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segunda-feira, 29 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25789: Notas de leitura (1713): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Lars Rudebeck foi uma presença constante na Guiné depois de 1976, a ele se devem alguns dos melhores ensaios da bibliografia nórdica sobre a Guiné-Bissau. O seu trabalho de campo assentava em Kandjadja Mandinga, a cerca de 30 quilómetros de Farim e a 10 do Olossato. Ele começa por analisar se houve uma alteração substancial depois do golpe de 14 de novembro de 1980 na política económica, concluindo que o golpe em si não trouxe grandes mudanças, eram as mesmas pessoas nos postos principais da hierarquia do Estado; o agravamento do défice, contudo, em 1982, obrigou a Guiné-Bissau a pedir ajuda ao FMI e ao Banco Mundial, o COMECON, liderado pelos soviéticos, já não podia abonar mais ajuda. E resume a essência do que foi o plano de estabilização e do ajustamento estrutural, projetando-o nessa aldeia de Kandjadja, onde ele procede a trabalho de campo, deixamos para o próximo e último texto as implicações políticas e socioculturais, o PAIGC vai desvanecer-se, a sua presença é cada vez mais diminuta nas profundezas do mato, cada povoação trata de si, a inflação foi impiedosa, como o desemprego e o gradual desmoronamento da saúde e da educação. Que as novas gerações de guineenses reflitam como se passa do heroísmo e da extinção do colonialismo para uma deriva que em determinado momento pretende encontrar recursos na exploração de uma rota da droga.

Um abraço do
Mário


Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista:
Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (2)


Mário Beja Santos

Entro numa loja de comércio justo ligada ao CIDAC, à procura de uma publicação sobre Cabo Verde e encontro a tradução portuguesa de um documento de que há muito ando no encalço: o que representou o ajustamento estrutural em três países africanos de língua portuguesa que foram insurgentes (esclarecedor documento de Kenneth Hermele) e a profunda análise que Lars Rudebeck faz do que significou o ajustamento estrutural numa aldeia a cerca de 100 quilómetros de Bissau, foi matéria de um seminário que decorreu na Universidade de Uppsala em maio de 1989, organizado por AKUT.

Do admirável ensaio de Kenneth Hermele falou-se no número anterior. Dá-se agora a palavra a Lars Rudebeck e ao seu habitual rigor e qualidade ensaística com o título “Ajustamento Estrutural numa Aldeia Oeste Africana”, no caso concreto Kandjadja–Mandinga, a pouco mais de 100 quilómetros de Bissau, a caminho de Farim. O sociólogo sueco começa por abordar o fim da primeira fase da independência da Guiné-Bissau observando que o golpe de 14 de novembro de 1980 em si não significou grandes mudanças, visto que as mesmas pessoas continuaram a ocupar os postos principais na hierarquia do Estado e também as condições estruturais objetivas de desenvolvimento continuaram a ser as mesmas. Continuou a estagnação política, os desequilíbrios económicos agonizaram-se, a chamada “crise da dívida” foi alvo de programas de estabilização e ajustamento impostos e apoiados pelo FMI e pelo Banco Mundial. Nos final de 1982 adotou-se o Programas de Estabilização Económica, a implementar nos dois anos subsequentes e em 1987 vigorou o chamado Programas de Ajustamento Estrutural, planeado para continuar durante a década de 1990.

O primeiro programa implicou uma reorientação da estratégia oficial do desenvolvimento, que tinha tido até então inspiração socialista, dava ênfase ao planeamento e controlo estatais através de um setor público forte que exigia um excedente agrícola que nunca se verificou e que se supunha que iria financiar as indústrias de substituição de importações. É facto que houve aumentos de produção agrícola, mas a Guiné-Bissau continuava bastante abaixo da autossuficiência, dependente de altíssimas importações de arroz e da ajuda alimentar das Nações Unidas. E assim nasceu um programa de ajustamento estrutural drástico que tinha como objetivo reduzir o défice da balança de transações correntes, o défice do setor público e estimular setores produtivos da economia. Os meios adotados eram duríssimos: desvalorizações, manipulação dos preços mínimos ao produtor agrícola, aumento do preço dos serviços de saúde pública, liberalização e privatização do comércio externo, controlo firme dos salários dos funcionários públicos.

A mudança mais visível na Guiné nos finais da década de 1980, foi dada pela presença de vários bens de consumo nas lojas e mercados. Só uma parte muito pequena dos novos créditos obtidos se destinou à produção, o número de donos de propriedades privadas de tamanho médio aumentou cerca de dez vezes, o mesmo quer dizer que uma certa oligarquia do partido do PAIGC obteve créditos de modo a poder ver o seu magro salário aumentado com receitas provenientes da produção privada; caiu a produção industrial, agravaram-se as condições de vida, foi inegável o preço social pago especialmente pelos assalariados urbanos que viram o seu poder de compra drasticamente reduzido, pelos funcionários públicos despedidos, pelas crianças sem possibilidade de obter material escolar e também não podendo ir à escola. Pressupunha-se que as populações rurais pudessem tirar vantagem destes programas de estabilização, mas observa o autor que os aumentos dos preços ao produtor não conseguiram manter-se a par com a inflação. E perante este quadro, Rudebeck que desde 1976 seguia o desenvolvimento socioeconómico e político da aldeia de Kandjadja, voltou ao estudo, fez trabalho de campo: como é que a população estava a reagir, como se podia avaliar o bem-estar rural no quadro do desenvolvimento nacional?

As novas políticas instituídas até 1986 levaram ao encerramento do Armazém do Povo, passo para a privatização da economia. E porquê estudar Kandjadja? Justifica: “Não existe nenhuma aldeia, como tal, que seja estatisticamente representativa de alguma coisa para além de si própria. Kandjadja partilha muitas características com centenas e milhares de outras aldeias guineenses e africanas, subsistindo nas franjas do mercado mundial, apesar de nele integrada, sob a jurisdição de um Estado que a população considera ter decrescente legitimidade.”

Dá-nos a situação da aldeia, não muito longe do rio Farim, na terminologia do PAIGC era uma subsecção da secção administrativa de Olossato. A população corta e queima a floresta para poder cultivar os seus produtos na terra vermelha. A distância a pé até à estrada que liga Farim com Bissau é de cerca de 20 quilómetros, foi reconstruída em 1988/89 através de um programa gerido pelo Governo e financiado pela Suécia, a etnia predominante é a mandinga. Vejamos agora alguns elementos da sua vida económica durante o ajustamento estrutural.

A população de Kandjadja vive da produção agrícola e da criação de gado, a economia do amendoim era relevante. Depois da independência, o nível técnico dos meios de produção aumentou pouco, apareceram arados, algum fornecimento de semente por parte do Governo. Manteve-se a subsistência nas culturas para alimentação (arroz, milho preto, mandioca) e vegetais (feijão, cebola, pimento, etc.) para consumo local, mas a um nível de subsistência baixo. Vender em Bissau era extremamente complicado, para chegar à capital andavam-se 12 quilómetros a pé e depois apanhava-se uma kandonga. O único aumento significativo foi no gado – as vacas representam riqueza. Rudebeck procura fazer a contabilidade aos preços pagos pelo produtor, houve deterioração nos termos de troca, a inflação devorava tudo. E o Armazém do Povo? Fechou na sequência das linhas políticas de privatização. Após o encerramento, a loja mais próxima era em Olossato, a cerca de 10 quilómetros a sul de Kandjadja. Aumentou o comércio não oficial com o Senegal, muitos produtos chegavam à povoação através dos djilas.

Houve um comerciante que trespassou o Armazém do Povo, era um antigo empregado. “Durante o período em que a loja era privada, ela estava muito melhor abastecida do que nos últimos anos da gestão pública e em 1988 não se podia ouvir na aldeia quaisquer críticas sobre a privatização.” O novo dono passou a comprar o amendoim, os privados compram o amendoim para em seguida o vender à empresa estatal de exportação. Esta mudança de relações não teve resultado em nenhum aumento de produção. Iremos agora abordar as implicações políticas e socioculturais do ajustamento estrutural em Kandjadja.

Kenneth Hermele
Lars Rudebeck

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 22 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25770: Notas de leitura (1711): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 26 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25779: Notas de leitura (1712): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24867: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (31): Já estava com saudades de Farim e das canoas de transporte público...


Foto nº 1 >  A minha companhia para Farim, na canoa de transporte público


Foto nº 2 > Chegando ao cais de Farim


Foto nº 3  > Canoa de transporte de mercadorias


Foto nº 4 > Canoa de tipo "Uber" ...


Foto nº 5 >  Rio Farim: canoas de transporte público


Foto nº 6 > O nosso almoço em Farim

Foto nº 7 > Farim: monumento do tempo colonial, comemorativo do 5.º centenário da morte do Infante D. Henrique (1460-1960): ainda dá para perceber a estrofe de Camões. "Por mares nunca dantes navegados"... As letras e os algarismos, em metal, foram retirados (muito provavelmente roubados). De qualquer nodo, o monumento  resistiu ao "camartelo paigecista"... Já estava assim em 25 de abril de 2020. (*)


Foto nº 8 > Cais de Farim


Foto nº 9 > A minh canoa, no regresso

Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 18 de novembro de 2023 

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem (e fotos) que nos foi enviada pelo  Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau"):


 Data - domingo, 19/11/2023, 13:57 

Assunto - Bom dia desde Bissau: as canoas de Farim 

Bom dia, desde Bissau (**)...  Os meus passeios... No dia 18/11/23, fiz uma pequena volta até Farim, estava com saudades das canoas de transporte público. 

Saída de Bissau às 7h, passagem na ponte João Landim, percorri os buracos no pó vermelho até Bula, depois alcatrão até Bissorã e segui na estrada com pó para Mansoa. Dali para a frente, há boa estrada de alcatrão até a rampa sul do rio de Farim.
A viagem demorou 4 horas.
Na rampa do rio, lá encontrei diversas pirogas, algumas muito bonitas, algumas a remos e outras trabalham com um pequeno motor a gasolina, destinadas ao transporte público (Fotos nºs 1, 2, 3, 4, 5, e 9). Lá “cambarmos” dentro de uma, onde vão 12 pessoas, para a outra margem, onde está a cidade de Farim.

Encontrámos tudo na mesma (Fotos nºs 7 e 8)… Fizemos lá nosso trabalho, para pôr a funcionar o Banco de Sangue do Hospital.

Almoçámos o que havia (Foto nº 6)... No caminho de regresso, parar em algumas tabancas para afinar alguns equipamentos, do fornecimento de água nos fontanários, à população, assim como ver os sistemas de água das hortas das mulheres, agora é muito necessária, a chuva só volta dentro de 7 meses.

Visitámos também o projeto, de área protegida de Djalicunda, Mansabá,  onde se pode descansar e dormir (na Zona de K3 / Saliquinhedim).

Passado 13 horas, estávamos em Bissau prontos para outros passeios.

Abraço. Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com
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Notas do editor:

 (*) Vd. poste de 26 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20907: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (14): O 25 de Abril passado em Farim, com crocodilos à mistura no rio Cacheu..., mas levando o luxo (!) da água e da luz ao hospital local... E, hoje, almocei ostras na grelha!

quinta-feira, 2 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24112: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte IV: a visita da delegação militar da OUA, em 1965, às bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari, na região Norte do PAIGC




Três fotogramas do documentário de Piero Nelli (1926-2104),

"Labanta, Negro! " (Itália, 1966, 38' 43'').

Edição (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de n
otas avulsas de leitura do livro  "Crónica de Libertação", de Luís Cabral (*):

Visita da missão militar da OUA em 1965 (pp. 287 –297)


Que fique claro: desde sempre falámos aqui, neste blogue, do PAIGC, da sua história, dos seus dirigentes e combatentes, da sua organizaçãoo, do seu armamento, das suas bases ("barracas") e linhas de infiltração, das suas operações, das sus baixas, dos países que o apoaivam (incluindo a Suécia), da sua propaganda, dos  livros e dos filmes que falam deles, etc... 

Sempre falámos sem quaisquer complexos. O nosso tom é  necessariamente  crítico: afinal somos um blogue de antigos combatentes e não combatemos contra fantasmas... ou extraterrestres... Esses fantasmas ou extraterrestres tinham um rosto e nome: Amílcar Cabral, Luis  Cabral, 'Nino' Vieira, Domingos Ramos, etc. , figuras que já nem sequer estão vivas.... 

Nunca os exaltámos mas também nunca escondemos  que não os podíamos ignorar.  A guerra (que foi um sangrento jogo de xadrez)  já acabou há meio século e é natural que haja memórias que se cruzam, quer gostemos ou não...  Mário Dias, por exemplo, fez a tropa, o 1ºCSM,com o Domingos Ramos... Já escreveu aqui, em tempos, um poste memorável sobre os seus encontros e desencontros... E, de um modo geral, todos temos alguma curiosidade em saber como era o inimigo de ontem, por onde andava, o que se escrevia sobre ele, etc. 

Feita esta prevenção pedagógica, a título meramente introdutório,  voltamos a dizer que um dos problemas com que se depara o leitor, desapaixonado. atento e crítico, da "Crónica da Libertação", de Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (*), é a oum ralidade da narrativa: o autor segue um fio condutor temporal, desde o início da criação do PAI (e depois PAIGC), passando pelo desenvolvolvimento da luta e acabando no assassinato do Amílcar Cabral em janeiro de 1972. Mas nem sempre (ou raramente) há datas precisas.

Sabe-se,por outras fontes, que a primeira visita da missão militar da OUA - Organização da Unidade Africana, criada em 1963, em Adis Adeba, ocorreu em 1965, com início em 23 de julho: em 20 de agosto a comissão militar da OUA dá por findos os seus trabalhos, tendo consegudo visitar instalações do PAIGC mas não as da FLING. Temos de reconhecer, em todo o caso, essa não era a melhor altura do ano , pro se estar em plena época das chuvas, para visitar um território como a Guiné.  

É possível que a delegação se tenha desdobrado, com uns observadores a visitar o Norte e outros o Sul. Por outro lado, sabe-se que Amílcar Cabral escreveu   em julho de 1965,   um "projecto do programa de trabalho da Comissão Militar da OUA incluindo a visita ao Secretariado Geral e às instalações civis do PAIGC em Conakry, bem como às bases militares em Boké e Koundara", visita essa que seria feita, obviamente,  de carrro...

Em 1965 o PAIGC ainda se procurava legitimar, aos olhos de África e do Mundo, que era o único representante dos povos de Guiné e Cabo Verde. Nomeadamente no Senegal, havia (e era tolerada) a presença de representantes de outros movimentos nacionalistas, nomeadamente da FLING. Amílcar Cabral tinha já preocupações hegemónicas (para não dizer totalitárias), não admitindo que houvesse rivais, para mais "oportunistas" (sic) na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde. 

Por outro lado, a intenção do PAIGC (ou do seu estratega, Amílcar Cabral) era também a de convencer os membros da OUA, de que precisava de mais e melhor armamento para poder combater, com eficácia, a tropa portuguesa (incluindo a marinha e a aviação).  

Daí a visita da missão militar da OUA, há muito pedida, com uma delegação  que, no Norte, e segundo o Luís Cabarl (LC), era composta por representantes (todos oficiais subalternos) de 4 países: Guiné Conacri (tenente Djarra), Senegal (capitão Tavares), Marrocos (um tenente) e Mauritânia (um outro tenente) (pág. 288).  Naturalmente, uma missão militar, com postos de baixa patente, como está,  vale o que vale...

Curiosamente, a visita realizou-se, segundo o autor, numa altura de crise política entre estes países, entre Marrocos e a Mauritânia, por um lado, e entre o Senegal e Guiné-Conacri, por outro.  Mas o Amílcar Cabral pôs todo o empenho em que a visita decorresse da melhor maneira e com toda a segurança. 

Há instruções escritas  por ele para o 'Nino' Vieira que estava no Sul. Mas, no Norte delegou no seu meio-irmão, o LC, o acompanhamento da missão. Fala-se na chegada da missão militar (de 3 elementos) da OUA  a Conacri a 15 de junho, mas a carta, manuscrita, de 5 páginas não tem indicação do ano: "É muito possível que o Luís os acompanhe. Depois de visitarem o Sul, irão ao Norte, onde temos de acabar para sempre com as mentiras dos oportunistas" (sic) (referência à FLING):

A delegação da OUA, no Norte,  terá percorrido, durante quase uma semana, cerca de 250 quilómetros, o que nos parece exagero (no caso de o trajeto ter sido feito sempre a pé). Partindo do Senegal, começaram pela base de São Domingos, no noroeste do território, sendo armados (sic) pelo ‘comandante’ Lúcio Soares. O LC e o o seu protegido Xico Mendes acompanharam toda a missão que visitou também a bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari.

Esclarece-nos o LC, que a entrada principal para a Frente Norte, passando pela fronteira com o Senegal, durante muito tempo, situava-se no sector de Sambuiá (pág. 288).

A força do PAIGC ali estacionada tinha como missão assegurar a passagem de homens e material, da fronteira ao rio Farim.

A base situava-se “a pouco mais ou menos três horas de marcha da fronteira” (sic). A vegetação era exuberante, devido à elevada humidade da região. A base era, por isso, das mais frias da Frente Norte, sobretudo no final e princípio do ano . (A referência de LG ao frio que se fazia sentir logo de manhã, leva-nos a pensar que a visita tenha ocorrido em finais de 1965.)

O comandante da base de Sambuiá era então o Bobo Queita, antigo jogador de futebol.  A base tinha abrigos, estando ao alcance da artilharia de Farim. Daqui a missão seguiu em direção da cambança da margem direita do rio Farim, onde uma canoa devia transportá-los a Jagali (lê-se: Djagali) (pág. 289).

Entre a mata de Sambuiá e o rio Farim há uma “larga e descampada planície”, uma enorme lala em que se fica a descoberto.

“Nô pintcha!”, dizia-se então. A expressão tinha vários significados, segundo o autor: 

”Era a chamada para a guerra para a marcha, para a comida, talvez até para o amor” (…) Ou seja: “chamava à realização de algo que exigia a participação de mais de uma pessoa” (pág. 289). 

A expressão não se sabe onde nasceu, durante a guerrilha, se no Norte, no Sul ou no Leste, di o LC.

“A imensa lala de Sambuiá, que se atravessava sem um suspiro de descanso, devido ao perigo que representava ser-se ali surpreendido pela aviação inimiga, ia-se tornando cada vez mais pesada à medida que se aproximava do rio” (pág. 289).

O rio Farim era navegável. Os barcos das companhias comerciais (Gouveia, Ultramarina, etc.) iam a Bigene, a Binta e mesmo até Farim para trazer a mancarra, o coconote ou a “maalira” (que eu não sei o que é, mas presumo que seja uma corruptela de “madeira” ).

O LC aproveita para descrever a paisagem:

“A paisagem que se desfrutava da cambança era de uma beleza impressionante. O rio estenda-se em curvas sinuosas ao longo da sua bacia, bordada nas duas margens pelo verde exuberante das matas de tarrafes, com os seus ramos e raízes emaranhados, donde se destacavam troncos esguios de altura surpreendente (pág. 290).

As populações da margem direita “cedo aderiram à luta de libertação” (sic) (pág. 291), e por isso aquela era uma zona de guerra. Para a guerrilha era um risco permanente atravessar o rio. Sabemos que as NT (sobretudo os fuzileiros) montavam emboscadas em pontos de cambança já conhecidos. Será aqui que morreram em 1972 a Titina Silá.

Feita a cambança, em canoa, a missão dirigiu-se para Djagali, reconstruída pela população (pág. 292). Aquando da receção da comissão da OUA , um navio da marinha flagela Djagali (pág.293).

Mas eram “raras as pessoas” (sic) que se apresentaram para saudar os visitantes. Explicação do LC:

“Havia algum tempo que as populações abandonavam as suas habitações, depois do bombardeamento da tabanca, antes do romper do dia, para só regressarem depois do sol posto, quando a aviação já não podia trazer à tabanca a morte ou a dor com as suas bombas criminosas” (pág. 292).

Os combatentes das FARP eram jovens cuja idade média não ultrapassava os 20 anos” (sic). Trajavam uniformes “muito variados”, com “calças e camisas muito diferentes umas das outras” (pág. 292).

Uma hora depois LC e os seus convidados estavam em Maqué. O comandante era o Quemo Mané (pág. 294). À noite ouviu-se uma explosão, ali perto. Um jovem auxilitar de enfermagem tinha accionado uma mina A/P, que lhe provocou a morte.

“Elementos das milícias coloniais africanas de Bissorã tinham-se infiltrado na área, certamemte no começo da noite, para colocar a mina antipessoal (…) no caminho que ligava a antiga base à fonte de Maqué” (pág. 294).

Os militares da OUA ainda visitaram as bases de Morés e Canjambari. Sabemos, pelo que conta LC, que produziram um relatório. Eu gostaria de o ler e confrontar com o relatondo do LC. Mas onde encontrar, na Net, esse relatório da OUA de 1965?

Parece que as relações do PAIGC com o Senegal de Senghor melhoraram um bom bocado, a partir daí, autorizando o governo senegalês o trânsito de homens e mercadorias pelo seu território. Mas não autorizava ainda que o PAIGC dispusesse de depósitos de armas e munições. Foi um passo: a partir daqui começaram a aparecer, cremos  que em 1967,  os primeiros “armazéns do povo”  (nome algo pomposo...para abastecimento de víveres e outros artigos não só à guerrilha como às populações da linha fronteiriça sob controlo do PAIGC (pp. 296/297).

Sabe-se que em outubro de 1965 , o Amílcar Cabral tinha marcado mais uns pontos: o seu partido fora reconhecido pela OUA como "o único movimento de libertação" da Guiné. No mesmo mês em que Portugal conseguia obter o fornecimento de 40 Fiat-G 91 R/4 por parte da Alemanha, fora dos acordos da NATO.

(Continua)


Guiné > Região do Oio >  Localização aproximada de algumas das "barracas" (ou bases...) do PAIGC  por onde terá passado, em visita, em 1965, a primeira missão militar da OUA:  Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari... Não consta que tenham os homens da OUA tenham ido com o lC do a Sará, que era mais longe e arriscado...

Infografia: Jorge Araújo (2018)
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Nota do editor: