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quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24580: Historiografia da presença portuguesa em África (382): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Esta revista Itinerarium está a revelar-se uma importante fonte de consulta sobre as missões católicas, são olhares que complementam a obra clássica do Padre Henrique Pinto Rema. Este investigador, Padre Manuel Pereira Gonçalves dá-nos um relato sobre a missionação dos franciscanos observantes em pleno século XVII, a partir de 1656. Convém recordar que D. João IV se viu a braços com a hostilidade espanhola na região, que também se manifestava na missionação, daí os esforços para robustecer a capitania de Cacheu e o apoio que deu à obra missionária, esta centrava.se na diocese de Cabo Verde e o autor aproveita para fazer uma síntese histórica que aqui se plasma por se lhe conferir bastante rigor. Ele irá falar sobre a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné, mas antes dá-nos uma apreciável nota do trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade. Daremos seguimento ao trabalho do Padre Manuel Gonçalves fazendo depois uma recensão de um artigo publicado na mesma revista intitulado "Recordações da guerra civil de Bissau (1998/1999)" pelo então vigário geral da diocese, Padre João Dias Vicente.

Um abraço do
Mário



Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (1)

Mário Beja Santos

Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na "Revista Itinerarium" (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.

O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Começa por concordar com a opinião do Padre Henrique Pinto Rema quanto à área da diocese de Cabo Verde, limites traçados pela bula de ereção da diocese com data de 31 de janeiro de 1533: “A nossa diocese abrange o arquipélago de Cabo Verde e a terra firme da costa da Guiné, desde o rio Gâmbia, perto do promontório ou lugar do Cabo das Palmas até ao rio de Santo André. Segundo a Bula Pro Excellenti, os extremos Norte e Sul da nova Diocese distam 350 léguas, ou seja, cerca de 2100 quilómetros. O território para cima do rio Senegal pertencia à arquidiocese do Funchal.” Observa que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula nos séculos XVIII e XIX e que para tal situação contribuiu a presença de países melhor apetrechados, económica e militarmente, e que punham permanentemente em causa a existência da nossa soberania. Os portugueses também se viram condicionados pela guerra de corso. No século XVII, os Rios da Guiné, apesar do sentido indefinido segundo os textos legais, faziam parte da área da jurisdição da capitania de Cabo Verde, cujo governador tinha poder sobre o Capitão-Mor de Cacheu.

Indo mais atrás, o autor fala do período entre 1432 e 1438 quando os Rios da Guiné eram sinónimo de Etiópia Menor. Cadamosto foi o primeiro a demandar esta baixa região da Etiópia e a contatar a população negra. Iniciou a sua primeira viagem em 22 de março de 1453, a segunda decorreu em 1456, terá sido nesta que descobriu quatro ilhas cabo-verdianas: Boavista, Santiago, Maio e Sal. Valentim Fernandes refere duas Etiópias, a primeira corre e estende-se pela costa do rio Senegal até ao Cabo da Boa Esperança. E do dito rio até este cabo são 1340 léguas. O outro nome da baixa Etiópia é Guiné. No seu roteiro, Valentim Fernandes fala das duas Etiópias, dizendo que a segunda, a Etópia Superior começa no rio Indo, além do grande reino da Pérsia, do qual a Índia este nome tomou. Mais tarde, Jerónimo Munzer, viajante e cientista alemão, manifestou interesse pelas navegações portuguesas e enviou por Martinho da Boémia uma carta dirigida a D. João II aconselhando-o a descobrir o caminho marítimo para a Índia pelo Ocidente. No ano seguinte, em 1494, ele próprio veio a Portugal, falou com D. João II, das conversas havidas e das suas impressões de viagens deixou o livro Itinerarium. O Padre Manuel Pereira Gonçalves refere também as viagens e trabalho do Padre Manuel Álvares, Jesuíta, que escreveu uma obra Etiópia Menor, o Padre Baltazar Barreira, que missionou na Guiné e que também deixou um precioso relato. Antes destes autores, também André Donelha deixou uma descrição da região, sabemos que esteve pelo menos três vezes na Guiné ao serviço da armada de António Velho Tinoco, provedor da fazenda real das ilhas de Cabo Verde.

Mais precisa que a descrição de André Donelha é a obra "Duas Descrições Seiscentistas da Guiné deixada por Francisco de Lemos Coelho, no século XVII. Como realça o autor, trata-se de uma obra indispensável para um levantamento geográfico e etnográfico desta Etiópia Menor. A documentação histórica subsequente refere de forma indiferenciada os Rios da Guiné ou os Rios da Guiné e Cabo Verde. Lembra também o autor que as ilhas dos Bijagós aparecessem no trabalho do Padre Manuel Álvares. Outros relatos vão conferir importância ao Rio Nuno, não muito longe do Rio Tombali. A importância do Rio Nuno para os portugueses reside na história do seu nome e ainda na abundância de marfim e tintas. Navegando em direção a Sul chega-se ao Rio Verga, próximo está o cabo que tem o mesmo nome. Por fim, temos a Serra Leoa, há testemunhos desse itinerário através dos escritos do Padre Fernão Guerreiro e do Padre Manuel Álvares. Para o autor é absolutamente certo que a descoberta da Serra Leoa se deve ao navegador Pedro de Sintra que foi um pouco mais além do atual território, chegando mesmo à Libéria. O navegador Luís Cadamosto faz referência em pormenor a esta viagem. Em 1462, Pedro de Sintra iniciou uma nova viagem com apenas duas caravelas e desembarcou numa das ilhas dos Bijagós. E prosseguiu viagem, passou pela montanha da Serra Leoa (está-se em crer que este nome deriva do grande rugido que ali se faz sentir por causa das trovoadas). E chegou ao Cabo das Palmas e Rio de Santo André, limite da diocese de Cabo Verde e Guiné, recorde-se que este cabo foi descoberto no reinado de D. Afonso V, em 1469, a mando de Fernão Gomes.

E o autor começa a sua exposição sobre a Província de Nossa Senhora da Piedade, o apoio dado pelo rei D. João IV à Missão de Cabo Verde. É neste apostolado em Cabo Verde que dois franciscanos vão à Guiné: Frei Paulo do Lordelo e Frei Sebastião de S. Vicente, eram portadores de um projeto muito específico, lançar os alicerces do hospício de Cacheu. Na povoação de Cacheu, no século XVI, viviam 800 cristãos ou assim considerados. Os dois religiosos estiveram alguns meses no ensino da região cristã e depois seguiram para o reino dos Banhuns. Foram muito bem recebidos pelo rei da terra, ali ergueram uma pequena capela. E depois estes dois franciscanos fizeram uma longa viagem, tinham como meta a Serra Leoa, passaram por Bissau e o Rio Nuno. Esta missão franciscana entusiasmou outros religiosos. Surgiu uma segunda leva de missionários, em 1662, 12 religiosos capuchos da Província da Piedade marcam presença. E em 1663, Frei André de Faro e Frei Salvador de Taveiro chegam a Cacheu e daqui partem para o território dos Banhuns. Mas o autor não deixa de nos advertir que por volta de 1670 a evangelização do continente não era nada brilhante. E depois de nos ter falado sobre esta Província de Nossa Senhora da Piedade vai referenciar a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné.

O que será importante reter? A Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíram vocações. Só um iluminado era capaz de partir para locais tão difíceis sem saber o que de bom iria encontrar.

Mapa da Costa da Guiné (adaptado de Nuno da Silva Gonçalves, Os Jesuítas e a missão de Cabo Verde (1604-1642), Lisboa, ed. Brotéria, 1996.)

Peregrinação Mariana em Geba, 2013
(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24557: Historiografia da presença portuguesa em África (381): 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão (Mário Beja Santos)

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23967: (De)Caras (192): Os bravos comandos cap Maurício Saraiva e fur mil Joaquim Morais (morto em combate, no Quitafine, em 7/5/1965) (Virgínio Briote)


Guiné > Bissau > Comandos  do CTIG > Gr Cmds "Os Fantasmas" > 1964 >  Da esquerda para a direita o fur mil 'cmd' Joaquim Morais (que viria a morrer em combate em Catungo, Cacine, em 7/5/1965,  e o alf ml 'cmd' Maurício Morais (promovido a tenente e depois  a capitão, no 10 de junho de 1965)


Guiné > Bissau > Comandos  do CTIG > Gr Cmds "Os Fantasmas" > 1964 > O alf mil 'cmd' Maurício Saraiva desfilando à frente dos seus homens, junto ao palácio do Governador.

Fotos (e legendas): © Virgínio Briote  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


CTIG > Companhia de Comandos / Gr Cmds "Os Dianólicos" > Cartão de identificação do alf mil 'cmd' Virgínio António M. da Silva Briote. Assinatura (ilégível): Nuno Rubim, cap art 'cmd'


1. O nosso Virgínio Briote (Vb) tem as melhores páginas, alguma vez escritas, sobre os Comandos do CTIG (1964/66)... E, seguramente, sobre alguns dos velhos comandos de Brá...

Felizmente vivo, é nosso coeditor (jubilado por razões de saúde). Nasceu em Cascais, foi alf mil em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (jan/mai 1965); fez depois o 2º curso de Comandos do CTIG; esteve à   frente do Gr Cmds  "Os Diabólicos" (set 65/set 66); regressou a casa em janeiro de 1967; trabalhou numa multinacional da indústria farmacêutica onde foi brilhante quadro superior; é casado com a encatadora Maria Irene, professora do ensino secundário reformada... (Ambos são pais e avós babados.)

O Vb teve um blogue que infelizmente decidiu desativar. Chamava-se "Tantas  Vidas"; http://tantasvidas.blog.pt/ . Publicou postes entre janeiro de 2006 e março de 2009. Textos de antologia que mereciam conhecer o prelo.  Depois achou que tinha dito tudo... Fechou o blogue (e o bau). 

Mas o Arquivo.pt que anda há muito, desde 1996, à caça de páginas na Web, de preferência em português, não lhe pediu licença e foi-lhe fazendo sucesssivas capturas de páginas do seu blogue... Só há dias é que ele soube, porque eu lhe disse. A última captura foi em 24 de maio de 2009, às 21h54... Veja-se aqui o endereço:

https://arquivo.pt/wayback/20090524215817/http://tantasvidas.blog.pt/2009/3/

Mas, em 2015, ainda recuperámos muitos desses textos do "Tantas Vidas", criando a  série "Guiné, Ir e Voltar". Publicámos cerca de 3 dezenas de postes, entre 28/6/2015 (Poste P14803) e 7/1/2016 (Poste P15588). 

O Virgínio Briote é um dos históricos do nosso blogue para o qual entrou em 23/10/2005.  Tem 265 referências. Tivemos curiosidade em saber o que é tinha escrito sobre alguns dos seus camaradas mais velhos, no Comandos do CTIG, como o Maurício Saraiva, o Amadu Djaló, o João Parreira, o Joaquim Morais..., que pertenceram ao Gr Cmds "Os Fantasmas", entretanto extintos em maio de 1965. Aqui vai um excertp, em complemento do poste P23960, assinado pelo João Parreira) (*).


Guiné, ir e voltar > Os bravos comandos cap Maurício Saraiva  e fur mil Joaquim Morais (morto em combate, no Quitafine, em 7/5/1965)

por Virgínio Briote (**)

(i) O cap 'cmd' Maurício Saraiva

O capitão Maurício Saraiva, promovido a capitão por distinção, até então o único vivo com a Medalha de Valor Militar em Ouro, depois de duas cruzes de guerra, tinha metido o chico, estava em Lisboa na Academia Militar.

Aproveitara as férias para vir a Bissau dar-lhes instrução operacional, e sair com eles para o mato durante o curso de comandos para oficiais e sargentos do CTIG.

Foi um dos fundadores dos comandos da Guiné. Tinha estado em Angola, com o Godinho, os irmãos Roseira Dias, o Miranda e outros. Depois formou o grupo dos Fantasmas e com ele percorreu a Guiné de uma ponta a outra.

Deixou fama pela forma como fazia a guerra, por vezes parecia encará-la como se fosse uma brincadeira. Fazia que retirava, dava às vezes até sinais de fuga descontrolada, como se quisesse animar o IN a mostrar-se confiante. Escondia-se com o grupo, paciente, uma ou duas horas se fosse preciso. E depois, Fantasmas ao ataque! Uma série de êxitos coroavam-no e era objecto de mal disfarçada homenagem, numa altura em que a regra era ver as NT recolhidas a posições defensivas.

Mas nem sempre as coisas correram bem. Tanta intrepidez e desafio também lhe trouxeram sérios problemas.

Novembro de 64, dia 28. Perto da fronteira com a Guiné-Conacri, na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobige, os Fantasmas detectaram uma mina anti-carro.

Levantaram a mina e simularam o rebentamento. Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros. No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou o resto do grupo no Unimog maior atrás. A primeira viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. A viatura incendiou-se, as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto e do depósito de combustível saía fogo. Quase todos os homens foram projectados a arder. Sete mortos logo ali e três feridos graves. Regressaram doze a Bissau. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação.

(ii) A morte fo fur mil 'cmd' Morais, já em fim de comissão

Já quase no final da comissão, em Cameconde, lá para o sul, no Quitafine. No diário do furriel João Parreira, um deles, podia ler-se:

(...) “6 Maio 65. Saímos às 15h00 para a operação “Ciao”, num Dakota até Cacine e depois em viaturas até Cameconde, onde já se encontrava um pelotão à nossa espera. O Capitão Rubim foi connosco. Saímos às 19h00 em direcção ao objectivo. Segundo as informações que nos foram fornecidas, a base IN era composta por cerca de 80 homens bem armados, comandados por Pansau Na Isna, chefe militar, adjunto do João Bernardo Vieira, de etnia Papel, mais conhecido pelo Comandante Nino.

Já na madrugada do dia 7, a poucos quilómetros do objectivo demos indicações ao pelotão para permanecer ali e esperar pelo nosso regresso, com a missão de proteger a nossa retirada ou dar-nos apoio, caso fosse necessário. Assim, seguimos silenciosamente até perto do acampamento, situado na mata a sudoeste de Catunco. Apesar de termos feito uma aproximação cuidadosa, fomos detectados por uma sentinela. Tentámos assaltar o acampamento. Mas eles estavam bem preparados, reagiram ao nosso fogo e o tiroteio prolongou-se. Quando o fogo deles abrandou, entrámos por ali dentro e vimos material abandonado durante a fuga. Oito armas, cunhetes de munições, granadas, petardos, equipamentos, minas, fardas, e muitos documentos, entre os quais um caderno que pertencia a um tal Armindo Pedro Rodrigues, com elementos importantes da Ordem de Batalha do PAIGC.

Carregados com o nosso material e com o que tínhamos capturado, regressámos para junto do pelotão de recolha. Juntámo-lo e começamos a vê-lo em pormenor. Faltava o aparelho de pontaria de um morteiro, até então ainda não apreendido na Guiné.

O Morais afiançava tê-lo visto lá. O tenente Saraiva chamou o Amadú  
[Djaló] e o Morais e disse-lhes para voltarem ao acampamento. Embora estivéssemos conscientes do perigo, arriscámos, partindo do princípio que o IN se tinha retirado após as baixas sofridas. O Morais perguntou quem é que queria ir com ele e com o Amadú. Ofereci-me bem assim como o capitão Rubim, o furriel Matos e mais 7 camarada, 10 no total.

De novo no interior do acampamento a arder. Vi uma árvore gigante, com umas cavidades enormes. Espreitei para dentro de uma, o Morais para a outra, à procura de material, e o restante pessoal, por ali perto, fazia o mesmo. Subitamente, rajadas de metralhadora e granadas de bazuca caíram-nos em cima. Uma destas rebentou entre nós. Um pequeno estilhaço partiu a coluna do Morais, que caiu sobre uma fogueira. Eu fui atingido no lado direito das costas, mas na altura nem localizei o ferimento.

Vi o Morais a morrer quando o olhei de relance. Um vago murmúrio, depois mais nada, um ar sereno no rosto, pareceu-me. Deitei-me e reagi ao fogo, mas passado pouco tempo fiquei sem força no braço, a G-3 ficou muito pesada, e depois já nem o gatilho conseguia apertar. Passei a espingarda para o braço esquerdo e fiz fogo, mas julgo que não fui nada eficaz. Os outros 8 camaradas, embora ligeiramente, foram todos atingidos. Depois os restantes elementos do Grupo foram lá buscar-nos. Junto do pelotão de apoio, injectaram-me morfina. Tinha perdido muito sangue. Prestaram-me os primeiros socorros em Cacine.

Fomos evacuados para Bissau. Eu de barriga para baixo, bem atado, com mais uma injecção de morfina, e o Morais, morto, cada um em macas de lona, encaixados no exterior do heli 
[um AL II]. Durante o trajecto, e em duas localidades diferentes, na minha sonolência ouvi rajadas de metralhadora que me pareceram passar rente ao helicóptero. Pareceu-me uma eternidade a viagem até ao hospital de Bissau, onde, depois de me terem operado, fiquei internado.

8 Maio
. O Marcelino [da Mata] foi o primeiro a vir ver-me ao Hospital. O crucifixo que eu trazia ao peito era uma crosta, uma grande cruz de sangue seco. Pedi-lhe que o lavasse.

9 Maio. Muitos camaradas me visitaram hoje, o major Dinis, o tenente Saraiva, o alferes Pombo, os furriéis Matos, Moita e o Miranda, claro. Da parte da tarde vieram a D. Beatriz Sá Carneiro, mulher do Comandante Militar e a D. Mariana do MNF  
[Movimento Nacional Feminino].

O Morais era órfão de pai. No caso dele correu tudo no mesmo sentido. Mal. Não era necessário a presença dele nesta operação, já tinha acabado a comissão. Em Brá tentaram persuadi-lo, mais que uma vez, a não ir. Tantas vezes, que diferença vai fazer sair mais uma, insistia. Não embarcou com o Batalhão a que pertencia, por ter combinado que esperava que o tenente Saraiva e os furriéis Matos, Moita e Ilídio acabassem a comissão. A estes faltavam-lhes apenas 15 dias. Imaginava o regresso à Metrópole, todos juntos num navio, como se regressassem de um cruzeiro de férias.

O Miranda recebeu o corpo no Hospital. Foi ele com o Mário Dias, o Fabião e o Ilídio que o lavaram, vestiram e deitaram no caixão. Fizeram uma colecta para a compra do caixão de chumbo. E coincidência, morreu no mesmo dia em que o seu Batalhão de origem desfilava em Lisboa, com a missão cumprida.”


(iii) Ponham-se em sentido quando ouvirem pronunciar o nome do 'Nino'

Claro que, fosse para onde fosse, o Saraiva trazia com ele esses e outros acontecimentos, como se uma auréola o enfeitasse.

Quando reentrou em Brá, para passar o tal mês de “férias”, apresentaram-lhe os novos que estavam a frequentar o curso e pessoal já bem conhecido dele, o capitão Rubim, o sargento Mário Dias, os furriéis Miranda, Moita, Matos, Fabião, o João Parreira, o cabo Marcelino da mata, os soldados Kássimo, Tomás Camará, o Adulai Jaló e outros.

Dos novos conhecia um ou outro, e aos que não conhecia tinha algum tempo à frente para os ver trabalhar no mato e depois veria a quem entregaria o crachá. Passava a vida a pô-los em sentido. Uma volta na conversa e lá vinha o Nino à baila. O Nino, estão a olhar para mim? ( Consideeava o Nino como um verdadeiro chefe militar e, apesar de inimigo, merecedor de respeito.)

O Nino , que porra, estes gajos são todos surdos? O Nino, ele a insistir e os alferes com falta de entendimento. Sentido, porra! Aqui nos comandos quando se fala no Nino, toda a macacada, vocês também, saltam como uma mola, estejam onde estiverem, não interessa, põem-se a pé! Em sentido!

E foi assim que se fez escola, dali para a frente, sempre que alguém pronunciava o nome do Nino, os outros punham-se em sentido.

Uma vez, em Biambe, na zona do Oio, uma tempestade como não havia na memória deles, tinha partido o grupo em dois, aí pela uma da madrugada, noite negra como só em África quando o céu está todo tapado. Um, sozinho, lá encontrou o trilho depois de andar a tactear o chão. Daqui não saio, vou-me mas é sentar!

A chuva não parava, pareciam pedras a cair, faziam tanto barulho no camuflado que receou que o denunciassem. Ainda bem que só tinha as cuecas debaixo, menos peso para carregar. Nada de sinais, nem de trás nem da frente. Esta é boa, onde é que os gajos se meteram, que merda, assobiou baixo, a imitar o pássaro que afinaram no curso. Nada de respostas, minutos a passar, chuva em barda. Estou frito, estou mesmo perdido, o coração como um cavalo a galope, até sentia calor, olhava para todo o lado e só via escuridão, pirilampos nem vê-los, nada, só ouvia o barulho da água a bater. E agora, o que faço? Eles hão-de dar pela minha falta, não me vão deixar aqui. E se não derem?

Calma, esperas pelo nascer do dia, viras as costas ao Sol, cortas mato, nada de trilhos, sempre em frente, até à estrada Mansoa-Bissorã, escondes-te, há-de aparecer uma coluna um dia destes, quase todos os dias passam. Depois é só saltar para a estrada e pronto. E se a guerrilha te vê, o que é que fazes? Pois. Minutos a durarem horas, o coração outra vez.

Um pequeno som, pareceu-lhe, serão eles, ou estarei a sonhar? Um assobiar baixinho. É isso, são eles, nunca mais vinham, assobia também, assobio cada vez mais próximo, uma mão, o Kássimo, o Saraiva atrás. Então e os outros? O capitão, danado, a bufar, e os outros? Kássimo à frente a assobiar, dentro do trilho, foram andando para trás, mãos no cinturão do da frente. Encontraram o capitão Rubim e o alferes Vilaça, os dois sentados, costas com costas. A dormir na forma, ah?

No outro sábado o Saraiva encontrou os quatro alferes sentados, tinham acabado de almoçar na messe de Brá. E o programa para hoje, qual é, perguntou. Vou até Bissau espairecer, diz um, outro vou mas é dormir com a cama, a correspondência a preocupar o terceiro, o quarto, sei lá? Ele arranjava um melhor, têm 5 minutos para se equiparem para sair.

Levou-os para o aeroporto, os motores já quentes do Dakota pronto para descolar. Foram para leste, Nova Lamego até Canquelifá, perto da fronteira com a Guiné-Conakri. Chegaram com o Sol quase a ir-se. Esperaram fechados dentro do avião, os motores parados.

Abriram-lhes as portas, entraram directos para uma GMC com as lonas corridas. Meteram-lhes lá dentro queijo partido aos bocados e pão. O Saraiva, gargalhada baixa, a pedir os cantis, para encher de água fresca, disse. O meu não precisa, está cheio até cima, nem se ouve, mesmo que o abane, diz um. Passe, o capitão a insistir. Que a marcha ia ser longa, cerca de 20 km, e a água vai ser decisiva.

Ouçam bem, só bebem quando eu der sinal, todos a beber ao mesmo tempo.



© Foto do Júlio Costa Abreu. Com a devida vénia.

Carvão negro na cara e nos braços, pareciam manjacos e mandingas. Pôs-se o sol, meteram-se no mato, dois a dois, trilhos fora, quilómetros e quilómetros, a noite toda.

Comandos ao ataque, o Saraiva desalmado a gritar, como gostava de começar o dia. Fizeram-se a eles, por ali dentro, as casas de mato com 2 ou 3 gajos que nunca lhes tinham sido apresentados a pisgarem-se. Depois, um dos intrusos passou à história. Da gargalhada. Quando sentiu os projécteis de uma metralhadora pesada inimiga a bater lá em cima nas árvores, até disse para os outros, olha a NT a apoiar! Os outros a rirem-se, uma força danada dentro deles. No caminho do regresso lembraram-se da genica que sentiram, estamos numa forma do caraças, não estamos?

Nunca souberam de onde tinha vindo tanta gana, se calhar tinha sido quando o capitão, finalmente, autorizou meterem água, devia ter vitaminas. A certa altura do caminho de retirada, começaram a ficar sem forças. Estranharam, nunca lhes tinha acontecido, não acertavam com o trilho, não era só um, eram todos. Menos o capitão. Alguns paravam, encostavam-se às árvores, queriam sentar-se, os olhos para cima. Quem parar fica para trás, o Saraiva lá à frente, na esgalha. Em pequenos grupos foram chegando. Em Canquelifá, uma cerveja gelada, boca abaixo, duma vez só. Alguns só acordaram com os motores do Dakota e um ou dois nem assim. A caminho do avião, pareciam zombies, em coluna por um, pelo campo fora.

Da outra vez, mandou tapar-lhes os olhos com algodão, fita adesiva e um lenço negro por cima. Só tiram os lenços e o adesivo quando eu mandar. É para ver se adivinham para onde vamos passar o fim-de-semana. Viaturas pela estrada fora, para onde havia de ser, para o Oio. Quando entraram em Mansoa, pararam. Então, quem é amigo? Para onde vamos então? Toca a tirar os lenços, olhos e ouvidos bem abertos agora. Foram por ali fora até Bissorã. A mesma história do queijo e do pão, uma cerveja para cada um, cantis cheios de água, por aqueles trilhos, a noite toda.

Um cigarro agora é que sabia bem. Pois, também a mim me apetecia estar na praia de Carcavelos, ao sol com a miúda, os ouvidos dele em todo o lado. Fumas no fim do fogo. O dia clareou, estavam no sítio certo, as casas de mato em frente. Os guerrilheiros é que faltaram à chamada naquela altura. Não saímos daqui enquanto os gajos não aparecerem, o capitão a provocá-los. Vieram mais tarde, quando já não dava muito jeito, mas arranja-se sempre qualquer coisa, que remédio. Um daqueles alferes integrado na equipa do furriel Moita, apanhado num campo de mancarra, com nada para se abrigar, ou estava com pressa de regressar a Bissau, ou tinha visto no cinema uma cena parecida, chateou-se, aqui vou eu, quem quiser que venha. Quis lá saber da parelha e da equipa, meteu-se por aquelas casas de mato dentro. Depois ficou lá dentro sozinho, sem saber bem o que fazer. Os companheiros daquele fim-de-semana encontraram-no a olhar para o ar, para os ramos das árvores a abanarem com as balas. Estes gajos nunca mais aprendem, porra, 20 flexões aí já, o Saraiva oportuno como sempre. Agora sim, podem fazer fogo com o isqueiro, toca a fumar! (...) 

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]

domingo, 8 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23960: (De) Caras (191): A morte do fur mil 'comando' Joaquim Carlos Ferreira Morais, no assalto a uma base IN, em Catunco, Cacine, em 7 de maio de 1965 (João Parreira, ex-fur mil op esp, 'comando', CART 730 / BART 733 e Gr Cmds “Os Fantasmas” e "Os Camaleões", Bissorã e Brá, 1964/66)



João Parreira, ex-fur mil op esp, 'comando',
CART 730 / BART 733
e Grupo de Comandos “Os Fantasmas” e "Os Camaleões",
Bissorã e Brá, 1964/66, membro da Tabanca Grande
desde 3/12/2005


1. Em complemento da versão do Amadu Djaló sobre a última operação realizada pelo Gr Cmds "Os Fantasmas (6 e 7 de maio de 1965) (*), publicamos aqui alguns excertos de postes do João Parreira (**), que trazem informações adicionais sobre a Op Ciao, em que ambos foram feridos, e em que morreu o fur mil comando' Joaquim Carlos Ferreira Morais,

(i) Julgo que vale a pena deixar escrito alguns eventos, durante o período de 6 de Maio a 11 de Junho 1965, alguns deles relacionados com a operação Ciao na mata de Catungo, em [6 e 7 de ] maio de 1965.

Na carreira de tiro dos paraquedistas, alguns dias antes tinha perdido uma aposta com o  Morais, pelo que me competia em qualquer altura pagar-lhe um almoço no Grande Hotel.

Como alvo, daquela vez, foram escolhidas 3 garrafas distanciadas umas das outras (também havia quem preferisse latas e até granadas). A aposta consistia em, virados de costas para cada uma delas, e por 3 vezes consecutivas, dar um salto, enfrentá-las e, instintivamente com a G-3 em patilha automática, dar apenas uma rajada de 3 tiros e, por sequência, acertar nas que ainda se encontrassem intactas.

Como não me foi dito que havia saída para o mato nesse dia, resolvi então convidá-lo para ir almoçar uma vez que faltavam poucos dias para ele regressar à Metróple.

Depois do almoço num ambiente calmo e agradável encontravámo-nos a beber whisky, a observar o que nos rodeava e a falar de coisas triviais, quando vimos o yenente Saraiva dirigir-se para nós pelo que pensámos que se ia sentar connosco.

Desde o meu primeiro dia que senti que iria ter boas relações com o ten [mil 'comamdo']  Saraiva [comandante do Gr Cmds "Os Fantasmas"]  e assim aconteceu quer em Brá quer nas nossas deambulações por Bissau ou em operações. No mato admirava o seu empenhamento, a sua descontração e o seu à-vontade.

Afinal tinha acabado de chegar do Gabinete do Governador e Comandante-Chefe, onde tinha ido receber informações sobre uma operação e sabendo por alguém que me encontrava com o Morais no Grande Hotel, foi ter connosco e disse-me para regressar a Brá o mais depressa possível a fim de me equipar para dentro de poucas horas partir para uma operação no Sul da Província, tendo o Morais, que já tinha acabado a comissão de serviço, dito que também ia.

Então, foi-nos comunicado nessa altura que, dado o pouco tempo disponível, nos daria pormenores durante o trajecto. Já em Brá vários camaradas dos outros dois grupos ["Os Camaleões" e "Os Panteras".] , ao saberem que o nosso grupo ía sair, insistiram com o Morais para não ir mas ele foi peremptório e disse:

– Já fiz tantas operações com o grupo,  que uma a mais não me faz qualquer diferença.

Progredindo silenciosamente por aqueles trilhos do mato naquela noite, escura como breu, em que à distância de um braço já não se via o camarada da frente, G-3 na mão e dedo no gatilho, 4 carregadores à cintura e nenhuma granada...     [E aqui abro um parêntese, para confessar que fiquei com uma certa aversão ao lançamento de granadas, que aliás todos nós as sabemos lançar, alguns porém só em teoria, desde que,  durante um tiroteio, numa das operação da CART 730 em que, para não largar a arma, resolvi utilizar só uma mão, pegando assim na granada com a mão esquerda e, sem pensar, uma vez que quer em treinos no CIOE (em Lamego), quer num dos combates já as tinha utilizado, daquela vez não sei o que é que me passou pela cabeça, o certo é que tentei imitar, talvez em desespero, o que via fazer em filmes de guerra, pelo que tentei puxar a argola com os dentes e o resultado foi óbvio, não só não consegui como fiquei com a ponta de um dente partido, tendo depois, como é natural, achado prudente ficar caladinho.]

 Continuando a progressão, e com todos os sentidos em alerta para aquela operação que se afigurava espinhosa e,  tentando não perder o camarada da frente, dois pensamentos iam-me constantemente martelando a cabeça: "o que é que eu ando para aqui a fazer no meio do mato nesta noite tão escura, sujeito a perder-me, levar com um balázio que me pode deixar incapacitado para toda a vida ou matar-me, quando ainda não há muito tempo me encontrava bem instalado e livre de perigo ?"...

E o outro: "Anda para aqui um gajo a dar o corpo ao manifesto enquanto muita malta nova na Metrópole anda neste momento a divertir-se em bares e em boites, e outros mais expeditos piraram-se do país, quando..."

Já estávamos tão perto do acampamento que,  quase de repente,  esbarrámos com um sentinela que foi mais lesto a detectar-nos, pelo que começou a fazer fogo, seguindo-se logo fogo cerrado dos seus camaradas.

Reagimos ao fogo até conseguirmos calar as armas do IN tendo depois entrado no acampamento que, segundo as informações que nos tinham sido dadas, era ocupado por cerca de 80 homens comandados por Pansau Na Isna.

Excitados com o êxito do golpe de mão em que não sofremos feridos e em que foram causadas baixas que não foi possível estimar, depois da debandada e a subsquente destruição do acampamento, seguimos carregados com todo o material abandonado pelo IN para junto de um  Pelotão que nos aguardava a alguns quilóemtros de distância.

Ao alvorecer foi possível olharmos com mais atenção para esse material, que a seguir descrevo  [e que o Amadu Djaló omite no seu relato]:
  • Pist met PPSH >3 ;
  • Carregadores p/ pist met PPSH > 10;
  • Bolsas lona p/ carregadores PPSH > 8;
  • Espingarda semiautomática M-52 > 1;
  • Esp Mosin-Nagant > 1;
  • Pistola CESKA > 2;
  • Carregador p/ pist. Ceska > 1;
  • Aparelho pontaria p/ Mort. 60 > 1;
  • Granada mort. 60 > 4 ;
  • Capas lona p/ mort. > 3;
  • Mina A/P PMD-7 > 3;
  • Granada de mão defensiva DEF F-1 > 7;
  • Granada de mão ofensiva RG-4 > 4;
  • Cunhetos p/ Gr Mão Of RG-4 > 1;
  • Sabre p/esp. Mauser > 1;
  • Carr. p/  metr lig  RPD > 4;
  • Carr. p/ PM 25 > 2;
  • Cunhetos metálicos p/mun. > 2;
  • Lâminas carregadores p/ esp. Simonov > 23;
  • Estojo limpeza p/ esp. Simonov > 1;
  • Cartuchos cal. 7,62 > 1.262;
  • Cartuchos cal. 7,65 > 39;
  • Cartuchos cal. 7,9 > 773;
  • Cartucheiras diversas > 13;
  • Detonadores pirotécnicos > 27;
  • Disparadores p/ minas > 11;
  • Disparadores tipo MUV > 10;
  • Petardos > 4;
  • Cordão neutro > 4 mts.;
  • Bornais lona > 15;
  • Suspensórios lona > 23;
  • Bolsas lona p/ carr. Degtyarev > 3;
  • Bolsas lona p/ acessórios > 3;
  • Almotolias > 3;
  • Capecetes de aço > 1;
  • Calças de caqui > 8;
  • Camisas de caqui > 7
  • Outro material > Vários livros e documentos. Material sanitário diverso: pensos individuais; ligaduras; algodão; comprimidos de sulfamidas; embalagens de penicilina; frascos de Sanergina; pinças; tesouras; tesouras de laquear; seringas; agulhas para injecções e ligaduras elásticas.

Pela razão já anteriormente descrita, foi dito ao Morais e ao Amadú para, a título voluntário, regressarem ao acampamento juntamente com outros que os quisessem acompanhar.

Andávamos descontraídos dentro do acampamento à procura de mais material, tendo por isso subestimado a estratégia do IN, pelo que, passado não muito tempo,  fomos todos nós (eramos 10) repentinamente atingidos por aquela bem orientada e por isso maldita granada de LGFog, ao que se seguiram durante algum tempo rajadas de várias armas.

(Em suma: O grupo que devido às circunstâncias foi muito sacrificado, era composto no início por 30 homens. Em 28 de novembro de 1964 uma explosão no regresso de uma operação causou 8 mortos e 2 feridos que foram evacuados para o HMP, em Lisboa. Tendo sido interveniente em mais operações, só no início de fevereiro de 1965 foi recompletado com um furriel (!!!). Em 20 de abril de 1965, na região do Inscassol ficámos 4 feridos com estilhaços de granada.)

Não sei como, mas o certo é que, apesar de feridos em Catungo,  ripostámos e aguentámo-nos como pudemos até que com alívio vimos a chegada dos restantes elementos do Grupo que, ouvindo o tiroteio e pensando que estávamos em apuros, foram em nosso socorro e assim afastaram o perigo.

Depois de se certificarem que o IN tinha desaparecido ajudaram-nos a chegar até junto do Pelotão que nos aguardava, onde foram então feitos tratamentos sumários aos feridos, tendo o Grupo regressado a Cacine e daí para Bissau, com excepção de dois que de Cacine foram directamente de heli para o Hospital.

(ii)  N[esta ] operação, a 6 de maio, efectuada a um acampamento situado na mata a SW de Catungo (Cacine), em que foi capturado grande quantidade de material de guerra e sanitário, o Grupo (reduzido a 22 homens) teve 10 feridos, entre eles o capitão de artilharia Nuno José Varela Rubim que mais tarde ficou a comandar a Companhia de Comandos.

Em virtude de ter sido ferido com alguma gravidade fui evacuado de heli para o Hospital Militar em Bissau, bem assim como um grande amigo e camarada, o furriel Joaquim Carlos Ferreira Morais, que, infelizmente, faleceu a meu lado e do qual ouvi a última palavra.

Como era amparo de mãe, e não tinha meios financeiros, teve que ser feita uma subscrição a fim de se angariar fundos para que o corpo pudesse regressar a Portugal.

Com a extinção do meu Grupo, que estava reduzido a pouco mais do que meia dúzia de homens,  fui integrado num dos dois restantes, "Os Camaleões", os quais também acabaram por desaparecer, tal como o outro, "Os Panteras", devido a muitos dos seus elementos terem terminado a comissão e estarem a aguardar o embarque. Deste modo deixaram de existir os três primeiros Grupos de Comandos formados no 1º Curso e tornou-se necessário criar o 2º. Curso, no qual participei" 

(iii) Não consegui resistir à tentação de escrever estas linhas quando vi um Alouette que aparece no blogue (poste P924), pois trouxe-me velhas recordações.

Isto, porque quando fui ferido nas costas em 7 de maio de 1965, em Cacine, durante o trajecto de madrugada para Bissau, e em zonas diferentes, tentaram alvejar o heli por 2 ou 3 vezes, não posso precisar.

Tinham-me injectado morfina e colocado de barriga para baixo numa maca de lona colocada no lado exterior direito do heli. Quando dos primeiros tiros e no meio da minha sonolência pensava: "Oxalá que nenhuma das balas acerte na maca pois fico furado!"...  E naquela altura nem me passou pela cabeça que podiam acertar no heli. Mais à frente novos tiros, mesmo pensamento mas já desejoso que o heli chegasse ao Hospital. No lado esquerdo do heli colocaram o corpo do camarada   [o fur mil 'comando' Morais] que faleceu a meu lado .

(iv) No Hospital durante uma visita da D. Beatriz Sá Carneiro, ela perguntou-me o que é que eu precisava e lembrei-me então de lhe pedir um Monopólio para a caserna dos nossos praças, tendo ela satisfeito o solicitado.

Por ironia do destino, em 22 do mesmo mês de maio o ten Maurício Saraiva, deslocou-se a Lisboa a fim de no dia 10 de Junho, no Terreiro do Paço, ser promovido a Capitão por distinção e condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma.

No dia em que o ten Saraiva estava a ser agraciado  [em Lisboa, no 10 de junho de 1965] fomos para terrenos perto da Base Aérea fazer treinos de saltos de helicópteros e um dos instruendos que ia no meu atrapalhou-se de tal maneira que,  ao saltar bateu,  com toda a força com a G-3 num dos vidros que o partiu.

Passados vários meses, o alf Rainha para se vingar dos danos infligidos aos seus camaradas do Grupo extinto , ["Os Fantamas" ] foi, estoicamente, com o seu recém-formado grupo "Os Centuriões", no qual tinham sido integrados dois ou três dos feridos da Op Ciao,  atacar o mesmo acampamento.

No jornal "Os Centuriões", oferecido em 21 de agosto de 1965 pela Centuria em Brá
ao Centro de Instrução de Comandos cuja abertura foi dedicada aos velhos "Fantasmas",  pode ler-se.

"Nós,  os Centuriões, sucessores dos famosos Fantasmas, dedicamos-lhes este terceiro número do jornal como prova de admiração pelos seus feitos e faremos o possível para os igualar e superar se a isso, como diz Camões, 'não nos faltar engenho e arte' (ser comando é uma arte).

"Queremos aqui deixar também a nossa homenagem aos nobres soldados de 'Os Fantasmas«, caídos no campo da luta em defesa do torrão Pátria e garantir aos vivos que faremos todo o possível para vingar as suas mortes" (...) (***)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968). Foto do Alberto Pires, editada pelo Jorge Félix.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23958: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVII: O maluco do Honório nunca mais!... E depois o meu adeus à guerra dos “Fantasmas”, maio de 1965

(**) Vd. postes de:

3 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74- P312: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros (Virgínio Briote)

30 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P929: Felizmente falharam os tiros no heli (João Parreira)

sábado, 7 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23958: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVII: O maluco do Honório nunca mais!... E depois o meu adeus à guerra dos “Fantasmas”, maio de 1965


Lisboa > Terreiro do Paço > 10 de Junho de 1965 > O Almirante Américo Tomás a condecorar o ten mil 'comando' Maurício Saraiva, comandante do Grupo de Comandos "Os Fantasmas", com a Medalha de Valor Militar com Palma, e entretanto pronovido a capitão. Branco, nascido em Angola, Saraiva, idolatrado por uns, odiado por outros, foi um "mal amado", diz o Virgínio Briote... O Amadu Djaló, por sua vez, foi um dos oito "negros" (sic) - a par do Marcelino da Mata, do Tomás Camará e outros - a participar "no 1.º curso de quadros para os Comandos do CTIG", que teve início em 3 de agosto de 1964... Integraria depois o o Gr Cmds "Os Fantasmas", de outubro de 1964 a maio de 1965. O seu último comandante de secção foi o fur mil 'comando' Joaquim Carlos Fereira Morais, natural de Lisboa, oriundo da CAÇ 412 / BCAÇ 512. Morreu na Op Ciaio. Foram também feridos, da sua secção, o Amadu Fajló e o Tomás Camará. Outro ferido do grupo foi o João Parreira. (*)


Guiné > Bissau > 11 de junho de 1965 > "Foto tirada em frente ao Hotel Portugal, num dia que nunca mais esqueço, e por várias razões (i) era o dia dos meus anos; (ii) fui a Bissau buscar o 2º sgt. José Cabedo e Lencastre que vinha para o Centro de Instrução de Comandos; (iii) foi um dia depois da condecoração e promoção (a capitão) do Saraiva; (iv) os sapatos de pala castanhos que calçava atravessaram algumas bolanhas; (v) de tarde saímos para instrução e à noite fui ao cinema UDIB ver o filme “Noites de Casablanca", com a Sara Montiel".


Guiné > Região do Oio >   Tita Sambo (Camjambari) > 1965 > O Grupo Cmds "Os Fantasmas". Final da operação Ebro, em 26 de março. Para completar os intervenientes da Op Ciao (6-7 de maio de 1965, e Catunco, Cacine), falta apenas a presença do cap art 'comando' Nuno Rubim que acompanhou o Grupo. Em pé: o Cmdt Grupo ten Saraiva, 5º da esq. (MS);  e eu o 9º (FP). O fur mil Joaquim Carlos Ferreira Morais )JM) está em frente do Saraiva e o soldado Amadú Dajló (AD) à minha frente.

Fotos (e legendas): © João Parreira (2006). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um precioso  excerto das memórias do Amadu Djaló (**), neste caso relativas ao tempo em que integrou o Gr Comandos "Os Fantasmas" (comandado pelo alf mil cmd Maurício Saraiva, entretanto promovido a tenente e depois capitão). 

Descreve aqui a última operação, a Op Ciao, que ele realizou (junto com outros camaradas com os fur mil Morais e João Parreira, o primeiro ferido mortalmemte, e o segundo também evacuado para o HM 241; o próprio Amadu é ferido nesta operaçao). Foi em 6 de maio de 1965,  no sector de Cacine; tratou-se de um golpe de mão contra um acampamento IN em Catunco,

Recorde-se, aqui o percurso anterior do então sold cond auto Amadú Djaló (1940-2015):
(i) alistou-se nos comandos do CTIG, a convite pelo alferes mil 'comando' Maurício Saraiva, angolano; (ii) requentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964; (iii) deste curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros; (iv) deste curso sairam ainda os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: "Os Camaleões", "Os Fantasmas" e "Os Panteras".

O Amadu passou a pertencer ao Grupo "Os Fantasmas" comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva. Logo no fim do curso, os três grupos participaram na primeira operação, a Op Confiança, realizada entre 25 de outubro e 4 de bovembro de 1964 no Oio,   na área atribuída ao BCav 705, tendo por objectivo a reabertura do itinerário entre Mansabá e Farim.

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. Muitos dos novos leitores do nosso blogue  estão agora a ter contacto com as memórias do Amadu Djaló.


Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


A leitura, mais atenta,  do livro continua a ser uma verdadeira surpresa para mim.   Nunca é demais sublinhar que  é um testemunho humano, singelo, de valor grande documental, e com muito interesse, do ponto de vista socioantropológico, para um melhor conhecimento do passado da Guiné-Bissau e em especial do período da guerra colonial. O Amadu Djaló esteve 12 anos, de 1962 a 1974, ao serviço do Exército Português. 

Como já tivemos ocasião de o dizer noutra ocasião, o título do livro pode parecer ter pouco a ver com o conteúdo. Terá sido, aliás, mais ditado pelo marketing, com o objectivo de vender, o que no caso do Amadu até era um objectivo relevante, sabendo-se que ele tinha 10% sobre o preço de capa e era um homem pobre e doente. (Infelizmente, não enriqueceu com o livro.) "Guineense, comando, português" foi  claramente uma concessão aos "brancos" ou "europeus" (como ele nos chamava, quase sempre), Mas ele sentia-se português e um verdadeiro comando, sem nunca, por outro lado, ter renegado a sua pátria de origem (onde está , de resto, seputaldo).

Se um homem é sempre ele próprio mais as suas circunstâncias (não podendo escapar à historicidade), o Amadú foi porventura uma espécie de Sancho Pança guineense, servindo diversos Dom Quixotes, do Mauricio Saraiva ao Antónioo Spínola, mas também poderia ter estado ao lado do 'Nino Vieira e do Amílcar Cabral, como ele próprio admitiu, quando a páginas 30/31 evocou  a tentativa de aliciamento, para ingressar nas hostes do PAIGC, em julho de 1961, por parte de Adulai Djá, um colega seu de Bissau"  (que, tendo militado nas fileiras do PAIGC, chegaria a ser 2º comandante da base principal do Morés; mais tarde morto num ataque de comandos helitransportados, em data não especificada pelo Amadu, p. 30, nota de rodapé).

O Amadú acabou por ir para a tropa portuguesa em 1962 ("tropa era uma obrigação"), depois de um série de peripécias que meteram o pai, os primos do Senegal (militares do Exército francês), o administrador de Bafatá, o tenente Carrasquinha, do BCAÇ 238 (que tinha um fraquinho pela prima, bonita, Aua Djaló)...  .

Tenho igualmente chamado a atenção  para o talento narrativo do Amadu. Como bom africano, ele era um homem da cultura oral e, logo, um grande contador de histórias. E essa oralidade, espontânea (mesmo em português que não era a sua língua materna), perpassa por todo o livro, graças ao talento de outro homem, o Virgínio Briote, o seu "editor literário" (Ou "copydesk"), à sua paciência, perserverança, bom senso, bom gosto, sentido de ética e camaradagem.

Voltamos aqui a ter, neste excerto, duas boas histórias:

 (i) uma, cómica, burlesca e divertida, na I parte (já em parte aqui reproduzida) (***), em que ele descreve as peripécias da sua (e do Tomás Camará) viagem de DO-27, de Bissau até Cufar e depois Cacine, pilotado por esse "glorioso maluco das máquinas voadoras", que já era então o fur pil Honório Brito da Costa, nascido em Cabo Verde: sobre o Honório (Srgt Pil Av) temos mais de 3 dezenas de referências no blogue; 

(ii) outra bem mais dramática, pungente, reveladora da grande coragem mas também da nobreza humana do Amadu, a última operação do Gr Cmd "Os Fantasmas", em que morre o seu comandante de secção, o fur mil Morais,  e ele próprio é ferido com mais camaradas (*).


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVII: O maluco do Honório nunca mais!... E depois o meu adeus à guerra dos “Fantasmas”, maio de 1965 (pp. 123-130)

por AmaduDjaló

(i) Voando com o "maluco" do Honório até Cacine


Em Maio[1] de 1965, fomos para Cacine, com o objectivo de executar um golpe de mão a um acampamento em Catunco. Era a última operação do grupo “Os Fantasmas” e, por isso, o tenente [Maurício Saraiva] pôs-lhe o nome de “Ciao”.

Em Brá tivemos a manhã para preparar tudo. Depois, fomos em viaturas para o aeroporto de Bissalanca, onde estavam quatro avionetas à nossa espera. O tenente dirigiu-se ao furriel Morais, que já tinha acabado o tempo de comissão e disse-lhe:

– Vocês esperam pelo Honório[2], que parece que ainda não está pronto.

– Meu tenente, eu não vou no avião do Honório! Custa-me muito faltar à operação, mas eu não vou! – disse eu.

O Tomás Camará disse também que, com o Honório, não ia.

Então, o tenente disse que as avionetas que os iam levar,  regressavam para depois levar o resto do grupo. Visto que um dos pilotos concordou, eu e o Tomás Camará ficámos a aguardar.

As três avionetas levantaram com o pessoal e, passados dez minutos vimos o furriel Honório a dirigir-se para a sua Dornier. Virou-se para nós e disse:

–Vamos?

O furriel Morais e um soldado europeu foram ter com ele.

– Só vão vocês os dois?

– É, eles dizem que não vão na sua avioneta!

– Mas, porque não?

Saiu da avioneta e dirigiu-se para nós. Cumprimentou-nos e perguntou:

– Por que é que vocês não querem ir comigo?

Olhámos para o lado, nenhum de nós deu resposta. Ele disse:

  É pá, isso é uma grande vergonha para nós! Eu sou preto, levo brancos, que têm confiança em mim e vocês, que são meus patrícios, não querem ir na minha avioneta? Vamos embora, pá, não há problemas!

–  Eu não gosto de manobras no ar e o Tomás também não!

 
–  Eu não faço nenhum tipo de manobras!

Depois, pegou nos nossos equipamentos e disse:

– Vamos embora!

Não havia outra maneira. Muito contrariados, embarcámos na avioneta. Tomou altura, virou para sul e o voo correu muito bem até ao campo de Cufar. Aí, o Honório viu um homem a andar sozinho, apontou-lhe o dedo e disse alto:

– Vou assustá-lo.

Aí, eu já não sabia onde me meter. Ele baixou a avioneta e passou por cima do homem, que continuou a andar com calma.

– Ai, ele não fugiu?!...  Então, vou-lhe acertar com a asa da avioneta! 

E baixou outra vez e ainda mais, parecia que ia aterrar ali. O homem viu aquilo, que não era nada normal, e saltou para junto de uma árvore. Mas agora, para retomar altura,  é que me parecia mesmo muito difícil.

Ao homem, a árvore tinha-lhe salvo a vida e a nós, pouco faltou para perdermos as nossas. A partir deste incidente, nenhum de nós abriu mais a boca, até chegarmos a Cacine.

Esta pequena vila fica junto ao rio. O piloto parou o motor e mergulhou, mergulhou. Só víamos água à nossa frente. Naquela altura, eu disse para comigo, "até aqui foi brincadeira, mas agora ele não vai poder controlar a avioneta e vamos morrer todos". Era só água que eu estava a ver, tapei a cara para não ver mais nada e gritei com força. Ouvi o Tomás também aos gritos.

De um momento para o outro, senti o estômago na boca, o avião estava a levantar, outra vez, a pique. Mesmo assim, vi os mangueiros bem perto e, logo depois, entrou directo na pista e aterrou.

Saltou cá para fora, abriu a porta a cada um de nós e, quando, sem qualquer tipo de fala, lhe virámos costas, ele apalpou-me o rabo e cheirou a mão, para saber se eu tinha borrado as calças.

Mesmo na pista, estava uma coluna à nossa espera, que nos transportou para Cameconde.



Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Cameconde, a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine...  
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Cameconde não tinha tabanca, só quartel. Os únicos vizinhos da tropa eram do PAIGC. Os nossos militares mal podiam sair do arame farpado. Aquele local foi um castigo doloroso para quem cumpriu lá a comissão.

Cameconde fica num cruzamento. Para entrar em Cacine tem que se passar por Cameconde, venha de onde se vier. As fronteiras são em Sangonhá, Cacoca, Camissorã e Banire, este por via marítima. A estrada continua até Cassacá e Campeane. É um cruzamento que separa tudo.

Chegámos depois do almoço e ficámos a descansar até às 17h00, mais ou menos. O tenente chamou-me e levou-me junto do guia, que era nalu.

Perguntou-lhe se tinha coragem para nos levar ao acampamento. Se não tivesse, mandava vir outro guia, amanhã, de Cacine. Mas o guia, à nossa frente, assegurou que não era preciso vir mais ninguém, que ele nos levava até ao acampamento da guerrilha. Enquanto o tenente ia falando com ele e fazendo perguntas, nós ficámos a aguardar a hora de saída.


(ii) A morte do furriel Morais, meu comandante de secção

Por volta das 20h00, começámos a sair, rumo a Catunco Nalu, com a missão de executar um golpe de mão ao acampamento.

Saímos à nossa moda, como era costume, com muito cuidado e sempre no maior silêncio. Alguns minutos depois, saiu um pelotão de periquitos, pertencente à companhia de Cameconde. Fomos sempre ao lado da estrada de Cacine a Camissorã, que atravessa Cameconde, até Catunco. No cruzamento deixámos o pelotão para trás, com a missão de fazer a segurança do local e aguardar a nossa retirada.

Entrámos na direita e, a partir daqui, o guia ficou fora do nosso controlo. Já não andava mais. O tenente bem insistia e chegou a dar-lhe com a coronha da arma na cabeça, mas nada dava resultado. Rastejava um pouco e parava, levava uma coronhada, rastejava e parava outra vez. Assim, fomos andando até chegarmos a um local cheio de mangueiros, dos dois lados da picada. O local era muito escuro e o guia continuava a atrasar-nos. Não sabíamos onde o sentinela estava.

Logo que saímos da escuridão das sombras dos mangueiros, uma rajada, à minha esquerda, cortou o silêncio. Aterrámos no chão, primeiro, depois, aos gritos de "Comandos ao ataque", arrancámos na direcção de onde partiram os tiros, pensando que era o local do acampamento. Era apenas o posto da sentinela. O acampamento ficava um pouco afastado e, mais para a esquerda, viemos a saber pouco depois. Abrimos fogo e lançamos granadas incendiárias. Barracas não vimos nenhuma, o que ouvimos logo foram tiros, vindos do lado esquerdo.

Corremos nessa direcção e encontrámos uma horta, com barracas. Começámos a revistá-las e fomos encontrando equipamentos e bagagens.

Retirámos um pouco na direcção do cruzamento e, passados alguns minutos, o tenente Saraiva perguntou-me se eu tinha ouvido uma metralhadora pesada a cantar. Eu tinha ouvido muitos tiros, só não sabia se alguns eram de metralhadora pesada. Ele, então, perguntou ao furriel Morais a mesma coisa. Que não sabia se eram de metralhadora pesada, foi a mesma resposta.

E o tenente a dizer-lhe:

– Pois eu ouvi perfeitamente. Pega no guia, vai lá com o Amadú, leva duas equipas e vão vasculhar toda a área. De certeza que vão encontrar qualquer coisa interessante.

O furriel Morais e eu levantámo-nos.

– O guia para quê? Estamos a ver as barracas a arder!

Iniciámos a marcha em direcção das barracas, mas a perguntar a mim próprio, porque razão o comandante do grupo não vinha connosco. Ainda não eram 24h00 quando lá chegámos pela primeira vez, agora já eram quase 2h00 da madrugada.

A progressão até ao acampamento não teve problemas e, quando lá chegámos,  começámos outra vez a vasculhar tudo. Eu com uma lanterna na mão à procura da tal arma pesada. O furriel Morais perguntou se eu já tinha visto alguma coisa. Não, não tinha ainda visto nada.

O furriel dirigiu-se na minha direcção. O local onde eu estava tinha ídolos [3] e deuses e ele esteve naquele local ainda um bocado de tempo, sempre à procura de qualquer coisa interessante até que me disse:

– Amadú, temos que sair daqui!

Dirigimo-nos para o local onde estavam os restantes elementos. Vimos o 1º cabo Cruz com uma jarra na mão e a bater com ela no pé de uma árvore de cola, pam, pam, pam…

Eu pensei, bom, ele está a fazer este barulho para a guerrilha saber o local onde estamos. Só podia ser para essa finalidade, tanto barulho!

O Tomás Camará disse-me que o cabo Cruz lha tinha tirado, para a destruir. Daqui resultou uma discussão entre nós, dentro do acampamento, que só não deu mais barulho porque o furriel Morais pôs o pessoal na ordem.

Entretanto, as barracas ardiam com toda a força e o furriel deu ordem para sairmos do local. Perguntei-lhe qual era a equipa que ia à frente.

– É a nossa 
– disse.

Foi a última coisa que o furriel Morais disse. Mal dei o primeiro passo, uma granada de RPG [4] explodiu à nossa frente e atingiu quase todo o pessoal. O furriel Morais teve morte instantânea. Logo a seguir ao rebentamento da granada, sucedeu-se o tiroteio, que durou alguns minutos. Ninguém levantava a cabeça. Quando o fogo abrandou, já todos tínhamos pensado o mesmo, para onde, por onde, como e quando sair dali.

Entre nós estava uma grande árvore, que nós na Guiné chamamos poilão [5]. Tinha raízes de fora, com grandes lombas, eram tão grandes que podiam abrigar um bigrupo. Meti-me, deitado, numa das lombas e estava a sentir qualquer coisa a escorrer pelas minhas costas. Desabotoei o dólmen, meti a mão até à anca e pareceu-me que era sangue.

Ao mesmo tempo senti que o meu ombro esquerdo estava a doer. Cuspi na mão e tentei ver a cor do cuspo. Se fosse sangue era mau sinal, podia ter sido atingido nos pulmões ou até no coração. Não era sangue, fiquei mais tranquilo. Se a ferida é fatal, a gente nem sente.

Mas eu estava a ouvir gemidos de companheiros. Um chamava pela mãe e eu cheguei-me a ele. Que estava ferido, eu também estava e o Tomás Camará andava com as pernas abertas, a dizer que o furriel estava morto,  e que, como era agora o comandante, ia pedir apoio pelo rádio. Tomás comunicou com o tenente Saraiva, que lhe perguntou se nós não podíamos regressar pelos nossos próprios meios.

– Tenente, nós éramos onze! Há muitos feridos e um está morto! 

O tenente ainda insistiu:

– Então vocês não podem sair daí, nem se podem mexer?!

Nesse momento ouviam-se gritos de um companheiro ferido. Mas outros, gritavam alto para o PAIGC ouvir:

– Venham ter connosco aqui, pá! Estamos aqui à vossa espera!

Estes gritos serviram de incentivo. Outros começaram também a recuperar o ânimo.

Entretanto, uma secção do pelotão, que estava com a missão de nos apoiar e recolher, meteu pés ao caminho, para nos ajudar a recolher o morto e o ferido que não podia estar de pé. O único que não foi ferido foi o cabo Cruz. Dos outros, dez tinham sido atingidos, um deles mortalmente. Mas saímos dali, mal ou bem, a arrastarmo-nos como pudemos até ao cruzamento.

Ficámos a aguardar a chegada da manhã, para procedermos às evacuações. O corpo do furriel Morais esteve ali ao nosso lado, deitado e bem caladinho, num silêncio de quem nunca mais voltará. Nasceu em Portugal e veio acabar a vida neste lugar de Catunco, no sul da Guiné, em 7 de maio de 1965.

Os militares que cumpriram a comissão em Cameconde foram muito sacrificados. Estavam ali para segurança da pequena vila de Cacine. Como já disse, para entrar em Cacine, venha-se de onde vier, tem que se passar por Cameconde. E para sair é pelo mesmo cruzamento. De Cameconde para Cacine vira-se para norte. De qualquer parte que se venha, a entrada é a mesma e a saída na direcção do sul, é também a mesma. 

Em Cameconde há uma picada que liga Cacine a Camissorã, continua-se sempre para sul até chegarmos a Camissorã. Quando se chega a Cameconde, há uma estrada principal, que fica a leste, que leva a Bafatá, Enchudé, Catió, Empada, Bedanda, Quebo. Para qualquer lado que se queira ir a saída é a mesma e para oeste tem muitas tabancas, de que eu só conheço Banire, Cassacá e Campeane. Dos outros nomes, não me lembro.

Portanto, para cumprir o serviço militar em Cameconde, era como quem pegava arma e entrava na mata para atacar os acampamentos da guerrilha. Todas as horas de todos os dias eram perigosas aqui. E só passava o perigo quando se ficava longe de Cameconde. Enquanto aqui estivesse, o militar não podia sair do arame, porque a partir de 20 a 50 metros podia ser morto ou raptado pelo PAIGC.

De manhã, a avioneta pediu que indicássemos a nossa posição. O tenente mandou estender telas, a avioneta localizou-nos e, poucos minutos depois, chegou o helicóptero acompanhado de bombardeiros T-6.

O tenente indicou a posição onde podiam bombardear. Durante a noite, o PAIGC não esteve quieto, foi fazendo fogo sobre nós. Mas depois dos bombardeamentos, o tiroteio acabou. Os helis [6] puderam assim pousar com segurança. Um foi para Bissau com um ferido e o corpo do furriel Morais, eu e o Tomás Camará fomos noutro para Cacine, onde recebemos os primeiros socorros de um médico da Marinha. Estivemos deitados na enfermaria, até que chegou a coluna que nos transportou para a pista. Fomos recolhidos por avionetas e ainda não era meio-dia estávamos em Bissau.

Esta foi a “Ciao”, a última operação dos “Fantasmas”. Eu e o Tomás resolvemos abandonar os comandos. Entregámos as armas e os equipamentos e regressámos à CCS do QG.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]
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Notas do autor e/ou do editor literário (VB);

[1] Nota do editor: 6 maio 1965.

[2] Furriel Piloto Aviador.

[3] Chifres, bonecos de pau, garrafas.

[4] Nota do editor: RPG ou la
nça-granadas-foguete. A abreviatura deve-se à expressão russa “lançador de granada anti-tanque portátil” (Ruchnoi Protivotankovye Granatamyot)

[5] Árvore grande, majestosa, muito frequente na Guiné. Aproveitamos a madeira para fazer canoas. Para os que adoram deuses é uma árvore sagrada, protege as tabancas, é morada tradicional de espíritos e local de cerimónias.

[6] Allouette II.
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 3 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23942: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVI: Op Faena e Açor, abril de 1965, no sector de Buba

domingo, 27 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23822: (De)Caras (189): Joaquim de Araújo Cunha, ex-fur mil mec auto, CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72), natural de Barcelos, morto em combate, em 26/11/1970, no decurso da Op Abencerragem Candente

 

Guiné > Região de Bafatá >Xime > CART 2715> s/d >  O Joaquim de Araújo Cunha parece ser o militar da direita, na brincadeira com um jovem guineense... Ainda se estava nos dias alegres do Xime... A foto  chegou-nos sem legenda nem data, mas é seguramente anterior à trágico desfecho da Op Abencerragem Candente,  em 26/11/1970... A legenda, galhofeira, podia ser: "Arraial minhoto no Xime: quem não tem cão, caça com gato"... 

CART 2715 tinha chegado ao Xime em final de maio de 1970... O comando e CCS do BART 2917 ficaram sedidados em Bambadinca (sector L1) (A CART 2714 em Mansambo e a CART 2716 no Xitoel). 

Depois de efetuar a sobreposição e render a CART2520,  a CART 2715 assumiu em 8 de junho de 1970 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento em Enxalé, sendo este guarnecido ora com um pelotão, ora com dois pelotões conforme as necessidades operacionais. Seis meses depois sofre um duro golpe com a morte de cinco dos seus militares, em 26/11/21970 (Op Abencerragem Candente). (O guia que foi morto, a 6ª vítima, Seco Camará, pertencia à CCS/BART 2917.) 

Teve cinco comandantes de companhia (o primeiro, o cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos). Em 14 de março de 1972, foi rendida no subsector de Xime pela CART 3494, tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso.

Foto gentilmente cedida pela sobrinha do Joaquim de Araújo Cunha (1948-1970) Ana Rita Silva (Barcelos).


1. O Joaquim de Araújo Cunha, fur mil mec auto, da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72), foi uma das seis vítimas mortais da violenta emboscada em L que as NT sofreram na antiga picada Xime - Ponta do Inglês, no decurso da Op Abencerragem Candente (Xime, 25-26 nov 1970 ) (*).

Em tempos  recebemos, na caixa de comemtários do  poste P9863, de 8 de maio de 2012 (**)  uma mensagem subscrita por  uma sobrinha do Cunha, não tendo porém deixado   o seu nome, ou qualquer contacto ( email ou nº de telemóvel):

"Sou Sobrinha do Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha. Apesar da mágoa, a minha mãe gostou muito de ler estas palavras e perceber que era acarinhado pelos colegas. Temos, ainda, guardadas todas a fotografias pelo que teremos todo o gosto em as partilhar. Obrigada. Cumprimentos para todos" (11 de março de 2015 às 22:14).

No Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, encontrámos finalmente o seu nome e o link para a sua página, e a foto que reproduzimos acima:

Ana Rita Silva: "Sou a sobrinha do Joaquim de Araújo Cunha. Não tive o prazer de conhecer o meu tio mas guardo algumas histórias. Agradeço em nome de toda a família - especialmente em nome dos irmãos ainda vivos- a lembrança e as palavras de carinho, apesar de tudo. Muita saúde para todos. Aproveito para desejar um Santo Natal e um próspero Ano Novo". (26 de novembro de 2022, 23:05).

O nosso camarada António Duarte fez o comentário o seguinte: "Ana Rita Silva consulte o blogue da Tabanca Grande Luís Graça . É com emoção que se vê uma sobrinha do nosso camarada Cunha a vir ao nosso encontro, dos que passando pela Guiné/Xime não tiveram o azar do seu tio."(27 de novembro de 2022, 11:40)

E nós acrescentámos: 

"Tabanca Grande Luís Graça: Querida Ana: fui dos últimos a estar com o seu tio Araújo, à mesa, às 3 da manhã do dia 26, e fui dos primeiros a vê-lo morto por volta das 9h00 da manhã... Foi um dos nossos soldados que o trouxe às costas, o "gigante" Abibo Jau, da CCAÇ 12, durante quilómetros até à sua "casa", o quartel do Xime... Nunca percebi por que razão é que um furriel mecânico auto (!) ia à frente, com uma secção, atrás do guia do Seco Camará,  de uma força de 250 homens (dois destacamentos, CART 2715 e CCAÇ 12)... Tem aqui no blogue o meu contacto. Luís Graça." (27 de novembro de 2022, 10:14)

E depois agradecemos a foto que nos disponibilizou:

 "Ana, obrigado pela foto do tio Araújo Cunha. Não tínhamos nenhuma foto dele, desse tempo (trágico) da Guiné!... Luís Graça.". (***)

O Joaquim de Araújo Cunha era natural de Outeiro, São Miguel da Carreira, Barcelos, Está sepultado no cemitério da sua freguesia natal. A sobrinha Ana Rita Silva vive em Barcelos e é mestre em direito pela Universidade de Coimbra (segundo informação da sua página no Facebook). 

Votos do nosso editor LG:

"Ana, desejo-lhe também um Feliz Natal de 2022, a si e aos seus. E  acalente sempre a memória do seu querido tio e nosso saudoso e bom camrada. Nós aqui, há muito que recusámos deixá-lo inumado na vala comum do esquecimento". Tem mais de meia dúzia de referências no nosso blogue".
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(**) Vd. poste de 8 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9863: (De)caras (10): Relembrando o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, natural de Barcelos, que pertencia à CART 2715 (Xime, 1970/72), e que foi morto de morte matada em 26/11/1970 (José Nascimento, CART 2520, Xime, 1969/70)