato JPEG. Isto não esquisitice, é só para facilitar o nosso trabalho de edição.

A terminar, não me posso esquecer de deixar-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

sábado, 24 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26839: Facebok...ando (79): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte II: a tragédia de 3 de fevereiro de 1968 e dias seguintes, que a NT e o PAIGC tentaram esquecer

 

Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) (escala 1/50 mil) > Posição relativa de Tite, Jabadá, Enxudé, rio Geba e Bissássema

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Bissássema, como outros topónimos da guerra, tem estado esquecido. Temos apenas 15 referências no nosso blogue. De um lado do outro da "barricada", há memórias trágicas. Tanto as NT como o PAIGC parece terem feito um "apagão" da batalha de Bissássema (que, em rigor, vai de 31 de janeiro, início da operação para reocupar Bissássema,  a 10 de março de 1968, altura em a tabanca foi queimada e abandonada pelas NT).

Falaremos disso em próximo poste. Mas podemos desde já adiantar o seguinte: o Arquivo Amílcar Cabral / Cada Comum tem apenas uma única referência a Bissássema, um comunicado assinado por Amílcar Cabral, em francês, com datada de 19/2/1968,   quinze dias depois dos acontecimentos, sobre o grande "ronco" do dia 3; omite-se, portanto, os desaires que o PAIGC sofreu, nesse e nos dias seguintes; por sua vez, o livro da CECA sobre a atividade operacional das NT nesse ano tem 5 referências a Bissássema, mas nenhuma reportada ao dia da tragédia (3/2/1968). Lapso? Branqueamento ? "Apagão" ?... 

 (...) "Sabe-se que esta intervenção, em Bissássema, foi um fracasso para ambos os lados, e que o PAIGC sempre ocultou no seu historial. Se, pelo lado português, para além dos prisioneiros e dois desaparecidos e feridos, não se conseguiu concretizar os objetivos propostos; para o lado do PAICG, o elevado números de baixas, levou a que sempre escondesse as suas consequências tendo, inclusivamente, ter sido considerado por alguns, como um dos maior desaires que sofreu no seu movimento de libertação da Guiné." (...)

Este é um excerto do texto do antigo alf mil at inf da CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69), J. M. Pais Trabulo, disponível na sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo), e também reproduzido na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914).

Hoje Cor GNR ref, Pais Trabulho (natural de Meda, a viver em Gouveia), tem mantido viva a memória desse tempo que foi de "terror, para quem o viveu (CART 2314, CART 1743 / BART 1914, milícia e população, etc.). Bem haja!

A versão dos acontecimentos que vamos aqui reproduzir, parece-nos equilibrada e fidedigna. Deve ser conhecida por um público mais vasto, e nomeadamente pelos nossos leitores. Tiro, pois, o quico ao cor Pais Trabulo que de resto tem mais textos sobre Bissássema e a história da CCAÇ 2314.

Da CCAÇ 2314 também só tínhamos até agora escassas referências. O ex-fur mil Joaquim Caldeira aceitou ser o primeiro representante desta subunidade, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 905. (Iremos apresentá-lo proximamente à Tabanca Grande; mas fica também aqui o convite para o cor Pais Trabulo se juntar ao blogue dos "amigos e camaradas da Guiné").



O Pais Trabulo no Poço do Inferno, geossítio do Geoparque Estrela (BG 19), s/d. Cortesia da sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo). Ex- alf mil at inf, CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69).

Na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914) o cor Pais Trabulo tem algumas fotos inéditas e preciosas de Bissássema. Vamos pedir-lhe a competente autorização para as reproduzir aqui. É também uma forma de homenagear os bravos, já esquecidos, de Bissássema.





Memórias de uma guerra… > A Tragédia de Bissássema

por João Manuel Pais Trabulo, cor GNR ref



Tínhamos acabado o treino operacional e a CCAÇ 2314 estava em condições de rumar até Jabadá para assumir a sua área de responsabilidade.

O furriel Fernando Almeida, responsável da logística, deslocara-se para aquele aquartelamento a fim de preparar a ida da companhia.

Enquanto isso, a companhia iria participar numa operação para instalar uma força que iria construir o aquartelamento na região da península de Bissássema, situada na margem sul do rio Geba em frente de Bissau.

Muito se tem dito sobre a "História de Bissássema". Cada uma tem um fundo de verdade no relato desse fatídico mês e consoante a vivência de cada um nessa ocorrência.

A história da Unidade da CCAÇ 2314 refere que “a península de Bissássema se situava na região de Quinara, do lado oposto à cidade de Bissau, tendo o rio Geba de permeio, era uma região essencialmente rica em arroz, cultivado nas extensas bolanhas que a rodeavam e onde o PAIGC se movimentava com facilidade, controlava e recebia apoio logístico da população e onde exercia intensa ação psicológica.

"Face à sua situação estratégica, tendo em conta aquela, tornava-se necessário ocupar a região de modo a evitar possíveis flagelações a Bissau e, por isso, subtrair ao PAIGC o controlo da região, evitando o recrutamento de meios humanos e, também, o reabastecimento de alimentos das suas bases naquele regulado. Era portanto, necessário instalar, assim, uma força naquela região e a consequente construção de um aquartelamento.”


O início de Bissássema ocorreu nos dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro 
[de 1968 ], ao se ter realizado naquela região uma operação com a finalidade de instalar essa força. A operação coube à CCAÇ 2314 em conjunto com a CART 1743, reforçadas com elementos da CCS do Bart 1914.

Decorreu aparentemente, sem incidentes significativos e, no local, foi deixada a força comandada pelo alferes mil Rosa, da CART 1743, com o seu pelotão de europeus e mais 2 pelotões de milícias para guarnecer e controlar a região, um de Tite e o outro de Jabadá.

No regresso a Tite, no dia 1 de fevereiro, a CCAÇ 2314 teve o primeiro contato com guerrilheiros do PAIGC e sofreu os dois primeiros feridos, na região de Brandãozinho [carta de de São João ]

Pensou-se que ocupar Bissássema não seria assim tão fácil. Tratava-se de uma tabanca de onde as forças do PAIGC tinham desaparecido sem deixar rasto, mas, na madrugada do dia 3 de fevereiro, desencadeou um forte ataque a Bissássema.

Meia hora depois, o tiroteio parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir, começou um novo ataque. Poucas horas depois, soube-se que a força do PAIGC entrou no dispositivo de defesa, lançando granadas e semeando o pânico.

Em consequência da forte flagelação, o PAIGC expulsou as forças existentes e fez como prisioneiros o alferes António Rosa e mais dois militares   
1º cabo cripto Geraldino Marques Contino e soldado Victor Manuel Jesus Capítulo, todos da CArt 1743].

Os restantes militares puseram-se em debandada para salvar a vida. Na retirada ficaram desaparecidos um furriel e um sargento e este, mais tarde, foi encontrado morto no rio Geba.

Nessa noite, estava em Tite o Conjunto [Académico ] João Paulo.

Diz a História da CCaç 2314:

“Depois do ataque IN, em 03Fev68, às 00h00, a Bissássema, as posições das NT que se encontravam naquela tabanca ficaram desguarnecidas. Encontrando-se esta CCAÇ em Tite, recebeu ordem para se deslocar para Bissássema a fim de socorrer as NT que se encontravam nessa tabanca.

"Á chegada a Bissássema, verificou-se que o IN já havia retirado, apenas se encontravam na tabanca um pequeno número de elementos da população. Foi dada ordem a esta Companhia para guarnecer Bissássema a fim de proteger a população.”

Eram três da manhã. Face às informações sobre o ataque referido, um “pelotão de voluntários”, cujos elementos mais tarde iriam constituir o grupo “Os Brutos”, incluindo um pelotão de nativos, “Os Boinas Verdes”, avançaram de imediato para Bissássema para se inteirarem da situação e, principalmente, em reforço das forças ali estacionadas.

Entretanto, o resto do efetivo da CCAÇ 2314 preparou-se para se dirigir também para aquela região, tendo encontrado a força inicial posicionada nas imediações da tabanca, que aguardava o resto da companhia.

Constata-se que a enorme tabanca estava praticamente abandonada, sem militares, sem forças do PAIGC e sem população. Contudo no percurso foram sabendo do que tinha acontecido e, pelo que ia observando, era evidente que a situação era extremamente grave e imprevisível.

Face à situação, foram distribuídos setores de defesa aos pelotões e ordenado que rapidamente fossem construídos abrigos e campos de tiro. Mas isto não acabou por aqui, o PAICG não queria perder aquela posição estratégica e a todo custo desenvolveu ações no sentido de recuperar a tabanca.

Assim, na noite do dia 4 e, após 4 horas, na madrugada do dia 5 de fevereiro, desencadeou ações com armas de fogo com a finalidade de experimentar e recolher informação sob o posicionamento dos militares ali instalados em abrigos e valas construídos apressadamente.

E 10 minutos antes da meia-noite do mesmo dia 5 de fevereiro, desencadearem uma forte flagelação, que apenas durou cerca de 25 minutos por, ao pretenderem tomar de assaltos as nossas posições, sofreram consequências drásticas (baixas), o que os levou a retirar.

Mas no dia 9 de fevereiro, pela 1 da manhã, regressaram com muito mais efetivos e melhor armamento, talvez comandados por 'Nino Vieira', com a vontade de novo tomar de assalto, capturar e desalojar as posições defensivas da CCAÇ 2314.

Conseguiram abrir uma brecha no dispositivo de defesa em consequência de terem sido feridos 4 elementos de um abrigo, e penetrado no interior do dispositivo de defesa.

Mas a forte reação das NT obrigou as forças do PAIGC a retirar com pesadas baixas, deixadas no local, abandonando grande quantidade de material de guerra e, apressadamente, transportaram grande quantidade de feridos que sofreram no ataque.

Finalmente, passados cerca de 15 dias, no dia 25 de fevereiro, o PAIGC voltou a desencadear mais uma ação violenta de flagelação, agora com menor efetivo e armamento, tendo retirado, novamente, com várias baixas.

Em face do falhanço na efetivação da instalação de um aquartelamento e tendo em consideração os resultados que se registaram no início, foi decidido abandonar a tabanca de Bissássema.

No dia 10 de março de 1968, procedeceu-se à recolha de arroz, e ao reordenamento das populações para seguirem para a região a norte de Tite. Por isso, foram destruídas todas as moranças das tabancas, bem como os próprios abrigos que tínhamos construído para a defesa de Bissássema. Nunca mais lá voltámos. (...)


Fonte - João Manuel Pais Trabulho > Página do Facebook CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis. (Com a devida vénia...)

.
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, links, título: LG)


(Continua)

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26832: Facebok...ando (78): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte I: Fichas de unidade: BCAÇ 2834 e CCAÇ 2314

1. Temos apenas 7 referências à CCAÇ 2314 (e nenhum representante na Tabanca Grande, até agora, mas  o ex-fur mil Joaquim Caldeira já aceitou ser o primeiro, o que muitos nos honra, a todos nós amigos e camaradas da Guiné: vai sentar-se no lugar nº 904, à sombra do nosso poilão).

Por sua vez, há uma página do Facebook CCAÇ 2314 - Age Quod Agis (o lema da companhia que, em latim, quer dizer "faz o que tens a fazer", ou "faz bem o que fazes").

Foi nesta página que li uma série de postagens sobre a história (trágica) de Bissássema, da autoria do cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo (que esteve na CCAÇ 2314, como alf mil at inf),

Um poste recente, do nosso camarada Aníbal Silva chamou-nos a atenção para esta CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, a que pertenceu o fur mil Joaquim Caldeira (*). E o Aníbal trouxe-nos o Joaquim, uma grande história de camaradagem e amizade.

2. Para já vamos conhecer as fichas de unidade do BCAÇ 2834 e da CCAÇ 2314:

Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores nº 2834

Identificação: BCaç 2834

Unidade Mob: RI 15 - Tomar

Cmdt: TCor Inf Carlos Barroso Hipólito | 2.0 Cmdt: Maj Inf Rui Barbosa Mexia Leitão | OInfOp/ Adj: Maj Inf Albino Simões Teixeira Lino

Cmdts Comp: CCS: Cap SGE António Freitas Novais | Cap Mil Art António Dias Lopes | Cap Inf Eugénio Baptista Neves
CCaç 2312: Cap Mil Inf Júlio Máximo Teixeira Trigo
CCaç 2313: Cap Inf Carlos Alberto Oliveira Penim
CCaç 2314: Cap Inf Joaquim de Jesus das Neves

Divisa: "Juntos Venceremos" - "Para vencer, convencer"

Partida: embarque em 10Jan68; desembarque em 15Jan68 | Regresso: embarque em 23Nov69 

Síntese da atividade operacional

(i) em 16Jan68, rendendo o BArt 1904, assumiu a responsabilidade do sector de
Bissau, com a sede em Bissau e abrangendo os subsectores de Brá, Nhacra e
Quinhámel, comandando e coordenando a actividade das subunidades ali estacionadas, por forma a garantir a segurança e defesa das instalações e populações da área; as suas subunidades foram então atribuídas a outros sectores;

(ii) em 24Jun68, foi substituído no sector de Bissau pelo BCaç 1911 e assumiu
em 25Jun68 a responsabilidade do Sector S2, com sede em Buba e abrangendo
os subsectores de Sangonhá, que viria a ser extinto em 29Ju168, Gadamael,
Cameconde, que desde 28Dez68, passou a subsector de Cacine, Guileje,
Gandembel e Buba, onde rendeu o BArt 1896;

(iii) de 20Ag068 a 07Dez68, a sua zona de acção foi reduzida dos subsectores
de Guileje e Gandembel, que foram atribuídos temporariamente ao COP 2;

(iv) em 15Jan69, a sua sede foi transferida para Aldeia Formosa, onde substituíu
COP1 e sendo então o subsector de Aldeia Formosa, incluído na sua zona de
acção;

(v) em 29Jan69, o subsector de Gandembel foi extinto e em 19Jan69, o
subsector de Buba foi atribuído ao COP 4, então criado;

(vi) em 10Ju169, por transferência da sede do COP 4 para Aldeia Formosa, o batalhão deslocou a sua sede para Gadamael, abrangendo nesta altura os subsectores de Guileje, Cacine e Gadamael;

(vi) desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, emboscadas e segurança e controlo dos itinerários, bem como operações e acções sobre as linhas de infiltração e bases inimigas, orientada para a desarticulação dos grupos inimigos que procuravam fixar-se na sua zona de acção e ainda para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Buba-Aldeia Formosa;

(vi) dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 pistolas-metralhadoras, 1 espingarda, 115 granadas de armas pesadas, 20 cunhetes de munições de armas ligeiras e 92 minas anticarro e antipessoal, destas, parte detectada e levantada nos itinerários;

(vii) em 30Set69, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso,
sendo a sua zona de acção integrada no Sector S3, então sob responsabilidade
do BArt 2865.
 
Ficha de unidade > CCAÇ 2314

(i) a CCaç 2314 seguiu em 15Jan68 para Tite, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BArt 1914 e seguidamente reforçar este batalhão,  depois o BCav 2867, como subunidade de intervenção e reserva do sector, tendo realizado patrulhamentos e acções ofensivas nas regiões de Jufá, Bissilão e Nova intra, entre outras e guarnecendo, temporariamente, a povoação de Bissássema, de 03Fev68 a 03Mar68, na sequência de frequentes ataques inimigos;

(ii) em 06Ag068, rendendo a CCaç 1624, assumiu a responsabilidade do subsector de Fulacunda, no mesmo sector, vindo a ser substituída mais tarde na
intervenção pela CArt 2414;

(iii) entretanto, pelotões seus colaboraram ainda em operações efectuadas noutras regiões, ou em reforço temporário de outras guarnições, nomeadamente em Bedanda, Xitole, Nova Sintra e Jabadá e também na organização das autodefesas de Cansonco e Chumael, de princípios de Jan69 a 24Fev69, no sector do BCaç 2852;

(iv) em 30Jun69, por troca com a CCav 2482, voltou a Tite, onde assumiu a
responsabilidade do respectivo subsector;

(v) em 290ut69, iniciou o deslocamento por fracções, para Bissau, sendo substituída em Tite por três pelotões da CCav 2484, até à chegada da CCav 2443, após o que se manteve aguardando o embarque de regresso.
____________

Observações - O BCAÇ 2834 tem História da Unidade (Caixa nº 71 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM). As CCaç 2312, CCaç 2313 e CCaç 2314 têm História da Unidade (Caixa n.º 76 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM). 

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, 
pp. 104-106.

3. Desta subunidade fazia parte o hoje cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo. 

Natural de Meda, onde nasceu em julho de 1945, foi alf mil at inf da CCAÇ 2314. Enveredou depois pela carreira mitar, primeiro no Exército e depois na GNR, onde se reformou com o posto de coroenl, em 2008. Atualmente, na situação de reforma, vive na cidade de Gouveia, desde 1984. É o Presidente do Núcleo de Meda da Liga dos Combatentes. Tem hoje como centros  de interesse a rádio, a investigação histórica e a fotografia. 

(Fonte: Correio da Guarda, 02.06.21)

Em próximo poste apresentaremos um apontamento do Pais Trabulo sobre "a tragédia de Bissássema", da qual ainda sabemos pouco...

Sobre o o topónimo "Bissássema" temos apenas 14 referências. Os camaradas que lá lutaram, sofreram, morreram e, por fim, venceram (o PAIGC), merecem mais! A começar pelos prisioneiros que o PAIGC fez, em 3 de fevereiro de 1968, todos da CCAÇ 1743, estacionada em Tite, e só libertados na sequência da Op Mar Verde, em 22 de novembro de 1970:

  • António Júlio Rosa, ex-alf mil inf (Mangualde, 1946- Lisboa, 2019);
  • Geraldino Marques Contino, , ex-1º cabo nº 093526/66,
  • Victor Manuel de Jesus Capítulo, ex-sold nº 034660/66, 
(**) Último poste da série >14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26797: Facebook...ando (77): 24º encontro anual da 26ª CCmds (Brá, 1970/72), na Quinta do Paúl, Ortigosa, Leiria ... Homenagem poética à "Geração Afro" (Angelino Santos Silva)

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26825: (Ex)citações (433): Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, li as crónicas do Fur Mil Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Em mensagem enviada ao blogue, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), a propósito do seu incidente, contado no post P26820 de ontem, conta-nos como um acaso de pesquisa na net, o levou até um camarada da CCAÇ 2314, o ex-Fur Mil Joaquim Caldeira, que comandava a coluna apeada que saiu de Tite em direcção a Nova Sintra. Neste percurso, o malogrado soldado da CCAV 2483, de seu nome Domingos da Conceição Verdade Ventinhas, natural do Concelho de Moura, pisou uma mina antipessoal reforçada, que além da sua morte, originou ferimentos graves ao Aníbal que seguia muito perto dele.
O título do texto que se segue diz tudo.



1 - EMOÇÕES E AMIZADES FORTES

Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, na Guiné, tive acesso ao Blogue do Batalhão de Artilharia 1914, que o meu, Batalhão de Cavalaria 2867, rendeu na região do Quínara em Março de 1969.

Nele li as crónicas do Furriel Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (ver recorte de imprensa abaixo). Fiquei com muita curiosidade e vontade de falar com o Caldeira.

Através do mensenger do facebook fiz-lhe chegar, em 30/11/2016, a seguinte mensagem:

Amigo Joaquim Caldeira

Peço desculpa por o tratar assim, mas creio que não me levará a mal este tratamento. Não nos conhecemos pessoalmente, muito embora tivéssemos tido um contacto pessoal, no, para mim, trágico dia 04/08/69.

Na net, ao pesquisar informaçoes e relatos sobre Nova Sintra, encontrei as suas crónicas e numa delas a referência àquele dia trágico com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”. Eu era o vagomestre da CCAV 2483 sediada em Nova Sintra, que naquela madrugada chuvosa, fomos comboiados de Tite para Nova Sintra, numa coluna apeada que o meu amigo comandava e que segundo refere na crónica “tinha perdido os dois olhos”.

As lesões que sofri nos olhos e de que tenho sequelas, não foram tão graves quanto à aparência daquele dia. Estive quarenta dias no Hospital Militar de Bissau, trinta dos quais internado e dez na consulta externa. Nos primeiros vinte dias não via rigorosamente nada, para além das dores horríveis nos olhos.

E passo a apresentar-me. O meu nome é Aníbal (...) e quero agradecer-lhe o muito que fez por mim naquele dia.


Dias depois o Caldeira telefonou-me, mas não foi possível estabelecer qualquer conversa, tendo ele enviado a seguinte mensagem:

“Boa tarde, sou o Caldeira. Ainda estou comovido com a notícia de que, o homem que ficou cego naquela manhã, afinal vê. Levei quase 50 anos com estes demónios que me atormentavam desde então. Desculpa não ter conseguido falar. È muita emoção para gerir. Temos muito que falar , muitas memórias para recordar. Afinal, consegues ver e estou muito feliz por isso. Em boa hora me lembrei de escrever aquela aventura. Sem isso nunca teria tido paz e sossego. Também nunca cheguei a saber quem foi que pisou a mina. Assim que puder eu ligo. Ficas a pertencer ao meu grupo de combate.

Um abraço sentido,
J Caldeira”.


********************

Poucos dias depois o Caldeira, já refeito das emoções, voltou a ligar e então lembramos o acontecimento do tal dia, falamos sobre a vida pessoal e profissional de cada uma. Passamos a trocar mensagens nos aniversários, pela Páscoa e pelo Natal, mas faltava um encontro cara a cara para um melhor conhecimento pessoal. Tal tornou-se realidade no dia 22 de Setembro de 2018, data em que a sua companhia (CCAÇ 2314) realizou no Porto mais um almoço/convívio.
Fui convidado e estive presente.

Houve uma missa na Igreja do Cristo-Rei, à Boavista, e foi aí o local de concentração do pessoal. Só conhecia o Caldeira pela fotografia do facebook, bem como ele a mim. Ao chegar ao local identifiquei-o, embora estivesse de costas para mim. Os camaradas que o rodeavam não me conheciam e não sabiam o que ia acontecer. Toquei-lhe no ombro, ele virou-se e disse “tu és o Aníbal”.

Seguiu-se um abraço forte e emocionado por breves momentos e um humedecer dos olhos. Depois fixou-me olhos nos olhos e disse sentir uma enorme alegria pelo facto dos seus receios, de que ficara cego, não serem reais. Novo abraço e a minha apresentação aos seus amigos, dizendo, lembram-se daquela coluna apeada de Tite para Nova Sintra, em que um soldado desta companhia pisou uma mina e morreu e um Furriel tinha ficado sem ver?

Pois é, o ceguinho é este que está aqui à vossa frente e com os olhos bem abertos. Ficaram surpreendidos e satisfeitos e um deles à boa maneira da linguagem da tropa disse: "Oh pá, tiveste uma sorte do c@r@lho, nunca pensamos que voltases a ver, tanta a lama que tinhas na cabeça".

Seguiu-se a missa em homenagem a um camarada que falecera no ano anterior e a deposição de um ramo de flores na sua sepultura no cemitério da Foz do Douro, no Porto, seguida de animado almoço em Leça da Palmeira.

E ficou para sempre, a amizade, forte, sincera e desinteresada, construída na adversidade.

Arcozelo, 17 de Abril de 2025
Aníbal Silva



2 - UM TRONCO SEM PERNAS E SEM BRAÇOS

Lá vou eu, de novo, a caminho de Nova Sintra, desta vez comboiar alguns militares da unidade lá aquartelada. Meus, eram para aí vinte homens. De Nova Sintra apenas quatro. Mas alguém havia de fazer segurança para que eles chegassem bem. Saímos de Tite pelas três horas, numa madrugada chuvosa e escura. Pedi ao Zé Carlos, o enfermeiro, que seguisse ao meu alcance. Sempre poderiamos falar se fosse preciso.

Desta vez não me fazia acompanhar de guia, pois que o caminho era já sobejamente conhecido, embora nunca trilhássemos o mesmo. Lá fomos seguindo perto da picada que já nos era familiar, umas vezes à direita, outras à esquerda. Tínhamos passado Gatangó e informei, via rádio, que tudo seguia normal. A chuva era cada vez mais intensa, mas chuva civil não molha militares. A previsão de chegada era pelas oito horas e tinha combinado que um pelotão de Nova Sintra viria ao meu encontro logo, que houvesse luz para nos podermos juntar sem problemas.

BUMMMMMMMMMM... grande estrondo. Alguém tinha pisado uma mina. Após os procedimentos que se impunham, tentei saber quem tinha sido o infeliz. Mas ninguém sabia quem teria sido e não se via nada que pudesse indicar homem ferido. Tanto pior. Um soldado dos meus, já não me recordo de qual, disse-me que tinha voado por cima de mim e estava bastante ferido num braço, provocado pela queda. Entrguei-o ao Zé Carlos e continuei as buscas ajudado por quem estivesse são. Três homens vieram ter comigo. Um caminhava amparado pelos outros dois e pensei que estivesse encontrado o infeliz. Mas não. Era mais um, Furriel de Nova Sintra, que nunca cheguei a conhecer, que tinha perdido os dois olhos. Já não tinha dúvidas de que ainda havia outro. Este tinha os dois pés. O Zé Carlos não tinha mãos a medir e o Lourenço, o radiotelegrafista, não parava de comunicar com o Furriel Garcia, este em Tite, o que se ia passando.

Após algum tempo de buscas, alguém tropeçou numa coisa que parecia um corpo. Sem luz não era fácil saber do que se tratava, porque até podia ser um animal que tivesse, ao fugir de nós, ter pisado a mina. Fui verificar e após ter revirado o que restava, apurei que era uma cabeça presa a um tronco sem pernas e sem braços. Despi o blusão e embrulhei-o o melhor que pude, pedi a alguém que o carregasse e pedi ao Zé Carlos que o mantivesse vivo. A Força Aérea não evacuava mortos. A única maneira, disponível, era injetar CORAMINA e, sem saber, abreviámos-lhe a morte.

Pobre dele. Já não sentia sequer que vivia. Nunca cheguei a saber quem era. Chegados a Nova Sintra, consegui convencer a enfermeira paraquedista a levá-lo no avião, como se ainda estivesse vivo. Ela não era trouxa, mas compreendeu o meu problema, pois sabia que eu teria de carregá-lo de regresso a Tite, o que só poderia acontecer no dia seguinte durante a noite.

E assim se passou mais um episódio. Júlio Garcia, tu lembras-te muito bem. Comenta este episódio, tal como poderás comentar os restantes. Tu também os viveste. Só o Zé Carlos não pode por ter falecido pouco tempo após termos regressado a Portugal.

Joaquim Caldeira
Furriel Miliciano da CCAÇ 2314

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Notas do editor

Vd. post de 20 de Maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (11): O meu acidente

Último post da série de 4 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26764: (Ex)citações (432): Gosto de arquivar para mais tarde recordar e por vezes surpreender os amigos com peripécias vividas há anos (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26191: Notas de leitura (1749): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
As Histórias dos "Boinas Negras" terão criado nas outras unidades do BCAV 2867 uma grande vontade de intervir, e de novo Jorge Martins Barbosa foi nomeado comandante-chefe de operação, arregimentou um bom punhado de autores, voltou a fazer uma súmula da história da Guiné e da presença portuguesa, não esqueceu a viagem no paquete Uíge, retomou a informação sobre a quadrícula do setor 1, no Quínara, entramos na matéria com os "Falcões" da CCS, esclarece-se a questão Buscardini e estamos já em 6 de maio de 1968, está a nascer o quartel de Nova Sintra, os "Cavaleiros" não têm mãos a medir, e minas antipessoal irão constituir um dos infernos das colunas. O leitor que se prepare, temos muito caminho para percorrer.

Um abraço do
Mário



A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (1)

Mário Beja Santos

O livro Histórias dos “Boinas Negras”, referente à comissão da CCAV 2482 foi o rastilho de pólvora para que as restantes unidades do BCAV 2867 se pusessem em movimento. Conforme refere o coordenador, Jorge Martins Barbosa, antigos combatentes dos “Falcões” da CCS, dos “Cavaleiros de Nova Sintra” da CCAV 2483 e dos “Dragões de Jabadá”, da CCAV 2484 aderiram com os seus testemunhos, assim surgiu este extenso documento que é um misto de história e de literatura memorial. 

O coordenador começa por enunciar os diferentes colaboradores que se prestaram a depor com textos e imagens, e dá conta das fontes consultadas. Abre um excelente precedente, põe em paralelo um conjunto de relatórios de operações a que junta documentação do PAIGC constante nos Arquivos Casa Comum (biblioteca digital da Fundação Mário Soares).

Uma vez mais, o coordenador expende um relato histórico sobre os Descobrimentos, para se focar naquele ponto da África Ocidental onde se terá chegado ainda na primeira metade do séc. XV, descreve etnias, vicissitudes da presença portuguesa, mostra-nos o chão de cada uma das principais etnias e recorda que no início do séc. XX havia no norte da Guiné portuguesa uma importante comunidade de cabo-verdianos, na sua maioria descendentes dos que, em meados dos séc. XIX, se tinha fixado na zona de Farim, e que subsistiram com a produção de cana do açúcar e aguardente (tinham fugido da grande seca do arquipélago). Mais tarde, nos anos 1940, uma nova e intensa seca em Cabo Verde obrigou a mais uma emigração para a Guiné. Isto para notar, já em termos ideológicos, que o PAIGC contava com estas levas de cabo-verdianos para desencadear a guerra de libertação.

Retoma o posicionamento do BCAV 2867 na região do Quínara, era o setor 1, atuante nas zonas de Tite, Jabadá, Nova Sintra e Fulacunda. Havia outros povoados do Quínara, como Buba ou Empada que estavam fora do setor. O comando ficou sediado em Tite, bem como a CCS (“Falcões”). A distribuição das companhias operacionais: a CCAV 2482 (“Boinas Negras”) ficou em Tite; a CCAV 2483 (“Cavaleiros de Nova Sintra”) ficou sediada em Nova Sintra; e a CCAV 2484 (“Dragões de Jabadá”) em Jabadá. 

Observa o coordenador que durante o ano de 1969 o BCAV 2867 pôde contar com a colaboração da CCAÇ 2314, “Os Brutos”. Em agosto de 1968, foram colocados em Fulacunda, onde estiveram até serem substituídos pela nossa CCAV 2482. Duas outras unidades colaboraram em Tite, a CCAV 2443 e a CCAV 2765, houve operações conjuntas que o autor mostra claramente nos gráficos sobre as unidades militares de cavalaria que combateram nesta região.

Começando pelos “Falcões”, chamo a atenção para o seu diversificado papel que abarca a manutenção e conservação das partes comuns, a receção e a conferência de armamento, transportes, aprovisionamentos, secretariado, transmissões, manutenção auto, médicos e enfermeiros e capelania. Seguem-se depoimentos. O furriel miliciano Pinto Guimarães dá o seu testemunho, não esqueceu fases de sofrimentos como as minas antipessoal e minas anticarro, lembrou que fazia parte do contingente o furriel António Buscardini que, anos depois, e já na metrópole, julgou ser o chefe da polícia política do PAIGC e que fora assassinado no golpe de Estado de 14 de novembro de 1980 (ver-se-á que não foi este, mas sim um irmão). 

O furriel Sousa Cortez dá nota de que a CCS tinha a seu cargo o cais do Enxudé, recorda que houve uma flagelação a este aquartelamento. 

“A estrada Tite-Enxudé todos os dias era picada e instalados grupos de três homens. Ao longo do percurso, no entanto, por ordem do comandante do batalhão, essa rotina foi substituída por uma patrulha de autometralhadora e um jipe com militares. Um dia, num intervalo entre passagens, o IN colocou uma mina, provocando a explosão da auto e a morte de dois militares.”

Norberto Tavares de Carvalho, autor de um livro intitulado De Campo em Campo – Conversas com o comandante Bobo Keita, 2.ª edição do autor, novembro de 2020, testemunhou sobre António Alcântara Buscardini, nascido em Bolama em 1947. Foi chefe de posto em Bolama, antes de abraçar os ideários do PAIGC, prosseguiu os seus estudos na ex-Checoslováquia. Na noite do assassinato de Amílcar Cabral, teria sido violentamente espancado em Conacri. Depois da independência, dedicou-se à informação, e com sucesso. Foi mais tarde nomeado Secretário de Estado da Segurança e Ordem Pública. Assassinado em 14 de novembro de 1980. E Norberto Tavares de Carvalho observa: 

“A história dos fuzilamentos está muito mal contada. A começar pelas estatísticas alinhavadas e isentas de sustentos documentais… Quem pode acreditar que Nino, chefe absoluto das Forças Armadas, não tivesse conhecimento dos fuzilamentos? Justificar um golpe de Estado com tais argumentos e deixando à solta nas ruas, por exemplo, os comandantes militares como Irénio Nascimento Lopes, Iafai Camará e Quemo Mané, é faltar ao respeito dos guineenses, um autêntico escárnio à justiça e um opróbrio ao próprio partido de Cabral.” 

E esclarece qual dos Buscardinis era do PAIGC: 

“A foto do então furriel Buscardini que me foi enviada é do irmão mais novo de António Alcântara e chama-se José Manuel Buscardini, engenheiro agrónomo, depois da independência foi para a Guiné e trabalhou no Ministério da Agricultura.”

Entram agora em cena os “Cavaleiros de Nova Sintra”. Este quartel não existia antes de 6 de maio de 1968. 

“Nova Sintra era apenas, até então, uma zona de cerrada vegetação, sob o controlo do quartel de Tite. Estava a ocorrer uma restruturação das regiões operacionais, dentro de dias entram em funções Spínola, decidiu-se que Empada iria deixar de pertencer ao setor 1 para integrar o recém-criado COP 4, ficando Nova Sintra a constituir o aquartelamento mais estratégico a sul do setor 1.”

Nesse dia 6 de maio, um conjunto de forças militares, vindas de Tite e do destacamento de S. João, transportadas em dezenas de veículos com armamento e matéria de construção, começara a implantação do quartel, um esgotante trabalho de desmatação, de abertura de valas, de construção de abrigos, de latrinas e de uma pista de aterragem com 500 metros. O IN reagiu uma semana depois, causou a morte de um militar da cozinha do BART 1914. Nova Sintra situava-se no entroncamento de estradas provenientes de Tite, de Fulacunda e S. João, passou a ser uma zona bastante castigada pelo IN que, instalado junto ao tarrafo e nas matas de Brandão, Buduco e Bissássema, minavam todos os percursos e derrubavam frequentemente todos os pontões, visando dificultar o trânsito naquelas vias. 

Foi na estrada S. João-Fulacunda que explodiu em 2 de julho de 1963 a primeira mina anticarro da guerra da Guiné. E foi com minas que lamentavelmente, os “Cavaleiros de Nova Sintra” sofreram 5 mortos, todos no segundo semestre de 1969. O primeiro comandante da CCAV 2483 foi o capitão Joaquim Manuel Correia Bernardo, ferido gravemente por uma mina antipessoal em 11 de julho de 1969l. Iremos seguidamente ouvir o depoimento do furriel Soares da Silva que foi o vagomestre desta CCAV 2483.
Um detalhe da região do Quínara
Fonte de Tite, imagem do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia
Comandos portugueses em ação na Guiné, imagem retirada do jornal Correio da Manhã, com a devida vénia
Imagem de Nova Sintra, coleção do coronel Pais Trabulo, com a devida vénia
Aquartelamento de Nova Sintra, imagem retirada do blogue Lugar do Real, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26184: Notas de leitura (1748): "A pesca à baleia na ilha de Santa Maria e Açores", do nosso camarada e amigo Arsénio Puim: "rendido e comovido" (Luís Graça) - Parte II

terça-feira, 2 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21960: O segredo de... (35): José Ferraz de Carvalho (ex-fur mil op esp, CART 1746 e QG, Xime e Bissau, 1968/70): "Não matem a bajudinha!"


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > População sob controlo do PAIGC, no subsetor do Xime, capturada no decurso da Acção Garlopa, em 19 de julho de 1972, num total de 10 elementos.

Foto (e legenda): © Sousa de Castro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem conplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Voltamos a publicar este texto do  José Ferraz de Carvalho  (ex-Fur Mil, Op E Esp, CART 1746, e QG, Xime e Bissau, 1968/70); radicado em Austin, Texas, EUA, desde meados de 1970, tem duas dezenas de referências no nosso blogue: faz parte da Tabanca Grande desde 19 de novembro de 2011 (*); é autor da série "Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz";  tratando-se, de algum modo, de um "confissão" ou "confidência", este texto  (***) merece ser reproduzido agora na série "O segredo de..." (****)


O segredo de... (35): José Ferraz de Carvalho:
 "Não matem a bajudinha!"


Falando de acção psicossocial, de que sempre fui partidário, lembrei-me que, durante uma operação de penetração ao sul do Xime, aprisionámos 2 elementos IN.

Depois de interrogados, guiaram-nos a uma tabanca IN. Fizemos um assalto e durante esse combate ferimos uma miúda, bajuda, com um tiro por detrás do joelho que lhe destroçou a patela [ ou rótula].

− Mata a miúda...  − disse alguém.

− Não mata nada − disse eu  [, que estava a comandar o 2º  pelotão].

E ordenei ao meu pessoal para fazer uma liteira, trazendo a bajuda para o Xime de onde foi posteriormente helitransportada para o hospital em Bissau. Oxalá ainda seja viva.

Nem tudo na guerra é destruição. Talvez alguém dos meus tempos no Xime se lembre deste episódio.

Mas ainda a respeito desta bajudinha do Xime, alguém que não tenha estado nesta situação, é capaz de não perceber o que me levou a fazer o que fiz.... 

Por outro lado, se alguém que tenha estado lá comigo se lembrar [deste episódio], seguramente dirá que o tempo que levámos a preparar a liteira, deu tempo ao IN para começar a mandar morteiradas para dentro da tabanca e tiroteio de armas ligeiras como eu nunca tinha visto. De facto, poderia ter causado sérios problemas, mas graças a Deus tudo correu bem.

A minha intenção é apenas a de dizer publicamente que nós, no mato, e em situações de perigo, tínhamos coração e respeito pela vida humana, nem sempre tudo era ronco e destruição de tudo por onde pássavamos - a [alegada política da] "terra queimada".
 
PS - Curiosamente fui eu que fiz os prisioneiros... Íamos a sair da mata para uma abertura com capim talves de meio metro de altura e um trilho que cruzava essa abertura em sentido perpendicular ao nosso sentido de marcha (se bem me lembro eram dois e não um) quando nos demos conta que eles vinham na nossa direcção a conversar e, portanto, não se deram conta de nós ( ainda bem que tinha ensinado ao "pessoal balanta" os sinais aprendido em Lamego). 

Indiquei que se alapassem e eu deitei-me de costas para o chão ao lado desse trilho. Quando, eles se deram conta de mim, só talvez a um par de metros donde eu estava deitado, levanteio torso, apontei-lhes a G3 e disse: "A bo firma ai"...  Tremiam como se tivessem visto um fantasma e eu ri-me... Foram então levados para junto do comandante dessa operação,  interrogados e vocês ja sabem o resto da história. 

Também me lembro agora uma histária mais do Júlio [, o nosso "pilha-galinhas"] (*****) que, como responsável pelos dilagrams,  andava sempre ligado a mim. Quando o contra-ataque se desencandeou, ele e eu abrigámo-nos detrás de um baga baga enorme. Começámos a responder e o Júlio por um lado de baga baga e eu pelo outro tivemos que nos desabrigar. Disse-lhe para onde atirar os dilagramas e dou-me conta de que o Júlio de joelhos no chão a disparar dilagramas e cai pra frente, redondo. 

Atirei-me para junto dele com terrível ansiedade porque estava convencido que ele tinha sido ferido. Quando me dei conta que estava vivo a primeira coisa que me disse foi: "Furriel, os meus tomates?"... Houve mais tiroteio,  acabou o contacto, levanto-me, ajudo o Júlio a levantar-se e, quando de pé ele puxa as calças abaixo dos "tomates",  lá estava um buraco de bala, uns centimetros mais a cima e pobre pobre do Júlio!...  Disse-lhe em descarga nervosa: "Ah,  Júlio ainda bem..., senão nunca mais comíamos galinha" ...

José Ferraz

2. Comentário do editor LG:

Poderá ter-se tratado  da Op Baioneta Dourada, iniciada em 2 de Abril de 1969, na área de Poindon / Ponta do Inglês, às 0h00, com a duração prevista de dois dias, e com o objetivo de "se completarem as destruições dos meios de vida na área, executadas quando da Op Lança Afiada [8-18 de Março de 1969]".

As NT eram constituídas por dois 2 destacamentos:

(i) Dest A: CART 1746 (Xime) (a 3 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/70))(1 Gr Comb);

(ii) Dest B: CCAÇ 2405 (Galomaro) (a 2 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/70) (1 Gr Comb).

Oportunamente, poderemos publicar um excerto do relatório desta operação, em que foi capturado um elemento IN, desarmado [, o Zé Ferraz refere dois elementos]. Na exploração imediata de informações dadas pelo prisioneiro, o Dest A fez uma batida à zona, surpreendendo "9 homens sentados acompanhados de 2 mulheres" (sic). Aberto fogo, foram capturadas as duas mulheres, feridas [, O Zé Ferraz refere apenas um "bajudinha", ferida].  Os restantes elementos fugiram, com baixas prováveis.

Entretanto, "ao serem prestados os primeiros socorros às mulheres feridas, um grupo IN de efectivo não estimado flagelou as NT durante cerca de 6 minutos com LGFog, mort 60 e cerca de 6 armas automáticas", sem consequências para as NT.

(Fonte: BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70. História da Unidade. Cap II, pp. 78/79).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

(...) Em 1965 o pai  [oficial superior da Marinha]foi nomeado para ser o Senior Portuguese Officer no SACLANT [The Supreme Allied Commander Atlantic,], em Norfolk, Virgínia. Vim então estudar Engenharia nuclear para o Virginia Politecnical Institute, mas tive que ir primeiro para o Old Dominion College para fazer estudos de habilitação.

Sempre quis fazer tropa e estava aqui com uma licença militar porque era da incorporação de 65. Lisboa nunca me reconheceu os meus estudos aqui, pelo que em vez de ir para Mafra [, COM], fui para as Caldas [, CSM].

(...) Ofereci-me como voluntário para a 16ª Companhia de Comandos com a qual cheguei a Guiné em 68 [, 16 de agosto]. No fim da fase operacional [, IAO, que decorreu em Bula, Binar e Có, em setembro] não quis ser comando e fui então destacado para a Cart 1746, Xime, onde o Capitão [António] Vaz [ 1939-2015] me responsabilizou em formar um grupo de combate com o segundo pelotão cujo alferes tinha sido enviado para Lisboa doente" (...).

O J. Ferraz de Carvalho, uma vez terminada a comissão da CART 1746, em junho de 1969, foi colocado em Bissau, no QG, e deve ter regressado à Metrópole, com a 16ª Ccmds, em 24 de junho de 1970 (**)..
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(*****) Vd. poste de 30 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime