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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26515: S(C)em Comentários (59): Ainda a Op Trampolim Mágico, desembarque anfíbio na margem direita do rio Corubal (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74



Luís Dias

1. Comentário do poste P26513 (*):

A primeira grande operação em que me vi envolvido, quando comandava o 2º Gr Comb da CCAÇ 3491, integrado, juntamente com o 3º Gr Comb  também da minha companhia, no agrupamento "Castanho". 

Recordo que estivemos estacionados dentro de uma LDG, no meio do rio Geba, durante grande parte do dia, na véspera da Operação, que fomos atracar a Porto Gole, para pernoitar (onde penso ter bebido as cervejas mais frescas da minha vida, tal a sede). 

Que no dia seguinte, dentro da LDG lançada 
a toda a força,  fomos desembarcar na Ponta Luís Dias (engraçado ter o meu nome, mas, é claro, não tem a ver comigo), apoiados pelo fogo de artilharia da LDG e o bombardeamento dos aviões da FAP, estando a assistir ao desembarque o General Spínola. 

A operação foi decorrendo e devido a termos ficados parados, expostos ao sol (escaparam a este sacrifício os 2 Gr Comb  da nossa companhia, que eram os últimos do agrupamento e que, depois de ter perguntado ao Capitão que dirigia o agrupamento, o que se estava a passar - parados à espera de ordens (?)- decidi colocar os homens em locais junto de árvores que os protegessem do intenso calor. 

Interessa lembrar que a operação estava a ser levada a cabo, essencialmente, por forças do BART 3873 e BCAÇ 3872, que estavam na Guiné há pouco tempo e ainda não habituados a excessivo calor. 

A operação poderia ter corrido muito mal face à falta de água que se fez sentir, a diversas evacuações de pessoal desidratado e outros acontecimentos que não vou lembrar, porque a falta de água transtorna o cérebro de uma pessoa. 

O IN apercebeu-se da quantidade de homens e material empregue na operação e foi fugindo da zona deixando para trás velhos, mulheres e crianças, que foram levados pelas nossas forças. 

Não tivemos qualquer contacto e o IN apenas durante a noite lançou, à toa, morteiradas, com o intuito de conseguir saber onde estávamos instalados para dormir, mas sem, felizmente, qualquer sucesso e as tropas também decidiram não responder, para que eles não nos conseguissem localizar. 

A operação para o nosso agrupamento terminou em Mansambo, sendo recebidos pelo pessoal desse aquartelamento com jerricãs cheios de água, recebidos como um grande petisco, por todos nós.

Luís Dias, ex-alf mil,  CCAÇ 3491/BCAÇ3872 (Dulombi/Galomaro/Piche/Bambadinca/Nova Lamego/Pirada/Dulombi/Cumeré) | 
Guiné 24dez1971/28mar1974.


(Seleção. revisão / fixação de texto: LG)



Guiné > Carta de Fulacunda (1955) (Escala 1/50 mil) > Posições relativas das NT (a negro): Fulacunda, Ganjauará, Porto Gole e sector L1  (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e do PAIGC (a vcrmelho): Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Mangai, Mina / Fiofioli....

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > 1969/71 > Croqui do Sector L1 > Vd. as posições do PAIGC ao longo da margem direita do rio Corubal: Poindom / Ponta do Inglês (1 bigrupo); Ponta Luís Dias (1 bigrupo); Mangai (artilharia e bazucas): Mina / Fiofioli (base principal, 2 bigrupos); Galo Corubal / Satecuta (1 bigrupo)... As NT tinham unidades de quadrícula em Bambadinca (+ 1 CCAÇ 12, em intervenção), Xime, Mansambo e Xitole (BCAÇ 2852 e depois BART 2917).

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infografia: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados
__________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26513: Imagens das nossas vidas: CART 3494 (1971/74) (Jorge Araújo / Luciano Jesus) - Parte III: A CART 3494 no Xime para render a CART 2715

(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26477: S(C)em Comentários (58): A "Primavera Marcelista" ?...é um mito: eu estava em Coimbra e e apanhei em pleno a crise académica de 1969 (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26513: Imagens das nossas vidas: CART 3494 (1971/74) (Jorge Araújo / Luciano Jesus) - Parte III: A CART 3494 no Xime para render a CART 2715


Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 >  O fur mil António Bonito, do 2.º Gr Comb da CART 3494, preparado para a Op Desfle Festivo (14/15 de março de 1972)

Foto (e legenda): © Luciano Jesus (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Sector L1 (Bambadinca) > Xime, Mansambo e Xitole,  localidades onde ficaram estacionadas as subunidades do BART 3873, respectivamente CART 3494, CART 3493 e CART 3492 (infografia acima).

Acrescentaram-se as subunidades do BCAÇ 3872:  CCAÇ 3489, em Cancolim; CCAÇ 3490, no Saltinho  e CCAÇ 3491, em Dulombi.


Infografia: Jorge Araújo (2025)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Sector L1 (Bambadinca) > Xime, Vista do cais do Xime situado na margem esquerda do rio Geba onde a CART 3494 se aquartelou assegurando o apoio à população da Tabanca (com o mesmo nome) e executando todas as missões que lhe foram atribuídas.



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 >  “Porta d’Armas” do aquartelamento do Xime – entrada norte junto ao Cais seguindo a picada da imagem acima. O Jorge Araújo em março de 1972 (portanto há 53 anos).


Foto (e legenda): © Jorge Araújo  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



IMAGENS DAS NOSSAS VIDAS NA GUINÉ (1971-1974) - PARTE III

A CART 3494 NO XIME PARA RENDER A CART 2715




► Continuação do P24326 (II) (19.05.2023) (*)

1 – INTRODUÇÃO

Após um interregno superior a um ano, motivado por questões de saúde relacionadas com distúrbios na visão, que me levaram ao bloco operatório, retomamos a série "Imagens das nossas vidas na Guiné (1971-1974)” (*), com recurso ao álbum do meu/nosso camarada Luciano de Jesus, fur mil da CART 3494, organizado ao longo dos mais de vinte e sete meses da sua permanência no CTIG, e que fez questão de me oferecer uma cópia, para partilha no blogue.

Com estas imagens carregadas de demasiadas histórias e de outras tantas emoções e sentimentos, onde todas/todos se situam a uma distância temporal superior a meio-século, procura-se também recuperar a história da nossa vida militar, enquanto milicianos, contribuindo deste modo para uma crescente evolução do puzzle de memórias da nossa juventude na guerra da Guiné (1971-1974).

Na Parte I (P24191 - 3.4.2023), “Em Bolama para o I.A.O.”, historiamos o itinerário náutico desde Lisboa a Bissau e, depois, a estadia na Ilha de Bolama, para, no C.I.M., se concluir o processo de instrução global para a “guerra de guerrilha”, denominado de I.A.O.

Na Parte II (P24326 - 19.5.2023), “De Bolama ao Cais do Xime em LDG”, divulgamos o contexto relativo à viagem efectuada a bordo de uma LDG, em 27 de Janeiro de 1972, 5.ª feira, desde Bolama até ao Xime, local reservado à CART 3494 para cumprir a sua missão ultramarina.

Nesta viagem de “Cruzeiro no Geba ” - a primeira, pois outras haveriam de ser feitas ao longo da comissão - para além do contingente da CART 3494, seguiam as restantes unidades de quadricula do BART 3873, comandado pelo Cor Art António Tiago Martins (1919-1992), cuja CCS e Comando tinham como destino Bambadinca (a sede), a CART 3492, o Xitole, e a CART 3493, Mansambo (ver infografia acima).

Tendo por objectivo geral efectuar a sobreposição e render
 a CART 2715, do BART 2917, em final de período operacional visando o seu regresso à Metrópole, foram realizadas diferentes actividades até 15 de Março de 1972, delas fazendo parte algumas operações.

2 – PRINCIPAIS ACTIVIDADES OPERACIONAIS NA SOBREPOSIÇÃO
(Mata do Fiofioli)


► -Operação «Periquito Raivoso» = em 10 e 11fev72

● Forças da CART 3492 e CART 2716, com patrulhamento às áreas de Satecuta e Galo-Corubal.

● Forças da CART 3494 e CART 2715, com patrulhamento á Ponta do Inglês - Ponta Varela - Poidon. O 1.º Agrupamento (E, F) destruiu 16 palhotas e apreendeu 1 granada de RPG; o 2.º Agrupamento (A, B) sofreu uma flagelação da margem esquerda do Rio Buruntuma sem consequências e capturou 1 granada de RPG. Nas zonas do Rio Bissari e Rio Samba Uriel, forças da CART 3493 formam o 3.º Agrupamento (C, D). Em Bambadinca, 1 Avioneta DO, armada, assegurava o apoio aéreo.

► Operação «Trampolim Mágico", de 24 a 26fev72

● Forças da CART 3492, com 4 Gr Comb reforçada com 1 Gr Comb da CCAÇ 3489 e outro da CCAÇ 3490, integrando o agrupamento «Laranja»; 4 Gr Comb da CART 3493 reforçada por 2 Gr Comb da CCAÇ 3491, integrando o agrupamento «Castanho», desembarcaram conjuntamente na presença de Sua Excelência o Governador e Comandante-Chefe, após batimento de zona pela Artilharia da LDG e da FAP.

● Paralelamente aqueles agrupamentos atravessam as regiões da Ponta Luís Dias e Tabacuta. Actuaram em apoio, o agrupamento «Azul» (CART 3494 mais 2 Gr Comb da CCAÇ 12), agrupamento «Amarelo» (GEMIL’s 309 e 310); agrupamento «Preto» (CCAÇ 3490); agrupamento «Verde» (CCP 123); 1 parelha de FIAT’s de BISSAU, 1 parelha de T-6, 2 Helicópteros e 1 Heli-Canhão (Bambadinca).

● Foram recolhidos 32 elementos da população, aprendida documentação e material de secundária importância e destruídas várias tabancas. As NT sofreram 10 evacuados por cansaço, insolação e desidratação.

Sobre a Op Trampolim Mágico, ver:












Mata do Fiofioli >1972 > Zona de mato denso onde estavam diversas palhotas que serviam de refúgio a elementos do PAIGC e população que os apoiava e que foram destruídas pela nossa passagem. (Foto de Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74 (imagem repetida no P16396


► Operação «Desfile Festivo» em 14 e 15MAR72

● Executada por 3 Gr Comb da CCAÇ 12; 1 Gr Comb da CART 3494; 1 Gr Comb (+) da CART 2715; 1 Gr Comb da CART 3493; PEL CAÇ NAT 52 (-); Pel Caç Nat  54; GEMIL 309 e 310; PEel Mil  241, 242, 243, nas regiões de Bambadinca, Mato Cão, Enxalé, Xime, Ponta Coli e Mansambo.


Foto nº 1(  à direita ) >  O fur mil António Bonito, do 2.º Gr Comb da CART 3494, preparado (?) para a Op Desfle Festivo.



3 – EM 14.MAR.72 - RENDIÇÃO DA CART 2715 PELA CART 3494



Concluído o processo de sobreposição e substituição da CART 2715, a CART 3494 assumiu na plenitude o controlo do subsector do Xime, desenvolvendo a actividade operacional integrada no dispositivo e manobra do BART 3873, sediado em Bambadinca, através da realização de operações, patrulhamentos, emboscadas, protecção e segurança do itinerário rodoviário Xime-Bambadinca-Xime, bem como garantir a total protecção das populações mais próximas, incluindo a assistência médica (enfermagem) e a redução da iliteracia dos jovens.

4– DESTACAMENTO DO ENXALÉ – 2.º Grupo de Combate


De acordo com a responsabilidade operacional do seu subsector, foi nomeado um Gr Comb para o Destacamento do Enxalé, situado na margem direita do Rio Geba, em frente ao Xime. Essa decisão recaiu no 2.º Gr Comb, comandado pelo alf José Henrique Fernandes Araújo (?-2012), de Arco de Valdevez, e dos furriéis: Luciano de Jesus, de Cascais; António Bonito, da Carapinheira  e Benjamim Dias, do Porto.





Foto 1 - Março de 1972 > Quarteto de comando do 2.º Gr Comb da CART 3494. Da esquerda para a direita:  fur Luciano de Jesus; alf José Araújo; fur Benjamim Dias e fur António Bonito.



FOTOGALERIA DO ENXALÉ - 1972


Em função dos objectivos desta série, foram seleccionadas as primeiras oito imagens do álbum do camarada Luciano de Jesus:



Foto 2 – Principal edifício do Enxalé e instalação das transmissões.



Foto 3 – Mulheres da população pilando o arroz.


Foto 4 – Parque auto a céu aberto


Foto 5 – Jipe de serviço.



Foto 6 – Espaldar da bazuca, vala de segurança e instalações de pernoita.



Foto 7 – Parede de bidões de protecção das habitações (neste caso a da enfermaria).



Foto 8 – Parede de bidões de protecção das habitações (exemplo).


Fotos (e legendas): © Luciano Jesus (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(Continua)

Terminamos agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo e Luciano de Jesus

31Jan2025

___________

Nota do editor:

Vd. poste anterior > 3 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24191 Imgens das nossas vidas: CART 3494 (1971/74) (Jorge Araújo / Luciano Jesus) - Parte I: De Lisboa a Bolama

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16562: (De)Caras (47): Ainda o enigma dos ferimentos de Mamadu Indjai [N'Djai] e a missão do Bobo Keita na mata do Fiofioli (Jorge Araújo)


Mamadu Indja (ou N'Djai), "herói e vilão", membro dos  serviços de segurança e chefe da guarda do secretariado do PAIGC, "ainda em convalescença", numa rara (e desfocada) foto, em Conacri, s/d, (c. 1973)... Recuperada de fotograma de vídeo da RTP, série "A Guerra", de Joaquim Furtado, 2007  (com a devida vénia...). Trata-se do episódio do assassinato do Amílcar Cabral e da prisão de Aristides Pereira.

[E, a propósito, diga-se que a série "A Guerra" é um trabalho ciclópico, sério e honesto de investigação, feito pelo Joaquim Furtado e a sua equipa, da RTP, que merece todo o nosso apreço e reconhecimento, independentemente de inevitáveis falhas, erros, omissões  e contradições. Isto,  sim, é verdadeiro  "serviço público". É pena que os vídeos não estejam disponíveis "on line", no sítio institucional da RTP, para o público lusófono em geral e os ex-combatentes em particular, e andem por aí pirateados... Vd. aqui a lista com resumo das 4 séries, em 42 episódios, transmitidos pela RTP, de 2007 a 2013, disponibilizada  por  http://www.macua1.org/guerrajf/aguerra.html ] (LG)




O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: 


(i) nasceu em 1950, em Lisboa; 
(ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 
(Xime e Mansambo, 1972/1974); 
(iii) é doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009),  
 em Ciências da Actividade Física e do Desporto;
(iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), 
Portimão, Grupo Lusófona; 
(v) coordena o ramo de Educação Física e Desporto, 
da Licenciatura em Educação Física e Desporto.


Mensagem do Jorge Araújo com data de 3 do corrente:

Caro Camarada Luís,

Bom dia.

Na sequência da leitura da acta da reunião do Conselho de Guerra, realizado em Conacri, em maio de 1970, permitiu-me chegar a novos dados sobre o tema em epígrafe. (*)

Porque acrescentam mais alguma coisa ao já divulgado, tomei a iniciativa de os organizar em nova narrativa, que anexo. (**)

Boa semana.

Um abraço, Jorge Araújo.



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE: AINDA O EMIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] E A MISSÃO DE BOBO KEITA NA MATA DO FIOFIOLI



1. INTRODUÇÃO

A presente narrativa tem por base fontes de informação «(d)o outro lado do combate» (título utilizado igualmente no projecto dos médicos cubanos, ainda não concluído), onde novos factos considerados fiáveis, nomeadamente no que concerne ao enigma relacionado com os ferimentos em combate do comandante Mamadu Indjai [N’Djai], nos permitem ficar mais próximo da verdade e que, pelo seu valor sócio-histórico, decidimos partilhá-los convosco.

Em simultâneo, e no desenvolvimento da investigação que continuamos a fazer, daremos conta também de outros acontecimentos relevantes tendo Bobo Keita (1939-2009) por protagonista, na medida em que entre ambos existem pontos em comum, de que um exemplo é o de terem sido nomeados comandantes da Frente da Mata do Fiofioli, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, cada um em tempo diferente, no mínimo entre os anos de 1969 e 1970.



2. O CASO DE MAMADU INDJAI  


Como foi referido no P16506 (*), ficou provado que Mamadu Indjai era responsável pela segurança pessoal de Amílcar Cabral (1924-1973), não se sabendo desde quando foi tomada tal decisão, e que em 19/20 de janeiro de 1973 é acusado de ter estado envolvido no assassinato do secretário-geral do PAIGC, vindo a ser executado alguns dias depois por esse motivo.

Disso dá-nos conta Beja Santos no seu espaço «Notas de leitura: Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral» onde cita:

[…] “Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Ele era Mamadu N’Djai [Indjai], herói nacional, comandante da Frente Norte, três vezes ferido em combate e, de [naquele] momento, em Conacri, precisamente em convalescença do seu último ferimento” (P11001).

Valoriza-se nesta passagem o facto de Mamadu Indjai ter sido ferido três vezes ao longo da sua actividade de combatente na guerrilha. Não se sabe, porém, quando, como e onde terão acontecido as duas primeiras, bem como a dimensão de cada episódio, aceitando-se que a última vez [a terceira] seja a ocorrida durante o ano de 1972.

Entretanto, com a ajuda do nosso amigo Cherne Baldé, a quem agradecemos, ficámos a saber que Mamadu Indjai era um Guineense, do grupo etnolinguístico Biafada, natural do sector de Injassane (Ndajassane), ao norte de Buba, região de Quínara. Soube, através de um antigo combatente, que Mamadu Indjai foi um dos mais antigos elementos da guerrilha. As suas acções/tarefas/missões consistiam na sabotagem de telecomunicações e vias de comunicação através de abatizes, factos realizados num tempo anterior ao início da guerra [comentário ao P16519].

Pelo exposto conclui-se que Mamadu Indjai contabilizou uma experiência de guerra de mais de uma década. Durante esta fracção de tempo, sofreu ferimentos em combate no decurso da “Op Nada Consta”, em 18 de agosto de 1969. Porém, fica-se sem saber se esta foi a primeira ou a segunda vez.

Nesta data, o cmdt Mamadu Indjai foi gravemente ferido ao fim da tarde, depois da acção inicial de grupos de paraquedistas do BCP 12 que efectuaram um heli-assalto de surpresa a uma base IN de que resultou a sua destruição, a captura do roqueteiro Malan Mané e do seu RPG2 e de outras baixas (P23 + P2683).

De acordo com a última informação elaborada por Torcato Mendonça [que também lá estava], parte do grupo de Mamadu Indjai cairia numa emboscada montada pelo 3.º Gr Comb da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos),  no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari.

Durante essa noite ouviu-se no rádio, e de forma clara, os apelos do IN para tentarem ajudar a saída para Conacri [ou Boké, que ficava mais perto] do cmdt Mamadu Indjai.

Em função dos diferentes relatos acima, considera-se historicamente válido o nome da “Op Nada Consta”, enquanto a “Op Anda Cá”, referida no P9011, não faz o mínimo sentido naquele contexto, pois nunca existiu [Torcato Mendonça].

Aproximadamente nove meses depois destes ferimentos, Mamadu Indjai considerou-os, de facto, graves, referindo-se a eles na Reunião do Conselho de Guerra (alargado), realizada entre 11 e 13 de maio de 1970, em Conacri, na presença de altos dirigentes do PAIGC, incluindo o seu líder, Amílcar Cabral.

A propósito dessa ocorrência, no final da sessão da noite do primeiro dia dos trabalhos, Mamadu Indjai fez uma intervenção, a qual ficou exarada em acta, de cujo conteúdo dá-se conta abaixo [p 11], bem como a sua fonte.



Citação:
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125 (2016-10-01).


Transcrição da intervenção de Mamadu Indjai, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra

Mamadu N’Djai (Indjai) – Agradeceu à Direcção do Partido o grande apoio que lhe deu para salvar a sua vida. Está pronto para retomar o trabalho, em qualquer momento. Pede uma missão entretanto, para não estar mais parado.

Amílcar Cabral – Esclareceu que ele não esteve parado. Convalescença não é estar parado. Podemos mandá-lo, por exemplo a Koundara [território da Guiné-Conacri, conforme imagem abaixo], “onde pode dar uma ajuda aos camaradas”.

(interrompeu-se a reunião às 00h00. Continua amanhã (12 de maio) às 16h30 da tarde. Nota: Amílcar propõe que depois de amanhã toda a gente deve preparar-se e quinta-feira partir).








3. O CASO DE BOBO KEITA


Sobre o estado de saúde de Mamadu Indjai e da sua posterior e natural substituição pelo comandante Bobo Keita (1939-2009-01, em Lisboa), Luís Graça, no seu espaço «Manuscrito(s): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível», cita:

 “Depois do ferimento grave de Mamadu Indjai, "operado de urgência na zona 7", o Amílcar Cabral não sabia quem o deveria substituir... O Bobo Keita ofereceu-se, em Boké, para substituir o Mamadu Indjai "por 15 dias", por sugestão de Amílcar Cabral... Acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970... A "zona 7 (...) ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole", diz o Bobo Keita, nas suas memórias "De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita", de Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011, 303 pp. (P16444).

Por outro lado, Beja Santos, em nova «Notas de leitura: De campo em Campo, de Norberto Tavares
de Carvalho»: refere:

[…] “Bobo Keita é um guerrilheiro da Frente Norte, anda por Binta e Guidage, a base era Sambuia. Em junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo e depois regressa [quando?] à frente Norte. No ano seguinte (1969), frequentou seminários em Conacri e depois foi para a [ex] Jugoslávia. No regresso [agosto de 1969?], ofereceu-se para ficar nas regiões do Xime, Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses [provavelmente até finais de maio de 1970?], vinha substituir provisoriamente [?] Mamadu Indjai.

Sobre o Bobo Keita temos 15 referências
no nosso blogue (incluindo
 transcrições das suas memórias)
Reorganizou a quadrícula: “a primeira medida que tomei no Leste foi acabar com a base central [em Mina / Fiofioli ] onde se concentrava toda a guerrilha e que daí procedia a longas marchas para ir atacar os quartéis.

Além disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão. Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos [?] e um comando móvel.

Da análise às informações divulgadas por Bobo Keita, Beja Santos acrescenta: trata-se de “um relato com muitos altos e baixos. (…) Há notoriamente silêncios, beliscadelas e sentimentos feridos. (…) Estes comandantes recebiam documentação, mas nunca a invocam e muito menos a exibem. O que nos leva permanentemente a questionar como é que se vão cozer todas estas peças constituídas por depoimentos que mais ninguém valida” (P9137).

Daí que a expressão: “acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970” diz-nos pouco; é ambígua, pois não refere o(s) motivo(s) da sua saída: foi de sua iniciativa ou foi decidida superiormente… imposta?

As respostas a estas interrogações fomo-las encontrar na acta da Reunião do Conselho de Guerra acima referida, e que seguidamente se apresentam:




Transcrição da intervenção de Amílcar Cabral, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre Bobo Keita

[…] Quanto a Xitole-Bafatá há um problema a resolver com bastante urgência. Parece que Bobo [Keita] com António Fiaz [Gomes] a coisa não está bem. Informa-se que Bobo nunca está lá, faz daquela fronteira [Leste] como uma fronteira do Senegal. Diz que não pára lá. Vamos investigar. Pede a Osvaldo [Vieira] que se encarregue de saber da situação neste Sector, que é um Sector-Chave para nós. Sobre Bafatá-Gabú (Sul) fizemos algumas operações, passaram o rio. Pensa que Baro Seidá só é que deve ficar lá. […]




Transcrição das intervenções de Osvaldo Vieira, Pedro Pires e Amílcar Cabral, manuscritas por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre a situação no Sector 2 (Leste)

Osvaldo Vieira (1938-1974) – Informa sobre a situação no Sector 2. António Fiaz [Gomes] está aborrecido com Bobo [Keita]. Bobo criou uma situação incómoda, porque combinou um encontro com os camaradas mas ele, Bobo, não apareceu. Refere que Mamadu [Cassamá], na frente Leste [viria a morrer em Copá, em 07 de janeiro de 1974 - P16317], os outros camaradas não queriam lá a sua presença. Ele faz lá reuniões. Foi em três bigrupos. Os camaradas levados por José Sambú recusaram-se a seguir as indicações de Mamadu. […]

Pedro Pires (n. 1934) – Fala sobre a situação de Bafatá-Gabú (Sul). Humberto tem lá dois bigrupos mas confronta-se com dois problemas: as distâncias e o rio [Corubal]. Ele está um bocado em baixo. Sobre a questão dos bigrupos há um problema: é que os comandantes não estão à altura, querem só estar fora. Isso não pode ser. Refere o exemplo do Papa-Soares. Humberto lamenta-se que não foi ouvido e está abatido.

Amílcar Cabral (1924-1973) – Quanto ao Humberto, de facto põe-se o problema da distância. Há ou não há população. São os próprios combatentes que têm de transportar o material. Explica como proceder em relação ao Humberto. Humberto está abatido porque não queria sair da reinança de Quinara. Ele não tem razão para afirmar que houve acusações injustas. “Há que mudar os comandos dos bigrupos ou mesmo os bigrupos. Devem agir rápido para evitar encrencas entre António Fiaz [Gomes] e Bobo Keita”. Refere o caso de Luís Gomes.

Infere-se deste último parágrafo que Bobo Keita (1939-2009), enquanto comandante de um bigrupo instalado na região da Mata do Fiofioli foi substituído na sequência da decisão tomada na Reunião do Conselho de Guerra de 11 e 13 de maio de 1970, e por este omitido no seu livro de memórias.



Nota: Para a elaboração deste texto foram utilizadas como fontes bibliográficas o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné [ou blogue da Tabanca Grande]  e portal «Casa Comum – Fundação Mário Soares», com a devida vénia, de acordo com as seguintes referências:




Instituição:
Fundação Mário Soares

Pasta: 07073.129.004

Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry

Assunto: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, de 11 a 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.

Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai

Secretário: Vasco Cabral

Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 - Quarta, 13 de Maio de 1970

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1960-1970.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: ACTAS
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(**) Último poste da série > 2 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16549: (De)caras (46): Ainda sobre a morte do alf mil Linhares de Almeida (1942-1967), nascido em Bissau e sepultado em Vila Nova da Barquinha (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

sábado, 17 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16497: Memória dos lugares (346): Em abril de 1963, eu fui, com uma secção, de Taibatá (subsetor do Xime) até Satecuta (subsetor do Xitole), atravessando a mata do Fiofioli, e falei com o chefe e a população da tabanca de Satecuta, espantados por nos ver... Regressei pelo mesmo caminho, a tempo de almoçar a Taibatá... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

1. Comentário de Alcídio [José Gonçalves] Marinho,  ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65); vive no Porto; é membro da nossa Tabanca Grande desde 23/9/2011 (*)


A MATA DO FIOFIOLI (*)

Em fim de abril de 1963, o nosso pelotão (3º), com apenas duas Secção, a 2ª (Fernando Condez) e a 3ª (a minha), estando a 1ª destacada em Paunca (Victor Lezaola), e comandados pelo alferes mil Cardoso Pires, fizemos vários patrulhamentos abaixo do Xime, um a dois por semana. 

Ora, num desses primeiros patrulhamentos,  foi-nos destinado deslocarmo-nos à mata do Fiofioli. Eu já tinha ouvido falar da referida mata, na 3º  classe da escola primária, quando estudámos a geografia das colónias. 

Aliás,  já em Santa Margarida,  quando esperávamos o embarque para o Ultramar, tinha explicado, aos militares do nosso pelotão, vários aspectos (fauna, flora, tempo, etc) sobre África, pois havia lido o livro "África",  do Henrique Galvão.

Assim, partimos de Bafatá, paramos em Bambadinca, em Amadelai, no Xime, e quando chegamos ao entroncamento para a Ponte do Inglês, junto ao rio Corubal, viramos á esquerda para Taibatá. Aí o Alferes chamou-me e disse:
- Ò Marinho, você é capaz de ir até Satecuta, que nós ficamos aqui e preparamos o almoço ?!
Respondi: 
- Ok,  eu vou, não há problema.

Para esclarecer, eu no primeiro patrulhamento, com apenas três dias da Guiné, tinha comprado numa loja de Bafatá  (Casa Correia ou casa Barbosa), na Avenida Principal, logo abaixo da Transmontana, uma panela de alumínio,  com capacidade para alimentar cerca de 20 homens, para não comermos ração de combate, como queria o furriel vagomestre (Ramiro Gomes)... Comprávamos batatas ou arroz e requisitava-se atum (lata de 2.5 kg)  ou polvo seco (cesto).... Ou até uma granada no rio e tínhamos peixe. Pedi na Mecânica, para me fazerem uma trempe, para assentar a panela e,  com uns gravetos,  toca a cozinhar.

Lá avançamos então  para a mata do Fiofioli. A primeira impressão, á época, foi que era uma mata diferente das outras, que já conhecíamos, pois as árvores eram muito altas (20 ou 30 metros ou mais), a luz coava-se através das folhas, muito ténue, tudo escuro, e o chão em muitos locais era liso ou tinha tufos de ervas e arbustos rasteiros.


Com cautela redobrada e atentos, lá seguimos pela picada até Satecuta. Ao chegarmos à tabanca, o pessoal (homens, mulheres e crianças) ficaram espantados, por nos ver. Falei com o chefe da tabanca, através do cabo Mamadu Baldé (fula-forro), que nos recebeu muito bem.

Regressámos pelo mesmo caminho, onde nos esperava o resto do pessoal,onde almoçámos.
De tarde, fomos à Ponte Varela, à confluência do Corubal e do Geba, em frente à bolanha do Enxalé.

Mais tarde, tocou-nos a atravessar o Fiofioli, quando estivemos destacados no Xitole (fim de maio, junho, julho e meio de agosto de 1963).
Ab
Alcídio Marinho
CCaç 412 - Abril/1963-Maio/1965



Mapa (esboço) do Sector L1, ao tempo do BCAÇ 2851 (1968/70), do BART 2917 (1970/72) e da CCAÇ 12 (1969/71)... Vd. posição relativa de Taibatá, Fiofioli e Satecuta... De Taibatá a Satecuta, em linha reta, deveriam ser uns 25 km.

Observações:

NT= Nossas Tropas;
Badora, Bissari, Corubal, Cuor, Xime = Regulados;
RGeba, RCorubal = Rio Geba, Rio Corubal;
N, W, S, L= Quatro pontos cardeais: norte, oeste, sul, este;
IN= Inimigo;
1 = Um bigrupo (50/60 guerrilheiros);
2 = Dois bigrupos (90/100 guerrilheiros);
A/B = 1 grupo de artilharia (morteiro 82, canhão s/r 75 e 82) + 1 grupo especial de bazuqueiros (RGP) (Mangai…).

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)
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Notas do editor:


(**) Último poste da série >  14 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16489: Memória dos lugares (345): O destacamento e a jangada de João Landim, no Rio Mansoa (José Nascimento / Francisco Gamelas / Leonel Olhero / Alcídio Marinho)

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16441: Notas de leitura (876): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte IX: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (V): Finalmente o regresso a casa, depois do pesadelo do Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal... Este homem, hoje professor universitário (?), tem histórias para contar aos netos... (Jorge Araújo)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/1969) – Agosto de 1969. Malan Mané a ser interrogado pelo ex-alf mil Torcato Mendonça [Vd. poste P6948] (*).

 A foto é do alf mil Cardoso, e chegou-nos à mão através do ex-fur mil Carlos Marques dos Santos, de Coimbra.

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Nona parte, enviada em 1  do corrente, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato, a especificidade e as limitações do blogue.

Mensagem do Jorge Araújo com data de 1 do corrente:

Caro Luís: Bom dia. Segue mais um fragmento do nosso projecto «Médicos Cubanos», o último relacionado com a entrevista a Alfonso Delgado. No início de um novo ano académico, com a primeira reunião a ter lugar na próxima 2.ª feira, em Portimão, vou tentar cumprir com as rotinas anteriores.

Bom trabalho. Um abraço, Jorge Araújo.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


1. INTRODUÇÃO

Apresento ao colectivo da Tabanca Grande a nona parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

Com esta narrativa [a quinta] dou por encerrada a entrevista ao médico Amado Alfonso Delgado, a segunda no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.]  ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.

Recordo que por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ou contextualização  ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue. 

Esta minha decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais, em cada situação concreta, antes pelo contrário, uma vez que neste conflito bélico existiram dois lados, e daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos cubanos”.


2. O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [V]

Esta nona parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quinto e último fragmento em que foi dividido a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.

Nos quatro fragmentos anteriores [P16357; P16380; P16396 e P16420] (*), referentes às primeiras vinte e uma questões, encontramos um historial de dois anos (1967/1969), entre os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma "missão internacionalista", tendo-lhe surgido a hipótese de o fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou, até aos actos médicos realizados nas "bases" do PAIGC, em particular nas existentes na mata do Fiofioli (Sector L1 – Bambadinca).

Aí esteve cercado por diversas ocasiões, aonde viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas "enfermarias" (de campanha), por quatro vezes. Por isso, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.

Em função da intensa actividade operacional das NT e do PAIGC, entre 8 de março e 18 de junho de 1969, Alfonso Delgado acabaria por desempenhar o seu papel de profissional de saúde, certamente com elevado grau de dificuldade, prestando apoio aos guerrilheiros feridos em combate, incluindo a realização de algumas cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite à luz de archotes de palha ardendo.

Recorda-se que o crescendo da actividade operacional na região da mata do Fiofioli, num cenário de guerra de guerrilha, tem o seu início com a “Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março de 1969, movimentando cerca de 1300 efectivos, seguida pela “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e a “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb.

A resposta do PAIGC surgiu treze dias depois, em 18 de abril, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada entre Amedalai-Xime, esta liderada por Mário Mendes cmdt do bigrupo que aí actuou.

Seguiu-se, depois, na noite de 28 de maio de 1969, o ataque ao aquartelamento de Bambadinca (aquele que seria o primeiro e único), aonde estava instalado, à data, o comando do BCAÇ 2852 (1968/70) e a respetiva CCS. Durante o ataque, que durou cerca de quarenta minutos, participaram dois bigrupos (mais de cem elementos), tendo utilizado três canhões s/r, morteiros, RPG, metralhadoras ligeiras e pesadas e armas automáticas de assalto, sem grandes consequências.



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 > 2º Grupo de Combate > 1970  > Crianças ou adolescentes, provavelmente de Amedalai, a tabanca mais próxima da ponte, divertem-se, dando saltos para a água, sob a supervisão de um dos nosso militares.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]

Em simultâneo com este ataque, era dinamitada a ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime (imagem cima, retirada do poste P12626, com a devida vénia).





Guiné > 1969/71 > Croquis do Sector L1 / Zona Leste (Bambadinca)  > Vd. posição relativa da base do PAIGC em mina / Fiofioli, ma margem direita doRio Corubal a noroeste do Xitole  (vd. Sinais e legendas).

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados


No mês seguinte, em junho de 1969, foi realizado um vasto programa de acções contra diversos quartéis e destacamentos da frente Leste: Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas, sendo de admitir tratar-se do cumprimento de uma orientação superior transmitida em documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho desse ano, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos dessa frente, devendo nalguns casos ser repetido durante três dias.

Em resumo e no período em apreço, as principais operações das NT na mata do Fiofioli realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo o PAIGC com ataques a aquartelamentos, destacamentos e emboscadas, em abril, maio e junho, nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime e Bambadinca, incluindo Mansambo e Xitole (subunidades de quadricula), a saber: Xime, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo, Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta na infogravura).

 Eis, pois, os último excertos (em itálico)  da entrevista dada  pelo médico Amado Alfonso Delgado. (***)


Entrevista com 25 questões [Parte V, da 22.ª à 25.ª]

“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


(xxii) Como é avisado para deixar 
a Guiné-Bissau?

Foi de forma casuística. [Em agosto], depois de sair de um cerco que nos fizeram as tropas helitransportadas [paraquedistas do BCP 12] fomos para um lugar perto do acampamento [provável  referência à “Op. Nada Consta”].



[A “Op. Nada Consta” realiza-se a 18 de agosto de 1969, envolvendo cerca de duas centenas e meia de militares, divididos por dez Gr Comb pertencentes à CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr), CART 2339 (3 Gr), PEL CAÇ NAT 53 e BCP 12 (2 Gr da CCP 122 + 1 Gr da CCP 123, sedeados em Galomaro). Esta “operação especial” tem o seu início pelas 09h30, sempre sob mau tempo (estávamos na época das chuvas), e surge na sequência do ataque de mais de duas horas a Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, realizado ao amanhecer do dia 30 de julho de 1969, tendo o PAIGC utilizado um efectivo de bigrupo com recurso a armamento pesado (P6948)].

[Com o dispositivo das NT distribuído nas proximidades do Rio Biesse (a CCAÇ 12, a leste; o Pel Caç Nat 53, a norte, e a CART 2339, a oeste e na estrada Mansambo/ Xitole, junto à ponte do Rio Bissari), avança a primeira vaga de paraquedistas do BCP 12, colocados na ponta da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se estende para sul. Cinco minutos depois era capturado um elemento IN com o seu RPG-2, sucedendo-se mais duas vagas de hélis transportando os restantes páras, que passaram a percorrer a mata de norte para sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão, sendo feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Um dos mortos era chefe de bigrupo, de apelido Sampunhe (P6953)].

[O interrogatório sumário que foi feito naquela ocasião ao guerrilheiro capturado pelos páras, este diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata (P23 + P2683)].

[Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona de acção das NT, e retiram-se muito provavelmente na direcção da base de Biro. Em função das informações dadas pelo prisioneiro, Malan Mané, as tropas paraquedistas seguiram no dia seguinte em direcção daquela base, tendo capturado mais o seguinte material:

1 metralhadora ligeira “Degtyarev”; 1 espingarda automática “Kalashnikov”; 1 pistola-metralhadora “PPSH”; 1 LGFog RPG-2; granada para LG P-27 “Pancerovka”; 12 granadas para LG, RPG-7; 85 granadas para LG, 3 cunhetes com munições; 7 granadas de RPG-2; 9 granadas de morteiro 60; diversos bornais, marmitas, fardamento e botas novas, documentos de interesse, incluindo relatórios onde se refere a ocorrência de dois mortos e seis feridos, por parte do IN, no ataque a Candamã, a 30 de julho de 1969. Pela CART 2339, foram levantadas duas minas A/C (P6948)]. Estranha-se, uma vez mais, a não referência à captura de material de enfermagem e a medicamentos, sabendo-se da existência de enfermarias de colmo naquela zona.

[Quanto a Malan Mané, seguiu para Galomaro com os páras para novo interrogatório, sendo levado, depois, para Bambadinca, onde ficou preso. Esteve também em Mansambo, vindo a ficar gravemente ferido na “Op. Pato Rufia”, em 7 de setembro de 1969, no Xime, numa acção conjunta constituída pela CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr); CART 2520 (2 Gr) e PEL. CAÇ. NAT. 53, 63 e 52. Malan Mané foi evacuado para o Hospital Militar, em Bissau (P146 + P2683), Mais detalhes sobre Malan Mané em P1011; P2683 e P6984.]

[A participação de Malan Mané nesta “Op.” aconteceu porque ele estivera lá, três meses antes, num destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelas à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata cento e cinquenta metros. Nessa altura os efectivos eram de cerca de quarenta elementos, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocava para a Ponta Varela, afim de atacar as embarcações que circulavam no Rio Geba (P146)].

[Neste novo acampamento] o ajudante que andava comigo e, ao que me diziam, Arrebato piorou. Começou a manifestar um obsessivo delírio de perseguição. Dizia que os próprios guerrilheiros o queriam matar, e uma noite foi desarmado pois já estava bastante débil, e fugiu para a mata. 

Deu-se o alarme entre toda a população e ao fim de seis dias [final de agosto?] foi encontrado completamente depauperado, com os olhos inchados, cheio de furúnculos e pesando à volta de quarenta quilos. Falei com o chefe do acampamento, de nome Mamadu Indjai, e acordamos a sua saída da Frente, para a qual me indicou dois guerrilheiros. Isto foi em [início] setembro de 1969, quase no fim da missão.

[A ser verdade este acordo feito na presença de Mamadu Indjai nos últimos dias de agosto, ficando a zona sem apoio médico, estamos perante um “caso de divergência factual, logo histórica”, contraditada por outras informações aqui editadas. Ex.1: “Op. Nada Consta”, em 18 de agosto, (…) um grupo cairia numa emboscada que forças da CART 2339 tinham montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari, e em resultado da qual ficaria gravemente ferido Mamadu Indjai (soube-se mais tarde) (P6948). Ex.2: Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai (…) foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado [?] (P23). Ex.3: (…) Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na “Op. Anda Cá” (em 15 de agosto de 1969) (P9011)].

[Chegado o dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato], meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos. 

Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da Frente.

Quando chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar, pois tinha terminado a missão. 


Durante a espera, um dia fui informado que o [João Bernardo] “Nino” Vieira (1939-2009) - um dos líderes do PAIGC [, comamdante da Frente Sul]- queria fazer uma incursão pelo território e queria que eu fosse com ele. Pensei que se me tinha salvado nas anteriores ocasiões, nesta não o iria conseguir. Na manhã do dia seguinte formamos para sair e quando estávamos prontos chegaram umas viaturas aonde estavam os novos médicos, pelo que fiquei mais aliviado. E, como é lógico, não saí de novo para a Frente.

Antes de sair da Frente fui a Boké e depois a Conacri, aonde cheguei em setembro de 1969 [terceira semana?]. Recordo-me que um membro da missão cubana me perguntou se queria comprar alguma coisa e mais tarde trouxe-me uns sapatos para a minha filha, uns calções para o meu filho e um corte de tecido para a minha mulher. Naquele momento tinha dois filhos e tinha-me casado em 1963, quando ainda era estudante.


Em Conacri embarcámos num navio e fomos até ao Congo Brazzaville, aonde estivemos cerca de duas semanas, tendo atracado em Ponta Negra [Pointe-Noire, em francês; é a segunda maior cidade e principal centro comercial da República do Congo]. 

Fizemos depois viagem de regresso, e em outubro desse ano desembarcámos em Mariel, aonde nos receberam vários chefes militares. Fizeram-nos exames médicos e regressei para minha casa.


(xxiii) Voltou a exercer 
como médico civil?


Não; informaram-me que o ministro queria que eu continuasse na vida militar porque tinha cumprido bem a missão e dei então início à especialidade de cirurgia no Hospital Dr. Carlos J. Finlay.


Periodicamente, faziam-nos exames, e no ano do regresso a casa todos os que tínhamos estado em Bissau tiveram resultados positivos de filária no sangue. Há vários tipos de filária produzida por parasitas, e o tipo Loa atravessa os órgãos vitais do olho até ficar cego. Isto era precisamente o que tínhamos. 

Quando lia sobre isto assustava-me um pouco porque diziam que até aquele momento não se poderia garantir a cura. Estivemos perto de dois meses em tratamento hospitalar até que saímos totalmente curados.


(xxiv) Continua como médico militar?

Não, no Hospital Dr. Carlos J. Finlay estive até 1977, quando me desmobilizei e me transferi para o Hospital em Covadonga [Hospital Docente Clínico-Quirúrgico Dr. Salvador Allende], que começava a ser uma instituição universitária. 

Desde então fiquei nesse centro de saúde como cirurgião e professor auxiliar.


(xxv) Cumpriu outras missões?

Em 1980, já como civil, convidaram-me se queria ir até à Tanzânia como professor e nessa nação africana estive dois anos.

Uma breve síntese das memórias relacionadas com a sua missão [, síntese de JA]:

A missão africana do dr. Amado Alfonso Delgado iniciou-se na véspera de Natal de 1967, voando de Havana até Conacri, na companhia de outro médico cubano.

Na Guiné-Conacri, durante o primeiro trimestre de 1968, tem a sua primeira experiência profissional, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados.

Em abril de 1968 dá início à sua integração na guerrilha ao ser destacado para a Frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com paludismo.

Entra em território da Guiné-Bissau pela fronteira Sul, terminando a sua primeira caminhada na base de Kandiafara, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse lapso de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.

Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”.

Quando chegou à outra margem [direita], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.

Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última Frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969. Durante este período viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias, por quatro vezes.

Esteve cercado por várias vezes. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, lanchas da marinha e militares descerem de helicóptero. Fez dezenas de cirurgias e amputações quase sempre durante a noite, tratando dos feridos em combate. Enviou para Boké as situações mais problemáticas. Foi dentista e tratou de mordeduras de animais e serpentes. Foi atacado por melgas e por centenas de abelhas. Teve paludismo por três vezes e automedicou-se.

Lavava-se no rio, mas não tinha nem toalha nem sabão, muito menos papel para escrever alguma mensagem. Bebeu vinho de palma para matar os micróbios, pois a água existente ao seu redor estava contaminada. Usou um par de ténis durante oito meses que se foram degradando por efeito das muitas caminhadas. Para colmatar a ausência de atacadores amarrava-os com folhas largas. Fez “pesca à granada” para se alimentar melhor.

Na mata do Fiofioli esteve em cinco lugares diferentes. Era informado do dia dos ataques onde estavam os portugueses (aquartelamentos, destacamentos, colunas de abastecimento, tabancas,…) quase sempre com armas pesadas. Ficava geralmente na rectaguarda a um quilómetro de distância. Muitas das vezes, nesses ataques programados, existia um guerrilheiro em cima de uma árvore, de modo a dar instruções na correcção do tiro.

Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a estas dificuldades e ocorrências no seu contexto, e das tensões a elas associadas, por via da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.

Consequência da actividade operacional das NT e do PAIGC durante um pouco mais de três meses (de 8 de março a 18 de junho de 1969), levou Alfonso Delgado a ficar sem sono, por efeito do muito trabalho e pelas enormes dificuldades sentidas no apoio médico aos guerrilheiros feridos em combate, realizando cerca de cinquenta cirurgias e amputações, de noite, à luz de archotes de palha ardendo.

Nos meses seguintes, julho e agosto, que seriam os últimos da sua missão, os episódios repetiram-se com a mesma dureza dos anteriores, com mais emoções e outras tantas tensões, saindo da mata do Fiofioli por um mero acaso, quando ficou acordado acompanhar a evacuação do seu ajudante e companheiro cubano Arrebato, por este se encontrar bastante debilitado, física e psicologicamente.

Em suma: o médico Amado Alfonso Delgado, em resposta à questão 18 [xviii] afirmou: “eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto”.

Continua… com nova entrevista, agora ao médico Virgílio Camacho Duverger.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setemnbro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai nas matas do Rio Biesse... (Luís Graça)

Vd. também poste de  24 de fevereiro de 2010 >  Guiné 63/74 - P5878: PAIGC: um curioso croquis do Sector 2, área do Xime, desenhado e legendado por Amílcar Cabral (c. 1968) (Luís Graça)

(.,..) Leitura e interpretação do documento (L G.):

Ao canto superior esquerdo, consegue ler-se o seguinte:

Educação - Mamadu Dembo;
Comandante de sector - Mamadu Indjai;
Comissário Político de FARP - Pedro Landim;
Comissário Político junto do Povo - Juvêncio Gomes;
Comis[sário] Abast [escimento] FARP - Mamdu Alfa Djaló;
Segurança Milícia - Sabino Mendonça;
Saúde - Benjamim Brito. (.,.)

(**) Vd. postes de

3 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16357: Notas de leitura (864): (D)o outrolado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte V: o caso doclínico geral Amado Alfonso Delgado (I): queria ir para o Vietname foi parar ao Fiofioli... (Jorge Araújo)

11 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16380: Notas de leitura (868): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VI: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (II): Na margem direita do rio Corubal, na mata do Fiofioli: «¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses" / "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”... (Jorge Araújo)

17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos (Jorge Araújo)

17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos (Jorge Araújo)

25 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16420: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VIII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (IV): "Os guineenses são muito resistentes...Numa ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen... Eu devia abrir-lhe o abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local e, quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Depois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali." (Jorge Araújo)


(***) Último poste da série "Notas de leitura" > 22 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)