domingo, 23 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > 1972 > Parada do quartel. O Pel Caç Nat 53, comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, estava aqui em reforço da unidade de quadrícula (originalmente a CCAÇ 2406, 1968/70, que pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca, depois a CCAÇ 2701 (1970/72) a que pertenceu o Alf Mil Martins Julião e a seguir a companhia do capitão-proveta Lourenço e do Alf Mil Armandino (1972/74).

Foto: © Paulo Santiago (2006)


Texto do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), actualmente residente em Aguada de Cima, Águeda:


Luís

Vou começar hoje a lembrar os antecedentes que levaram à trágica emboscada no Quirafo, em 17 de Abvril de 1972 (1).

Em 18 de Março de 1972, houve em Bambadinca a cerimónia de encerramento do curso de Milícias, que tivera início nos primeiros dias de Janeiro. Entretanto, no Saltinho, tinha chegado em Fevereiro a CCAÇ substituta da CCAÇ 2701. Tinha também comigo na instrução o Fur Mil Dinis, um açoriano da Terceira, e o 1º cabo Mantudo dos Santos, guineense e beafada. O Dinis ainda não conhecia, além de mim e do Mantudo, ninguém do Pel Caç Nat 53, onde fora colocado em substituição do Fur Mil Duarte, que acabara a comissão em Novembro de 1971. Chegara a Bissau no fim de 1971, e passados dias mandaram-no para Bambadinca comandar um dos pelotões de instrução.

O Pel Caç Nat 53, desde Outubro de 1971 estava dividido. Tinha 15 homens em Galomaro, comandados pelo Fur Mil Martins, que em 4 de Dezembro de 1971, sofreram uma emboscada, que provocou ferimentos ao 1º cabo Sanhá, beafada, e ao sold Iero Seidi, fula. Os restantes militares do 53 encontravam-se em Saltinho/Contabane, comandados pelo Fur Mil Mário Rui.

No dia seguinte à cerimónia de encerramento, a 19 de Março de 1972, um Domingo, fui de manhã ao Xime despedir-me do pessoal da CCAÇ 2701 que, terminada a sobreposição com a companhia substituta, apanhava, naquele dia a LDG de regresso a Bissau em trânsito para o Puto.

As recordações são tão más que não consigo lembrar-me do nº da companhia, mas lembro-me de, no cais do Xime, alguns graduados da CCAÇ 2701, me avisarem para ter cuidado com o Cap Lourenço, um proveta que não seria grande merda e de um Furriel me dizer que o gajo tinha entrado no Saltinho de chapéu à cow-boy e de [pistola] Walther à cintura, com um atilho a apertar o coldre à perna... Enfim, uma verdadeira cena de filme série B!...

Não levei os avisos em grande conta, afinal em, praticamente 18 meses de comissão, apenas tivera dois problemas complicados,ambos para defesa dos meus homens, pelo não seria agora que um proveta que nem sabia o que era roer cola, me iria chatear. Como estava enganado...

Ainda nesse dia, após o almoço, o Polidoro Monteiro fez questão de nos levar a Galomaro, eu, o Dinis e o Mantudo dos Santos. Encontrei-me com os meus homens, que se queixaram estar fartos de andar a proteger as costas aos gajos da CCS e quererem reunir-se ao resto do 53. Conheci o novo comandante do batalhão, o Castro Lemos, não gostei da peça, o que não admirava, já o anterior, Octávio Pimentel, não valia nada.

Este novo comandante tinha no curriculo n anos na GNR e uma presidência do Boavista FC. Excelentes credenciais para uma comissão na Guiné...

Passados três dias lá fomos para o Saltinho, em coluna, via Pulom e com a promessa de juntar brevemente todo o pessoal do Pel Caç Nat 53. Após umas horas de saltos nas costas do banco do Unimog chegámos ao Saltinho.

O Lourenço esperava a coluna, apresentámo-nos com um cumprimento de fugida, dei um abraço ao Mário Rui que entretanto aparecera, apresentei-lhe o Dinis, pedi para irem ao lado de lá do rio chamarem os homens que se encontravam em Contabane para conhecerem o novo Fur Mil,e ala para o bar beber um whisky com Perrier, que se está a fazer tarde.

Encosto-me ao balcão, com o Mário Rui atrás dizendo qualquer coisa que não percebo,e peço dois whiskies. O Dinis tinha ido ver as instalações, e diz-me o barman:
- Meu alferes há dois dias este é o bar dos sargentos, o dos oficiais é ali na porta do lado,onde era uma arrecadação.

Começou aqui a minha guerra com o proveta. Ao fim de 18 meses o cacimbo já era bastante para mandar de seguida o soldado,não tinha culpa, para o caralho e exigir que pusesse ali rapidamente um whisky para mim e outro para o Mário Rui. O Lourenço ouviu tudo ,tendo contudo o bom senso de não intervir. Eu estava parvo, com a CCAÇ 2701, comandada por
capitão do Quadro, a messe e bar era em conjunto para Sargentos e Oficiais, e vinha agora o Miliciano separar as classes. Vejam só uma das importantes medidas tomadas pelo Capitão-proveta Lourenço. Começava a imaginar que iria haver borrasca. Assim se destrói o espirito de corpo...

Paulo Santiago,
ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72)

__________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

Sem comentários: