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quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24561: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (4): Tropa depois da Especialidade

Posição relativa de Ingoré


"A MINHA IDA À GUERRA"

4 - TROPA DEPOIS DA ESPECIALIDADE

João Moreira

Em Janeiro de 1969 fui colocado no RC 3, em Estremoz, onde fui promovido a Cabo Miliciano no dia 6.


Cabo Miliciano João Moreira. Estremoz

Em Fevereiro fui para Tancos para tirar o curso de Minas e Armadilhas.

Voltei ao RC 3.
Mobilizado para a Guiné.

Dei instrução aos militares da CCAV 2540, que fazia parte do BCAV 2876. Na semana de campo tive nova crise - Espinha bífida - e o médico mandou-me para o Hospital Militar de Évora, onde estive até ao fim de Setembro de 1969.

Regressado ao RC 3 fui gozar os 10 dias da mobilização, para ir ter com a minha CCAV 2540 que já estava em Ingoré, na fronteira do Senegal.

Ao 2.º ou 3.º dia recebi uma chamada telefónica do 1.º sargento da secretaria do RC 3 a dizer para voltar para o quartel porque tinha sido desmobilizado.

Estive colocado no Gabinete de Estudos até Dezembro. Nessa altura voltei a ser mobilizado para a Guiné.

Em Dezembro de 1969 fui para o RC 4, em Santa Margarida, para formar a CCAV 2721, novamente mobilizado para a Guiné.


O Cabo Miliciano Enfermeiro José Manuel CARVALHO e eu na semana de campo no RC 4 - Santa Margarida
Furriel João Moreira, com a farda n.º 1


Embarquei no T/T Carvalho Araújo em 4 de Abril de 1970. Cheguei a Bissau no dia 11 de Abril.

Quando embarquei já era furriel, embora ainda não tivesse sido promovido, porque já era cabo miliciano desde 6 de Janeiro de 1969 e na data de embarque já tinha 15 meses de cabo miliciano. Por isso a graduação em furriel que me fizeram em 4 de Abril de 1970, foi corrigida para promoção com a data de 15 de Janeiro do mesmo ano.

No embarque já tinha 21 meses de tropa efetiva mais 6 meses das 2 especialidades perdidas, num total de 27 meses desde a data da incorporação.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24547: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (3): EPC - Escola Prática de Cavalaria - Santarém: Especialidade

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21953: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III: Depois de Chaves, Estremoz, RC 3, onde fomos formar companhia...


Estremoz > Regimento de Cavalaria, nº 3 > Dragões de Olivença > 2016





Estremoz > Café Águias d’Ouro > 2016 > O autor, à entrada


 
Estremoz > Café Águias d’ Ouro > 2016 > O autor, no interior


Estremoz > Pousada da Rainha Santa Isabel > 2016 > Foram uns belos dias passados na magnífica Pousada da Rainha Santa Isabel – com a Isabel (minha esposa) a sair para mais uma incursão pela linda cidade. A não perder um jantar no restaurante, a 10 metros da Pousada, “A Cadeia”.




Estremoz > Tasquinha Zé d'Alter > 2016 > 
 O homem de pé junto à porta, na fotografia, é o atual proprietário, que em conversa comigo se comoveu ao reviver as noites de fado no tempo do Zé D’Alter.



Estremoz > Tasquinha Zé d'Alter > 2016 > Na entrada da taberna existe uma grande fotografia artística do Zé. Para se poder ver a figura majestosa do Zé , fixar a visão durante uns segundos no quadro preto. Bela homenagem do atual proprietário.  ex-empregado do Zé.


Fotos (e legendas): © Joquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Joaquim Costa, hoje e ontem.
Natural de V. N. Famalicão, 
vive em Fânzeres, Gondamar,
pero da Tabanca dos Melros



1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 15 do corrente, às 12h54

Olá, Luís: Envio em, anexo, mais um poste, hoje sobre a minha passagem pela região alentejana que me enche a alma, Estremoz, onde formamos a companhia CCAV 8351, juntamente com a CCAV 8350 de Guileje .

Um grande Abraço, e muita saúde, para ti e para todos os bloguistas. Joquim C.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III  (*)


Depois de Chaves, Estremoz formando companhia com destino à Guiné



(i) Estremoz: “A outra família”, o Águias d’Ouro … e o Zé d’Alter


De Tavira para Chaves, de Chaves para Estremoz, feito bola de pingue pongue, mas reconfortado das pequenas férias passadas na bela cidade transmontana, lá abalo eu, agora para o Alentejo.

A guia de marcha para Estremoz vinha acompanhada com a informação da minha mobilização para a Guiné. Não me afetou muito esta notícia uma vez que tinha já interiorizado que seria o meu destino, naquela postura de: se esperares o pior, pior nunca terás.

A minha primeira ação em Estremoz foi um pequeno almoço (mata bicho) na esplanada do café Águias d’Ouro (1). Fiquei logo maravilhado com a traça do café e em particular do edifício, ainda hoje, uma referência arquitetónica da cidade.

Entro no café para pagar e apreciar o seu interior enquanto reparo, sentados em duas mesas, num grupo de jovens com um semblante de quem espera a partida para o degredo. Com medo do contágio fugi e deparo-me com uma visão idílica de um garboso oficial a passear montado num belo cavalo.

Mais tarde confirmei que os rapazes de semblante carregado eram graduadas de uma das 3 companhias em formação neste quartel. O garboso oficial era um prestigiado militar muito conhecido na cidade.


(ii) E a “família” lá foi a chegando de todos os pontos do país


O Transmontano de Vila Real (hoje rendido ao Alentejo), de bigode do mesmo, com quem fui desenvolvendo uma boa amizade, ao ponto de o ter auxiliado; de forma graciosa, durante todo o tempo de Guiné, no consumo do seu tabaco (hábito que ainda permanece nos encontros anuais da companhia). Rapaz fiável, grande observador, sereno e prudentemente desconfiado, como bom transmontano...

O Beirão, “Alcaide de Almeida”, rijo como o granito (mas não pequeno), como diz a canção popular da Beira. Beirão, mas com alma de alentejano dada a sua calma perante qualquer situação. Pró ativo, sempre com a preocupação de se antecipar aos acontecimentos, mas... “de gancho” (como se diz na minha terra), difícil de torcer e convencer (...mais fácil de vencer nos jogos de tabuleiro!), como bom Beirão...

Os dois meninos (quase) da Foz. Os últimos “fidalgos” do Porto, com tertúlias sempre marcadas no Orfeu (café na Boavista, Porto). Aperfeiçoaram o seu Inglès no “engate” de Inglesas no Parque de Campismo da Prelada. Mais o da Rua Senhora do Porto (lindo nome para uma rua!) que , aliás, demonstrou a mesma perícia (no engate das inglesas) no levantamento de minas no Cumbijã.

O Menino da linha (sulista mas não elitista!...). Sempre despreocupado, otimista, positivo, especialista em gerir a fortuna das tias (palavras suas), fã de revistas inglesas (Penthouse), com artigos de fundo e conteúdos densos e que fazia questão de as emprestar a toda a gente, antes de serem religiosamente arquivadas nos aposentos do capitão. Com ele e com o um dos meninos da Foz (a quem devo, para além da amizade, a sua indignação quando todos calaram… ) formamos uma equipa perfeita no comando do 1º pelotão.

O Homem do Barreiro. O político denso, o verdadeiro homem do “reviralho”, foi responsável pelo despertar da consciência política de muitos de nós. Das muitas discussões acaloradas com ele, uma vez, furioso (sendo ele um homem “desarmantemente” calmo), atira-me à cara: não passas de um social democrata (convenhamos que nada mau para a época).

O Nosso “Alfero” de Gaia, o seu nome define a sua pessoa. Humanamente o melhor de nós todos. Após o grato prazer de o conhecer comentei com alguns amigos: este rapaz nunca disparará um tiro em combate, nem em situação de autodefesa. Infelizmente foi dos primeiro a sentir, na pele, as consequências da guerra e a sua brutalidade. Felizmente tudo ficou bem com ele.

O Nosso “Alfero” das terras do Lis... Durante algum tempo, ainda em Estremoz, pertenceu ao meu pelotão. Não nos acompanhou para a Guiné, contudo, do pouco tempo de contacto com ele foi evidente o seu humanismo e grande preocupação com o bem estar dos soldados.

O Homem de Castelo de Bode do 4.º pelotão, calmo, reservado, algo desconfiado, mas bom companheiro não obstante uma relação algo distante.

Dois outros companheiros que tive o grato prazer de conhecer, um muito truculento, destemido nas palavras mas que manifestava um “nervosismo” atroz quando em situação de saída para o mato. Completamente descontextualizado, aproveitou a ida de férias a Portugal e não voltou!...

O outro camarada, uma bom moço, que nunca se adaptou e aceitou a vida militar, foi-se “arrastando”, sempre com a cabeça longe dali, até ir de férias de onde também não regressou!... Desenvolvi com ele uma boa amizade, facilitada pelo facto de ele ter frequentado o Colégio Interno das Caldinhas (Instituto Nun’Alvares), em Santo Tirso, falando sobre uma região que os dois conhecíamos.

Este Colégio Interno, de referencia no período do Estado Novo (ainda hoje uma excelente escola), recebeu muitos alunos que acabaram por ocupar, no país, posições de relevo em diferentes áreas (empresarial, política, artes, etc.,) do qual destaco – Pinto da Costa.

O “Alfero” Algarvio(iu), pescador de águas profundas, amigo de conversa fácil, sempre com uma solução infalível para tudo, consubstanciadas, segundo ele, em algo já testado mas de difícil compreensão para o comum do cidadão. Comportamento comum a qualquer algarvio(iu) de gema.

Creio que de todos nós foi o único que não se deixou afetar pela “bagunça” organizada do destacamento, mantendo-se fiel e dando corpo, no bom sentido da palavra, ao papel de militar asseado e disciplinado.

Seguimos os dois, depois de regressados da Guiné, os caminhos do ensino e da gestão escolar. Como homem de fé, continuo, (sentado e já dormitando), à espera da sardinhada prometida no nosso reencontro em Portimão enquanto aí passei férias durante mais de vinte anos.

Entretanto foram chegando os ditos especialistas:

O Alfacinha... de primeira (Para mim, para lá do Mondego são todos alfacinhas) - O homem que tratava da nossa saúde, física e mental. Um homem talhado para a solução e nunca para o problema. Um privilégio ter um amigo assim. Espero que, passados todos estes anos, me tenha desculpado daquele incidente em Veneza (2)

O outro alfacinha era o  homem que (DES)tratava o nosso estômago. Gingão, “malandreco”, bem humorado, sempre de resposta pronta, ou seja: o verdadeiro vagomestre.

Não esqueço o dia em que, ao refilarmos grosso com ele atirando-lhe à cara que nos estava a matar à fome, organizou uma ceia, com todos os refilões, com produtos que ainda hoje não sei onde os foi desencantar…

O Homem do fato macaco e também alfacinha: Castiço, com gestos peculiares e muito sugestivos, com um “linguajar” ao nível do trabalhar dos motores dos seus unimogues e berliets... aos soluços.

O homem do “Búnquer”, de Aveiro:  A maior parte do tempo metido no seu Búnquer das comunicações. Distante, pouco falador, controverso, mas com quem mantive uma boa amizade.

O “Homem Grande” da Figueira da Foz (Buarcos):  O Abraracourcix (4) da “Aldeia” do Cumbijã - O mais especial de todos !

Benfiquista e/ou antiportista é suposto que ainda guarde no cofre da sua casa de Buarcos as revistas da “penthouse” do Martins e, como bom benfiquista, é muito provável que junte a este espólio meia dúzia de livros, “best-seller” da literatura de “bordel” portuguesa, escrito pelas mãos da Senhora Comendadora Leonor Pinhão e pelos pés da D. Carolina Salgado (Eu, Carolina). Para ser candidato a um convite para o camarote presidencial do Estádio da Luz não resistirá a juntar a este riquíssimo espólio meia dúzia de cópias do filme português (de mais um comendador: João Botelho), o mais visto nas salas de cinema português nos últimos 100 anos [?], sobre a “ a máfia do norte” (Corrupção), que conta a vida do seu putativo “padrinho”, o homem (tal como o eterno capitão: João Pinto) de uma só cor: azul...e branco

Para melhor conhecerem o Abraracourcix da “Aldeia” do Cumbijã, nada melhor do que lerem o capítulo destas minhas memórias: “o que outros disseram de nós” recolhido de vários postes do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Contudo, fica aqui o meu reconhecimento pela confiança que depositou em mim, não obstante embrulhada numa decisão injusta e comunicada de forma intempestiva. Jamais trocaria este gesto de confiança por onças de ouro ou galões.

Depois de uns dias de adaptação à nova realidade, coube-nos a nós receber os nossos soldados vindos de vários pontos do país (a maioria do Oeste), com alguns a entrarem em pânico (como aconteceu com a maioria de nós), quando eram informados que o nosso destino era a Guiné.

A instrução decorreu de forma serena e cúmplice, não obstante a canícula que se fez sentir naquele verão de 1972. Com o decorrer da instrução, e sabendo o que o futuro nos reservava, consolidou-se um grande espírito de grupo entre toda a companhia.

Foi aqui que me tornei um exímio jogador de lerpa (jogo de cartas a dinheiro) graças aos mestres do ofício - os velhinhos sargentos do quartel. No dia em que fazia serviço aos telheiros (instalações fora do quartel onde dormiam os soldados da companhia) era sempre uma noite sem ir à cama já que o casino se montava no final do jantar e fechava as portas já com os soldados formados em parada para regressarem ao quartel para mais um dia de instrução. Sempre que fazia serviço aos telheiros no dia seguinte seguia carta para casa a pedir mais uma mesada adiantada…

Aqueles sargentos eram tramados…

Na impossibilidade de uma referência pessoal (que todos mereciam), aqui ficam os nomes de todos estes valorosos militares e excelentes camaradas e amigos que fazem parte da lista dos convocados para os encontros anuais:

Alfredo Cardoso                                                         Alexandre dos Santos Policarpo           

Mateus Alves                                                              Alfredo José Teixeira da Costa

Amadeu Santos Antunes                                              Aníbal Marques de Oliveira

António Batista Pinto                                                  Alberto Nunes Costa

António José Faísca de Jesus                                       António Fernando Ferreira Oliveira

António Manuel Mota Vieira                                       António José Mendes Antunes

António Paulo Veríssimo                                             António Manuel Pereira Oleirinha                   

António Valente Marques                                            António Santos Grilo

Armando Bessa de Freitas                                           António Vieira Gouveia

Arsénio Pedrosa Marta                                                Armando Piedade da Silva      

Alberto Tavares Augusto Coelho covas                         Abel Santos Ferreira   

Augusto Mesquita Magalhães                                      Aurélio de Oliveira Machado

Avelino Inácio Pimenta                                               Benjamim Vieira Simões

Carlos Alberto da Conceição Pereira                            Carlos Alberto da Silva Machado

Carlos de Jesus Tomé                                                  Carlos Pompeu Fonseca Góis

Casimiro Henriques Dias                                             Diamantino Almeida Gonçalve

Diamantino Augusto Afonso                                        Diogo Bernardino Martins Matos

Dionísio de Oliveira Rafael                                         Eduardo Alexandre Rosa Aleixo

Eduardo Ramos Vitorino                                             Fernando Machado Henriques

Fernando Manuel Antunes                                           Fernando Manuel Gaspar Lopes

Fernando Manuel Marques Carrilho Mourato               Fernando Manuel Moreira Barbosa

Florindo Inácio Marques Rosmaninho                          Florival António Luz

Forivaldo dos Santos Abundâncio                                Francisco da Encarnação Calçada

Francisco Felismino Grácio                                         Francisco José Sanches Ferreira

Francisco Sobral Matias                                              Francisco Valério Cardoso

Franklim Rosário Fernandes                                        Isidro Lopes Correia

Jerónimo Oliveira Vaz Catarro                                     João Carlos Henriques de Almeida

João Jesus Sequeira                                                     João Henriques Carrilho Gomes

João José Ribeiro Fernandes Vilar                                João Manuel Oliveira Querido

João Manuel Reis de Melo                                           João Mendes Corrente

Joaquim Bonifácio Brito                                              Joaquim da Silva Costa

Joaquim dos Santos Anastácio Vieira                            Joaquim Felismino Maximiano

Joaquim Gabriel Nunes Rabiço                                    Joaquim Lourenço Cavaco Pereira

Joaquim Martins de Oliveira Coelho                            Joaquim Ponte Portilho

 

Aproveitando o descanso de um dia de instrução, reunimos um pequeno grupo de amigos e lá fomos à taberna do tão falado Zé D’Alter (3), para beber uns canecos e ouvir o afamado fado espontâneo. Entramos, e logo nos apercebemos que não estávamos a entrar em mais uma taberna mas sim numa casa onde estavam reunidos um grupo de amigos, tal a cumplicidade dos presentes: pessoal da terra e muitos militares. 

Todos falavam com todos ninguém servia ninguém cada um servia-se, da pipa, do garrafão, do tacho, da frigideira etc., Ao terceiro copo já um representante da terra dava o mote ao tocar uns acordes na sua viola cantando, timidamente, o primeiro fado da noite. O esvaziar das canecas libertou os fadistas espontâneos e já todas se achavam capazes do seu número. O ambiente foi aquecendo ao ponto do Zé D’Alter dar um murro na mesa e dizer: silêncio que isto agora é para quem sabe! Fez-se um silêncio de ouro e o fado surge na sua nobreza e pureza maior da taberna na vós do Zé D’Alter. No fim houve palmas, lágrimas e vivas ao fado…e ao Zé.

(Continua)

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Notas do autor:


(1) Edifício construído entre 1908 e 1909, foi inaugurado como café a 4 de Abril de 1909. O seu proprietário inicial era Francisco Rosado, da firma Rosado & Carreço e o estabelecimento funcionava também como buffet e sala de bilhar. Entre 1937 e 1939 tiveram lugar algumas obras a cargo do arquitecto Jorge Santos Costa, cujas principais alterações foram a transformação de uma das portas exteriores numa montra-janela e a remodelação da fachada térrea, ao gosto modernista da altura. Em 1964, sob responsabilidade de José Manuel Pinheiro Rocha, transformou-se o primeiro piso em restaurante, destituindo o edifício de alguns elementos originais. Após um abaixo-assinado de moradores de Estremoz, é classificado como Imóvel de Interesse Público em 1997.

(2) O encontro improvável, em Veneza, de três “Morcões do Norte” e de um Alfacinha especialista em Matacanhas

No ano de 1977 (3 anos depois de regressar da Guiné), eu e mais dois companheiros, o Gil Marques, empresário da industria têxtil (irmão do Motar Paulo Marques, o primeiro português a vencer uma etapa do Paris Dacar) e o Miguel, professor de economia e contabilidade, decidimos, depois de mais uma noite de copos na tasca do Pega, hoje um restaurante com nome no “Evasões” e “Boa Cama Boa Mesa” (à nossa custa), decidimos aproveitar as férias numa viagem (de 31 dias) pela Europa, numa das nossas Dianes.

Um dia se decidiu e no outro abalamos, com partida junto ao nosso café das tertúlias e “jogatanas” de bilhar diárias, o “Pica Pau” com todos os presentes e amigos desejando boa viagem, na Diane do Gil.

Lá consegui meter num pequeno saco umas peças de roupa, um mapa e uma tenda que nunca havia montado. Decidida a primeira paragem em Madrid, como pessoa mais sensata do grupo [???], lá fui pensando em programar minimamente o itinerário de toda a viagem até à capital espanhola.

Já em França, a caminho de Nice, com um amortecedor a queixar-se do peso, surgem na estrada muitos jovens a pedir boleia (muito comum na época em Portugal e em toda a Europa). Eis quando aparece uma jovem no meio do caminho, quase nos obrigando a parar, com o Miguel aos gritos, pára, pára … mas o Gil não parou. Ficamos furiosos com ele, mas ele, com a sua calma, informa: não vamos passar o tempo nisto! Dois dias já passados com as lindas catalãs (professoras primárias a trabalhar em Barcelona) desrespeitando o programa minuciosamente elaborado pelo Costa, e para além do mais o amortecedor não ia aguentar. Òh Gil ! Aguenta, aguenta! Tanto insistimos que ele deu a volta passou novamente pelo local onde ainda se encontrava a miúda, deu nova volta e lá paramos para dar boleia à donzela. Enquanto o Miguel abria gentilmente a porta, surge detrás de um arbusto (estilo David Attenborougt) um rapaz com dois metros de altura, com a miúda sorrindo dizendo: não se importam de levar também o meu namorado? Empurrando-o para dentro do carro antes que dissesse-mos que não.

Durante a viagem o Gil, preocupado com o amortecedor, passou o tempo a chamar nomes ao gigante, que era Sueco, utilizando todo o vocabulário vernáculo do norte que tinha mais à mão, enquanto o rapaz olhava para ele, divertido, sempre com um sorriso nos lábios.

Este incidente foi motivo de conversa até Veneza, onde montamos (tentamos montar ), pela primeira vez a tenda num parque de campismo (até Veneza sempre dormimos ao relento apenas com o saco cama). Começamos a montar a tenda mas não atinávamos com a quantidade de ferros. Já desesperados, diz o Gil: não és tu engenheiro? Então trata tu disso que eu vou tomar banho. O Miguel aproveitou a deixa e fez o mesmo.

Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em voz alta que se se ouvia em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor “carago”…).

Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões. Este lourinho era o grande amigo Caetano o mesmo que me tirou uma matacanha do dedo grande do pé (com a sua faca do mato?) no Cumbijã (Guiné) de boas e más memórias.

(3) Taberna do Zé D’Alter - O homem de pé junto à porta, na fotografia, é o atual proprietário, que em conversa comigo se comoveu ao reviver as noites de fado no tempo do Zé D’Alter. Na altura era um jovem funcionário, de quem o Zé gostava muito e que, contra a sua vontade, o ajudava na taberna no período da noite já que adorava todo aquele ambiente.

Com a morte do Zé, acabou por ficar com o espaço no qual foi forçado a fazer obras. Contudo, guarda religiosamente parte do espólio da antiga casa que compreende fotos de dezenas de companhias crachás, bandeiras e muitas e comoventes dedicatórias ao amigo Zé D’Alter. Em sua homenagem, hoje, na entrada da taberna existe uma grande fotografia artística do ZÉ. [Vd. fotos acima.]

(4) Abraracourcix (Abraracourcix, no original francês, trocadilho com "à bras raccourcis", "de braços muito curtos" [?], ou "a toda força", ele é o chefe gaulês da pequena aldeia dos irredutíveis gauleses, como Astérix. Apesar de ser bastante respeitado pelos seus súbditos e bastante temido por seus inimigos, nem sempre consegue impor as suas ordens. Só tem medo de uma coisa: que o céu caia sobre sua cabeça, mas como ele próprio afirma, quem morre de véspera é peru.

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Nota do editor:

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Guiné 63/74 – P9899: Convívios (434): Almoço comemorativo do 40.º aniversário do regresso do BCAV 2922, dia 16 de Junho de 2012 no RC 3 em Estremoz (Francisco Palma)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Palma (ex-Condutor Auto Rodas da CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), com data de 11 de Maio de 2012:

Estimados Camaradas e Amigos, Luís e Carlos
Venho por esta solicitar a vossa melhor colaboração no sentido de divulgarem no Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné o programa anexo que tem para além do habitual reencontro e convívio, um incentivo especial, ou seja a celebração dos 40 anos do regresso do nosso Batalhão e que se realiza dentro das instalações do Regimento de Cavalaria 3 em Estremoz, local onde se formou o mesmo antes da partida para a Campanha na Guiné.

Um muito obrigado
Saudações de Amizade e Camaradagem
Francisco Palma


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 – P9884: Convívios (251): 7º Encontro da CCAÇ 1426, 7 de Julho de 2012, em Vila Amélia (Fernando Chapouto)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

Valentim Oliveira, soldado condutor nº 784/63,
CCav 489/BCav 490
1963/1965

Assunto - A minha ida e volta

Sendo eu um leitor assíduo, isto é, não passa uma palavra escrita, seja por quem for, no Blogue da Tabanca Grande, que eu não leia e é através das mesmas que eu me revejo no sentido da palavra como amigo e camarada de todos os ex-combatentes da guerra na Guiné.

É certo que, no contexto e segundo o que é dito e escrito pela maioria dos participantes, esta guerra não era o nosso hóbi. Fomos atirados para a mesma, sem que tivéssemos uma pequena vontade de participar na mesma, mas por força do regime governamental que tínhamos na época, não nos era permitido recusar e a ordem era marchar em frente! E vai daqui o EU poder expressar-me sobre a minha ida e o meu regresso da tão malfadada guerra, que tantas maleitas deu, a quem por lá passou.

(i) Mau mar num mau navio


Lisboa ficou para trás no mês de Setembro de 1963. O Alfredo da Silva foi o meio de transporte que cruzou as águas do Atlântico rumo á Guiné. Eu e todo o contingente de condutores-auto e alguns oficiais lá fomos integrar-nos no Batalhão de Cavalaria 490, que já tinha saído em Julho no paquete Niassa com destino a Moçambique e que só por sorte malfadada foi desviado para a Guiné.

A minha viagem foi muito atribulada pela conjuntura das tempestades e do mar turbulento. Muitos dos meus Camaradas só sentiram paz quando saíram do navio. Paz que durou poucos dias, porque de seguida a conversa começou a ser outra...Isto foi a integração na Guiné.

(ii) Bom mar, no Niassa


O meu regresso. Bem, o regresso foi mais ou menos como todos os outros que se faziam na década de 60. Não vínhamos de avião, mas sim de barco. Por sorte foi um pouco melhor no regresso do que na ida, isto em termos de viagem. E porquê?

Porque para lá fui num cargueiro adaptado, para transportes das nossas tropas. E para cá rumo a Lisboa, viemos no Niassa, com condições melhoradas. E como a tropa manda desenrascar, eu lá me desenrasquei a comer do bom e do melhor na messe ou seja, no salão, onde se banqueteavam os oficiais, mas como pagamento tinha que servir e fazer limpeza ao salão. De qualquer maneira não dei por mal entregue esse meu trabalho.

Foram aproximadamente seis dias a cruzar as águas...e por fim, Lisboa á vista, novamente a 15 de Agosto de 1965.

Não fui nenhum sortudo, porque não tinha ninguém á minha espera. Saí do barco! Claro, houve a formatura de praxe. De seguida fomos conduzidos nas Berliets com a respectiva cobertura de lona, até parecia que estávamos novamente na Guiné.

Daí seguimos para outra doca, para entrarmos nos cacilheiros, com destino ao Barreiro. Um comboio esperava-nos, com destino a Estremoz e ao RCav 3, a unidade mobilizadora. Chegou-se a Estremoz a altas horas da noite, mas tudo estava preparado, para nessa mesma noite fazer o espólio, receber a guia de marcha e fora do quartel, que já não és cá preciso. Nem sequer disseram a simples frase: "Tens Fome? "

É evidente que a fome era a de sair de lá, quanto mais depressa melhor. Não fossem eles mandar-nos para trás novamente... Já de madrugada lá fui eu para a estação dos caminhos-de-ferro. Apanhei o primeiro comboio até ao Entroncamento, seguindo-se um outro até Pampilhosa e ainda mais outro até Viseu. Claro todos eles com horas de seca para os apanhar.

Cheguei a Viseu ás 22 horas da noite e a essa hora já não tinha transporte para a minha aldeia e nestas circunstâncias tinha ainda 18 km para chegar a casa dos meus pais, que nem sequer sabiam, que eu estava tão perto. Valeu-me os pesos convertidos em escudos, que eu trouxe da Guiné, para pagar o táxi, que me levou até casa.

Deviam ser aproximadamente 23 horas, quando bati á porta da casa dos meus pais, com uma pequena mala na mão, mala essa que me foi oferecida pelas senhoras do Movimento N. Feminino.

Foi o meu pai, que veio na escuridão abrir a porta...digo escuridão, porque nessa época não havia luz eléctrica nas aldeias, só mais tarde em 1968 é que apareceu. Ainda hoje tenho bem gravado na minha mente a primeira palavra do meu velhote:
- Ó Maria é ele! Está aqui, chegou!

Foi num ápice de segundos que a minha velhota saltou da cama e se agarrou a mim com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos, mas eram lágrimas de alegria.

E é assim que eu relato o meu regresso á pátria mãe, porque a Guiné é dos Guineenses!




Um abraço para todos Tertulianos e Camaradas da Guiné.

Valentim Oliveira
Companhia de Cavalaria 489
Batalhão de Cavalaria 490
Oio,Como
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Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.