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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26115: As nossas geografias emocionais (28): Gabu, antiga Nova Lamego (Valdemar Queiroz, ex-fur mil at inf, CART 11, 1969/70)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Nova Lamego >  Quartel de Baixo >  1969 > O Valdemar Queiroz , em frada nº 3, e com o típico capacete colonial.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Nova Lamego > Quartel de Baixo > 1969 > O Valdemar Queiroz  em dia de... sargento de dia (1)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Nova Lamego > Quartel de Baixo > 1969 > O Valdemar Queiroz  em dia de... sargento de dia (2)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Nova Lamego > 
Quartel de Baixo > 1969 >Porta d' armas. À   esquerda, o Valdemar e uma lavadeira.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz  (2034). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Nova Lamego > Quartel de Baixo > 1969 >"Porta de armas": continência à bandeira nacional.

Foto (e legenda): © Abílio Duarte  (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > Sede do Governo Regional de Gabu > s/d (c. 2011) > Fonte: Página do Facebook de Rádio Gandal 104.7 FM - Gabú, Guiné-Bissau (com a devida vénia...)






Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16 de dezembro de 2009 > A rua comercial da nova Gabu, onde há banco (agência do BAO - Banco da África Ocidental) e multibanco... Em 2009, a velha "rainha do Gabu" havia já destronado a "princesa do Geba", do nosso tempo, Bafatá, a cidade "colonial" mais encantadora da Guiné... Mudam-se os tempos, mudam-se os lugares: aqui falava-se mais francês do que português, e corriam muitos CFA, escreveu o João Graça, médico e músico, que viajou por estas paragens...  

Fotos (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 2008 > Rua principal; ao fundo, a sede do governo regional. Fonte: Wikimedia Commons (com a devida vénia...)


"Repare-se nos magníficos poilões existentes nas traseiras do edifício e que faziam parte das sombras no nosso Quartel." (VQ)


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > "Núcleo histórico"... Cortesia de:  Catálogo da exposição “Urbanidades – Arquitectura e Sítios Históricos da Guiné-Bissau”  Organização: Fundação Mário Soares (Alfredo Caldeira e Victor Hertizel Ramos); Curadoria: Ana Vaz Milheiro, com Filipa Fiúza,  ISCTE-IUL, DINÂMIA’CET, Lisboa, 2016)




Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16/2/2005 > Edifício da Estação dos CTT



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16/2/2005 > Edifício da administração do Gabu

Fotos (e legendas): © José Couto / Tino Neves (2005). Fotos gentilmente cedida por José Couto (ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71), camarada do nosso grã-tabanqueiro Constantino Neves.



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > s/d  (c. anos 1940) > Sede da circunscrição. Fonte: desconhecida



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego >  1955 > Visita do Presidente da República, gen Craveiro Lopes, com o cortejo passando defronte do edifício da administração. Fonte: desconhecida.

(Fotos selecionadas por Valdemar Queiroz; nem todas se publicaram por falta de resolução; revisão / fixação de texto, edição de fotos: LG)




1. Mensagem de Valdemar Queiroz (ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70), membro da Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2014; tem 186 referências no nosso blogue, de que é um leitor atento e comentador assíduo):



Data - sábado, 2/11, 14:55 (há 1 dia)

Assunto - Gabu (Nova Lamego) > Edifício do Governo Regional do Gabu

Parecia um Palácio.

Julgo que fora de Bissau não existia, em 1969/70, um edifício com a grandeza do da Administração de Nova Lamego, mais tarde do Governo Regional do Gabu.
 
A parte lateral esquerda e as traseiras do edifício, assim como um vasto terreno e um grande armazém, era ocupada por instalações militares, o chamado Quartel de Baixo, de Nova Lamego.

Todo o Quartel de Baixo era ocupado pela minha CART11, de soldados fulas do recrutamento local, que anteriormente por lá tinha estado instalada, julgo que parte, da CART 1742, do Abel Santos, que deixou interessantes vasos feitos das partes inferiores de barris de vinho.

Num piso superior, das traseiras do edifício, com acesso por uma escadaria para uma varanda a toda a volta, ficavam as instalações dos oficiais e sargentos e secretaria, sendo utilizada na parte da bela varanda virada à entrada pela messe de oficiais e sargentos.

Nas várias fotografias anexas, umas tiradas da Net e outras do nosso blogue, vê-se a parte frontal do edifício desde 1940 até à atualidade. 

Na fotografia do Abel Santos (à esquerda), embora pouco legível, vê-se a escadaria que dá acesso à grande varanda e instalações da Companhia, no rés do chão havia uma arrecadação. Como curiosidade, note-se a porta d'armas com um sentinela e usando uma simples corda a barrar a entrada.
 
É pena não haver fotografias no blogue com tropa fotografada junto da frontaria do edifício, assim como na 'parada' a apanhar a parte do Quartel instalado no edifício.

Dentro das nossas instalações havia uma porta trancada de ligação com um pátio do edifício que de uma das nossas janelas podíamos verificar tratar-se duma cadeia de penas leves de mulheres.

Havia valas e arame farpado em todo o perímetro do Quartel, tínhamos um morteiro 120 no meio da parada, um forte abrigo para o material e umas espessas paredes no edifício que aguentavam granadas de RPG-7.
 
Durante vários meses que estivemos instalados no Quartel de Baixo, apenas fomos atacados com os foguetões 122 que passaram por cima, mas os Pelotões da Companhia estavam em intervenção com acções de patrulhamento, reforço de outras unidades e segurança de outras tabancas.

Valdemar Queiroz





Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares 


Legendas:

(1) Caserna das Praças;
(2) Casas civis (para alugar);
(3) Loja dos irmãos Libaneses;
(4) Depósito de géneros;
(5) Estação dos CTT (civil);
(6) Destacamento de Engenharia;
(7) Messe de Oficiais;
(8) Messe de Sargentos;
(9) Parque e Oficinas Auto;
(10) Refeitório;
(11) Dormitório de alguns Sargentos;
(12) Sala do Soldado;
(13) Parque de Jogos.

Imagem aérea do quartel antigo e da vila de Nova Lamego.O quartel estava situado no centro da vila, formando um rectângulo e ocupando alguns edifícios civis. A foto já vinha com as marcas sem a respectiva legenda,que o Tino Neves completou. (Foto cedida por Roseira Coelho, que o Tino Neves presumia fosse ten pilav, mas não, segundo apurámos, trata-se de  José João Roseira Coelho, licenciado em Engenharia Eletrónica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, ex-alf mil sapador, e professor.) .

Foto (e legendas): © Roseira Coelho / Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagenm complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25873: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte IV: Proprietário ou concessionário de terras ?






Guiné > Fulacunda > 5 de setembro de 1935 > Resposta do administrador da circunscrição de Fulacuna, Ernesto Lima Wahnom, ao chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, sediada em Bolama.  

A vermelho, vem o parecer do chefe da repartição, José Peixoto Ponces de Carvalho (que entre maio e setembro de 1933, exerceu interinamente o lugar de Governador). O assunto acabou por ser submetido a despacho do Governador... e não sabemos qual o desfecho. 

O processo, de 10 folhas, é encabeçado por  um oficío, que a seguir reproduzimos, assinado por um adjunto do Ponces Carvalho, e dirigido ao Chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro. (É o documento mais antigo do proceesso, correspondendo à folha nº 1.)


Cópia do ofício, datado de Bolama, 26 de setembro de 1935, assinado por António Pereira Cardoso, por delegação do Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, dirigido ao Chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, e cujo teor se transcreve:

"A fim de solucionar conflitos que surgem a cada momento, entre proprietários e concessionários e as autoridades administrativas, Sua Excia. o Governador incumbe-me de solicitar de V. Exª para apresentar ao mesmo Exmo. Senhor a informação de, se foram cumpridas as disposições do Diploma Legislativo nº 747, de 22 de fevereiro de 1933, e, bem assim, de proceder nos termos da lei". (Negritos nossos)


Citação: (1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)



1. Recorde-se o assunto em questão (*): o Manuel de Pinho Brandão, "maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama", vem junto da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil pedir a restituição da importância proveniente da licença para extração de vinho de palma, que julga ter sido cobrada ilegalmente aos índígenas, manjacos,  colonos da sua propriedade, denominada "Belém", sita na circunscrição de Fulacunda.

Depois de uma informação aparentememnte favorável daqueles serviços, temos a resposta do administrador de Fulacunda, que resumimos a seguir:

(i) desconhecia se a dita propriedade era ou não uma "propriedade perfeita" (que na Guiné, nessa época, se confundia muitas vezes com os "baldios do Estado";

(ii) por essa razão mandou cobrar, ao chefe de posto do Cubisseque, "na defesa dos interesses do Estado", a competente licença de extração de vinho de palma;

(iii) os indígenas foram presos porque não procederam expontaneamento ao pagamento da licença;

(iv) o Manuel de Pinho Brandão não faz prova de que a propriedade era sua (confrontava de norte com o rio de Buba, e a sul, leste e oeste com baldios);

(v) os indígenas, para se furtarem ao pagamento da citada licença, "escond(ia)m-se nas chamadas propriedades dos supostos proprietários" e ofereciam resistência às autoridades;

(vi) O Diploma Legislativ nº 747, de 1933, dizia na última parte do seu artigo 2º: "sob pena de se promover à anulação dos respetivos registos prediais", o que seria aplicável a este caso;

(vii) o administrador julgava ter agido bem, na defesa dos interesses do Estado;

(viii) e, finalmente, deixava um remoque ao reclamante, que devia ser seu conhecido (naquele tempo eram poucos os colonos, comerciantes e funcionários civis): 

"Quanto à emigração dos indígenas para a vizinha colónia francesa, devo informar V. Excia. que é uma história muito antiga, que muitos nesta terra se servem para explorar a credulidade do Governo da Colónia".

O Brandão (ou o seu advogado), na sua reclamação,  pedia também a defesa dos interesses dos "indígenas,   que muito tem custado para se ali conservar, pois seus desejos só são seguir para a colónia vizinha, aonde já têm seus bastantes parentes" (sic)  



Excerto da reclamção do Manuel de Pinho Brandão


2. A tinta vermelha, o Chefe da Repartição anotou, no cabeçalho do ofício:

 "Chame-se a atenção do comerciante Pinho Brandão para os art. 1º e 2º do D. L. nº 747, de 22-2-933, sem o que a sua reclamação não pode ser atendida. Diga-se aos Serv. de Agrimensura para  apresentação ou (ilegível),  por uma ordem,  a informção se foram cumpridas as disposições do D. L. 747 e proceder nos termos da lei. 26-9-1935. (Assinatura ilegível)".

Nessa altura era Governador da Guiné o oficial do exército Luís António de Carvalho Viegas. "Enquanto governador da Guiné Portuguesa, deslocou-se à metrópole em 10 de maio de 1933, deixando como encarregado do governo da Guiné, José Peixoto Ponces de Carvalho que se manteve nessas funções até setembro desse ano, altura em que Viegas regressou".

Ainda não conseguimos consultar o Diploma Legislativo nº 747, de 22 de fevereiro de 1933. Mas parece haver aqui um confito entre duas figuras jurídicas, a "propriedade" e a "concessão"... Dez anos depois, os interesses do Manuel de Pinho Brandão concentram-se na Região de Tombali (Catió) e não na Região de Quínara (Fulacunda).  Ali conseguiu várias concessões de terrenos (no setor de Catió, incluindo a ilha do Como). 

Graças ao desenvolvimento da cultura do arroz, Catió tornou-se uma terra próspera, elevada em 1942 ao estatuto de circunscrição, enquanto Fulacunda decaiu. (Curiosamente, Catió foi criada por um antigo degredado, Abel Gil de Matos, natural de Aldeia Galega do Ribatej0, hoje Montijo, condenado em 1913 pelo tribunal da comarca a 6 anos de prisão maior celular ou, em alternativa, a 9 anos de degredo.) (***)

Continuem, entretanto, muitos outros aspetos da vida de Manuel de Pinho Brandão, por esclarecer, e nomeadamente o seu início e o seu fim... Há diversos mitos, de que o nosso blogue se tem feito eco, entre eles o de ter colaborado com o PAIGC (ele, e alguns membros do seu clã). Nem sequer sabemos, ao certo, se era um degredado, nem quantos anos tinha quando se instalou na Guiné.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25870: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte III (Reclamação apresentada, em 1935, ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, Bolama)

(**) Vd. poste de 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25870: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte III (Reclamação apresentada, em 1935, ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, Bolama)

 







Guiné > Bolama > 1935 > Repartição Central dos Serviços de Administração Civil - 4ª secção: Negócios Indígenas. Informação: Assunto - Refere-se ao pedido de restituição da importância proveniente da licença para extração de vinho de palma, que julga ter sido cobrada ilegalmente aos índígenas,  colonos da sua propriedade. Informação, datada de Bolama, 27 de julho de 1935. Assinatura ilegível.

Citação:(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


1. Não percebo nada de direito administrativo colonial... Nem sequer alguma vez li o Acto Colonial de 1933 (mas hoje tive que o ler, está aqui disponível em formato pdf, no sítio da Assembleia da República). O artº 3º é taxativo: "Os domínios ultramarinos de Portugal denoninam-se colónias e constituem o Império Colonial Português". 

O Pacto Colonial (Decreto-Lei nº 22 465, de 22 de abril de 1933) tem apenas 47 artigos. Retive estes:



A leitura do Pacto Colonial deve ser complementada pela da Carta Orgânica do Império Colonial Português.

Segundo entrada na Wikipedia, "o Acto Colonial definiu durante muito tempo o conceito ultramarino português, tendo sido revogado na revisão da Constituição portuguesa feita em 1951, que o modificou e integrou no texto da Constituição.

"Com a revisão constitucional de 1951, a visão imperalista foi teoricamente abandonada, sendo substituída por uma estratégia que visava a assimilação civilizadora das colónias à metrópole, com o objectivo final de criar uma nova ordem política, que podia ser a integração total, autonomia, federação, confederação, etc. Reflectindo esta nova visão teórica, as colónias passaram a designar-se por 'províncias ultramarinas' ".

2. Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na colónia da Guiné, como se infere da reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, com sede  em Bolama.

Na reclamação,que já reproduzimos em poste anterior (*), ficamos a saber que:

 (i) o Manuel de Pinho Brandão era maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama (então a capital); 

(ii) era dono e senhor de uma propriedade rústica denominado "Belém", na área da circunscrição civil de Fulacunda,  região de Quínara, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concedia regalias na agricultura e exploração dentro dela;

(iii) o reclamente insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de furação") a indígenas manjacos, que ele trouxera consigo há vários anos atrás, e  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00 para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia" (sic).


3. Um funcionário da 4ª secção (Negócios Indígenas) da Repartição Central  dos Serviços de Administração Civil, dá um parecer em que arrasa o administrador de Fulacunda: a comprovarem-se os factos alegados pelo requerente, o administrador de Fulacunda (na altura teria violado a lei (Código Civil, artºs. 2167 e 2187; Carta Orgânica do Império Colonial Português, artºs.231, 232 e 233).

Era chefe da Repartição José Peixoto Ponces de Carvalho. E o administrador de Fulacunda era o Ernesto Lima Wahnon (cuja resposta ao chefe da repartição publicaremos em próximo poste.)

PS - O Ernesto Lima Wahnon terá nascido na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1895.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)

sexta-feira, 25 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23110: Memória dos lugares (439): Safim e o edifício do posto administrativo (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)



Guiné > Sector de Bissau > Safim > CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74) > O Victor Costa à esquerda com outro camarada da companhia... Ao fundo, o edifício do posto administrativo... Curioso, tem dois telhados, um mais baixo acompanhando todo a varandim e um sobreelevado, correspondendo ao piso térreo, de pé direito alto... Uma solução da arquitetura colonial, certamente a pensar  na melhoria da ventilação do edifício.

Fotos (e legenda): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), natural da Figueira da Foz, e membro nº 855 da Tabanca Grande (*):

Data - domingo, 20/03/2022, 14:14 

Assunto - Fotografias do edifício da Administração de Safim


Amigos e Camaradas da Guiné,

Seguem duas fotografias minhas, tiradas no mesmo dia, com dois elementos da CCaç 4541/72, em frente à casa do Administrador de Safim (**), bem próximo do nosso Quartel e do desvio  para João Landim Porto. (***)

(...) Um abraço e em particular àqueles que, com o seu exemplo de coragem, continuam a resistir aos seus problemas de saúde. Aqui se vêem os guerreiros deste País.

Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 30 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22765: Tabanca Grande (528): Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974). Senta-se no lugar n.º 855, à sombra do nosso poilão

(...) Mobilizado em 4 de Março de 1974 para a Guiné, beneficio de 10 dias de licença e no dia 16 de Março do mesmo ano, a bordo de um Boeing 727 da FAP, chego ao aeroporto de Bissalanca e daí em transporte rodoviário para Bissau, a fim de render um camarada Fur Mil, morto em combate na região de Bafatá.

Fico instalado no QG e aguardo ordens, que chegam uns dias depois. Fazer o espólio de guerra do camarada acima citado.

No final do mês de Março sou colocado na CCaç 4541/72 em Safim.

Nesta Unidade é-me atribuído o comando de uma Secção constituída por mim, 3 Cabos e 7 praças e dou início à minha actividade operacional realizando patrulhas e controlos em João Landim Sul, Impernal, arredores da BA 12 e Capunga. A Norte do Rio Mansoa no destacamento de João Landim Norte, segurança e patrulhas do Rio Mansoa até Bula.

Em Maio de 1974, fui eleito membro da Delegação do MFA na CCaç 4541/72.

Regresso à Metrópole a 3 de Outubro desse ano em avião da FAP. (...) 

(**) Deve tratar-se de chefe de posto, e não administrador.  Safim não era circunscrição ou concelho, mas posto administrativo.

domingo, 12 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada > Concentração de pessoal e viaturas no quartel de Mansambo. Foto do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada- Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

I. Seleção de comentários ao poste P20541 (*)

1. Fernando Gouveia:

Em março/abril de 69 estive de férias e não me recordo destas operações de desmatamento, no entanto assisti várias vezes a pequenas capinagens organizadas pelo Administrador da altura. As coisas eram sempre feitas da mesma forma: o Administrador recrutava à força, sem violência, os nativos de que precisava e levava-os para os locais a capinar, como junto à pista de Bafata e onde precisava.

Sempre foi do meu conhecimento, disso lembro-me bem, que pagava a cada elemento 15 escudos por dia, o que me faz pensar que alguns não gostariam da situação mas outros sim.

 2. Luís Graça:

Fernando, esse elemento informativo é importante:

"o Administrador recrutava à força, sem violência, os nativos de que precisava e levava-os para os locais a capinar, como junto à pista de Bafata e onde precisava. Sempre foi do meu conhecimento, disso lembro-me bem, que pagava a cada elemento 15 escudos por dia."

Neste caso foi um operação que envolveu quase toda a população masculina, válida, do regulado de Badora... Estamos a falar 7 mil homens, só na Op Cabeça Rapada I...

Aqui foi preciso seguramente a colaboração ativa do régulo de Badora, o poderoso Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha, comandante da companhia de milícia do Cuor.Vogal do conselho logístico da Província (, ao lado, por exemplo, de outro grande aliado dos portugueses, o régulo manjaco Joaquim Baticã Ferreira.)

Talvez o Torcato Mendonça, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)., que não tem dado, há muito, "sinais de vida", nos pudesse explicar algo mais sobre o planeamento e a execução da Op Cabeça Rapada...

3. Valdemar Queiroz:

Da minha CART11 'Os Lacraus' esteve um Pelotão (revezando-se),  destacado na segurança da construção de várias pequenas pontes na estrada/picada entre Nova Lamego-Cabuca, que em vários locais do percurso ficava intransponível no tempo das chuvas. 

Os pedreiros e ajudantes, talvez um total de cinco, eram todos indígenas contratados em Nova Lamego. Não me lembro se os próprios pedreiros eram os 'arquitectos a olho' ou traziam algum croqui de como deveriam fazer as pontes.

4. António J. Pereira da Costa:

Quanto à operação, parece-me que seria necessária para negar ao IN locais onde se acoitar.

Aqui põe-se a questão de saber se a Pop. estava ou não do lado das NT. Se assim fosse não se poria a questão de se saber se se tratava de "voluntários da corda" ou de trabalhadores indígenas assalariados gratuitamente.

Se não estavam francamente do lado das NT iriam voluntariamente obrigados, o que é difícil de provar. Uns iriam outros não, como sempre sucede em casos idênticos. Os que não quisessem ir, se fossem poucos, não poderiam manifestar-se; se fossem muitos, já estaríamos na 5.ª fase da subversão ou próximo dela...

Sei que houve múltiplas operações deste tipo, visando criar espaços para as passagens das estradas, criando "espaços de segurança" que impedissem o In de se aproximar a curta distância das colunas.

As desmatações para os trabalhos agrícolas eram levadas a cabo pela Pop e normalmente com a respectiva protecção.

5. Cherno Baldé:

Sobre este tema de trabalhos forçados, porque é disto mesmo que se trata, eu desafio ao Fernando Gouveia, a mostrar provas ou evidências que os trabalhadores recrutados a força e com violência sim, porque havia a violência psicológica e o medo, as pessoas eram coagidas e ninguém o fazia de livre vontade. De pagamentos nunca ouvi falar, talvez aos Régulos, não sei, não posso confirmar. O território de alto Casamansa que era quase despovoado até principios do séc. XIX, acabou por ser povoado por populações que fugiam em massa dos trabalhos forçados da parte portuguesa. Ainda hoje aquelas populações se identificam como fulas e mandingas de Gabu (Gaabunkés).

E nesses recrutamentos forçados feitos junto das familias, nem as crianças escapavam, pois cada familia tinha que indicar uma ou duas pessoas conforme o numero solicitado pelas autoridades coloniais. Uma vez, aconteceu comigo, entre 1973/74 no tempo da CCaç.3549, ser listado para a limpeza da estrada que ligava Fajonquito a Canhamina (3km), por falta de adultos disponíveis na familia, teria 13/14 anos. Já sabia da violência dos trabalhos de genero e recusei-me a ir e fui esconder-me no quartel junto dos meus amigos condutores. Depois, o Agente (Sipaio), foi lá a minha procura, tentando mostrar autoridade, mas foi corrido quase a pontapé pelo Dias o mais agressivo dos meus patrões e nunca mais me chateou. A partir desse acontecimento eu percebi que os soldados portugueses, obrigados a fazer a guerra na Guiné, não conheciam e não colaboravam com o sistema colonial de opressão contra as nossas populações o que por si constituia um grande paradoxo, pois em condições normais deveria ser ao contrário pelo facto de que estariam ali para defender o sistema de dominação colonial de Portugal sobre as populações nativas.

Das poucas vezes que conseguiram arrastar-me, por indicação do meu pai que não tinha outra alternativa, nem água, nem comida e muito menos dinheiro. No entanto muitos estavam convencidos que os brancos davam dinheiro para o efeito, mas que o Régulo e seu séquito se apropriavam do mesmo, facto que não posso confirmar em virtude da minha idade, na altura.

PS: Uma observação que gostaria de fazer relativamente a observação do José Nascimento é que a flora da região Sul da Guiné é muito diferente em relação ao resto do país pois devido a fertilidade do solo os arbustos e suas ramificações têm um ritmo de crescimento espantoso que em poucos dias atingem vários metros de comprimento. Quem viajou pelas estradas da zona sul, incluindo o triangulo Bambadinca-Xime-Xitole sabe do que estou falando.

6. António Rosinha:

Nunca se devia colonizar as pessoas, aliás os europeus em 1880 na Conferência de Berlim só pensavam nas riquezas do subsolo...mas uma coisa leva a outra.
Como é que um colonialista europeu, na África subsaariana, conseguiria convencer um "indígena" a trabalhar às suas ordens? Quando o indígena não sentia nem motivação social, política ou económica? Quando para a sua subsistência (alimentar, habitação, educação, saúde, desporto, vestuário...) estava tudo adquirido há séculos?

Digo eu que devia ser muito difícil convencer aquela sociedade pôr-se ao serviço de qualquer europeu. Claro que havia uma maneira, que era "a mal", outra maneira que era "a bem". Com ou sem dinheiro, só poderia ser a bem ou a mal.

Hoje após 50 anos livres dos europeus, os dirigentes africanos continuam a recorrer a "capatazes" europeus...e a investidores chineses, e de toda a ordem. Se não for a bem, vai a mal.

Sorte tiveram os Zulus que ficou lá muito ouro em cofre, todos os outros os cofres ficaram vazios.

7. Luís Graça:

Fernando e Cherno: 15 escudos na época (anos sessanta) era dinheiro... Os meus soldados da CCAÇ 12 ganhavam 20 escudos por dia (600 escudos ou pesos por mês)... tanto quanto um trabalhador rural indiferenciado no interior de Portugal (, e este só ganhava "à jorna", ou seja, nos dias em que trabalhasse...)

Os meus soldados tinham, além disso, mais 24$50, para comer, tal como eu: eles eram "desarranjados", recebiam em dinheiro; eu recebia, em "géneros", tinha direito a comer na messe... ou uma ração de combate (quando em operações)...

24$50 era igual para todos... do soldado ao general!

É evidente que se eu fosse um jovem fula da região de Bafatá ou da região de Gabu também queria ir para a tropa, que era "manga de ronco", e deixava de estar sujeito às pequenas prepotências dos chefes de posto, dos administradores, dos régulos e dos cipaios...

Isto não me impede de reconhecer que para a população de Badora era importante ter as estradas (Xime-Bambadinca-Bafatá e Bambadinca- Mansambo-Xitole- Saltinho) "capinadas"... Por elas circulavam não apenas os "tugas" mas também os fulas, os mandingas, os balantas, os comerciantes (europeus, libaneses, cabo-verdianos...).

Sei, de experiência própria, quanto nos custou, a todos, no setor L1, "reabriu", em setembro de 1969, grande parte do troço da estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, que estava interdito desde o último trimestre de 1968...

8. Cherno Baldé:

Hoje, mais lúcidos e libertos da propaganda dos Paigecistas, podemos reconhecer a importância das vias abertas no periodo colonial, mesmo com trabalho forçado, porque são as únicas que ainda existem. Mas, devemos dar as coisas o seu nome. Aqueles trabalhos de limpeza das estradas eram feitos por "voluntários" à força, recrutados com a ajuda ou imposição dos Régulos e seus agentes de repressão.
Se os trabalhos fossem pagos a 15 pesos, não seria preciso implicar as autoridades gentílicas, pois os innteressados seriam aos milhares e podiam até vir de outras regiões, porque os rendimentos que tiravam da terra e outros trabalhos eram muito inferiores. Se não, comparem os preços praticados na compra do amendoim que era o principal produto de renda na zona Leste, e o custo de produção para a obtenção de uma tonelada ou saco de 100 Kg.

9. Virgílio Teixeira:

Sobre a capinagem, também tivemos pessoal do recrutamento local a capinar as margens das pistas de aviação, quer em Nova Lamego, quer em S. Domingos, após as chuvas, Eram bastantes, talvez 20, não sei. Também faziam o arranjo, juntamente com as NT, do piso, que ficava todo esburacado, tenho fotos de uma operação destas.

Não me lembro se era trabalho forçado, nem sei quanto lhes pagávamos, não era da minha lavra este problema. Mas não era grátis, de certeza.

Agora um aparte meu, se o território era dos guineenses e por nós também utilizado, as pistas e estradas eram benéficas para todos, tropa e para a população toda, por isso também lhes competia trabalhar nas suas terras, penso eu!

10. Fernando Gouveia:

Para o Cherno e não só:

Concordo que havia violência psicológica e intimidação mas não violência física. Muitas vezes vi camionetas carregadas de africanos, a mando do administrador [de Bafatá] para executar trabalhos necessários, aos quais pagavam os tais 15 escudos (ou pesos, como se queira). Efetivamente quando lá no Comando do Agrupamento [2957, Baftá, 1968/70] precisavam de pessoal para esses trabalhos era só pedir ao Administrador e rapidamente aparecia uma camioneta cheia de gente.

Reafirmo que se alguns iam contrariados outros agradava-lhe irem ganhar os tais 15 pesos.(ponto final).

11. Luís Graça:

Cherno, nas tabancas, fulas, por onde passava e onde ficava uma semana ou mais, de cada vez, em reforço do sistema de autodefesa, a minha secção ou o meu grupo de combate, da CCAÇ 12 (BambadincA, 1969/71)M, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, a sete pesos e meio por bico (o equivalente hoje 2,22 €)...

Em 1969, recordo-me que os soldados da CCAÇ 12 (que eram praças de 2ª classe, oriundos do recrutamento local), recebiam de pré 600 pesos/mês (, equivalente, a preços de hoje, a 177, 51 €), além de mais uma diária de 24$50 (=7,25€) por serem desarranchados.

600 pesos deviam dar para comprar duas sacas de arroz de 100 kg cada... O arroz, que era a bse da alimentação dos guineenses, custava então 3 escudos /pesos o quilo...

15 escudos por um dia de trabalho (árduo), ao serviço da administração do concelho de Bafatá, dava para comprar 5 kg...

A questão que se pode pôr é: quem ficava com a massa ? Na Op Cabeça Rapada I, 7 mil capinadores durante 2 dias custariam à administração 210 mil escudos...Muita massa!... Havia cabimento orçamental ?

12. Valdemar Queiroz:

Lembro-me do 1º. Sarg. Ferreira Júnior, quando fomos para Paunca, devido a não haver instalações militares para a nossa CART 11, ter de requisitar casas civis para instalar a nossa tropa, dado que nos abrigos existentes já estavam ocupados pela tropa da outra Companhia e neles apenas reforçávamos a segurança de noite durante umas horas.

Falou-me da requisição ser feita ao abrigo de… (não fixei o nome do diploma) em situações de guerra. E assim foi feito e passamos a 'viver' na tabanca em moranças requisitadas à população.
Na situação da capinagem teria funcionado, também, com esta 'requisição do tempo de guerra' ??

Sete mil (capinadores) a 15 pesos pro dia era muito patacão.

13. Manuel Carvalho:

A propósito das populações serem obrigadas a trabalhar a mando das autoridades, é verdade, se não fossem a bem iam a mal e não precisavam de andar a bater todos os dias porque as pessoas tinham medo e umas vezes receberiam alguma coisa, outras alguém recebia por eles.

E não era só na África, aqui há muitas estradas nacionais, não estou a falar de caminhos, que no tempo dos nossos pais foram construidas com a colaboração das populações por onde elas passavam mais ou menos da mesma forma. Ou seja as autoridades das aldeias reuniam com a população e cada família tinha de dar uns tantos dias por semana de trabalho ou aqueles que tinham mais possibilidades forneciam animais, carros e até criados para transportar coisas.

E nós também não íamos para lá obrigados [, para a guerra do Ultramar,] e depois de mortos os nossos pais, se quisessem cá o corpo para fazer o funeral, tinham de pagar cerca de 15 contos, pelo menos até 68 foi assim.

Diziam eles que aquilo era nosso, mas eu nunca tive lá nada.

14. Cherno Baldé:

A tropa em geral, sobretudo no consulado do Gen Spinola, cumpria e era correcta nas suas relações com as populações onde estavam estacionadas e não só. Temos que saber separar a tropa (que foi obrigada a fazer a guerra) e a administração colonial que era do sistema e funcionava em conformidade. Eu tenho sérias dúvidas sobre os pagamentos feitos às populações recrutadas para trabalhos obrigatórios.

O mais provável é que seriam requisições, como refere o Valdemar Silva (O Régulo de Gabu), cuja opinião é ainda reforçada pelas observações do Manuel Carvalho. Pois o regime do Estado Novo era o mesmo em toda a parte, e a sua mesquinhez também, obviamente.

O Luis pagava as galinhas porque não tinha espirito colonialista, senão era só requisitar às autoridades gentílicas. que terias o suficiente para um banquete durante a semana, como faziam muitos.

15. Manuel Luís Lomba:


No tempo dos pré-Portugueses, o exército ocupante romano construía estradas para serventia militar (a via Antonino, etc.) e aplicava às populações servidas o ónus anual da "geira" - dois dias de trabalho gracioso, como cantoneiros, pela sua conservação.

Em 1965 e 1966 desempenhei-me um ano como "patrão" da APSICO em Buruntuma e pagava a capinadores, carregadores, etc o mesmo pré dos soldados, na base de 430 pesos/mês, abonados pelo Exército.

16. Luís Graça:

Só a Op Lança Afiada, de 11 dias, de 8 a 19 de março de 1969, em que se bateu todo o triângulo Bambadinca - Xime - Xitole, expulsando da margem direita do Rio Corubal o PAIGC e as populações sob o seu controlo (calculadas na época em 5 mil, entre balantas e biafadas), envolveu 375 carregadores.

Se eles fossem pagos a 15 pesos por dia, o exército terá desembolsado cerca de 60 mil pesos (60 contos), o que não era nada em termos de custo da máquina de guerra: um helicóptero custava só a módica quantia de 15 contos por hora, mais do que ganhavam, por mês, dois alferes...
Esta operação, tal como a primeira Op Cabeça Rapada, foi em março de 1969, e eu só cheguei à Guiné em finais de maio de 1969... Mas nunca mais, no meu tempo e no setor L1 (Bambadinca), se realizaram operações com esta envergadura e sobretudo duração... O conceito foi abandonado e, por outro lado, em nome da política da "Guiné Melhor", Spínola reprimiu muitos dos abusos ainda em vigor, quer da administração e da políicia administrativa, quer da PIDE ou do exército...

Faltam-nos testemunhos dos nossos 1ºs sargentos, encarregues da "contabilidade criativa" das nossas companhias... Eles é que podiam "abrir o livro"... Não me parecem que o tenham feito np devido tempo, nem que ainda o queiram fazer... Muitos deles já morreram... Eram todos mais velhos do que nós uns 15 anos...

De qualquer modo, suspeito que havia indícios da persistência do "trabalho forçado ou obrigatório" no 1º ano do consulado do Spínola, época em que se realizaram operações de envergadiura, mobilizando grande quantidade de civis como capinadores ou carregadores: caso da Op Cabeça Rapada I, II, III e IV e Op Lança Afiada...

Quanto ao PAIGC, foi useiro e vezeiro no recurso ao "trabalho forçado ou obrigatório": a população sobre a bandeira do PAIGC não só alimentava a guerrilha (trabalhando nas bolanhas...) como fazia o transporte de armas, equipamentos e mantimentos... É uma assunto pouco falado... Fica aqui o desafio ao Jorge Araújo, o nosso especialista da "guerra do outro lado"...

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19214: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (60): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - Parte II


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação > CCAV 2639 (1969/71) > Capunga > Reordenamento > Fases de construção (fotos nº 1, 3 e 2) 

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendag complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Capa da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [, Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sequência do poste P19196 (*), decidimos reproduzir o documento supracitado, que nos chegou, em tempos, pela mão dos nossos camaradas António Pimentel e A. Marques Lopes, e que já foi publicado, no nosso blogue em 2007 (**) , com revisão e fixação de texto do nosso coeditor Virgínio Briote.  

Esta é a II Parte (***). Esperamos que o A. Marques Lopes que nos confirme: (i) o número de páginas da brochura (emprincípio, 9); e (ii) se o texto foi publicado na íntegra na altura. Uma ou outra palavra está ilegível. E a resolução da imagem dos mapas (nºs 1 e 2) poderá ser melhorada.

Por outro lado, estamos a  pedir aos nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné, que nos disponibilizem textos, fotografias e outros documentos sobre os reordenamentos populacionais. Tanto quanto sabemos, não há trabalhos académicos publicados sobre este tópico. Muitos de nós estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nos reordenamentos populacionais no TO da Guiné, nomeadamente no tempo do Com-Chefe e Governador Geral António Spínola (1968-1973).

Gostávamos de poder fazer um levantamento de todos os reordenamentos populacionais realizados ma Guiné, durante toda a guerra. E idenficar os nossos camaradas que integraram as equipas técnicas dos reordenamentos (graduados e praças) (, caso. por exemplo, do Luís R. Moreira) e que no BENG 447 planearam, coordenaram, apoiaram e/ou supervisionaram a construação de reordenamentos (caso,. pro exemplo, do Fernando Valente Magro).


Reprodução do documento [Revisão e fixação de texto: VB / LG]. 


LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA E DEMOGRÁFICA (pag.4)

1. É difícil fazer uma exacta localização geográfica das diferentes etnias da Guiné, atendendo principalmente ao factor emigração. Efectivamente, mercê de muitas e várias circunstâncias históricas e políticas, os povos guineenses constituíram muitas, e algumas delas significativas, correntes migratórias que, partindo do seu chão originário, se estabeleceram um pouco por todo o território, por tal forma que se pode dizer que vivem hoje, indistintamente, lado a lado, etnias animistas e islamizados, muitas vezes interpenetrando-se e constituindo, como já foi notado anteriormente, subgrupos híbridos.

Uma das circunstâncias mais importantes para o surto migratório foi sem dúvida a eclosão do terrorismo, obrigando povoações inteiras a desalojarem-se e a imigrarem para zonas sob a protecção das Nossas Tropas.

No mapa 1, apresenta-se a localização das principais etnias nos seus chãos de origem. 



2. A localização histórica dos povos da Guiné, dada a infinidade de etnias existentes, torna-se difícil. Em apontamentos desta natureza, não cabem pormenores que se destinariam a um estudo aprofundado. Bastará, talvez, dizer que a maioria das etnias aparece como fusão de várias outras que foram as originárias e são referidas largamente pelos navegadores e descobridores nas suas crónicas. Nelas se dá conta de existirem no século XVI Balantas e Papéis na ilha de Bissau, e Buranos (nome primitivo dos Papéis) e Felupes na zona do Cacheu. Estas três etnias são das mais antigas, sendo os Felupes considerados os mais antigos dos povos originários.

Alguns outros povos existiam já no actual território da Guiné Portuguesa – colónias de Mandingas e Fulas – aquando da sua descoberta. No entanto, o contacto com eles só se verificou mais tarde, dado o tipo de colonização portuguesa, feita através de feitorias junto aos rios. Assim, o contacto fez-se primeiro com os habitantes da faixa litoral e, mais raramente, com povos que vinham transaccionar com os portugueses, de pontos mais afastados do interior.

Já a partir do século XV se inicia a invasão de povos provenientes de vários países do continente Africano. No entanto, só mais tarde há a grande invasão vinda especialmente do Futa-Jalon e territórios limítrofes (Labé, Boé Francês, Futa-Tere, Futa-Quebo, etc.), da Bandú (território situado entre o Alto Senegal e o Alto Gâmbia), Sudão, etc.

Fulas e Mandingas instalam-se na zona do Gabú, trazidos por lutas intestinas, pela necessidade de novas almas para a difusão do Alcorão, pelo desejo de novas pastagens para o seu gado e novas lavras. Travaram lutas com os povos aí estabelecidos (os Beafadas principalmente que se viram subjugados pelos Fulas-Forros em Jaladú que mais tarde se tornou na Forro-ia ou Forreá) e conquistaram posições [...] [ilegível].


Mapa 1- Os chãos dos Povos da Guiné


3. Povo nómada, os Fulas emigraram do Gabú para quase todo o território, especialmente o Leste, onde se encontra ainda hoje em força. Mas, de uma maneira geral, como já foi dito, todas as etnias registam movimentos migratórios. Apontaremos dois ou três exemplos:


A região de Mansoa é chão Balanta. No entanto encontramos aí estabelecidas, a par da maioria Balanta, Mandingas e Fulas.

Na zona de Farim, onde existiam primitivamente os Oincas (ou do Oio, subgrupo Mandinga), encontramos Fulas e Balantas. Aqui, notamos como curiosidade, Balantas e Mandingas permanecem em quase constante conflito, por causa dos roubos que os primeiros praticam por costume tradicional e é condenado pelo Alcorão. Alguns Balantas foram absorvidos pelos islamizados constituindo os Balantas-Mané, que também encontramos em Mansoa.

No actual concelho de Bafatá, habitado primeiramente por Beafadas, Mandingas e Fulas, encontram-se numerosas colónias de Manjacos, Papeis, Saracolés e Balantas, estes em maior percentagem.

No mapa 2, podem ver-se, como curiosidade, as primeiras migrações de Mancanhas (ou Brames), Manjacos e Balantas.


FUNÇÕES CIVIS EXERCIDAS POR MILITARES (p 6/7)


1. Estando a Guiné sob a pressão de um estado de subversão que visa a conquista das populações por vários meios, entre os quais a luta armada; existindo um Quadro Administrativo [QA] com graves deficiências quantitativas e qualitativas e possuidor da falta de meios para realizar a manobra de contra-subversão em tempo útil e, ainda, por razões de controle e segurança, não é possível à Administração Civil encarar sózinha, de momento, o esforço que se pretende realizar.

Assim, porque possuidoras de vários meios, humanos, técnicos e de defesa, as Forças Armadas estão aptas a colaborar, com carácter temporário, com as estruturas administrativas na solução dos problemas sócio-económicos. Porque, também, os problemas de desenvolvimento social e económico constituem a manobra da contra-subversão que é preciso fazer rapidamente e pertence à missão das Forças Armadas [FA].

As FA são, pois, chamadas a participar temporariamente em funções que seriam da competência civil, se os quadros administrativos estivessem em condições de as desempenhar, e que lhes serão totalmente confiadas quando as condições o permitam. São funções de colaboração e reforço da orgânica...[ilegível].


2. (...) Os civis do Quadro Administrativo (QA) pensam e actuam de maneira diferente. E a diferença reside em dois pontos distintos: a estagnação e carências várias do próprio QA e no diferente carácter de obrigatoriedade de uns e outros.

As Forças Armadas são uma organização profundamente hierarquizada, com escalões de comando definidos, com leis e regulamentos mais rígidos e pormenorizados, prevalecendo um forte espírito de disciplina. Arreigados a conceitos burocráticos ultrapassados e morosos por natureza , regulados por leis mais vastas, com um carácter de disciplina menos acentuado e relativo momento a leis de carácter mais geral, os civis do QA têm um diferente comportamento face a situações que exigem a resolução adequada em tempo próprio. A base de toda a actuação entre militares e civis terá de basear-se na compreensão e na colaboração, já que ambos servem o objectivo comum.

3. O tratamento para com as populações terá de ser diferente também. Não se podem obrigar as populações a tomar determinadas posições ou aceitar determinadas soluções pela força ou coacção, excepto quando o determine o interesse colectivo, o bem comunitário. Interessa muito mais usar argumentos válidos, convicentes e visíveis para os levar a optar melhor. No caso concreto das populações com quem vamos trabalhar, há que contar com os seguintes factores de oposição às nossas soluções:
  • são populações menos evoluídas; 
  • têm sofrido pressões físicas e psicológicas dos agentes subversivos; 
  • são muito arreigados aos seus costumes étnicos e às tradições e práticas religiosas; 
  • são diferentes entre si, na sua evolução natural; 
  • duvidam por sistema, devido à estagnação sócio-económica anterior à guerra, às promessas que nunca foram cumpridas antes nessa época e à propaganda inimiga orientada para esse passado. 


Sintetizando, é preciso entender os civis do QA e as populações como tal e como tal actuar nas relações com eles.


IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS (pag. 6/9)


1. A ideia de se fazer o reordenamento das populações em aldeamentos, tem três razões de ser fundamentais:

  • a defesa e controle; 
  • o desenvolvimento social; 
  • o desenvolvimento económico. 
Deixando de parte as questões da defesa, vamo-nos debruçar mais [...ilegível]




Mapa 2 - Primeiras migrações


2. A constituição geográfica da Guiné - sulcada de muitos rios, plana, densamente urbanizada-, a exploração agrícola fazendo-se especialmente junto das bolanhas e as diferenças étnicas que individualizam os agregados, conduziram à dispersão por inúmeros núcleos populacionais.

Com uma população dispersa em áreas muito vastas, torna-se difícil, se não impossível, tomar medidas de desenvolvimento que abranjam a totalidade ou, mesmo a maioria. O esforço económico e humano seria insustentável de momento e, especialmente, moroso.

3. O que se pretende, pois, com os reordenamentos? Agrupar as populações de uma determinada zona num só ou em vários agregados populacionais significativos, possibilitando:

  • a construção de casas com melhores condições de higiene e construídas com materiais mais resistentes aos factores climáticos e aos incêndios; 
  • a construção de condições de protecção social que abranjam um maior número de pessoas (escolas, postos sanitários, fontanários, assistência médica); 
  • a construção de condições de carácter económico que englobem uma população maior (construção de celeiros colectivos, garantia de mercados para venda da produção agrícola, condições técnicas para maior produtividade e outrs possíveis a desenvolver futuramente); 
  • o mais rápido desenvolvimento comunitário considerando um melhor rendimento no aproveitamento dos meios e quadros técnicos empenhados no esforço do desenvolvimento. 

4. Pode parecer sem discussão, a priori, que o reordenamento das populações oferecendo tantas vantagens para o seu desenvolvimento, é sempre bem aceite. Efectivamente, nem sempre isto acontece e por várias razões. Vamos apontar esquematicamente, algumas das principais:

Motivações étnicas:

  • questões havidas entre grupos de uma mesmo etnia que os opõem e obstam a uma vida comunitária; 
  • receio de perda de autoridade dos Chefes tradicionais; 
  • proibição dos Guardas do Irã por motivos de interesse pessoal; 
  • desejo de não mudar de chão; 
  • receio de que faltem, no novo aglomerado, os meios suficientes de subsistência; 
  • desejo de não se separarem dos seus haveres; 
  • outras [razões} que só localmente poderão ser detectadas.

(Continua)

___________


Notas do editor:


(**) Vd. postes de: