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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16562: (De)Caras (47): Ainda o enigma dos ferimentos de Mamadu Indjai [N'Djai] e a missão do Bobo Keita na mata do Fiofioli (Jorge Araújo)


Mamadu Indja (ou N'Djai), "herói e vilão", membro dos  serviços de segurança e chefe da guarda do secretariado do PAIGC, "ainda em convalescença", numa rara (e desfocada) foto, em Conacri, s/d, (c. 1973)... Recuperada de fotograma de vídeo da RTP, série "A Guerra", de Joaquim Furtado, 2007  (com a devida vénia...). Trata-se do episódio do assassinato do Amílcar Cabral e da prisão de Aristides Pereira.

[E, a propósito, diga-se que a série "A Guerra" é um trabalho ciclópico, sério e honesto de investigação, feito pelo Joaquim Furtado e a sua equipa, da RTP, que merece todo o nosso apreço e reconhecimento, independentemente de inevitáveis falhas, erros, omissões  e contradições. Isto,  sim, é verdadeiro  "serviço público". É pena que os vídeos não estejam disponíveis "on line", no sítio institucional da RTP, para o público lusófono em geral e os ex-combatentes em particular, e andem por aí pirateados... Vd. aqui a lista com resumo das 4 séries, em 42 episódios, transmitidos pela RTP, de 2007 a 2013, disponibilizada  por  http://www.macua1.org/guerrajf/aguerra.html ] (LG)




O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: 


(i) nasceu em 1950, em Lisboa; 
(ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 
(Xime e Mansambo, 1972/1974); 
(iii) é doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009),  
 em Ciências da Actividade Física e do Desporto;
(iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), 
Portimão, Grupo Lusófona; 
(v) coordena o ramo de Educação Física e Desporto, 
da Licenciatura em Educação Física e Desporto.


Mensagem do Jorge Araújo com data de 3 do corrente:

Caro Camarada Luís,

Bom dia.

Na sequência da leitura da acta da reunião do Conselho de Guerra, realizado em Conacri, em maio de 1970, permitiu-me chegar a novos dados sobre o tema em epígrafe. (*)

Porque acrescentam mais alguma coisa ao já divulgado, tomei a iniciativa de os organizar em nova narrativa, que anexo. (**)

Boa semana.

Um abraço, Jorge Araújo.



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE: AINDA O EMIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] E A MISSÃO DE BOBO KEITA NA MATA DO FIOFIOLI



1. INTRODUÇÃO

A presente narrativa tem por base fontes de informação «(d)o outro lado do combate» (título utilizado igualmente no projecto dos médicos cubanos, ainda não concluído), onde novos factos considerados fiáveis, nomeadamente no que concerne ao enigma relacionado com os ferimentos em combate do comandante Mamadu Indjai [N’Djai], nos permitem ficar mais próximo da verdade e que, pelo seu valor sócio-histórico, decidimos partilhá-los convosco.

Em simultâneo, e no desenvolvimento da investigação que continuamos a fazer, daremos conta também de outros acontecimentos relevantes tendo Bobo Keita (1939-2009) por protagonista, na medida em que entre ambos existem pontos em comum, de que um exemplo é o de terem sido nomeados comandantes da Frente da Mata do Fiofioli, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, cada um em tempo diferente, no mínimo entre os anos de 1969 e 1970.



2. O CASO DE MAMADU INDJAI  


Como foi referido no P16506 (*), ficou provado que Mamadu Indjai era responsável pela segurança pessoal de Amílcar Cabral (1924-1973), não se sabendo desde quando foi tomada tal decisão, e que em 19/20 de janeiro de 1973 é acusado de ter estado envolvido no assassinato do secretário-geral do PAIGC, vindo a ser executado alguns dias depois por esse motivo.

Disso dá-nos conta Beja Santos no seu espaço «Notas de leitura: Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral» onde cita:

[…] “Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Ele era Mamadu N’Djai [Indjai], herói nacional, comandante da Frente Norte, três vezes ferido em combate e, de [naquele] momento, em Conacri, precisamente em convalescença do seu último ferimento” (P11001).

Valoriza-se nesta passagem o facto de Mamadu Indjai ter sido ferido três vezes ao longo da sua actividade de combatente na guerrilha. Não se sabe, porém, quando, como e onde terão acontecido as duas primeiras, bem como a dimensão de cada episódio, aceitando-se que a última vez [a terceira] seja a ocorrida durante o ano de 1972.

Entretanto, com a ajuda do nosso amigo Cherne Baldé, a quem agradecemos, ficámos a saber que Mamadu Indjai era um Guineense, do grupo etnolinguístico Biafada, natural do sector de Injassane (Ndajassane), ao norte de Buba, região de Quínara. Soube, através de um antigo combatente, que Mamadu Indjai foi um dos mais antigos elementos da guerrilha. As suas acções/tarefas/missões consistiam na sabotagem de telecomunicações e vias de comunicação através de abatizes, factos realizados num tempo anterior ao início da guerra [comentário ao P16519].

Pelo exposto conclui-se que Mamadu Indjai contabilizou uma experiência de guerra de mais de uma década. Durante esta fracção de tempo, sofreu ferimentos em combate no decurso da “Op Nada Consta”, em 18 de agosto de 1969. Porém, fica-se sem saber se esta foi a primeira ou a segunda vez.

Nesta data, o cmdt Mamadu Indjai foi gravemente ferido ao fim da tarde, depois da acção inicial de grupos de paraquedistas do BCP 12 que efectuaram um heli-assalto de surpresa a uma base IN de que resultou a sua destruição, a captura do roqueteiro Malan Mané e do seu RPG2 e de outras baixas (P23 + P2683).

De acordo com a última informação elaborada por Torcato Mendonça [que também lá estava], parte do grupo de Mamadu Indjai cairia numa emboscada montada pelo 3.º Gr Comb da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos),  no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari.

Durante essa noite ouviu-se no rádio, e de forma clara, os apelos do IN para tentarem ajudar a saída para Conacri [ou Boké, que ficava mais perto] do cmdt Mamadu Indjai.

Em função dos diferentes relatos acima, considera-se historicamente válido o nome da “Op Nada Consta”, enquanto a “Op Anda Cá”, referida no P9011, não faz o mínimo sentido naquele contexto, pois nunca existiu [Torcato Mendonça].

Aproximadamente nove meses depois destes ferimentos, Mamadu Indjai considerou-os, de facto, graves, referindo-se a eles na Reunião do Conselho de Guerra (alargado), realizada entre 11 e 13 de maio de 1970, em Conacri, na presença de altos dirigentes do PAIGC, incluindo o seu líder, Amílcar Cabral.

A propósito dessa ocorrência, no final da sessão da noite do primeiro dia dos trabalhos, Mamadu Indjai fez uma intervenção, a qual ficou exarada em acta, de cujo conteúdo dá-se conta abaixo [p 11], bem como a sua fonte.



Citação:
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125 (2016-10-01).


Transcrição da intervenção de Mamadu Indjai, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra

Mamadu N’Djai (Indjai) – Agradeceu à Direcção do Partido o grande apoio que lhe deu para salvar a sua vida. Está pronto para retomar o trabalho, em qualquer momento. Pede uma missão entretanto, para não estar mais parado.

Amílcar Cabral – Esclareceu que ele não esteve parado. Convalescença não é estar parado. Podemos mandá-lo, por exemplo a Koundara [território da Guiné-Conacri, conforme imagem abaixo], “onde pode dar uma ajuda aos camaradas”.

(interrompeu-se a reunião às 00h00. Continua amanhã (12 de maio) às 16h30 da tarde. Nota: Amílcar propõe que depois de amanhã toda a gente deve preparar-se e quinta-feira partir).








3. O CASO DE BOBO KEITA


Sobre o estado de saúde de Mamadu Indjai e da sua posterior e natural substituição pelo comandante Bobo Keita (1939-2009-01, em Lisboa), Luís Graça, no seu espaço «Manuscrito(s): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível», cita:

 “Depois do ferimento grave de Mamadu Indjai, "operado de urgência na zona 7", o Amílcar Cabral não sabia quem o deveria substituir... O Bobo Keita ofereceu-se, em Boké, para substituir o Mamadu Indjai "por 15 dias", por sugestão de Amílcar Cabral... Acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970... A "zona 7 (...) ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole", diz o Bobo Keita, nas suas memórias "De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita", de Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011, 303 pp. (P16444).

Por outro lado, Beja Santos, em nova «Notas de leitura: De campo em Campo, de Norberto Tavares
de Carvalho»: refere:

[…] “Bobo Keita é um guerrilheiro da Frente Norte, anda por Binta e Guidage, a base era Sambuia. Em junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo e depois regressa [quando?] à frente Norte. No ano seguinte (1969), frequentou seminários em Conacri e depois foi para a [ex] Jugoslávia. No regresso [agosto de 1969?], ofereceu-se para ficar nas regiões do Xime, Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses [provavelmente até finais de maio de 1970?], vinha substituir provisoriamente [?] Mamadu Indjai.

Sobre o Bobo Keita temos 15 referências
no nosso blogue (incluindo
 transcrições das suas memórias)
Reorganizou a quadrícula: “a primeira medida que tomei no Leste foi acabar com a base central [em Mina / Fiofioli ] onde se concentrava toda a guerrilha e que daí procedia a longas marchas para ir atacar os quartéis.

Além disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão. Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos [?] e um comando móvel.

Da análise às informações divulgadas por Bobo Keita, Beja Santos acrescenta: trata-se de “um relato com muitos altos e baixos. (…) Há notoriamente silêncios, beliscadelas e sentimentos feridos. (…) Estes comandantes recebiam documentação, mas nunca a invocam e muito menos a exibem. O que nos leva permanentemente a questionar como é que se vão cozer todas estas peças constituídas por depoimentos que mais ninguém valida” (P9137).

Daí que a expressão: “acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970” diz-nos pouco; é ambígua, pois não refere o(s) motivo(s) da sua saída: foi de sua iniciativa ou foi decidida superiormente… imposta?

As respostas a estas interrogações fomo-las encontrar na acta da Reunião do Conselho de Guerra acima referida, e que seguidamente se apresentam:




Transcrição da intervenção de Amílcar Cabral, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre Bobo Keita

[…] Quanto a Xitole-Bafatá há um problema a resolver com bastante urgência. Parece que Bobo [Keita] com António Fiaz [Gomes] a coisa não está bem. Informa-se que Bobo nunca está lá, faz daquela fronteira [Leste] como uma fronteira do Senegal. Diz que não pára lá. Vamos investigar. Pede a Osvaldo [Vieira] que se encarregue de saber da situação neste Sector, que é um Sector-Chave para nós. Sobre Bafatá-Gabú (Sul) fizemos algumas operações, passaram o rio. Pensa que Baro Seidá só é que deve ficar lá. […]




Transcrição das intervenções de Osvaldo Vieira, Pedro Pires e Amílcar Cabral, manuscritas por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre a situação no Sector 2 (Leste)

Osvaldo Vieira (1938-1974) – Informa sobre a situação no Sector 2. António Fiaz [Gomes] está aborrecido com Bobo [Keita]. Bobo criou uma situação incómoda, porque combinou um encontro com os camaradas mas ele, Bobo, não apareceu. Refere que Mamadu [Cassamá], na frente Leste [viria a morrer em Copá, em 07 de janeiro de 1974 - P16317], os outros camaradas não queriam lá a sua presença. Ele faz lá reuniões. Foi em três bigrupos. Os camaradas levados por José Sambú recusaram-se a seguir as indicações de Mamadu. […]

Pedro Pires (n. 1934) – Fala sobre a situação de Bafatá-Gabú (Sul). Humberto tem lá dois bigrupos mas confronta-se com dois problemas: as distâncias e o rio [Corubal]. Ele está um bocado em baixo. Sobre a questão dos bigrupos há um problema: é que os comandantes não estão à altura, querem só estar fora. Isso não pode ser. Refere o exemplo do Papa-Soares. Humberto lamenta-se que não foi ouvido e está abatido.

Amílcar Cabral (1924-1973) – Quanto ao Humberto, de facto põe-se o problema da distância. Há ou não há população. São os próprios combatentes que têm de transportar o material. Explica como proceder em relação ao Humberto. Humberto está abatido porque não queria sair da reinança de Quinara. Ele não tem razão para afirmar que houve acusações injustas. “Há que mudar os comandos dos bigrupos ou mesmo os bigrupos. Devem agir rápido para evitar encrencas entre António Fiaz [Gomes] e Bobo Keita”. Refere o caso de Luís Gomes.

Infere-se deste último parágrafo que Bobo Keita (1939-2009), enquanto comandante de um bigrupo instalado na região da Mata do Fiofioli foi substituído na sequência da decisão tomada na Reunião do Conselho de Guerra de 11 e 13 de maio de 1970, e por este omitido no seu livro de memórias.



Nota: Para a elaboração deste texto foram utilizadas como fontes bibliográficas o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné [ou blogue da Tabanca Grande]  e portal «Casa Comum – Fundação Mário Soares», com a devida vénia, de acordo com as seguintes referências:




Instituição:
Fundação Mário Soares

Pasta: 07073.129.004

Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry

Assunto: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, de 11 a 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.

Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai

Secretário: Vasco Cabral

Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 - Quarta, 13 de Maio de 1970

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1960-1970.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: ACTAS
___________


(**) Último poste da série > 2 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16549: (De)caras (46): Ainda sobre a morte do alf mil Linhares de Almeida (1942-1967), nascido em Bissau e sepultado em Vila Nova da Barquinha (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

sábado, 17 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16497: Memória dos lugares (346): Em abril de 1963, eu fui, com uma secção, de Taibatá (subsetor do Xime) até Satecuta (subsetor do Xitole), atravessando a mata do Fiofioli, e falei com o chefe e a população da tabanca de Satecuta, espantados por nos ver... Regressei pelo mesmo caminho, a tempo de almoçar a Taibatá... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

1. Comentário de Alcídio [José Gonçalves] Marinho,  ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65); vive no Porto; é membro da nossa Tabanca Grande desde 23/9/2011 (*)


A MATA DO FIOFIOLI (*)

Em fim de abril de 1963, o nosso pelotão (3º), com apenas duas Secção, a 2ª (Fernando Condez) e a 3ª (a minha), estando a 1ª destacada em Paunca (Victor Lezaola), e comandados pelo alferes mil Cardoso Pires, fizemos vários patrulhamentos abaixo do Xime, um a dois por semana. 

Ora, num desses primeiros patrulhamentos,  foi-nos destinado deslocarmo-nos à mata do Fiofioli. Eu já tinha ouvido falar da referida mata, na 3º  classe da escola primária, quando estudámos a geografia das colónias. 

Aliás,  já em Santa Margarida,  quando esperávamos o embarque para o Ultramar, tinha explicado, aos militares do nosso pelotão, vários aspectos (fauna, flora, tempo, etc) sobre África, pois havia lido o livro "África",  do Henrique Galvão.

Assim, partimos de Bafatá, paramos em Bambadinca, em Amadelai, no Xime, e quando chegamos ao entroncamento para a Ponte do Inglês, junto ao rio Corubal, viramos á esquerda para Taibatá. Aí o Alferes chamou-me e disse:
- Ò Marinho, você é capaz de ir até Satecuta, que nós ficamos aqui e preparamos o almoço ?!
Respondi: 
- Ok,  eu vou, não há problema.

Para esclarecer, eu no primeiro patrulhamento, com apenas três dias da Guiné, tinha comprado numa loja de Bafatá  (Casa Correia ou casa Barbosa), na Avenida Principal, logo abaixo da Transmontana, uma panela de alumínio,  com capacidade para alimentar cerca de 20 homens, para não comermos ração de combate, como queria o furriel vagomestre (Ramiro Gomes)... Comprávamos batatas ou arroz e requisitava-se atum (lata de 2.5 kg)  ou polvo seco (cesto).... Ou até uma granada no rio e tínhamos peixe. Pedi na Mecânica, para me fazerem uma trempe, para assentar a panela e,  com uns gravetos,  toca a cozinhar.

Lá avançamos então  para a mata do Fiofioli. A primeira impressão, á época, foi que era uma mata diferente das outras, que já conhecíamos, pois as árvores eram muito altas (20 ou 30 metros ou mais), a luz coava-se através das folhas, muito ténue, tudo escuro, e o chão em muitos locais era liso ou tinha tufos de ervas e arbustos rasteiros.


Com cautela redobrada e atentos, lá seguimos pela picada até Satecuta. Ao chegarmos à tabanca, o pessoal (homens, mulheres e crianças) ficaram espantados, por nos ver. Falei com o chefe da tabanca, através do cabo Mamadu Baldé (fula-forro), que nos recebeu muito bem.

Regressámos pelo mesmo caminho, onde nos esperava o resto do pessoal,onde almoçámos.
De tarde, fomos à Ponte Varela, à confluência do Corubal e do Geba, em frente à bolanha do Enxalé.

Mais tarde, tocou-nos a atravessar o Fiofioli, quando estivemos destacados no Xitole (fim de maio, junho, julho e meio de agosto de 1963).
Ab
Alcídio Marinho
CCaç 412 - Abril/1963-Maio/1965



Mapa (esboço) do Sector L1, ao tempo do BCAÇ 2851 (1968/70), do BART 2917 (1970/72) e da CCAÇ 12 (1969/71)... Vd. posição relativa de Taibatá, Fiofioli e Satecuta... De Taibatá a Satecuta, em linha reta, deveriam ser uns 25 km.

Observações:

NT= Nossas Tropas;
Badora, Bissari, Corubal, Cuor, Xime = Regulados;
RGeba, RCorubal = Rio Geba, Rio Corubal;
N, W, S, L= Quatro pontos cardeais: norte, oeste, sul, este;
IN= Inimigo;
1 = Um bigrupo (50/60 guerrilheiros);
2 = Dois bigrupos (90/100 guerrilheiros);
A/B = 1 grupo de artilharia (morteiro 82, canhão s/r 75 e 82) + 1 grupo especial de bazuqueiros (RGP) (Mangai…).

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)
________________________

Notas do editor:


(**) Último poste da série >  14 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16489: Memória dos lugares (345): O destacamento e a jangada de João Landim, no Rio Mansoa (José Nascimento / Francisco Gamelas / Leonel Olhero / Alcídio Marinho)

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16441: Notas de leitura (876): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte IX: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (V): Finalmente o regresso a casa, depois do pesadelo do Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal... Este homem, hoje professor universitário (?), tem histórias para contar aos netos... (Jorge Araújo)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/1969) – Agosto de 1969. Malan Mané a ser interrogado pelo ex-alf mil Torcato Mendonça [Vd. poste P6948] (*).

 A foto é do alf mil Cardoso, e chegou-nos à mão através do ex-fur mil Carlos Marques dos Santos, de Coimbra.

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Nona parte, enviada em 1  do corrente, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato, a especificidade e as limitações do blogue.

Mensagem do Jorge Araújo com data de 1 do corrente:

Caro Luís: Bom dia. Segue mais um fragmento do nosso projecto «Médicos Cubanos», o último relacionado com a entrevista a Alfonso Delgado. No início de um novo ano académico, com a primeira reunião a ter lugar na próxima 2.ª feira, em Portimão, vou tentar cumprir com as rotinas anteriores.

Bom trabalho. Um abraço, Jorge Araújo.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


1. INTRODUÇÃO

Apresento ao colectivo da Tabanca Grande a nona parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

Com esta narrativa [a quinta] dou por encerrada a entrevista ao médico Amado Alfonso Delgado, a segunda no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.]  ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.

Recordo que por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ou contextualização  ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue. 

Esta minha decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais, em cada situação concreta, antes pelo contrário, uma vez que neste conflito bélico existiram dois lados, e daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos cubanos”.


2. O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [V]

Esta nona parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quinto e último fragmento em que foi dividido a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.

Nos quatro fragmentos anteriores [P16357; P16380; P16396 e P16420] (*), referentes às primeiras vinte e uma questões, encontramos um historial de dois anos (1967/1969), entre os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma "missão internacionalista", tendo-lhe surgido a hipótese de o fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou, até aos actos médicos realizados nas "bases" do PAIGC, em particular nas existentes na mata do Fiofioli (Sector L1 – Bambadinca).

Aí esteve cercado por diversas ocasiões, aonde viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas "enfermarias" (de campanha), por quatro vezes. Por isso, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.

Em função da intensa actividade operacional das NT e do PAIGC, entre 8 de março e 18 de junho de 1969, Alfonso Delgado acabaria por desempenhar o seu papel de profissional de saúde, certamente com elevado grau de dificuldade, prestando apoio aos guerrilheiros feridos em combate, incluindo a realização de algumas cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite à luz de archotes de palha ardendo.

Recorda-se que o crescendo da actividade operacional na região da mata do Fiofioli, num cenário de guerra de guerrilha, tem o seu início com a “Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março de 1969, movimentando cerca de 1300 efectivos, seguida pela “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e a “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb.

A resposta do PAIGC surgiu treze dias depois, em 18 de abril, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada entre Amedalai-Xime, esta liderada por Mário Mendes cmdt do bigrupo que aí actuou.

Seguiu-se, depois, na noite de 28 de maio de 1969, o ataque ao aquartelamento de Bambadinca (aquele que seria o primeiro e único), aonde estava instalado, à data, o comando do BCAÇ 2852 (1968/70) e a respetiva CCS. Durante o ataque, que durou cerca de quarenta minutos, participaram dois bigrupos (mais de cem elementos), tendo utilizado três canhões s/r, morteiros, RPG, metralhadoras ligeiras e pesadas e armas automáticas de assalto, sem grandes consequências.



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 > 2º Grupo de Combate > 1970  > Crianças ou adolescentes, provavelmente de Amedalai, a tabanca mais próxima da ponte, divertem-se, dando saltos para a água, sob a supervisão de um dos nosso militares.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]

Em simultâneo com este ataque, era dinamitada a ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime (imagem cima, retirada do poste P12626, com a devida vénia).





Guiné > 1969/71 > Croquis do Sector L1 / Zona Leste (Bambadinca)  > Vd. posição relativa da base do PAIGC em mina / Fiofioli, ma margem direita doRio Corubal a noroeste do Xitole  (vd. Sinais e legendas).

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados


No mês seguinte, em junho de 1969, foi realizado um vasto programa de acções contra diversos quartéis e destacamentos da frente Leste: Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas, sendo de admitir tratar-se do cumprimento de uma orientação superior transmitida em documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho desse ano, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos dessa frente, devendo nalguns casos ser repetido durante três dias.

Em resumo e no período em apreço, as principais operações das NT na mata do Fiofioli realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo o PAIGC com ataques a aquartelamentos, destacamentos e emboscadas, em abril, maio e junho, nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime e Bambadinca, incluindo Mansambo e Xitole (subunidades de quadricula), a saber: Xime, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo, Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta na infogravura).

 Eis, pois, os último excertos (em itálico)  da entrevista dada  pelo médico Amado Alfonso Delgado. (***)


Entrevista com 25 questões [Parte V, da 22.ª à 25.ª]

“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


(xxii) Como é avisado para deixar 
a Guiné-Bissau?

Foi de forma casuística. [Em agosto], depois de sair de um cerco que nos fizeram as tropas helitransportadas [paraquedistas do BCP 12] fomos para um lugar perto do acampamento [provável  referência à “Op. Nada Consta”].



[A “Op. Nada Consta” realiza-se a 18 de agosto de 1969, envolvendo cerca de duas centenas e meia de militares, divididos por dez Gr Comb pertencentes à CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr), CART 2339 (3 Gr), PEL CAÇ NAT 53 e BCP 12 (2 Gr da CCP 122 + 1 Gr da CCP 123, sedeados em Galomaro). Esta “operação especial” tem o seu início pelas 09h30, sempre sob mau tempo (estávamos na época das chuvas), e surge na sequência do ataque de mais de duas horas a Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, realizado ao amanhecer do dia 30 de julho de 1969, tendo o PAIGC utilizado um efectivo de bigrupo com recurso a armamento pesado (P6948)].

[Com o dispositivo das NT distribuído nas proximidades do Rio Biesse (a CCAÇ 12, a leste; o Pel Caç Nat 53, a norte, e a CART 2339, a oeste e na estrada Mansambo/ Xitole, junto à ponte do Rio Bissari), avança a primeira vaga de paraquedistas do BCP 12, colocados na ponta da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se estende para sul. Cinco minutos depois era capturado um elemento IN com o seu RPG-2, sucedendo-se mais duas vagas de hélis transportando os restantes páras, que passaram a percorrer a mata de norte para sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão, sendo feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Um dos mortos era chefe de bigrupo, de apelido Sampunhe (P6953)].

[O interrogatório sumário que foi feito naquela ocasião ao guerrilheiro capturado pelos páras, este diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata (P23 + P2683)].

[Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona de acção das NT, e retiram-se muito provavelmente na direcção da base de Biro. Em função das informações dadas pelo prisioneiro, Malan Mané, as tropas paraquedistas seguiram no dia seguinte em direcção daquela base, tendo capturado mais o seguinte material:

1 metralhadora ligeira “Degtyarev”; 1 espingarda automática “Kalashnikov”; 1 pistola-metralhadora “PPSH”; 1 LGFog RPG-2; granada para LG P-27 “Pancerovka”; 12 granadas para LG, RPG-7; 85 granadas para LG, 3 cunhetes com munições; 7 granadas de RPG-2; 9 granadas de morteiro 60; diversos bornais, marmitas, fardamento e botas novas, documentos de interesse, incluindo relatórios onde se refere a ocorrência de dois mortos e seis feridos, por parte do IN, no ataque a Candamã, a 30 de julho de 1969. Pela CART 2339, foram levantadas duas minas A/C (P6948)]. Estranha-se, uma vez mais, a não referência à captura de material de enfermagem e a medicamentos, sabendo-se da existência de enfermarias de colmo naquela zona.

[Quanto a Malan Mané, seguiu para Galomaro com os páras para novo interrogatório, sendo levado, depois, para Bambadinca, onde ficou preso. Esteve também em Mansambo, vindo a ficar gravemente ferido na “Op. Pato Rufia”, em 7 de setembro de 1969, no Xime, numa acção conjunta constituída pela CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr); CART 2520 (2 Gr) e PEL. CAÇ. NAT. 53, 63 e 52. Malan Mané foi evacuado para o Hospital Militar, em Bissau (P146 + P2683), Mais detalhes sobre Malan Mané em P1011; P2683 e P6984.]

[A participação de Malan Mané nesta “Op.” aconteceu porque ele estivera lá, três meses antes, num destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelas à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata cento e cinquenta metros. Nessa altura os efectivos eram de cerca de quarenta elementos, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocava para a Ponta Varela, afim de atacar as embarcações que circulavam no Rio Geba (P146)].

[Neste novo acampamento] o ajudante que andava comigo e, ao que me diziam, Arrebato piorou. Começou a manifestar um obsessivo delírio de perseguição. Dizia que os próprios guerrilheiros o queriam matar, e uma noite foi desarmado pois já estava bastante débil, e fugiu para a mata. 

Deu-se o alarme entre toda a população e ao fim de seis dias [final de agosto?] foi encontrado completamente depauperado, com os olhos inchados, cheio de furúnculos e pesando à volta de quarenta quilos. Falei com o chefe do acampamento, de nome Mamadu Indjai, e acordamos a sua saída da Frente, para a qual me indicou dois guerrilheiros. Isto foi em [início] setembro de 1969, quase no fim da missão.

[A ser verdade este acordo feito na presença de Mamadu Indjai nos últimos dias de agosto, ficando a zona sem apoio médico, estamos perante um “caso de divergência factual, logo histórica”, contraditada por outras informações aqui editadas. Ex.1: “Op. Nada Consta”, em 18 de agosto, (…) um grupo cairia numa emboscada que forças da CART 2339 tinham montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari, e em resultado da qual ficaria gravemente ferido Mamadu Indjai (soube-se mais tarde) (P6948). Ex.2: Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai (…) foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado [?] (P23). Ex.3: (…) Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na “Op. Anda Cá” (em 15 de agosto de 1969) (P9011)].

[Chegado o dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato], meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos. 

Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da Frente.

Quando chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar, pois tinha terminado a missão. 


Durante a espera, um dia fui informado que o [João Bernardo] “Nino” Vieira (1939-2009) - um dos líderes do PAIGC [, comamdante da Frente Sul]- queria fazer uma incursão pelo território e queria que eu fosse com ele. Pensei que se me tinha salvado nas anteriores ocasiões, nesta não o iria conseguir. Na manhã do dia seguinte formamos para sair e quando estávamos prontos chegaram umas viaturas aonde estavam os novos médicos, pelo que fiquei mais aliviado. E, como é lógico, não saí de novo para a Frente.

Antes de sair da Frente fui a Boké e depois a Conacri, aonde cheguei em setembro de 1969 [terceira semana?]. Recordo-me que um membro da missão cubana me perguntou se queria comprar alguma coisa e mais tarde trouxe-me uns sapatos para a minha filha, uns calções para o meu filho e um corte de tecido para a minha mulher. Naquele momento tinha dois filhos e tinha-me casado em 1963, quando ainda era estudante.


Em Conacri embarcámos num navio e fomos até ao Congo Brazzaville, aonde estivemos cerca de duas semanas, tendo atracado em Ponta Negra [Pointe-Noire, em francês; é a segunda maior cidade e principal centro comercial da República do Congo]. 

Fizemos depois viagem de regresso, e em outubro desse ano desembarcámos em Mariel, aonde nos receberam vários chefes militares. Fizeram-nos exames médicos e regressei para minha casa.


(xxiii) Voltou a exercer 
como médico civil?


Não; informaram-me que o ministro queria que eu continuasse na vida militar porque tinha cumprido bem a missão e dei então início à especialidade de cirurgia no Hospital Dr. Carlos J. Finlay.


Periodicamente, faziam-nos exames, e no ano do regresso a casa todos os que tínhamos estado em Bissau tiveram resultados positivos de filária no sangue. Há vários tipos de filária produzida por parasitas, e o tipo Loa atravessa os órgãos vitais do olho até ficar cego. Isto era precisamente o que tínhamos. 

Quando lia sobre isto assustava-me um pouco porque diziam que até aquele momento não se poderia garantir a cura. Estivemos perto de dois meses em tratamento hospitalar até que saímos totalmente curados.


(xxiv) Continua como médico militar?

Não, no Hospital Dr. Carlos J. Finlay estive até 1977, quando me desmobilizei e me transferi para o Hospital em Covadonga [Hospital Docente Clínico-Quirúrgico Dr. Salvador Allende], que começava a ser uma instituição universitária. 

Desde então fiquei nesse centro de saúde como cirurgião e professor auxiliar.


(xxv) Cumpriu outras missões?

Em 1980, já como civil, convidaram-me se queria ir até à Tanzânia como professor e nessa nação africana estive dois anos.

Uma breve síntese das memórias relacionadas com a sua missão [, síntese de JA]:

A missão africana do dr. Amado Alfonso Delgado iniciou-se na véspera de Natal de 1967, voando de Havana até Conacri, na companhia de outro médico cubano.

Na Guiné-Conacri, durante o primeiro trimestre de 1968, tem a sua primeira experiência profissional, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados.

Em abril de 1968 dá início à sua integração na guerrilha ao ser destacado para a Frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com paludismo.

Entra em território da Guiné-Bissau pela fronteira Sul, terminando a sua primeira caminhada na base de Kandiafara, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse lapso de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.

Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”.

Quando chegou à outra margem [direita], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.

Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última Frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969. Durante este período viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias, por quatro vezes.

Esteve cercado por várias vezes. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, lanchas da marinha e militares descerem de helicóptero. Fez dezenas de cirurgias e amputações quase sempre durante a noite, tratando dos feridos em combate. Enviou para Boké as situações mais problemáticas. Foi dentista e tratou de mordeduras de animais e serpentes. Foi atacado por melgas e por centenas de abelhas. Teve paludismo por três vezes e automedicou-se.

Lavava-se no rio, mas não tinha nem toalha nem sabão, muito menos papel para escrever alguma mensagem. Bebeu vinho de palma para matar os micróbios, pois a água existente ao seu redor estava contaminada. Usou um par de ténis durante oito meses que se foram degradando por efeito das muitas caminhadas. Para colmatar a ausência de atacadores amarrava-os com folhas largas. Fez “pesca à granada” para se alimentar melhor.

Na mata do Fiofioli esteve em cinco lugares diferentes. Era informado do dia dos ataques onde estavam os portugueses (aquartelamentos, destacamentos, colunas de abastecimento, tabancas,…) quase sempre com armas pesadas. Ficava geralmente na rectaguarda a um quilómetro de distância. Muitas das vezes, nesses ataques programados, existia um guerrilheiro em cima de uma árvore, de modo a dar instruções na correcção do tiro.

Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a estas dificuldades e ocorrências no seu contexto, e das tensões a elas associadas, por via da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.

Consequência da actividade operacional das NT e do PAIGC durante um pouco mais de três meses (de 8 de março a 18 de junho de 1969), levou Alfonso Delgado a ficar sem sono, por efeito do muito trabalho e pelas enormes dificuldades sentidas no apoio médico aos guerrilheiros feridos em combate, realizando cerca de cinquenta cirurgias e amputações, de noite, à luz de archotes de palha ardendo.

Nos meses seguintes, julho e agosto, que seriam os últimos da sua missão, os episódios repetiram-se com a mesma dureza dos anteriores, com mais emoções e outras tantas tensões, saindo da mata do Fiofioli por um mero acaso, quando ficou acordado acompanhar a evacuação do seu ajudante e companheiro cubano Arrebato, por este se encontrar bastante debilitado, física e psicologicamente.

Em suma: o médico Amado Alfonso Delgado, em resposta à questão 18 [xviii] afirmou: “eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto”.

Continua… com nova entrevista, agora ao médico Virgílio Camacho Duverger.
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setemnbro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai nas matas do Rio Biesse... (Luís Graça)

Vd. também poste de  24 de fevereiro de 2010 >  Guiné 63/74 - P5878: PAIGC: um curioso croquis do Sector 2, área do Xime, desenhado e legendado por Amílcar Cabral (c. 1968) (Luís Graça)

(.,..) Leitura e interpretação do documento (L G.):

Ao canto superior esquerdo, consegue ler-se o seguinte:

Educação - Mamadu Dembo;
Comandante de sector - Mamadu Indjai;
Comissário Político de FARP - Pedro Landim;
Comissário Político junto do Povo - Juvêncio Gomes;
Comis[sário] Abast [escimento] FARP - Mamdu Alfa Djaló;
Segurança Milícia - Sabino Mendonça;
Saúde - Benjamim Brito. (.,.)

(**) Vd. postes de

3 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16357: Notas de leitura (864): (D)o outrolado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte V: o caso doclínico geral Amado Alfonso Delgado (I): queria ir para o Vietname foi parar ao Fiofioli... (Jorge Araújo)

11 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16380: Notas de leitura (868): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VI: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (II): Na margem direita do rio Corubal, na mata do Fiofioli: «¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses" / "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”... (Jorge Araújo)

17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos (Jorge Araújo)

17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos (Jorge Araújo)

25 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16420: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VIII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (IV): "Os guineenses são muito resistentes...Numa ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen... Eu devia abrir-lhe o abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local e, quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Depois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali." (Jorge Araújo)


(***) Último poste da série "Notas de leitura" > 22 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16420: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VIII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (IV): "Os guineenses são muito resistentes...Numa ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen... Eu devia abrir-lhe o abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local e, quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Depois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali."




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca – Eis, projectada no mapa, a principal actividade operacional das NT e a do PAIGC durante um pouco mais de três meses (entre 8 março e 18 junho de 1969), aonde Alfonso Delgado acabaria por intervir, certamente com muito trabalho e enormes dificuldades, prestando apoio médico aos guerrilheiros feridos em combate, algumas cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite à luz de archotes de palha ardendo.

Na mata do Fiofioli, as principais operações das NT realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo os guerrilheiros do PAIGC com ataques a aquartelamentos, destacamentos e emboscadas em abril, maio e junho, nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime-Bambadinca-Mansambo-Xitole, a saber: Xime, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo, Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta)


Infogravura: Jorge Araújo (2016)


Oitava parte, enviada em 25 do corrente, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato, a especificidade e as limitações do blogue.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].



1. INTRODUÇÃO

Caros Camaradas Tertulianos; aproveito para reforçar os meus agradecimentos pelos vossos comentários aos textos anteriores, considerando-os relevantes neste contexto de partilha de memórias, a partir dos quais desejo organizar uma outra narrativa, concluído este trabalho que continuo a dar a melhor atenção.

Dito isto, seguimos hoje com a oitava parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das principais experiências transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969, como foi o caso do clínico Amado Alfonso Delgado.

Relembro que esta espontânea iniciativa surge na sequência de ter tido acesso ao livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus dezasseis entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.

Relembro, ainda, que por tratar-se de uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço sócio-histórico ao que foi transmitido, ajudando-nos, por um lado, a melhor compreender o outro lado do conflito e, por outro, na busca de fechar o puzzle dos diferentes episódios em que ambos estivemos envolvidos.

De acordo com esta metodologia e objectivos serão bem-vindas todas as achegas factuais ao agora divulgado, pois consideramos que a história, enquanto ciência do Homem, necessita do seu aprofundamento, daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate - memórias de médicos cubanos”.

2. O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [III]

Esta oitava parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quarto de cinco fragmentos em que foi dividida a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.(*)

Nos três fragmentos anteriores [P16357; P16380 e P16396], referentes às primeiras quinze questões formuladas, encontramos os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma missão internacionalista, tendo-lhe surgido a hipótese de o fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou.

Esta inicia-se na véspera de Natal de 1967, tinha então vinte e sete anos de idade, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri. É na Guiné-Conacri que tem a sua primeira experiência profissional africana, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados anteriormente.

Em abril de 1968 tem início a sua integração na guerrilha ao ser destacado para a frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com o paludismo.

A sua entrada em território da Guiné-Bissau verificou-se pela fronteira Sul com a sua primeira caminhada a terminar na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse espaço de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.

Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [, presume-se que fosse a margem direita], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Este olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.

Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969, durante os quais teve muito trabalho, com enormes sobressaltos, muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias [, na mata do Fiofioli], por quatro vezes [, uma das quais no decurso da grande Op Lança Afiada, 8 a 19 de março de 1969].

Esteve cercado por várias vezes. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, barcos da marinha e militares [, tropas paraquedistas do BCP 12, ] descerem de helicóptero. Para além dos constantes ataques a que esteve sujeito, foi também atacado por mosquitos que lhe perfuraram a roupa que tinha no corpo e por centenas de abelhas que lhe “ofereceram” os seus ferrões.

Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a todas estas ocorrências e das tensões a elas associadas, por efeito da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, acreditou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados.

Eis mais algumas memórias reveladas pelo médico Amado Alfonso Delgado. (**)


Entrevista com 25 questões [Parte IV, da 16.ª à 21.ª]
“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


(xvi) Neste contexto complexo 
realizou operações cirúrgicas?

A maioria das vezes que operei foi em sítios calmos, aonde se situavam os 'hospitalitos' [enfermarias de colmo, a que dificilmente se poderia chamar hospitais de campanha], e onde também nos chegavam pessoas que pisavam minas ou tinham sido feridas em emboscadas.

Quase sempre os feridos chegavam de noite e tinha que os operar com archotes de palha. Fiz cerca de cinquenta operações. Amputações fiz muitas devido às minas [anti]pessoais. Também operei tórax e braços.


(xvii) Como faziam 
os archotes?

Apanhávamos maços de erva seca [capim], cortávamos, dobrávamos e amarrávamos com a mesma palha e pegávamos-lhes fogo. Às vezes não via o que estava a operar apesar de colocar à minha volta oito a dez archotes.

Os guineenses tinham muita resistência e com qualquer coisa ficava resolvido. Para minorar uma fractura óssea, fixava-lhes um tronquito da floresta e quinze dias depois estava bom. Se era uma pneumonia, com três injecções de penicilina curavam-se. Muito poucas vezes as feridas se infectaram após as operações que realizei. Eles sangravam pouco.

No primeiro hospital onde estive [Boké] fazíamos-lhes análises de hemoglobina e era muito raro que algum tivesse mais de 5 g/dl. Em Cuba temos 13, 14 g/dl. Mas apesar desta situação, caminham mais e são mais fortes que nós.


(xviii) Conte algumas das suas experiências 
com a população

A maioria da população não sabia a sua idade, era o mesmo dizer cinquenta como trinta anos, devido ao contexto onde viviam. Eram muito afectuosos e protegiam-nos muito, às vezes às custas das suas próprias vidas.

Eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto.

Numa outra ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen. Eu levava um manual de como aplicar a anestesia, porque naquele momento não me encontrava com o assistente. Devia abrir o seu abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local, e quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Despois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali. Eram coisas que se passavam.

Outras vezes tive que ser dentista. Tinha equipamento para extrair dentes e por sorte eles têm poucas cáries. Aprendi e extrai, naquele tempo, perto de cinquenta.

Como já referi, os guineenses são pessoas muito resistentes. Um dia chegou-me um homem que tinha sido atingido por uma bala, há três meses atrás. Ela entrou-lhe pelo abdómen e saiu-lhe pelas costas, e estava como se nada tivesse acontecido. Se fosse em Cuba, morria-se três vezes. Tive que o enviar para Conacri [Boké], pois era uma operação complicada.

Noutra ocasião levaram-me uma criança que não obrava pelo ânus, mas por orifício perto do recto na ponta da nalga. Não sabia o que era, apalpei-o e encontrei uma coisa dura dentro. Enviei-o para Boké aonde lhe fizeram uma radiografia e viram que era um pau que a tinha atravessado desde a nalga até ao diafragma. Atravessou seis alças intestinais. O pau tinha apodrecido e as fezes saíam por esse sítio. O médico Almenares operou-o e teve de lhe cortar seis pedaços de intestino.

Estando na Mata do Fiofioli, trouxeram-me um comandante [?] com uma ferida no abdómen. Deitava pouco sangue, pus-lhe um penso e enviei-o para o hospital de Boké para o operarem. Para o transportar até esse lugar, designaram entre catorze a dezasseis homens. Dois o colocaram numa padiola em cima dos seus ombros e seguiram. Foram-se revezando pelo caminho ao longo de duzentos quilómetros [?]. Ao fim de um mês, este comandante apareceu para me cumprimentar e agradecer-me pois já estava bom.

Também atendi em duas ocasiões feridos com mordeduras, na cara, provocadas por leopardos [, ou mais provavelmente onças] feridos por caçadores, pois normalmente estes animais não atacam os seres humanos. Atendi, ainda, vários elementos da população com mordidelas de serpentes, pois existem milhares delas na Guiné.

(xix) Encontrou doenças 
que não existem em Cuba?


Sim, várias doenças raras. Por exemplo, aldeias inteiras com tracoma, que é uma infecção nos olhos e nas pálpebras que deixa cegas as pessoas. Visitei aldeias aonde muitos estavam cegos. Pessoas com lepra avançada, a que, lhes faltavam dedos, e por isso nos davam as mãos pois gostavam muito de nos cumprimentar.

Havia uma doença, a míasis, produzida pela picada de uma mosca, que provoca um abcesso e daí saiam vermes (bichos). Outra que produzia umas bolhas no corpo, denominada oncocercose, que é um tipo de filária. Uma vez lembrei-me de lancetar uma dessas bolhas a um doente e não fechava. Essa doença tem tratamento especial. Existe um verme que se mete por debaixo da pele e os guineenses apanham um palito, o amarram com um fio de palma, o introduzem no furúnculo e o vão rolando todos os dias até que tiram o enorme bicho a que chamam «verme (bicho) da Guiné».

Existem muitos parasitas e insectos perigosos como a nígua, que se introduz na pele das pessoas em época seca e forma como um furúnculo. Tem-se que o extrair o qual tem a forma de carraça.


(xx) Anormalidades da sua vida 
nas matas de Guiné-Bissau?

Eis algumas! Tomávamos banho no rio. Não tínhamos nem toalhas nem sabão, nem tampouco papel para escrever alguma mensagem. Durante oito meses tive um par de ténis que era o melhor para fazer caminhadas e, por último, já os amarrava com folhas largas pois não havia corda [atacadores].

Quando nos lembramos disso, damo-nos conta de que nessas ocasiões havia coisas que não eram muito normais. Por exemplo, numa ocasião quando me encontrava numa zona perto de um rio, despi-me e lancei duas granadas à água. Imediatamente me atirei ao chão e depois das explosões mergulhei e apanhei perto de vinte peixes mortos. Nesse dia comi com abundância. Penso que todos estávamos um pouco loucos, pois a guerra é a mãe [da loucura e e a rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros em homens; de alguns faz escravos, de outros homens livres, (cit. Heraclito; 535 a.C.-475 a.C.: filósofo pré-socrático considerado o “pai da dialética”].

Colocaram-me à disposição um sangrador de palmeiras (para fazer escorrer o vinho, tipo corta-gotas utilizados nas garrafas). Como não tinhamos desinfectante para colocar na água contaminada, pedíamos a um homem que subisse ao cimo das palmeiras e aí extraía o líquido acumulado que era como se fosse vinho. Cada três/quatro dias me traziam cerca de quatro litros desse líquido. Havia dias em que bebia perto de dois litros de vinho.
Durante o tempo que estive na Guiné comi carne de búfalo, crocodilo, antílope, tartaruga, hipopótamo, javali, macaco, pássaros de várias espécies, apesar da comida principal ser arroz e óleo de dendém.

Em três ocasiões tive paludismo. Uma delas deu-me muito forte e quase que não me podia levantar. Eu próprio me tratava.


(xxi) Andava junto 

com os guerrilheiros?


Andei e fiquei em vários sítios, primeiro em Kandiafara, perto da fronteira Sul, depois na mata do Fiofioli [frente Leste], aonde estive em cinco lugares diferentes, pois é um território com uns trinta quilómetros quadrados [ao longo das margens do Rio Corubal] e mudávamo-nos cada vez que sentíamos algum movimento estranho.

Informavam-me qual o dia que atacariam algum ponto [aquartelamento; destacamento; coluna de abastecimento; tabanca, …] onde estavam os portugueses. Deixavam-me geralmente a um quilómetro desse lugar. Era sempre um ataque com canhões e morteiros. Na mata não é fácil e às vezes ficava um guerrilheiro em cima de uma árvore dando indicações aonde estavam a cair os projécteis para se poder corrigir o tiro. Os portugueses, enquanto elas [granadas] iam caindo, abrigavam-se, e depois contra-atacavam.

[À intensa actividade operacional das NT na
 região da mata do Fiofioli em 1969, como foram os exemplos referidos no P16396: (“Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março, movimentando cerca de 1300 efectivos; “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb, reagiu o PAIGC, treze dias depois, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada Xime-Bambadinca, em 18 de abril, esta liderada por Mário Mendes Cmdt do bigrupo que atacou os dois grupos de milícias aí instalados em missão de segurança à estrada anteriormente referida, ou seja, o Pel Mil 104 (sediado em Taibatá) e o Pel Mil 105 (destacado em Demba Taco), ambos com uma secção em Amedalai - P12154. Três anos depois, em 25 de maio de 1972, Mário Mendes viria a morrer em combate, na Ponta Varela, na acção “Gaspar 5”, envolvendo seis Gr Comb: três da CART 3494 e três da CCAÇ 12, tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnikov, bem como documentação relacionada com  as acções a desenvolver naquela zona - P13440].

[Quarenta dias depois desta emboscada, na noite de 28 de maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC atacaram pela primeira vez (e que viria a ser a única) o aquartelamento e posto administrativo de Bambadinca (Sector L1), aonde estava instalado, à data, o comando do BCAÇ 2852 (1968/70). Participaram no ataque, que durou cerca de quarenta minutos, dois bigrupos (mais de cem elementos), tendo utilizado três canhões s/r (cujos invólucros se apresentam na imagem à direita), morteiros, RPG, metralhadoras ligeiras e pesadas e armas automáticas de assalto, sem grandes consequências - P11575.

[Em simultâneo com este ataque, outros guerrilheiros procediam à sabotagem da ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime. Para o local seguiu o 3.º Pelotão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), comandado por Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil), reforçado pelo Pel Caç Nat 63, visando a ocupação e defesa do pontão, criando um posto avançado de protecção a Bambadinca.



Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) – Uma das primeiras imagens da Ponte do Rio Udunduma, objecto de sabotagem por parte do PAIGC, na noite de 28 de maio de 1969, aquando do ataque ao quartel de Bambadinca (P11162, com a devida vénia). Aqui passei o 2.º semestre de 1973 e mais algumas semanas de 1974.


[Em 2 de junho de 1969, com início às 20h30, ocorreram, com pequenos intervalos entre si, novos ataques a Amedalai, Demba Taco e Moricanhe, respectivamente. Esta última tabanca seria evacuada dois dias depois para reforço de Amedalai - P1019.

[Em 8 de junho, pelas 18h15, seria a vez do Xitole ser flagelado com mort 82, registando-se novos ataques três dias depois (11 de junho: às 05h05 e 22h50) com mort 82 e canhão s/r, todos eles sem consequências. Nesse mesmo dia (11), às 00h01, novo ataque, agora a Mansambo, com canhão s/r, mort 82, LGFog e armas automáticas, durante trinta minutos, sem consequências. Um novo ataque seria repetido dois dias depois (13), com início às 18h30, com a utilização do mesmo material bélico, sem consequências. No dia seguinte (14) seria flagelado o destacamento de Taibatá, defendido pelo Pel Mil 104. Finalmente em 18 de junho, pelas 17h30, foi flagelado, durante 25 minutos, o destacamento da Ponte dos Fulas, no subsector do Xitole, com mort 82, igualmente sem consequências (in: história do BCAÇ 2852 - Bambadinca, 1968/70, pp. 87/88).

[É de crer que este vasto programa de acções esteja relacionado com o documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho de 1969, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos da frente Leste (Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas), devendo nalguns casos ser repetido durante três dias - P12156].

Continua…

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos


(**) Último poste da série "Notas de leitura" > 22 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Gã Garnes [ou Ponta do Inglês] > Novembro de 2010 > Viagem de Mário Beja Santos (Op Tangomau). Foto retirada do blogue.do poste P13898, do camarada Beja Santos, com a devida vénia, onde se lê: “a vista é extasiante, o que mais perturba o Tangomau é imaginar que se viveu naquele inferno e com aquele panorama edénico, pelo menos o que se avista em direcção a Quinara, a escassos quilómetros”.

Foto: © Beja Santos (2011). Todos os direitos reservados [Edição:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Sétima parte, enviada em 15 do corrente, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato, a especificidade e as limitações do blogue.



Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].



1.  INTRODUÇÃO

Caros tertulianos; agradeço os vossos comentários aos textos anteriores. De seguida, apresento-vos a sétima parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969, mantendo o mesmo propósito de que vos dei conta no poste P16224: o primeiro fragmento, publicado em 22 de junho último  (*).

Recordo que esta espontânea iniciativa surge na sequência de ter tido acesso ao livro escrito em  castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch [, foto atual à esquerda], uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação. disponível em http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf

Neste livro, para além dos depoimentos desses três clínicos que estiveram na Guiné-Bissau (Domingo Diaz Delgado, Amado Alfonso Delgado e Virgílio Camacho Duverger), podemos ainda conferir e/ou comparar outros relatos sobre experiências vividas na primeira pessoa por outros médicos cubanos presentes em diversas missões africanas como foram os casos da Argélia, do Congo Leopoldville, do Congo Brazzaville ou de Angola.

Recordo, igualmente, que por estar perante uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço sócio-histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do nosso blogue, na justa medida em que cada facto relatado ocorreu num tempo e num espaço (que não é o meu!), logo único, vivido por cada um dos sujeitos.

Contudo, esta minha decisão não significa que não se possa realizar, em cada situação concreta, o competente contraditório (ou acrescentar algo mais), uma vez que neste conflito bélico existiram dois lados, daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate - memórias de médicos cubanos”.

Cada um julgará o que é credível  ou é ficção…

 2.  O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [III]

Esta sétima parte corresponde, com efeito, ao terceiro de quatro fragmentos em que foi dividida a entrevista ao dr. Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia, natural de Santa Clara, capital da província de Villa Clara, a cidade mais central de Cuba.

No que concerne aos dois postes anteriores [P16357 e P16380] (*) neles se dão conta dos antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma "missão internacionalista", tendo por cenário desejado o Vietname, o que não se concretizou, acabando por surgir outro destino alternativo, neste caso a Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau).

A sua missão africana inicia-se na véspera de Natal de 1967, tinha então vinte e sete anos de idade, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal.

Os primeiros três meses passou-os na Guiné-Conacri, prestando serviço médico no Hospital de Boké na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.

A integração na guerrilha ocorre, somente, em abril de 1968, quando segue para a frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com paludismo.

Vai entrar em território da Guiné-Bissau, pela fronteira sul, corredor de Guileje, vindo de Boké e Kandiafara: nesta base, encontravam-se na altura  vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse período de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne que lhe ofereciam, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.

Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã, um local onde “o tiro era abundante”. Continua a sua “viagem” a pé, chegando à foz do Rio Corubal / Rio Geba onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [?], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. “Olhou-me com alguma indiferença perguntando-me: tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.

Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969, que foram os últimos da sua missão, durante os quais viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga, que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias, por quatro vezes.

Devido a todas estas ocorrências, por efeito da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, e das tensões a elas associadas, pensou não ser possível sobreviver. Mas, conseguiu concluir a sua missão, regressando a Cuba em outubro desse ano.

Eis a continuação de outros relatos revelados pelo médico  Amado Alfonso Delgado tendo por base o guião da sua entrevista que  tem com 25 questões. Hoje apresentamos a resposta (em itálico) às questões de 12 a 15 com a devida vénia ao autor, o conhecido jornalista cubano Hedelberto López Blanch (n. 1947).


Entrevista com 25 questões [Parte III, da 12.ª à 15.ª]

“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)



(xii) Viveu muitas tensões nesses ataques?

Durante o segundo ano que ali estive [, em 1969, no triângulo Bambadinca- Xime - Xitole, corresponte ao nosso Sector L1 - Bambadinca] realizam-se muitos desembarques de tropas portuguesas helitransportadas, por exemplo, o hospitalito [enfermaria de colmo] da Mata de Fiofioli o/a queimaram em quatro ocasiões. Cada vez que uma avioneta [DO-27] nos sobrevoava duas vezes, logo nos atacavam. Primeiro realizavam um bombardeamento, para depois desceram os militares.


Os últimos seis ou sete meses que ali estive [com início em janeiro de 1969] [os portugueses] efectuaram uma operação muito grande e demorada.




[O entrevistado faz referência à “Op Lança Afiada”, realizada pelas NT no setor L1, entre 8 e 19 de março de 1969, uma das maiores operações levadas a cabo no CTIG, movimentando cerca de 1300 efectivos, dos quais 36 eram oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores civis. Nesta operação, comandada pelo então coronel Hélio Esteves Felgas (1920-2008), participaram as seguintes onze Unidades Orgânicas: CART: 1743, 1746, 2338, 2339 e 2413; CCAÇ: 1791, 2403, 2405 e 2406; Pel Mil da CCAÇ 2314 e Pel Caç Nat 53 (vd. poste P11575)].

[Quinze dias após esta operação, mais duas foram realizadas no mesmo sector com o objectivo de “se completarem as destruições dos meios de vida naquela região”, cada uma delas com a duração de dois dias. A primeira, “Op  Baioneta Dourada”, decorreu em 2 e 3 de abril de 1969, envolvendo a CART 1746 e as CCAÇ 2314 e 2405, num total de sete Gr Comb; a segunda, em 4 e 5 de abril de 1969, na “Op Espada Grande”, estiveram envolvidas as CART 2339 e 2413 e a CCAÇ 2406, com nove Gr Comb: as bases do PAIGC percorridas foram as situadas na zona de Satecuta, Galo Corubal e Poindom (P9095) )***)].

[Três anos depois, também de dois dias, em 26 e 27 de fevereiro de 1972, foi realizada a “Op Trampolim Mágico” (infogravura abaixo), envolvendo o meu BART 3873, com as CART 3492, 3493 e a minha 3494, o BCAÇ 3872, com as CCAÇ 3489, 3490 e 3491, a CCAÇ 12, dois GEMIL, 309 e 310,  e a Companhia de Caçadores Paraquedistas, CCP 123 / BCP 12, num total de vinte e oito Gr Comb, equivalente a um efectivo de cerca de setecentos elementos, missão que contou com a presença no terreno do Comandante-chefe general António de Spínola (1910-1996).]

[Esta operação contou, ainda, com o apoio da FAP, com uma parelha de Fiat  G91, uma parelha de T-6, dois Hélis e um Heli-canhão, e da Marinha, através do desembarque anfíbio na margem direita do Rio Corubal, da CART 3492 (Xitole; 4GC), CART 3493 (Mansambo; 4GC), CCAÇ 3489 (Cancolim; 1GC), CCAÇ 3490 (Saltinho; 1GC) e CCAÇ 3491 (Dulombi; 2GC), respectivamente na Ponta Luís Dias e em Tabacuta, tendo estas forças realizado acções de ataque a aldeias controladas pelo PAIGC atravessando as matas do Fiofioli até Mansambo (vd. poste P13359) (***)].



Guiné > Setor L1 > Mapa do Fiofioli > 1972 > Zona de mato denso onde estavam diversas palhotas que serviam de refúgio a elementos do PAIGC e população que os apoiava e que foram destruídas pela nossa passagem.  (Foto de Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74,vd. poste P13359)

Foto (e legenda): © Luís Dias (2014). Todos os direitos reservados.


A intensa actividade operacional registada no início de 1969 ocorre pelo facto de se ter verificado uma mudança de governador em maio de 1968, com a chegada do general António de Spínola,  o qual disse que ia acabar com os revoltosos.

Por esse motivo passei um período de vários meses que não tive contacto com o comando, nem com o mundo, porque nos tinham cercado. Todos os dias éramos atingidos pela artilharia, pelo fogo de armas ligeiras e pelas bombas dos aviões, sobretudo de manhã quando cozinhávamos, devido ao fumo que saía e se via de muito longe. Havia que fazer a fogueira ao ar livre para dispersar o fumo e que não nos denunciasse.


Aquilo esteve muito tenso, porque durante algum tempo eles andaram atrás de nós até que nos cercaram. Pensámos que iam acabar connosco, pois estávamos entre dois rios, com aviões e barcos à volta, destruindo quase todas as canoas em que podíamos fugir. 

Na última semana deste cerco, os bombardeamentos eram constantes na mata e tínhamos de sair e pormo-nos mais perto de onde nos estavam a atacar com a artilharia para poder esquivar do ataque. Tínhamos vários feridos e não havia alternativa senão dar-lhes as armas, e escondermo-nos em abrigos com árvores e folhas e tentar romper com o cerco. Éramos cerca de quarenta elementos [bigrupo].

Na última noite, quando aguardávamos o dia seguinte ao ataque final, fomos para a mata muito devagar,  tomando todas as precauções. Vimos um grupo que vinha na direcção contrária e acreditámos que iriam abrir fogo sobre nós, mas o que aconteceu é que era um grupo de guerrilheiros de outra zona que surgiram em nossa protecção. No princípio fez-me confusão porque não sabia que eram nossos e, embora não tivessem feito disparos, durante o corre-corre chocamos com uma enorme colmeia, tendo sido picado por cerca de trezentas abelhas e estive mais de três dias a tirar os seus ferrões.

A experiência de médico ensinou-me de que,  se isso acontecesse hoje eu teria morrido, uma vez que uma dezena de picadas são perigosas, podendo provocar um choque na pessoa, mas quando se está perante uma tensão tão grande, produzem-se esteroides que é precisamente o tratamento que usamos contra a alergia. Nenhuma me infectou, o mesmo aconteceu com os outros seis que tiveram igual sorte.

Nesse dia, depois de termos escapado ao primeiro cerco, voltaram a cercar-nos e o comandante da guerrilha informou-me que iam levar-me. Disse-lhe que queria ficar por ali com os feridos, ao que me respondeu que depois de mim logo seguiriam os feridos. Assim sendo, numa pequena embarcação, levaram-nos, a mim e a outro cubano que andava comigo, que era sargento e que me dava apoio, através de um rio mais pequeno que o Corubal. Levava já mais de uma semana em constante tensão, e depois de sair do cerco, empapado, cheguei de noite a um acampamento na outra margem [?]. Pendurei a maca numa árvore, despi toda a roupa e fiquei nu. Pelas cinco da manhã, quando me estava a vestir, senti um som por cima de mim; era uma explosão. Aviões estavam-nos a atacar com napalm. Se não corro desenfreadamente tinham-me atingido, pois as bombas estavam a cair muito perto.



[Os resultados obtidos pelas NT nesta operação, Op Lança Afiada,  foram os seguintes: 5 mortos confirmados; capturados 17 nativos na sua maioria mulheres; 1 carabina “Mosin Nagant”, 7,62, modelo de 1944; 1 espingarda “Mauser”, 7,92, modelo K98K; 1 espingarda “Mauser”, 7,9, modelo 904; 1 espingarda semiautomática “Simonov”, 7,62; 2 metralhadoras pesadas “Goryonov”, 7,62; 2 pistolas-metralhadoras “Shpagin”, 7,62; 1 granada para LG P-27 “Pancerovka”; 12 granadas para LG, RPG-7; 85 granadas para LG, RPG-2; 1 granada de morteiro 60; 19 granadas de morteiro 82; 1 mina A/P de salto e fragmentação (bailarina); 1 mina A/P de fragmentação PPMI; 1 mina TMB; 2 petardos de trotil de 1,2 kg.; 24 cargas suplementares para morteiro (caixas); 42 espoletas de granada de morteiro 82; 3 bolsas para carregadores PPZSH; 1 bolsa para carregadores “degtyarev” e cerca de 10 mil cartuchos 7,62 e 7,9 (60% dos quais impróprios). Vd. poste P11740

Estranha-se a não referência, neste inventário, a material de enfermagem e a medicamentos, na justa medida em que a enfermaria (o tal "hospitalito" do dr. Delgado) foi destruída por quatro vezes, segundo o insuspeito testemunmho do médico cubano.]

(xiii) Andava sempre com apoio?

Durante esse período tive três ajudantes cubanos, o primeiro era técnico de raios X, adoeceu e foi transferido, o segundo trabalhava como técnico de gastroenterologia do Hospital Naval em Havana e que substituíram por este companheiro que era um sargento, de sobrenome Arrebato, e que falava muito pouco.


(xiv) Teve algum problema com ele, 
o srgt Arrebato?



Com este sargento passei todo o tempo do cerco fugindo. Parece que tinha uma personalidade alterada e isso acabou por o descompensar. 

Depois do bombardeamento com napalm, apareceu o chefe da zona, que era um comandante guineense, jovem, forte e muito bem-disposto. Como estavam a cair bombas por todo o lado, chamou um guerrilheiro a quem faltava um braço e pediu-lhe para nos levar dali, a mim e ao sargento através da margem do rio, que era uma zona lodosa [tarrafo] cheia de raízes aéreas. 

Para chegar ao rio era preciso passar por zonas de terreno abertas,  sem vegetação, e no meio existiam três palmeiras. Chegados às palmeiras parámos para descansar. nesse momento ouvimos o barulho dos hélis e ficámos parados. De imediato, começaram a baixar quinze [?]  hélis donde saíram militares portugueses com armas modernas e de impecáveis uniformes, que passaram a poucos metros das palmeiras onde estávamos.

Apercebi-me que um dos hélis estava a cerca de quinze metros e sinceramente pensei que ali mesmo iria morrer
.

(xv) O que aconteceu depois?

Não nos detectaram. Passaram muito perto de nós mais de sessenta militares. Estávamos vestidos de verde e encostados em redor das três palmeiras. 

Nesse momento pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos. Mas, não. Alguns ramos das palmeiras caíram-nos em cima, por efeito dos hélis estarem a participar no ataque, e os militares portugueses passavam por outro lado em direcção ao local onde haviam caído as napalm. Depois os hélis começaram a retirar.

Entre o ruído dos aparelhos e das bombas, fiquei com muita vontade de urinar, para não dizer outra coisa. Os três nos levantámos, vimos que continuávamos vivos e corremos até à margem do rio. Creio que nos viram quando chegámos ao rio, pelo que nos procuraram atingir com os morteiros. Mas quanto mais granadas nos atiravam mais nós corríamos por cima do lodo.

O sargento Arrebato, porque corria muito rápido, ia à frente. De imediato acabaram-se as raízes aéreas mas a vinte metros existiam outras. Arrebato continuou a correr e quando passava entre as duas caiu a um pântano e começou a afundar-se. Com o impulso que levava foi parar tão longe que nem com a arma o podíamos alcançar. Os troncos das matas eram muito pequenos e, entretanto, uma avioneta sobrevoava-nos. Pensámos que ele iria morrer diante de nós, pois já estava muito enterrado e gritava «tirem-me daqui». O guineense, que tinha um só braço e que estava connosco, não podia fazer uma corrente. Entretanto chegam dois guerrilheiros, embora as morteiradas continuassem a cair perto. Estes elementos foram buscar vários troncos e os atiraram para ele caminhar por cima do lodo, até que finalmente ficou a salvo.


Quando o ataque começou eram sete da manhã e estivemos correndo até às cinco da tarde. Eu não podia nem respirar da secura da garganta, pois não tínhamos água. Chegámos a uma aldeia desolada e no centro havia uma espécie de nascente com lodo e muitos bichos, e assim mesmo a bebemos. Eu levava uma lata de leite condensado, e essa foi a comida: água com lodo e leite condensado para poder seguir.

Cerca de vinte guerrilheiros juntaram-se, depois, a nós e disseram que já podíamos regressar, uma vez que já não se ouviam os rebentamentos. Quando chegámos a um arrozal larguíssimo, a que chamavam lala, sentimos o ruído dos hélis. Tiraram-nos o sono, e os aparelhos passaram-nos por cima. Não sei como não nos viram, pois o terreno era verde e a fila de homens, deitados por terra, usavam uniformes amarelos que receberam de oferta. 


Esta foi outra das coisas inconcebíveis que me sucederam. Os hélis recolheram os militares portugueses e retiraram-se. (**)

Continua…

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14 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16304: Notas de leitura (857): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte IV: depois de 3 meses em tratamento do paludismo, em Conacri, o médico vai para a frente leste, em junho de 1967, regressando a casa em janeiro de 1968

24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (851): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)